A TRADIÇÃO RENOVADA: TEMAS E TRILHAS DA PESQUISA EDUCACIONAL EM MINAS GERAIS (1955 1965) Maria do Carmo Xavier Faculdade Pedro Leopoldo Marcados pelo ideário do desenvolvimento e pelas conquistas políticas e jurídicas, asseguradas na constituição de 1946, os anos 1950/60 no Brasil foram tempos de debate e de investigação sobre a realidade nacional. Na agenda de discussões da elite brasileira a temática do desenvolvimento ganhava ênfase e transferia a tônica dos discursos da política para a economia e a técnica. Um alegre otimismo combinava os avanços tecnológicos do processo de industrialização e da crescente urbanização, à crença na superação do atraso e na modernização da sociedade brasileira. Um cenário no qual não se podia prescindir da contribuição dos instrumentos da educação. E para ela, voltavam os olhos os sociólogos, antropólogos e educadores, reunidos no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), uma instituição cuja finalidade era a promoção de estudos e pesquisa sobre a realidade social e cultural do país visando assim, subsidiar a reconstrução da política educacional. Empreendimento ainda pouco explorado pelos historiadores da educação, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi um importante órgão de estudo e investigações idealizado por Anísio Teixeira e incorporado a estrutura do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). A sede do centro brasileiro foi instalada no Rio de Janeiro em 1955, articulada a outras cinco unidades regionais denominadas Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE). Os CRPEs foram criados em São Paulo, Recife, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte. O CBPE e sua rede de centros regionais, compunham o ambicioso projeto de modernização do país que teve lugar no Brasil dos anos 50/60. Sua incumbência principal era o desenvolvimento de um amplo programa de estudos e pesquisas sobre aspectos da realidade educacional e cultural brasileira, que fosse capaz de oferecer um retrato de corpo inteiro do país subsidiando assim, o planejamento racional das políticas da educação. Marcos Cezar Freitas em seus recentes estudos sobre a produção intelectual nos anos 50 no Brasil, tem chamado a atenção para a importância de se ampliar o campo de investigações acerca das ações empreendidas pelo Centro Brasileiro e seus parceiros regionais, com vistas a um 1
redimensionamento das questões que envolvem o debate em torno do regional e do nacional e sua relação com processo de (re)definição da identidade do país. Para o autor, um maior entendimento sobre o significado do projeto CBPE; sua originalidade e a especificidade das ações dos centros regionais, espalhados por diferentes pontos do país, é um caminho profícuo para a uma aproximação com as questões que envolvem os temas do planejamento e das representações sobre o local e o regional, no processo de desenvolvimento do país. Por outro lado, a compreensão dos debate entre educação e sociedade presente no projeto CBPE possibilita uma maior percepção dos parâmetros que configuraram a identidade do campo próprio da educação e das ciências sociais no Brasil. (Freitas, 2002) Esse artigo pretende localizar alguns aspectos da trajetória e peculiaridades do Centro Regional de Pesquisa Educacionais de Minas Gerais, dentro do arcabouço do projeto CBPE. Para tanto, focaliza, na primeira parte do texto, o projeto institucional do CBPE e sua rede de centros, no contexto dos anos 50/60 no Brasil. Em seguida, situa a trajetória do Centro Mineiro destacando as peculiaridades do projeto político-pedagógico dos intelectuais mineiros reunidos nesse projeto e as interfaces com o projeto do centro brasileiro. O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais Autores 1 que a partir de diferentes ângulos, retomaram em seus estudos a experiência do CBPE têm reiterado a idéia de que o Centro Brasileiro e os Centros Regionais cumpriram, nos anos 50/60, um importante papel no processo de qualificação do debate intelectual sobre as condições do desenvolvimento e da mudança social, desejada para o país. Segundo esses autores, ao produzir levantamentos e estudos sobre as condições culturais e escolares de nossas diferentes comunidades, as pesquisas vinculadas ao CBPE e aos centros regionais promoveram não apenas uma qualificação do debate sobre o desenvolvimento do país, mas, uma verdadeira aproximação entre conhecimento local, regional e a questão nacional. O levantamento sistemático de informações sobre a situação educacional do país e o investimento nos estudos de comunidade, ampliaram a perspectiva de leitura da realidade nacional e colocaram em cena realidades imediatas e complexas da sociedade brasileira. Nesse sentido, os estudos viabilizados pelos centros de pesquisa ajudaram a promover o questionamento da perspectiva das grandes 1 Em especial, Correia 1987, Xavier 1999, Freitas 2001 2
interpretações, em especial a visão dos dois brasis, que tanto marcou a produção intelectual no campo da sociologia, da história e da literatura até a década de quarenta do século XX. Os elementos recolhidos nas investigações minuciosas das realidades locais, colocaram em questão a necessidade de se entender a natureza das mudanças sociais e discutir sua relação com o processo de expansão da industrialização e da urbanização, que ocorriam na sociedade brasileira, naquele momento. A vinculação entre a questão educacional e os estudos de realidade, no âmbito do projeto institucional do CBPE não só favoreceu a reunião de pesquisadores e atores políticos identificados com as idéias desenvolvimentistas e com as estratégias de luta contra o subdesenvolvimento 2 como também colocou a sociologia a serviço da educação, demarcando uma nova fase de produção no campo das ciências sociais no Brasil. O investimento na hipótese de que a ampliação do conhecimento sobre as características educacionais e culturais das diferentes regiões do país, viria qualificar o debate sobre o seu desenvolvimento, tanto contribuiu para reconfigurar os campos intelectuais das ciências sociais e da educação no Brasil, quanto para reforçar a concepção de desenvolvimento nacional articulado aos processos de transição regional. Por outro lado, a aposta na pesquisa como instrumento fundamental para o planejamento das ações da administração pública, articulada ao caráter empírico dos estudos sociológicos e educacionais fez com que, pela primeira vez, os Estados assumissem o apoio financeiro e o incentivo à pesquisa científica em âmbito regional. Mas, ainda que se possa compreender o projeto CBPE como um exemplo típico dos modelos institucionais que caracterizaram os anos 50 no Brasil 3, o que não se pode perder de vista é o fato de que as ações promovidas pelo Centro Brasileiro e os Centros Regionais também se articulavam à tradição do movimento de renovação educacional conduzido pelos chamados 2 Não se pode perder de vista que no período ocorrem os acalorados debates em torno da LDBN prevista na constituição de 1946 (Lei 4024/61). Neles, a temática do desenvolvimento integra as discussões sobre o aperfeiçoamento do ensino superior e da defesa da escola pública, universal e gratuita. 3 Vale destacar que no período são criados outros modelos institucionais como esse. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP),o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cf. Freitas,2001. 3
pioneiros da educação, desde os anos 20/30. 4 Tal movimento conjugava ações de modernização e racionalização das estruturas burocráticas do ensino, à defesa da universalização do acesso a escola, à profissionalização do magistério público, ao estabelecimento de uma política nacional de educação e à abertura de instituições de inteligência não universitária que estimulassem a reunião de intelectuais dispostos a contribuir para a implementação de projetos políticos demandados pelo poder estatal. Ou seja, um movimento que se fundava na hipótese de que a ciência era a chave para uma intervenção racional no campo da educação e da reforma social. Em seu estudo sobre a dinâmica institucional do CBPE, Libânia Xavier (1999) observa que ao reunir educadores e cientistas sociais num mesmo projeto institucional a experiência do CBPE reafirmava os princípios do grupo de renovadores de 1932, que se identificavam não apenas com as questões educacionais mas também com organização do campo educacional. As ações do CBPE e dos centros regionais de pesquisa reforçaram a interação entre ciência e planejamento e valorizaram o campo educacional, ampliando sua relevância política e acadêmica. Para Marcos Cezar Freitas, que avalia a experiência do Centro Regional de São Paulo, as investigações sobre a realidade brasileira promovidas pelo projeto CBPE tanto serviu para conferir base racional e científica ao tratamento do problema da educação quanto para evidenciar as contribuições das ciências sociais no processo de reconstrução social. E isso ocorria não porque os estudos sobre a realidade nacional fossem uma novidade no cenário das ciências sociais no Brasil, tampouco porque superasse a visão dualista do a t r a s o e do moderno, típica de uma produção sociológica vinculada à tradição euclidiana, predominante até as décadas de 30 e 40 do século XX. Para esse autor, o mérito das pesquisas desenvolvidas a partir dos Centros Regionais estava, principalmente, na possibilidade de captar aspectos sociais e culturais ainda pouco explorados e orientar-se no sentido de um trabalho sistemático de pesquisa, do mapeamento de dados e da elaboração de análises que superavam a lógica evolucionista dos estudos históricos e sociológicos do final do século XIX. Munidos de novos e mais refinados instrumentos de pesquisa, capazes de ir além das aparências e do efêmero, e adotando os mais recentes conceitos elaborados pela antropologia cultural, que naquele momento ganhavam força 4 Estamos nos referindo ao grupo denominado pioneiros da educação nova (Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho e outros). Eles atuaram nas reformas do ensino nos estados nos anos 20/30 relacionando o processo de reconstrução nacional à renovação educacional nos moldes expressos no manifesto de 1932. 4
no país, os pesquisadores associados ao CBPE e aos Centros Regionais trouxeram à tona as complexidades da sociedade brasileira e promoveram uma renovação de seus arcaísmo culturais. (Freitas, 2001) Outro aspecto que não se pode ignorar quando se pensa o projeto CBPE, é o fato que os estudos empíricos desenvolvidos no centro brasileiro e nos centros regionais, contribuíam para dinamizar a organização documental do campo da educação, para impulsionar a formação de pesquisadores e técnicos, aperfeiçoar os quadros do magistério e possibilitar o estudo e a experimentação de novos métodos e técnicas pedagógicas que passaram a indicar os rumos da pesquisa educacional e a demarcar o seu campo próprio de atuação. No entendimento de Correia (1988) retomado por Xavier (1999), a experiência do Centro Brasileiro e de sua rede de centros regionais, no período de 1955 a 1964, instaurou no país uma tradição de pesquisa que estabelecia um intercâmbio entre formas de investigação da realidade social e o dimensionamento de seus resultados com vistas a subsidiar uma nova política de educação. Essa tradição foi perdida/esquecida pelas gerações posteriores, principalmente, em função do modelo de pesquisa que se implantou no país a partir de meados da década de 70 do século XX, no interior dos programas de pós-graduação. Na avaliação de Xavier (1999), essa tradição de pesquisa foi marcada por um caráter ambíguo em relação ao lugar que ocupava na esfera do Estado. Pois, ao mesmo tempo em que reivindicava autonomia baseada no caráter técnico-científico de seus quadros, a pesquisa produzida no CBPE vivia atrelada, por sua própria natureza institucional, às solicitações do governo e às limitações da burocracia estatal. Dessa forma, a intenção de estabelecer relações entre a investigação científica e o planejamento racional das políticas educacionais, como defendia a geração dos pioneiros da educação nova, acabou sendo frustrada no projeto CBPE e superada pela nova geração de cientistas sociais no processo de cientificização das profissões modernas e hierarquização dos campos científicos. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais O período recortado entre os anos de 1955 e 1965 corresponde a fase em que o Centro mineiro esteve vinculado à estrutura do Centro Brasileiro. A partir de 1966, período que coincide com a fase do desmantelamento do projeto CBPE no plano nacional, o CRPE mineiro passará por um 5
processo de mudança e reestruturação que o transformará no Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro (CRPEJP), vinculado diretamente ao INEP/MEC e instalado em nova sede, com renovadas e ampliadas funções. 5 A existência dessa segunda fase do projeto do Centro Regional de Pesquisa Educacionais de Minas Gerais nos ajuda a compreender, em parte, as peculiaridades e a singularidade do centro mineiro. É interessante observar que no momento em que o projeto dos centros de pesquisas educacionais está sendo desmontado em âmbito nacional, em Minas o investimento na pesquisa educacional ganha relevância política e se torna alvo da destinação de recursos federais e estaduais. Os motivos que levam a ampliação das funções desempenhadas pelo CRPE e o significado de sua atuação é destacado pelo governador Israel Pinheiro, ao expor ao presidente da Assembléia Legislativa do Estado, as justificativas para a doação, à União, do terreno da antiga Fazenda da Gameleira, no qual se pretende instalar a nova sede do CRPE, doravante Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro 6. O meu governo considera de sumo interesse a providência que solicito, pois a cessão dos terrenos (...) tornará possível o funcionamento de um conjunto educacional de alta eficácia, fadado a alcançar metas essenciais para a educaçã o mineira e a ter profundas repercussões em nossa cultura, em nossa economia, em nosso desenvolvimento, em resumo, na vida de nossa peculiar civilização (Boletim Informativo do CRPEJP, n º 65, p.4, 1966) A relevância conferida pelo governador ao projeto de construção da nova sede do CRPE, um conjunto arquitetônico com características de um campus universitário 7 nos indica o lugar 5 O projeto para a instalação da nova sede do CRPEJP incluía: edifícios para a administração, para os órgãos de pesquisa; de documentação e informação pedagógica; prédios destinados ao jardim da infância e curso pré primário; grupo escolar (escola-parque), escola de prática, escola de demonstração, escola de experimentação; escola de treinamento, aperfeiçoamento e preparação de professores para os cursos pré primário, primário e normal; internato para 300 professores, enfermaria; capela, biblioteca, auditório, oficinas gráficas, refeitório, cantina, garagem, campos de esportes e piscina. Cf. Boletim Informativo CRPEJP, n º 65,1966. 6 A referência ao nome de João Pinheiro não é gratuita. Republicano histórico e figura de destaque na cultura política mineira João Pinheiro foi um representante do discurso modernizador que produziu a necessidade do investimento na escola e marcou os anos iniciais da república. Foi no seu governo, 1906-1908, que se realizou a primeira grande reforma do ensino primário e normal, inaugurando-se o processo de modernização da instrução enquanto caminho para o desenvolvimento do Estado.(Cf. Faria Filho,2001) 7 Boletim Informativo CRPEPJ, n º65, p.4, 1966 6
ocupado pela pesquisa educacional, no âmbito do projeto político-pedagógico da elite mineira. Vista como instrumento eficaz para o êxito do projeto pedagógico da administração pública, a pesquisa educacional, ainda que de caráter predominantemente pedagógico, já se encontrava bastante enraizada no estado muito antes da implantação do projeto CBPE. Na experiência mineira, o investimento em estudos e investigações dos problemas pedagógicos, visando o redimensionamento do sistema de instrução pública remonta ao final da década de 20, quando da organização e funcionamento da Escola de Aperfeiçoamento 8. Ponto alto da reforma do ensino empreendida por Francisco Campos em 1927, a Escola de Aperfeiçoamento tinha como diretriz fundamental a preparação técnica e científica do corpo docente das escolas adequando-o às inovações de ordem metodológica propostas pela Reforma Campos. Essa mesma perspectiva também irá orientar o convênio estabelecido, entre os anos de 1956 e 1957, pelos governos brasileiro, americano e mineiro, para a implantação do Programa de Assistência Brasileiro-Americano para a Educação Elementar o PABAEE. Em seu conturbado período de atuação 9 o PABAEE promoveu a investigação e a produção de novas e modernas técnicas de ensino e desenvolveu um programa de divulgação das mesmas junto ao professorado mineiro. Destacou-se na produção de material didático e pedagógico, na disseminação de técnicas de ensino na área da educação elementar e enviou aos EUA, grupos de professores e professoras mineiros para fazer cursos de especialização em diferentes metodologias do ensino. Além, de estabelecer intercâmbio com técnicos estrangeiros que atuaram na execução de projetos educacionais no estado. Em 1963, o PABAEE foi incorporado à estrutura do CRPE mineiro, constituindo a Divisão de Aperfeiçoamento de Professores (DAP), encarregada da realização de cursos, em regime de internato, destinados à preparação de professoras para o ensino primário, para as escolas normais oficiais e particulares, além de inspetores e supervisores do ensino de diversas partes do país. 8 A Escola de Aperfeiçoamento (1929-1946) atuou na formação de uma elite pedagógica, tecnicamente aprimorada nos moldes do conhecimento educacional disponível naquele momento. A escola conferiu a Minas um lugar de produtor e centralizador de um modelo educacional para a escola primária. Cf. Prates, 2000 9 O Pabaee foi alvo de críticas de diversos setores da sociedade mineira e visto como um movimento de submissão ao poder e à ideologia americana. Foi extinto em 1957, mas o processo foi revogado e seu pessoal incorporado ao CRPE, em maio de 1963, constituindo a Divisão de Aperfeiçoamento de Professores (DAP) 7
A leitura dos Boletins que publicam os resultados das pesquisas produzidas pelo CRPE, há evidências de que a tradição de estudos e investigações no campo pedagógico, com vistas ao processo de intervenção na escola foi revigorada a partir da criação do Centro Mineiro. A opção por uma linha de pesquisa voltada mais especificamente para as questões pedagógicas já se encontra delineada no discurso de posse de Mário Casasanta, primeiro diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais. Ao anunciar a criação do CRPE, Casasanta apresenta o empreendimento como uma oportunidade para reascender o brilho de outros tempos e uma possibilidade para o revivescer do interesse pedagógico (...) capaz de restituir a Minas o prestígio de que já desfrutou, em matéria de educação e de ensino. Mesmo ressaltando a importância da pesquisa social para o avanço do campo da educação, Casasanta defende a centralidade da escola primária e sua prioridade dentro das políticas educacionais do Estado. Destaca que o lugar a ser ocupado pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais em Minas Gerais deve ser o de um animador da renovação pedagógica e do aperfeiçoamento do professorado e relembra a ação da antiga Escola de Aperfeiçoamento, na preparação dos docentes do magistério primário criticando ao mesmo tempo o avanço do ensino superior, na sua opinião, um aparelhamento caro e que não tem produzido os frutos esperados. (Boletim nº1, s/d) O lugar conferido por Casasanta ao CRPE e a expectativa em relação às suas atividades demarcam as características da produção do Centro Mineiro em sua primeira fase. Nos registros constantes dos Boletins (n º 1 a 7), nos quais foram publicados os resultados dos estudos e pesquisas vinculados ao CRPE, destaca-se a centralidade conferida às questões educacionais nas pesquisas potencializadas pelo CRPE. Dentre elas chamam a atenção o conjunto de levantamentos sobre a situação da leitura e da escrita nas escolas da capital e sobre o ensino da aritmética e das ciências. Os inquéritos que investigam as causas da repetência e os problemas enfrentados pelas professoras primárias; os estudos voltados para a compreensão das raízes culturais da ação didática, e as atitudes pedagógicas das professoras no curso primário. As expectativas das professoras em relação ao trabalho e à mobilidade social da profissão. Os levantamentos sobre o ensino técnico e industrial no estado. As investigações sobre o nível de compreensão dos alunos em cada ano da escola primária e sobre sua capacidade de assimilação 8
dos programas de ensino. Além de pesquisas que buscavam analisar a estrutura educacional do município de Belo Horizonte, a cultura local e regional - o folclore, os brinquedos e brincadeiras das crianças mineiras e sua expressão estética. No âmbito dos estudos de comunidade destaca-se a pesquisa Várzea do Pantana: interação e transição desenvolvida por Hiroschi Watanabe, Welber da Silva Braga, Tocary Assis Bastos e José Nilo Tavares. No campo da história da educação, chama a atenção a proposta de produção dos ensaios O Ensino em Minas Gerais no Tempo do Império e O Ensino em Minas Gerais no tempo da República de autoria de Paulo Kruger Correia Mourão. Surgem ainda no interior da produção do CRPE um conjunto de estudos nos campos da psicologia e da pedagogia, realizados em parceria com o ISER - Instituto Superior de Educação Rural, que a partir de 1958 passa a integrar o CRPE. 10 Dentre eles sobressaem os estudos no campo da linguagem, em sua maioria análises de testes ou inquéritos sobre a influência dos fatores sociais, econômicos e culturais no aprendizado da escrita. As pesquisas ecológicas sobre a flora e fauna da localidade onde está instalada a sede do ISER, as pesquisas de psicologia e os estudos pedagógicos em zona rural. A parceria entre o CRPE/ISER também possibilitou a ampliação da oferta de cursos para a formação de professoras primárias, especialmente na área do ensino rural, para os quais foram utilizados os espaços da Fazenda do Rosário em Ibirité e outros locais, especialmente adaptados para receber as professoras-bolsistas em regime de internato 11. Consideraçõ es Finais Nessa primeira aproximação do acervo documental do Centro Mineiro muitas questões ainda estão a demandar investigação para que se possa definir com mais clareza suas características e significado. Entretanto, tomando como eixo norteador as preocupações dos intelectuais mineiros e a perspectiva intervencionista da tradição educacional do estado é possível inferir que no CRPE mineiro ocorreu uma maior convergência de interesses e intencionalidades de projetos individuais 10 Dirigido pela Prof. Helena Antipoff, o ISER passa a atuar em conjunto com CRPE na promoção de cursos e atividades de formação de professoras primárias. Cf. Boletim n º 2 (1959). 11 Vale observar que a demanda por esses cursos extrapolava os limites do estado e atraiam profissionais de outras regiões do país. No rol de cursos destacam-se: português e matemática para professores das escolas normais, ginásios e colégios; inglês e francês para escolas normais, os cursos para professoras primárias, para a administração escolar e inspetores regionais de ensino. 9
do que entre aqueles que se aglutinam no CBPE. Longe de falar em grupo homogêneo, o que se estamos sugerindo é a existência de uma maior comunhão dos projetos individuais dos intelectuais mineiros em torno do projeto social de expansão do ensino primário e investimento na formação dos quadros do magistério público. Esse entrecruzamento de interesses propiciou a construção de uma rede de significados (Velho,1994) 12 mais eficaz do que aquela estabelecida no Projeto CBPE. Nesse sentido, o CRPE contribui para a renovação da tradição intervencionista do estado mineiro, em curso desde os anos iniciais da Republica e criou uma rede de significados que conferiu ao Centro mineiro maior eficácia simbólica e política (Velho, 1987) 13 assegurando assim a longevidade do projeto. Também é possível postular que a continuidade das atividades do Centro após 1964, esteve associada às estratégias utilizadas no centro mineiro para o tratamento da questão educacional e que se vinculavam à já referida tradição intervencionista da elite intelectual e política mineira, nas questões educacionais. Bibliografia CORRÊA, Mariza. A Revolução dos Normalistas, Cadernos de Pesquisa (66), Fundação Carlos Chagas, São Paulo, agosto, 1988.. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. República, Trabalho e Educação a experiência do Instituto João Pinheiro (1909-1934), Bragança Paulista: Editora USF, 2001 FREITAS, M. Cezar. História, antropologia e pesquisa educacional: itinerários intelectuais, São Paulo: Cortez, 2001 PAIVA, Edil Vasconcelos. PAIXÃO, Léa Pinheiro. O Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (Pabaee 1956/1964): contribuição à história do ensino primário brasileiro. Relatório de Pesquisa, 1999 PRATES, Maria Helena Oliveira. Uma nova Pedagogia para o professor mineiro: a escola de aperfeiçoamento. Educação em Revista. Belo Horizonte, n.11,jul.1990 VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia das sociedades complexas, 4 ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1987. XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como Laboratório: educação e ciências sociais no projeto dos Centros Brasileiros de pesquisas educacionais, Bragança Paulista: IFAN / CDAPH / EDUSP, 1999 12 Redes de significados são viabilizadas pela linguagem e nelas ocorrem a aproximação e identificação de indivíduos que passam a compartilhar, ainda que por tempo determinado, de um sistema comum de crenças, valores e representações. As redes criam uma significativa homogeneidade de interesses e permite a articulação entre os projetos individuais e ou coletivos e o projeto social que os reúne. 13 Para Velho (1987:32) Todo p r o j e t o s o c i a l, percebido enquanto a reunião de projetos supra-individuais e terá uma dimensão política, embora não se esgote nesse nível porque a sua viabilidade política dependerá de sua capacidade de estabelecer uma definição de realidade convincente, coerente e gratificante em outras palavras de sua eficácia simbólica e política propriamente dita. 10