A Tv Escola na prática, é outra



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Transcrição:

A Tv Escola na prática, é outra Antônio Fausto Neto (*) Resumo - O presente relato trata de alguns aspectos da pesquisa "Televisão e Políticas Púbicas : estudo de avaliação das condições da recepção da TV ESCOLA" (CNpq, Brasília 2000). São examinados processos de negociação entre a "lógica midiática" e a "lógica da escola", da perspectiva dos professores e alunos de escolas de 1o grau. O projeto "TV Escola" é construída a partir de "leis" e "regras" do mundo midiático, mas interage com diferentes culturas que atravessam o "mundo da escola", e que agem no sentido de decidir os diferentes modos de inserção dos conhecimentos telemidiáticos sobre a escola. A pesquisa foi realizada junto a 35 escolas de vários estados, visitadas durante dois anos, com objetivo de mapear diferentes estratégias que professores e alunos usam para adequar a Tv Escola às suas realidades. Aqui são apresentados apenas situações que simbolizam os modos de presença da Tv Escola no espaço e cotidiano da Escola. Palavras chaves - TV Escola Avaliação Recepção * Professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Unisinos (São Leopoldo - RS). 1

O Projeto TV Escola se corporifica junto às escolas através de, pelo menos, duas situações concretas. De um lado, as emissões que se constituem um conjunto de práticas simbólicas que condensam saberes estruturados em dispositivos de enunciações discursivas, na forma de matérias e disciplinas. De outro, pelos diferentes instrumentos tecnológicos via um conjunto de determinações enviadas aos usuários, espécie de "manual de instrução", que, em última análise remete à questão da performance do sistema junto à recepção. Nestas disposições estão condensadas várias dimensões de uma racionalidade que cuida de estabelecer os modos de constituição das possíveis interações entre oferta e recepção, das emissões. Um cartaz colocado em sala de aula, contendo a mensagem que se transcreve, ilustra claramente os argumentos sobre os quais a esfera de produção procura dizer à recepção, sobre a sua efetividade: "Professor com a TV Escola sua aula vai ser um Show". Ou seja: o "modo de comunicação midiatizado" procura dissolver a efetividade do "saber escolar, quando anuncia que a aula deixa de ser regida por um ritual próprio à episteme da pedagogia escolar, e passa a ser algo que deriva diretamente da racionalidade dos media: o show. Contudo, as "instruções" preconizadas naquele guia não são observadas nos moldes previstos pelas escolas. As escolas tratam de dar "modo de existência própria" ao projeto, através de diferentes inserções feitas aos equipamentos no âmbito do espaço e na sua cotidianidade. Tais objetos técnicos são acolhidos na esfera da realidade escolar a partir de outros postulados que são distintos àqueles formulados pela estrutura de produção. De modo geral existe uma espécie de tensão entre os "índices" da realidade escolar e aqueles advindos da ordem midiática, pois as escolas não estão previamente preparadas para acolher estes objetos segundo a racionalidade solicitada. Na ausência de "processos de negociação" entre as duas lógicas, se vê que as escolas instalam tais equipamentos seguindo os mais diferentes "modos de uso", definidos quase sempre por situações que emanam diretamente das possibilidades através das quais a escola pode dar modos de significação a esta realidade tecnológica. Raríssimas são aquelas situações que caracterizam de fato a existência de uma estrutura totalmente adequada à recepção dos equipamentos. Os pré requisitos da produção idealizam instalações específicas nas quais possam funcionar os "signos" da educação telemidiática. Porém, o que se vê é que a noção idealizada de "Sala de Vídeo" é totalmente re-simbolizada pelas escolas. Estas, de sua parte, procuram situar estes novos bens simbólicos através de processos caracterizados por bricolages situacionais. Há casos em que salas (convencionais) de aula são chamadas de "sala de vídeo", simplesmente porque estão previstas para as exibições de fitas, com o deslocamento de equipamentos com fins específicos. Para não dizer que as mesmas não recebem nenhum decor desta realidade, observa-se nelas a existência de informações afixadas em suas paredes alusivas à grade de programação da TV Escola bem como à materialidade discursiva sobre as quais se apóia a construção do vídeo, neste caso desenhos de montagens de películas e imagens cinematográficas. Outras indicações revelam que parte das instalações da sala de aula é provisoriamente adaptada para que nelas sejam instalados conjuntos mobiliários contendo as fitas, o monitor de TV e o aparelho de vídeo. A outra parte da sala se mantém segundo as configurações de uma sala de aula tradicional, com os alunos sentados em cadeiras, na forma de fila indiana, observando, ao fundo e no alto, as imagens do aparelho de TV. Segundo a disposição arranjada, a escola acolhe, segundo "solução de compromisso", as modernas tecnologias, sob determinadas condições, de maneira que as mesmas não "usurpem" as características do seu ambiente, enfim da sua cultura. Por este arranjo, a TV Escola se constitui apenas num momento instituído pela própria Escola, na forma de um organização "diagramática" que trata de apontar para os limites da presencialidade das novas tecnologias no seio da cultura escolar. Temos também aquelas situações através das quais o processo de acolhimento das tecnologias além de passarem pela organização especial do "mundo da escola", se submete igualmente às estruturas mediadoras dos seus agentes e dos seus especialistas. Isto quer dizer que os alunos não têm, necessariamente, um acesso direto às emissões que são apresentadas pelo monitor, 2

mas através do trabalho de intervenção que os professores fazem sobre as emissões. Este nos parece um momento estratégico onde se dá um encontro - espécie de ponto de vínculo - entre os dois mundos, instante esse a partir do qual se desenham as possibilidades de apropriação e de compartilhamento entre estas duas dimensões cognitivas. O professor - ao seu modo - apesar de não dominar inteiramente o "mundo do vídeo - procura interferir sobre ele, mediante o retrabalho junto aos conteúdos. Mas, igualmente, sobre os próprios equipamentos dispostos na sala de aula. Dessa performance, dependem as possibilidades de determinados acessos aos conhecimentos propostos pelas emissões, da parte dos alunos. Há, porém, outras situações nas quais a "lógica dos media" subverte a hierarquia das disposições espaciais do ambiente escolar. Nestas, o ambiente escolar é efetivamente preparado para receber o kit, cedendo suas instalações para que nelas este se aloje. Os equipamentos são fixados em lugares especiais, de onde podem ser vistos e contemplados por todos. Roubam o "professor de cena" pois ocupam, muitas vezes, a espacialidade sobre a qual este se move. Como se não bastasse isso, transformam a tecnologia das próprias disposições ambientais da sala de aula, indicando, de certa forma, a interferência desta nova ordem sobre o mundo da escola. À sua maneira estas tecnologias migram de um lugar a outro, da escola. Não só vão operando sobre o espaço físico da sala de aula, mas invadem e/ou são convidados a se alojar nas dependências da administração escolar, bibliotecas, e etc. Às vezes, as estruturas são literalmente reformadas para acolher a TV na escola. Nós desativamos a biblioteca e fizemos uma sala de audiovisual em função da TV Escola. Só que desde o ano passado, a sala está sendo mais usada para recuperações do que para aula. São poucos os professores utilizando os vídeos. (depoimento de uma professora) Apesar dos limites, os rituais televisivos vão se impondo de maneira peculiar àqueles da cultura escolar, estabelecendo-se uma convivência entre os signos da racionalidade telemidiática e os da escola. Tais objetos técnicos são subordinados ou operam segundo uma errância peculiar no âmbito escolar. Se são parcialmente, ou, totalmente expostos no funcionamento deste ambiente, pode-se também dizer que nestes operam ainda como "signos proibidos" e ou semiconsentidos. Contrariamente ao desejo da lógica de produção de que os equipamentos sejam apropriados e, efetivamente usados pelos professores, o que se observa é que este acesso é problemático por razões variadas. No caso das "disposições ambientais" pode-se dizer que os equipamentos não são também expostos, de maneira explícita, ao conhecimento da comunidade. Por razões diversas são instalados em "micro ambientes" do universo escolar. Por exemplo, são guardados em armários, com "chaves próprias" cuja responsabilidade fica confiada geralmente à diretora da Unidade. Igualmente, são "encarcerados" em depósitos revestidos de grades e expostos apenas para serem vistos, já que o uso está condicionado a um acesso direto à direção da escola. Também são postos em unidades do estabelecimento que nada têm a ver com a linha de frente do projeto pedagógico, como por exemplo a copa da escola. São instalados no contexto das bibliotecas gerando dentre outras coisas, uma dupla compreensão daquele ambiente, sendo que, numa destas situações, os equipamentos são convertidos em objetos de decoração, já que nem sempre é permitido que o silêncio das bibliotecas seja prejudicado pela algazarra da televisão. Em muitas situações os equipamentos têm permanência provisória, pois são levados de um "canto a outro", dependendo do interesse do professor em operá-lo como elemento complementar de sua aula. Ou, ainda, quando as "fitas podem quebrar as rotinas do recreio"... O mesmo se pode dizer sobre o status das fitas. As escolas operam sobre elas segundo vários procedimentos. São confiadas, provisoriamente à coordenadores pedagógicos, que as arquiva segundo métodos precários, sem lhes imprimir nenhuma catalogação mais detalhada. São trancafiadas em arquivos pessoais da diretora, que as libera segundo demandas do professor ou são confiadas à responsabilidade de um professor. São sobrepostas aos livros na biblioteca e, neste caso a catalogação recebe os mesmos cuidados dos produtos editoriais impressos. Os mesmos cuidados havidos com os monitores de tevê, se passam, igualmente, com aqueles destinados ao vídeo, temendo-se, dentre outras coisas, furtos e extravios cujo índice é 3

significativo. Este dado pode nos sugerir pensar as causas que fazem com que estes objetos não possam ter livre trânsito nas escolas. Assim, estes equipamentos se facilmente expostos, ficam sujeitos a roubos e manuseios indevidos, gerando-se defeitos e conseqüente impossibilidade de uso. Pode-se dizer que diferentemente do livro e de outros equipamentos já enraizados na cultura escolar, se poderia construir uma hipótese bem peculiar para explicar os limites e restrições que estes objetos sofrem, na sua circulação, na escola: uma vez que a cultura desta lida com estas inovações de maneira problemática, é preciso agregar à desconfiança que se pode ter sobre os equipamentos, um certo grau de indiferença à sua existência e, efetiva circulação simbólica. Possivelmente, uma evidência dessa hipótese esteja no fato de não se observar a existência de nenhum registro e/ou manifestação, da parte de professores, reclamando do "tratamento" dado a estas tecnologias. De certa forma, em muitos casos ela passa indiferente à realidade da escola e a vida do professor, salvo quando por processo de indução localizado, de um agente ou outro, estas tecnologias são descobertas e compreendidas como um bem dotado de outras finalidades e efetividades simbólicas. Observa-se que a institucionalização da TV Escola enquanto realidade simbólica e comunicacional, não se dá de forma automática. A manifestação dos seus signos junto à escola depende de uma autorização desta e por parte dos atores sociais que a constituem. Portanto, a TV Escola se torna realidade na escola na medida que esta, por seu turno, resolve autorizá-la. Não existe um modo universal de inserção do mundo da técnica sobre realidades escolares. Pelo contrário, estas sempre respondem e se articulam de forma peculiar à oferta televisiva. Cada realidade faz operar seus "filtros" e suas racionalidades específicas. Não obstante, toda carga de novidade que a televisão pode apresentar para escola, isto não quer dizer que esta instituição permeada, secularmente por racionalidades que lhe são muito próprias, abra mãos destas, apenas pela adoção, sem reservas da novidade tecnológica. Esta constatação põe em xeque os pressupostos da orientação produtora da estratégia que julga os agentes escolares como peças que se subordinariam, sem mais nem menos, às suas orientações voltadas para a chegada da TV na Escola. Contraria, frontalmente o ponto de vista de que as tecnologias podem migrar para diferentes espaços culturais e cognitivos, sem limites, seguindo "passes de mágica", desconhecendo a complexidade do mundo das mediações e de suas respectivas estratégias legitimadoras. Também podemos dizer, ao descrever estas diferentes operações através das quais se dão processos de negociação entre oferta e demanda, que, de certa maneira, o universo da escola dá uma definição simbólica a respeito da sua compreensão e elaboração que faz do seu possível encontro com o mundo da tevê. Não estamos tratando aqui, de nenhuma questão de ordem conteudística, no sentido de comentar se professores aplaudem ou criticam a qualidade das emissões. Estamos procurando mostrar que a lógica das coisas não se impõe à realidade dos sujeitos, segundo uma inercialidade que não seja contrariada. As "operações", "manobras", "migrações" que a estratégia televisiva faz, estão articulados com um "modo interno" ao próprio do mundo da escola, através do qual esta lida com outras construções tecno-simbólicas. É certo que o processo de construção de sentidos seja feito através de hibridizações. Mas, igualmente, por definições que pertencem às próprias disposições identitárias e simbólicas através das quais um grupo e/ou instituição define e constitui seu modo de ser. A ordem midiática não se efetiva num vácuo. Neste caso, ela está subordinada a um feixe de relações e de outras determinações. A TV Escola é um projeto que propõe um "modo de ser da escola". Ela se deseja exercer papel de dominância, quando seus fundamentos são universalizados como verdades e cujas práticas devem ser tomadas como parâmetros de formação. Em experiências desta ordem, coloca-se como um dos desafios para seus gestores a questão identitária. Estamos diante de, pelo menos dois ethos: aquele que constitui o "modo de ser" de um projeto tecno-educacional engendrado em postulados e racionalidades midiáticos, e aquele outro que caracteriza o mundo da escola naquilo que lhe diz respeito à elementos da 4

sua própria especificidade. De um lado, modo de agir que é proposto numa perspectiva de universalização de procedimentos entendidos como válidos, por outro lado as múltiplas situacionalidades e distintos modos de fazer e de existir da escola no Brasil, sobre o que as perspectivas da lógica mediática não podem dar conta. Há uma tensão entre lógicas que operam em diferentes temporalidades. De um lado, a TV Escola trabalha com os insumos dos modelos midiáticos de produção/oferta de conhecimentos. Por outra o universo da escola, onde um dos "agentes estratégicos" da sua existência o professor é colocado numa dupla situação de alvo e de mediador, consequentemente, instituído e instituindo-se como um ponto de passagem entre os dois campos. É pois, neste lugar que toma formato esta complexidade e seus desafios. Como sabemos, TV Escola/Escola se movem segundo habitus específicos. A professora, espécie de uma estrutura intermediária na perspectiva do fluxo da comunicação em dois tempos embora seja o elo de contato entre as duas perspectivas - é, ela própria, um lugar historicamente socializado pelos habitus específicos da cultura da escola. Nestes termos estamos diante de, pelo menos, duas "comunidades de sentidos", sem falarmos ainda das distintas hibridações que a comunidade escolar, em termos mais extensos, estaria, hoje submetida. Não se trata de se perguntar aqui se as emissões e seus respectivos conteúdos não têm, qualidade, se os mesmos não seriam compatíveis com as aspirações escolares, etc. O que está sendo problematizada é a possibilidade de processos de compartilhamentos de conhecimentos virem a ser efetivados através da generalização dos habitus de um dos parceiros da experiência, no caso a esfera tecno-simbólica midiática. Este mundo funciona em cima de uma noção de velocidade incompatível com aquela da realidade escolar. O fluxo previsto pela velocidade das interações em rede não pode se generalizar àquelas realidades que movem suas interações com bases em fluxos ainda configurados pelas "redes de encadeamento". A escola é, histórica e sociologicamente, uma comunidade constituída e movida por padrões afetivos e cognitivos que se assentam na clássica noção de grupo, disposto em cima de um contrato pedagógico, cujos termos de sua aceitabilidade são negociados em bases à procedimentos assentados, possivelmente, numa cultura mais próxima do grupo. Os postulados assentados na lógica midiática são diferentes, ainda que o mundo da escola já esteja permeado por outras heterogeneidades culturais, inclusive aquelas advindas do mundo dos media. Diferentes pelo fato de que quem afiança estas possibilidades de ajuste entre processos de "redes de irradiação" com aqueles estabelecidos pela "rede de encadeamento", são habitus específicos que se instauram e que se desenvolvem no âmbito de uma dimensão de cotidiano, ou seja, uma espaço-temporalidade própria da escola na sua mais ampla pluralidade. Observações sobre esta experiência autorizam a evidenciar alguns pontos em termos teóricos ao analisar o funcionamento da televisão. Inicialmente, desconfiar da afirmação de que os processos de legitimação dos objeto tecno-culturais se realizam de forma automática, segundo os cânones do seu processo produtivo. Esta ortodoxia revela que os formuladores de experiências desta natureza são reféns dos seus pressupostos, porque os mesmos não lhes permitem teórica e metodologicamente examinar o funcionamento destas experimentações comunicacionais, quando da ocasião em que as mesmas se deslocam de seus laboratórios para ingressar no circuito da circulação/ recepção social. Não se trata de questionar e desconhecer as mutações que as novas tecnologias impõem e repercutem sobre a estruturação das (novas) configurações do moderno espaço público. Igualmente, as incidências que as mesmas têm na constituição e no funcionamento das novas sociabilidades. Se trata, porém, de lembrar que estes impactos não operam de modo fácil, se articulam às múltiplas realidades complexas e que o "império" das formas de vida midiáticas não se estabelece assim, tão facilmente, segundo os postulados das teorias causalistas de oferta/exposição/adoção. Talvez a principal dificuldade na transferência da prática televisiva para a prática escolar tenha a ver com o tempo e a complexidade que constituem simbólica e discursivamente cada uma destas políticas. Historicamente, vimos que as grandes inovações técnicas trouxeram consigo os postulados de sua institucionalização, na forma de proposições e/ou teorias. A realidade do mundo comunicacional não escapa a esta regra na medida em que os objetos comunicacionais 5

querem se dar ao tecido social tendo como evidência seus indicadores endógenos que conferem sua existência, funcionamento e efeitos. Não se trata de contrariar algo que a pesquisa já evidenciou, ou seja os objetos quando se colocam em estágio de circulação social, "negociam" com outras tessituras seus modos de existência, algo que é muito distinto da afirmação macluhaniana, a de que os meios se constituem, por si só, instauradores de uma nova ordem cultural. Mas se trata, igualmente de avançar nesta perspectiva dizendo, dentre outras coisas, que nem a "lógica da oferta dos objetos" nem a "lógica da sociedade" tratam, de maneira exclusiva de definir as condições de aceitabilidade/recusa de um projeto. Irremediavelmente, para além destas certezas, trata-se de um processo relacional cuja exitosidade depende menos dos imaginários daqueles que constituem a política e daqueles que se dizem seus decididores, em termos de efetivação, e mais de um conjunto de elementos, pertencentes à diferentes realidades (e várias outras lógicas) que estão no meio, fazendo o elo, ou operando distinções, no "ponto de contato" onde estratégias de produção/recepção se tocam. Perguntar-se-ia se os modelos teóricos e de investigação dão conta desta problemática, colocados nestes termos, para examinar oferta/impacto de uma política de comunicação. À margem de respostas peremptórias, pode-se, contudo, avançar, construindo considerações, dizendo-se da importância de se articular elementos que possam construir de maneira sistemática estes pontos de interrogações a respeito de pontos de vistas que monitoram, sem dúvidas, o funcionamento e o destino destas experiências. No que diz respeito ainda o projeto da TV Escola, uma palavra a mais: a) a lógica e os insumos televisivos se encontram, hoje, no coração da escola, enquanto entidade sóciocultural, por razões outras, bem diversas daquelas unilateralmente estipuladas apenas pelo projeto TV Escola; b) o processo de compreensão dos fatores que inserem à televisão no mundo da escola, passa por outros processos continuados de investigação que levam conta a tensão entre as duas, dentre outras lógicas, a do próprio mundo tecno-cultural e aquele do universo escolar; c) o avanço tentativo de processos de compartilhamento entre oferta/recepção passa pela necessidade da instância da produção de estratégia melhor compreender o funcionamento do "mundo da escola", enquanto recepção, para além dos instrumentos de avaliação com que, tradicionalmente, avalia o impacto destas experiências; d) o papel dinamizador das tecnologias como possibilidades de novos aprendizados, deve se ancorar no reconhecimento de uma multiplicidade de interveniências, como alvo que deriva da própria pluralidade caracterizadora, hoje do moderno espaço público; e) a implementação de projetos de política pública desta natureza deve se pautar cada vez mais pelos fundamentos de uma "ação comunicativa", que não compreende diálogo por fusão e que lembra, igualmente, que os processos de produção de sentido se realizam através de enquadramentos interativos, que repousam em cima das diferenças com que os sujeitos e as instituições constituem suas políticas; f) um projeto de política pública não se trata apenas do encontro de duas entidades sócioinstitucionais (governo/escola). Para além deste enquadramento sociológico, as instituições são movidas e atravessadas por um sem-número de práticas, que se reforçam e anulam, mas que vão constituindo o feixe de relações dos sentidos da vida. São estes feixes e seus efeitos, enquanto práticas sociais e de leituras, que originam noções em torno das quais os projetos sejam comprendidos por condensações de sentidos: excludentes ou generalizadores. Portanto, há desafios que se colocam para que possamos compreender um para além da "TV na escola"; da "Escola a TV", ou a "TV Escola", conforme poderiam afirmar uns e outros, segundo seus próprios paradigmas. A consideração desta multiplicidade de fatores no interior de um processo de investigação é quem, de fato vai nos permitir, dizer, com outro rigor, como lembrou o depoimento de uma professora: "a TV escola na prática, é outra". _PAGE _ 6

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