A TERCEIRIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NA RELAÇÃO TRABALHISTA Luciano Rocha Mariano 1 Limita-se o presente tema acerca da terceirização perante o Direito do Trabalho, focado no âmbito empresarial privado. De plano, é necessário afirmar que não há no ordenamento jurídico pátrio normatização específica sobre a terceirização, e, da mesma forma, não há óbice legal para que empresas contratem pessoas jurídicas. O que é a terceirização? A terceirização dissocia a relação econômica de trabalho da relação jurídica de trabalho. Isso quer dizer que o trabalhador se insere no processo produtivo do tomador de serviços prestando-lhe serviços sem haver laços trabalhistas. É uma relação trilateral que envolve o obreiro, a empresa terceirizante e a tomadora de serviços. Frise-se que empresa tomadora de serviços não assume a posição clássica de empregadora perante o trabalhador terceirizado, restando esse vínculo de emprego firmado com a empresa terceirizante. Em suma, tem-se que a terceirização é a forma de transferir para terceiros serviços antes realizados diretamente pela empresa, que, ao transferi-los verticaliza-se, tendo com isso melhores condições para desempenhar sua atividade principal. Por que a terceirização ganhou as atuais dimensões? Em breve apanhado histórico, o fenômeno da terceirização teve início com a necessidade de modernização das grandes e médias empresas, impulsionado por outro fenômeno, a globalização e o inevitável aumento da concorrência. Diante da busca por maior produtividade e, sobretudo, de menores custos, as sociedades empresariais direcionaram seus esforços em suas atividades específicas, abrindo espaço para que outras empresas executassem tarefas que não eram suas atividades-fim, surgindo com isso a terceirização. Foi com a edição da súmula 256 de 1986 2, revista pela de nº 331 de dezembro de 1993 que a terceirização tomou forma no ordenamento jurídico brasileiro e virou um fenômeno. 1 Graduado em Direito pela Universidade Gama Filho, Pós Graduado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho. Associado a Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados desde Abril/2008. 2 Pinto, Raymundo Antonio Carneiro, Súmulas do TST Comentadas, Ed. LTr, 10ª edição, 2008, p. 20 e 281 a 283.
O que observar na terceirização e como terceirizar nos termos da lei? Sendo a parceria comercial um elemento essencial para o tema em debate, a necessidade de contratar empresas idôneas para a prestação de serviços é fundamental para que não se coloque em risco todo o processo de terceirização, evitando, principalmente, os riscos de natureza trabalhista tais como: processos de vínculos empregatícios com a tomadora dos serviços, pagamentos de verbas trabalhistas e contribuições previdenciárias. Outro ponto a ser observado no processo de terceirização, é a observância do que se deve e pode terceirizar à luz da lei e da jurisprudência firmada pelos tribunais. Com a terceirização, pequenas empresas se multiplicaram no país e se especializaram em determinados serviços, levando essa prestação a ser realizada com maior perfeição em comparação aos antigos setores que existiam dentro das empresas, além de otimizar o empreendimento da contratante, isso sem se falar na diminuição de custos a transformar as empresas mais competitivas, possibilitando o crescimento ante a globalização das economias e concorrência internacional. Tais fatos, por óbvio, são uma das grandes vantagens do fenômeno em estudo, gerando novos empregos, trabalhos autônomos e aumento de arrecadação de impostos, sendo interessante inclusive para o Estado. Existe risco de caracterização de vínculo empregatício? Para o processo de terceirização, porém, a empresa não deve se prender apenas ao fato da redução dos gastos, porquanto, conforme será analisado, a terceirização poderá acarretar maiores prejuízos futuros, como a responsabilização solidária ou subsidiária dos tomadores de serviços na hipótese de inadimplemento de obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços, bem como a caracterização do vínculo de emprego. Para melhor compreensão, cumpre fazer um adendo acerca das leis do trabalho e da proteção do trabalhador. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe em seus artigos 2º e 3º acerca do empregado e empregador e caracteriza os pressupostos do vínculo empregatício. O artigo 9º do mesmo diploma legal dispõe que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Já o artigo 8º do Estatuto Celetista prevê que: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse particular prevaleça sobre o interesse público. Desta forma, a ausência normativa autoriza, por lei, a Justiça do Trabalho se valer da jurisprudência para a análise do caso concreto. Portanto, na terceirização, essa análise necessariamente deve passar pelo crivo dos artigos 2º e 3º da CLT, na observância das relações entre empregados e empregadores, no qual a Lei determina 2
a anulação dos atos praticados na tentativa de fraudar ou desvirtuar os preceitos da Legislação trabalhista. O que observar na terceirização e como terceirizar nos termos da lei? Sendo a parceria comercial um elemento essencial para o tema em debate, a necessidade de contratar empresas idôneas para a prestação de serviços é fundamental para que não se coloque em risco todo o processo de terceirização, evitando, principalmente, os riscos de natureza trabalhista tais como: processos de vínculos empregatícios com a tomadora dos serviços, pagamentos de verbas trabalhistas e contribuições previdenciárias. Outro ponto a ser observado no processo de terceirização, é a observância do que se deve e pode terceirizar à luz da lei e da jurisprudência firmada pelos tribunais. SÉRGIO PINTO MARTINS 3, classifica as áreas terceirizadas como atividades acessórias (limpeza, alimentação, transporte de funcionários, vigilância, etc), atividade-meio (departamento de pessoal, manutenção de máquinas, contabilidade) e atividades-fim (produção, vendas, transporte de produtos etc). O normal - e que vem acontecendo no Brasil - é a terceirização das atividades acessórias e atividades-meio, eis que a terceirização de atividade-fim do empreendimento poderia ser considerada como arrendamento da finalidade empresarial, além ocasionar riscos trabalhistas. De qualquer sorte, o tomador dos serviços deverá sempre ter certa ingerência e fiscalização não só dos serviços prestados, mas também dos recolhimentos tributários e fiscais e, principalmente manter-se vigilante dos corretos recolhimentos em todos os aspectos trabalhistas resultantes da relação empregado terceirizados com as empresas contratadas. A fim de orientar a matéria, o TST editou a Súmula 331 4 na qual define o que é a terceirização lícita e a terceirização ilícita, pretendendo com isso responder às dúvidas acerca do ações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo. Decreto-lei 200/67 e da Lei 5.645/70, havendo, obviamente situações excludentes como o da Súmula 191 do TST 5. 3 em sua obra A Terceirização e o Direito do Trabalho (5. Ed. São Paulo: ATLAS, 2001, p. 46 47) 4 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LEGALIDADE INCISO IV ALERADOPELA RES. 96/2000, DJ 18.09.2000. I A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando se vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019 de 03.01.1974) II A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta,indireta ou funcional (art. 37,II, da constituição da República). III Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviço de vigilância (Lei nº 7.102./83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, fundações públicas, dasempresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo. 5 Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária Tratando nas obrigações da trabalhistas terceirização contraídas lícita, pelo empreiteiro, ainda salvo que sendo como o dono exceção, da obra uma a empresa referida construtora Súmula ou incorporadora. autorizou a contratação do trabalho temporário (Lei 6.019/74), as atividades de vigilância (Lei 7.102/83) e de conservação e limpeza. Não menos importante, a Súmula 331 autorizou a terceirização dos serviços especializados ligados à atividade-meio 6 do tomador de serviços, todavia, impondo a inexistência de pessoalidade e subordinação, conforme preceituado nos artigos 2º e 3º da CLT. 3
Apesar de seguidas as ordens legais, certo é ainda que o tomador de serviços poderá ser condenado em obrigação acessória, no caso de descumprimento das obrigações trabalhistas do real empregador. Destarte, a situação supra é um dos mais relevantes riscos da terceirização, que, para o êxito no processo de terceirização vai realmente depender da contratação de pessoa idônea para a prestação de serviços terceirizados, sob pena de aplicação da responsabilidade subsidiária pela culpa in eligendo e in vigilando, eis que considerando o empregado como a parte mais fraca da relação contratual, o tomador dos serviços se beneficia da mão-de-obra do empregado terceirizado. A Terceirização através de Cooperativas de Trabalho O art. 442 da CLT acrescentado pela Lei nº 8.949/94 inseriu o parágrafo único ao artigo mencionado, introduzindo nova hipótese de terceirização na forma cooperada, cabendo tecer alguns comentários. A cooperativa de trabalho é constituída por uma estrutura para a prestação de serviços por seus associados e, como sociedade em si, não visa o lucro. Por essa premissa inicial e fundamental não pode ser definida como Empresa. Em outras palavras pode-se dizer que a cooperativa é a reunião do trabalho dos seus associados que, catalizada pela organização formada, permite aos cooperados melhores condições de trabalho e de salários que teriam se exercessem suas atividades individualmente. Aliado a isso, para a perfeita identificação de uma cooperativa lícita e regular, também é preciso que haja obediência aos seguintes princípios: a) as cotas-parte dos associados não podem ser livremente negociadas e vendidas a terceiros estranhos à sociedade; b) o ingresso de novos associados deve ser autorizado em assembléia; c) cada cooperado tem direito a um voto e todos se equivalem; d) prestação de assistência ao associado (como forma de substituição aos direitos trabalhistas); e) o cooperado deve ser autogestionário de suas atividades (ausência de subordinação); f) o serviço pode ser prestado por qualquer cooperado da mesma qualificação. Nesse contexto, dentro da organização não há hierarquia nem subordinação entre os cooperados, afastando qualquer possibilidade de vínculo empregatício. A relação jurídica estabelecida entre o associado e a sociedade cooperativa é de natureza civil, ficando, portanto, evidenciada a condição de sócio. Isso não importa dizer que a Cooperativa não possa contratar empregados, hipótese na qual incidirá toda a legislação trabalhista e previdenciária aplicável às demais empresas. 7 6 Para esclarecer eventuais dúvidas, atividade meio é a atividade desempenhada pela empresa que não se confunde com seu campo finalístico. 7 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu art. 442, parágrafo único, dispõe que não existe relação empregatícia entre a sociedade A boa compreensão dessa estrutura é essencial porque, quando feita a terceirização, se cooperativa e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. verificada a subordinação jurídica do associado com a empresa contratante dos serviços, estará configurado o vínculo empregatício e será constatada fraude. Dessa forma, fica caracterizada a relação empregatícia com a empresa tomadora dos serviços ou, em algumas situações, com a própria sociedade cooperativa. Para evitar esse tipo de equívoco, basta entender que não é o profissional o contratado, mas sim a Cooperativa. Considerações finais 4
Como visto, o tema é farto de possibilidades e o campo de ampla discussão. Com o breve apanhado aqui feito, pretendeu-se mostrar que a terceirização, seja através de contratação de empresas seja de Cooperativas de trabalho pode ser interessante e rentável, não só para as empresas tomadoras dos serviços especializados e as prestadoras, como também para o governo com a arrecadação de impostos, e para o trabalhador com o aumento de vagas de trabalho. O tema abordado, ainda que repleto de especificidades, pode ser utilizado com responsabilidade se observado o que aqui foi discutido, ensejando benesses a toda sociedade e ao crescimento do País. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu art. 442, parágrafo único, dispõe que não existe relação empregatícia entre a sociedade cooperativa e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. Relembrando, sempre deverá ser observada cautela por parte do tomador dos serviços, vez que se não houver controle rígido sobre as prestadoras de serviços, ao invés de aprimorar sua atividade comercial, estar-se-ão gerando muitos problemas na prestação do próprio serviço terceirizado e como corolário de ordem trabalhista. Terceirizar é possível e lícito, desde que observados os parâmetros da terceirização. O que não se pode admitir é lesar o consumidor e o trabalhador que volta sua força laborativa para realização do trabalho do tomador de serviços, devendo ser observado, acima de tudo, o respeito ao trabalhador terceirizado, papel fundamental do Judiciário Trabalhista. 5