As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária *



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Transcrição:

141 As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária * Cosette Castro Doutora em Comunicação (Universidade Autônoma de Barcelona/Espanha) Professora do Mestrado em TV Digital da UNESP E-mail: cosettecastro@hotmail.com Resumo: A realidade da infra-estrutura tecnológica de 11 países da região quanto ao uso das mídias digitais e da convergência tecnológica, assim como o preparativo para essa nova indústria. A chegada da TV digital em diferentes países latino-americanos, os estudos sobre rádio digital, os conteúdos para celulares, para computadores, os videogames, dispositivos portáteis como ipods, iphones, Palms ou ainda o cinema digital estão revolucionando comportamentos, abrindo novas possibilidades para educação a distância, abrindo novos mercados e criando uma nova indústria, assim como exigindo novas habilidades e ofícios. Palavras-chave: indústria de conteúdos digitais, mídias digitais, convergência tecnológica. Las industrias de contenidos digitales en Latinoamérica: un análisis necesario Resumen: La realidad de la infraestructura tecnológica de once países de la región cuanto al uso de los medios digitales y de la convergencia tecnológica. La llegada de la TV digital en distintos países latinoamericanos, los estudios sobre la radio digital, el cine digital, los videojuegos y computadoras, los contenidos para celulares, dispositivos móviles como ipods, iphones, Palms, están revolucionando comportamientos, abriendo nuevas posibilidades de educación a distancia, abriendo nuevos mercados y creando una nueva industria, así como exigen nuevas habilidades y oficios. Palabras clave: industrias de contenidos digitales, medios digitales, convergencia tecnológica. The industries of digital content in Latin America: a necessary analysis Abstract: This work is a research on the technological infrastructure for the use of digital media and technological convergence in 11 countries of the region. The arrival of digital TV in several Latin American countries; the studies about digital radio; the contents for cell phones, computers, videogames and portable devices as ipods, iphones and Palms or, still, digital cinema are revolutionizing behaviors, opening new possibilities for distance learning and new markets, and creating a new industry, as well as asking for new skills and functions. Key words: digital content industries, digital media, technological convergence. A s chamadas indústrias de conteúdo vão mais além do que representar a identidade cultural dos seus povos e a possibilidade de gerar bens simbólicos que movem sentimentos, comportamentos e novos hábitos nas pessoas através dos produtos culturais que geram. As indústrias de conteúdo digitais e a convergência entre as diferentes plataformas tecnológicas podem ser um importante fator no desenvolvimento sustentável e na geração de políticas públicas que colaborem para a inclusão social e digital dos países latino-americanos. Trata-se de um mercado que move cifras situadas na casa dos bilhões de dólares, dinheiro que pode fazer diferença na qualidade de vida de uma nação. Exemplo são os dados apresentados pela Unesco informando que em 2004 o peso econômico das chamadas indústrias culturais e criativas no mundo era de 1,3 bilhões de dólares anuais. No entanto, a América Latina representava uma parcela pouco significativa dos bens culturais, já que o maior aporte de produção de conteúdos vinha do Reino Unido, dos Estados Unidos e da China. * Este artigo apresenta a pesquisa As Indústrias de Conteúdos na América Latina, inédita na América Latina, desenvolvida em 2007 no marco da Sociedade da Informação para a Comissão Econômica para América Latina e Caribe - CEPAL, instituição da Unesco situada no Chile. A íntegra do relatório em espanhol está disponível em: http://www.eclac.cl/socinfo/noticias/noticias/2/32222/gdt_elac_meta_13.pdf Cosette Castro - As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária

142 No decorrer do trabalho diferenciamos as indústrias criativas (que incluem museus, design e/ou artesanato etc. e estimulam a produção individual) e as já conhecidas indústrias culturais da nova indústria de produção de conteúdos digitais que vêm sendo gestados em Em 2007, a América Latina foi apontada como uma das regiões mais rentáveis para o recebimento de bens e serviços multimeios diferentes partes do mundo, inclusive o Brasil, ainda que de forma incipiente. Consideramos indústrias de conteúdos digitais aquelas indústrias (culturais, de entretenimento e/ou digitais) que se utilizam das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC s) e da convergência tecnológica para seduzir seus públicos, mas diferente de décadas anteriores hoje as audiências têm a possibilidade de produzir conteúdos e gerar informações, independente da existência de uma empresa de comunicação como única fonte de informação e conteúdos. Ou seja, atualmente, as audiências podem deixar de atuar apenas como receptores dos bens culturais ofertados na sociedade para terem a oportunidade de também produzirem e postarem conteúdos audiovisuais (caseiros ou profissionais) através de sites de relacionamento, como My Space, Face Book Orkut ou YouTube, através da biblioteca virtual Wikipédia, através do uso de blogs, fotoblogs e videoblogs ou envio de mensagem de texto, áudio e imagem para computadores, Palms, ipods, iphones, TV digital, videojogos ou celulares. Além disso, diferente das propostas anteriores, as indústrias de conteúdos digitais permitem desenvolvimento de atividades interativas em diferentes plataformas tecnológicas, assim como estimula o surgimento de redes sociais. Independente do nome dado a essa indústria de conteúdos, criativa ou cultural o certo é que países como Estados Unidos há muito descobriram as vantagens de aplicar no setor cultural. A participação do setor audiovisual no PIB daquele país é de 6% e se trata de uma indústria que garante empregos diretos para 1,5 milhões de pessoas. Além disso, exporta suas produções televisivas e cinematográficas para praticamente todos os países do mundo. Hollywood detém 85% do mercado cinematográfico global, e 77% das produções televisivas apresentadas no continente latinoamericano vêm dos Estados Unidos. O Relatório sobre Indústrias de Conteúdo na América Latina baseia-se também em outros estudos recentes, como o da consultoria norte-americana Price Waterhouse Coopers ou o DigiWorld América Latina 2007, que reforçaram a importância e urgência da pesquisa na região. Em 2007, a Price Waterhouse Coopers apontava a América Latina como uma das regiões mais rentáveis para o recebimento de bens e serviços multimeios. As projeções da consultoria indicavam uma expansão de 6,3% nas receitas de informação e entretenimento no período 2004-2008. Já o relatório DigiWorld América Latina 2007 analisou o desenvolvimento digital (telecomunicações, desenvolvimento da informação, eletrônica de consumo e serviços audiovisuais) da região e as principais economias que a integram. Segundo aquele relatório, o mercado continuava em crescimento e, em 2005, os latino-americanos representavam uns 7% do mercado digital, um espaço dominado atualmente por Europa e Estados Unidos, com 71% do total. 1 1 O Instituto Audiovisual e de Telecomunicações da Europa (Idate), também chamado Digiworld, informou em junho de 2008 que o mercado mundial de tecnologias digitais deve superar pela primeira vez a cifra de 3 bilhões de euros. América Latina, África e Oriente Médio deverão crescer 12% enquanto a Ásia Pacífico deverá avançar 6,7% graças a China e Índia. No ano passado houve crescimento de 5,5% em relação a 2006, com movimentação de 2,75 bilhões de euros, no conjunto do setor que inclui telecom, informática, internet, televisão e mídias eletrônicas de consumo, graças, sobretudo, à dinâmica dos serviços digitais (software, aplicativos e conteúdos para TV, telefonia e internet) que responderam por parte de 75% do crescimento total. Líbero - Ano XI - nº 22 - Dez 2008

143 Ou seja, se a América Latina é considerada uma região rentável para o recebimento de bens e serviços multimeios, isso significa que há um amplo mercado para a produção de conteúdos audiovisuais digitais na região à espera de oportunidades para serem desenvolvidos, seja no setor de (e), (t) e/ou (m) 2 : governo (e), (t) e/ou (m) saúde, educação à distância (e), (t) e/ou (m) trabalho (e), (t) e/ou (m) justiça (e), (t) e/ou (m) e entretenimento, entre outros. Países e áreas de estudo Na pesquisa realizada para a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) foram estudados 11 países da região: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, México, Uruguai e Venezuela. Esses países foram escolhidos por apresentarem diferentes níveis de desenvolvimento no campo das TICs, diferentes níveis de implantação de TV digital, assim como de produção de conteúdos para as mídias digitais e de inclusão social. Metodologicamente, a eleição dos 11 países foi definida a partir do desenvolvimento das indústrias culturais e das indústrias de conteúdos, como pode ser observado a seguir: 1. Estados com expressivo desenvolvimento das indústrias culturais e com implantação das indústrias de conteúdo; com o sistema de TV digital e projetos de TICs já definidos, como Brasil e México; 2. Estados com expressivo desenvolvimento das indústrias culturais e projetos de TICs já definidos, mas sem definição do sistema de TV digital, como Argentina, Colômbia, Chile e Venezuela; 3. Estados com baixa expressão em termos de indústrias culturais, com políticas de utilização das TICs, mas sem definição do sistema de TV digital, como Bolivia, Equador, Paraguai e Peru. 2 Utiliza-se a sigla (e) para tratar dos serviços usados através de computadores com Internet, usa-se a sigla (t) para os conteúdos produzidos e/ou usados na TV digital e usa-se a letra (m) para os conteúdos e serviços utilizados através dos celulares. Também delimitamos as áreas de estudo que compõem as indústrias de conteúdo para acompanhar a realidade e o nível de desenvolvimento em cada um dos países: 1. indústria editorial; 2. indústria de cinema; 3. indústria da televisão; 4. indústria do radio; 5. indústria discográfica; 6. indústria de conteúdos para celulares; 7. produção musical independente; 3 9. produção de conteúdos para web; 10. indústria de jogos eletrônicos; 11. conteúdos produzidos para a convergência digital (cross media). 4 A partir dessas informações, apresentamos um panorama da situação dos países estudados que, cremos podem representar a situação da região como um todo, assim como apontar tendências no que se refere a: 1. O nível de desenvolvimento das indústrias culturais nos países pesquisados; 2. O nível de concentração vertical e horizontal das empresas ou grupos de comunicação nos países estudados; 3. A área de atuação e o tamanho dessas indústrias; 4. A preparação das empresas comerciais, produtoras independentes ou instituições para o mundo digital; 5. A preparação das empresas de telefonia fixa ou de celulares para a produção de conteúdos para celulares e para a convergência tecnológica; 6. As estratégias dos governos no que diz respeito a investimentos e apoio as indústrias de conteúdo e produção independente. Categorias para conhecer (e então entender) a realidade da região Embora não se trate de um estudo conclusivo, as questões acima foram desdobradas 3 A criação musical não foi incluída porque tanto a indústria discográfica quanto a produção musical independente incluem a criação musical. 4 Para chegar a esse detalhamento foram usados diversos instrumentos de pesquisa, entre eles entrevistas e questionários qualitativos aplicados em empresas de produção de conteúdos, instituições governamentais e universidades. Também serviram de subsídios documentos oficiais, notícias (impressas ou virtuais), páginas web, relatórios e livros. Cosette Castro - As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária

144 em 19 categorias para possibilitar um olhar abrangente sobre os temas analisados. Esse conjunto de dados e informações, inédito nas pesquisas do gênero, permitiram conhecer as indústrias culturais que existem atualmente nos 11 países, assim como as indústrias de conteúdos em formação, sejam elas públicas ou privadas, suas debilidades e fortalezas. As 19 categorias analisadas foram: 1. Âmbito de atuação (as empresas têm âmbito nacional, regional ou local?); 2. Amplitude geográfica (as empresas de comunicação ou telecomunicações de cada país estudado estão centralizadas na capital federal ou distribuídas por todo país?); 3. Amplitude (o país possui empresas ou grupos que atuem fora das fronteiras nacionais?); 4. Exportação de conteúdos (os países estudados exportam algum tipo de conteúdo?); 5. Indústria do cinema, discográfica e editorial (problemas comuns dessas indústrias na região); 6. Jogos eletrônicos (os países estudados desenvolvem essa indústria?) 7. Infra-estrutura de televisão (que tipo de conteúdos analógicos são desenvolvidos?); 8. TV por assinatura (índices de utilização da TV por assinatura, assim como percentuais de conexões ilegais); 9. TV digital (qual a decisão sobre o padrão tecnológico de cada país?); 10. Rádio (qual a estrutura de rádio analógico de cada país?); 11. Rádio digital (fase de estudos de cada país); 12. Infra-estrutura de telefonia fixa (percentual da população que possui telefone em casa); 13. Infra-estrutura para celulares (uso de aparelhos pré-pagos e pós-pagos); 14. Infra-estrutura de internet (índices de acesso da população à internet e possibilidades de inclusão digital); 15. Produção independente (qual apoio e desenvolvimento em cada país?); 16. Legislação (há diferenças entre as legislações sobre comunicação e telecomunicação?); 17. Línguas oficiais usadas em cada país; 18. Propriedade intelectual e gestão de direitos do autor (situação de cada país?); 19. Convergência tecnológica (avanço nos países estudados). Essas categorias foram fundamentais para a definição de indicadores e para a nomenclatura utilizada na elaboração do Observatório Latino-Americano sobre Indústrias de Conteúdos (Olicon). A proposta do Observatório que aparece detalhada na segunda parte do Relatório sobre as Indústrias de Conteúdos na América Latina foi aprovada oficialmente em fevereiro de 2008 pelos países participantes da Reunião Interministerial da Sociedade da Informação realizada em El Salvador e o projeto deverá ser implementado em 2009 inicialmente nos países estudados. Algumas descobertas E o que mostra a pesquisa de prático? Entre outras possibilidades, permite comparar a situação brasileira em relação aos demais países que fazem parte do estudo. A realidade da região se repete em várias das 19 categorias. Como exemplos, podemos informar: 1. Celulares - Os latino-americanos possuem mais de 75% de celulares pré-pagos, refletindo o poder aquisitivo da população. O fato de a região usar majoritariamente pré-pagos poderá refletir também na aquisição de conteúdos digitais via celular, caso as empresas insistam em cobrar por esses produtos; 5 2. TV por Assinatura O uso de gatos ou TV por assinatura ilegal não é uma regra brasileira, já que ocorre em todos os países. A diferença é que poucos países oferecem dados oficiais sobre o tema, como ocorre no Chile, México e Peru; 5 Em maio de 2008, o Brasil chegou a 130 milhões de celulares vendidos, mas 75% seguem sendo pré-pagos. Uma possibilidade de viabilizar conteúdos nos pré-pagos é as empresas oferecerem conteúdos digitais gratuitos, incluindo publicidade. Líbero - Ano XI - nº 22 - Dez 2008

145 3. Indústria editorial Quanto à indústria editorial, sabe-se que o hábito de leitura da região se restringe a dois livros/ano, embora Argentina e México sejam importantes editores. Já o Brasil, o Peru e a Bolívia têm sua produção incrementada pela edição de livros didáticos comprados pelos governos de cada país; 4. Indústrias de cinema e discográfica Apresentam os mesmos problemas da concorrência com o mercado de copias piratas em todos os países estudados, sendo que, em alguns casos, as versões pirateadas chegam a 70% do mercado. Esse fato também se repete na cópia de livros, embora com índices menores; 5. Jogos eletrônicos Existe produção de jogos eletrônicos na Argentina, Brasil, Chile, México e Uruguai e, entre eles, o Brasil detém o quarto lugar na produção mundial. Vale recordar que, nos estados do Paraná e de Minas Gerais, as universidades incentivam a produção de conteúdos para jogos eletrônicos; 6. Produção independente para TV Quando se trata de produção independente para TV, o Brasil perde para Argentina, Colômbia, México e Venezuela, países que contam ou com forte incentivo do governo ou onde as empresas de radiodifusão têm tradição em comprar a produção independente; 6 7. Conteúdos para celulares O Brasil é um dos países da região que mais vem incentivando a produção de conteúdos para celulares, inclusive através da realização de concursos pelas empresas do setor; como os vídeos de bolso ou o projeto vídeo 1 minuto; 8. Convergência tecnológica A produção de conteúdos para diferentes plataformas tecnológicas ou voltadas para a convergência digital representa um espaço de mercado ainda a ser descoberto na região e mostra um grande potencial exportador, já que existem 450 milhões de pessoas que falam espanhol e outros 250 milhões que 6 Desde o começo de 2008 tramita na Câmara de Deputados do Brasil o Projeto de Lei (PL) 29, que trata do incentivo à produção independente no país, mas que encontra resistência de grandes empresas como a Rede Globo e as TVs por assinatura. falam português no mundo, sem contar as possíveis traduções para outras línguas ou o uso regular de línguas indígenas em oito dos 11 países estudados. Para finalizar Algumas ações urgentes (assim como a definição de políticas públicas) para desenvolver as indústrias de conteúdo e a convergência digital na América Latina e Caribe foram apontadas no informe realizado para a Cepal e, caso sejam acatadas, deverão ser realizadas tanto no plano local (em cada país) como no âmbito regional. São elas: A produção independente para TV no Brasil, onde é forte a produção de conteúdos para celulares, perde para a da Argentina, Colômbia, México e Venezuela 1. Desenvolvimento de um marco legal sobre o papel dos radiodifusores e empresas de telecomunicações (nacionais ou regionais) no que diz respeito à produção de conteúdos e à convergência tecnológica, pois os existentes estão ultrapassados e não levam em conta as tecnologias digitais; 2. Desenvolvimento de políticas públicas que protejam as indústrias nacionais em relação à chegada de produtos similares internacionais, seja no que diz respeito à cota de mercado para a produção de filmes ou para produção de conteúdos digitais para diferentes mídias; 3. Defesa e apoio às rádios comunitárias, produzidas em geral por associações ou sindicatos e que com exceção de um ou dois países, como é o caso da Venezuela em geral são tratadas como caso de polícia e não como questão social e estraté- Cosette Castro - As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária

146 gica para os governos e para a democratização da comunicação; 4. Atualização das páginas Web de instituições públicas de diferentes países ou organismos internacionais que tratam de temas como as indústrias culturais, sobre questões culturais ou sobre os meios de comunicação, pois a maioria peca pela falta de atualização; Foi aprovada a proposta de criação do Centro Regional de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis para a América Latina 5. Sistematização ou atualização das informações sobre radiodifusão, telecomunicações, sobre concentração dos meios, assim como oferta de informações sobre os hábitos culturais de seus habitantes entre os países da região; 6. Envolver as universidades de cada país e da América Latina e Caribe na discussão dos temas tratados no presente estudo, estimulando o desenvolvimento de pesquisas e projetos tanto na área de produção de conteúdos digitais, como no desenvolvimento de inovações tecnológicas voltados para TV e cinema digital, computadores, videojogos, celulares, dispositivos portáteis como Palms, ipods ou iphones e, futuramente, para o rádio digital; 7. Desenvolvimento de políticas para redes de banda larga, incentivando iniciativas como a Rede Clara para propiciar os fluxos de conteúdos; 7 7 No Brasil, a Rede Clara é representada pela Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que inclui atividades em 362 universidades públicas. 8. Incentivo ao desenvolvimento continuado de estudos na região, assim como do início das atividades do Observatório Latino-americano de Indústrias de Conteúdo Digitais, que deverá apresentar ambientes colaborativos. A criação do Olicon dará visibilidade às ações de cada país em particular e da região como um todo, possibilitando o monitoramento dos avanços na indústria de produção de conteúdos digitais, assim como o desenvolvimento de projetos com convergência tecnológica. Por outro lado, algumas atividades relativas à produção de conteúdos digitais na América Latina já começam a apresentar resultados. Uma delas é a aprovação da proposta de criação do Centro Regional de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis, assim como estimular o surgimento do Centro em diferentes países da Região. Em 2008, dois seminários de sensibilização sobre a importância da criação dos Centros Nacionais de Produção de Conteúdos para diferentes plataformas digitais voltados para governos, academia e grupos sociais foram realizados: o primeiro aconteceu em setembro na Venezuela e reuniu cerca de 180 pessoas, representando 15 países da Região, e o segundo terá lugar no Brasil, nos dias 10 e 11 de dezembro. Depois disso, governos e universidades da Argentina, Equador, Uruguai e Chile se movem para tornar pública a agenda sobre a possibilidade de a América Latina desenvolver sua própria indústria de conteúdos digitais interativos e interoperáveis que ajude na formação cidadã e no estímulo a novos empregos no desenvolvimento sustentável. No Brasil, o Centro Nacional de Produção de Conteúdos Digitais Interativos tinha seu lançamento pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) previsto para durante o seminário dos dias 10 e 11 deste mês de dezembro, em Brasilia/ DF. Antes disso, porém, previa-se o lançamento da primeira chamada pública para desenvolvimento de projetos de conteúdos para TV digital, com estímulo aos centros de pesquisa universitários e/ou de instituições de P&D, para que desenvolvam programação voltada para t-educação, t-cultura/entretenimento, t-ciência e inovação e t-saúde. Com isso, o Brasil será o primeiro país latino-americano a produzir conteúdos para TV digital em conjunto com a universidade. Líbero - Ano XI - nº 22 - Dez 2008

147 Referências ANTIKAINEN, Hannele; KANGAS Sonja; VAINIKAINEN, Sari. Three views on mobile cross media entertainment (report). Finland: VTT Information Technology, 2004. BARBOSA, André; CASTRO, Cosette; TOME, Takashi (org.) Midias digitais, convergência tecnológica e inclusão social. São Paulo: Ed. Paulinas, 2005. BECERRA, Martín; MASTRINI, Guillermo. Periodistas y magnates. Buenos Aires: Ed. Prometeo Libros, 2006. HILBERT, Martín. From industrial economics to digital economics: an introduction to the transition. Santiago: Cepal, Série Desarrollo Productivo, n. 100, 2001. HUAYAMAVE, Xavier. La economía digital, 2006. Disponivel em http://www.gestiópolis.com/recursos2/documentosfulldocs/ eco/ecodigital.html. Acesso em junho de 2007. KATZ, Jorge. Tecnologias de la información y la comunicación e industrias culturales: una perspectiva latinoamericana. Informe CEPAL, 2006. MORIN, Edgar. Los siete saberes necesarios a la educación del futuro. Trad. Mercedes Vallejo-Gómez. Caracas: IELSAC/Unesco, 2000. REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed. Manole, 2007. SETTING THE INSTITUCIONAL PARAMETTERS OF THE INTERNACIONAL CENTRE ON CREATIVE INDUSTRIES (ICCI). Informe no-oficial. Genebra: Fotocopia, 2005. TURKLE, Sherry; PAPPERT, Seymour. Epistemological pluralism. Journal of Women in Culture and Society, vol. 16, Chicago: Signs, 1990. VIZER, Eduardo. Comunicación, tecnología y sociedad. Porto Alegre: Fotocópia, 2007. Cosette Castro - As indústrias de conteúdos digitais na América Latina: uma análise necessária

148 Líbero - Ano XI - nº 22 - Dez 2008