Ciclo de Audiências Públicas Educação e Federalismo. 2ª Audiência: Educação Básica: Responsabilidade do Governo Federal?



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Transcrição:

Ciclo de Audiências Públicas Educação e Federalismo 2ª Audiência: Educação Básica: Responsabilidade do Governo Federal? Realizada no dia 30 de agosto de 2012 pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte, atendendo a requerimento de autoria dos Senadores Cristovam Buarque, Cássio Cunha Lima e Mozarildo Cavalcanti, a audiência contou com a presença dos Srs. Daniel Tojeira Cara, Coordenador-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Danilo de Melo Souza, 3º Vice-Presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED); Gilmar Soares Ferreira, Secretário de Formação Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); e Marcelo Medeiros, Professor da Universidade de Brasília (UnB) e técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O Sr. Daniel Tojeira Cara iniciou sua apresentação com uma análise de diferentes modelos de federalismo, com ênfase nos casos brasileiro e estadunidense. Enquanto nos Estados Unidos o surgimento do modelo federativo objetivou a consolidação de um governo central forte, combatendo a múltipla interpretação da lei pelos treze Estados Confederados, no Brasil o nascimento do federalismo deu-se a partir de uma política descentralizadora, que buscava maior autonomia dos entes federados. Na história do País, o sistema federativo de organização política alternou-se entre períodos autoritários, em que se retomava a ideia de governo central forte, e momentos de maior vigor democrático, em que se fortalecia a autonomia subnacional.

Com a Constituição de 1988, o fenômeno da municipalização passa a permear o debate e as políticas educacionais. Essa pauta havia sido defendida, já em 1957, pelo educador Anísio Teixeira, sob o argumento de que quanto mais a política pública se aproxima do cidadão, maior a pressão pela sua qualidade. Contudo, a manutenção da pauta de municipalização requer uma adequada distribuição de recursos entre a União, os Estados e os Municípios, o que não condiz com a realidade nacional hoje. Segundo ele, o modelo federativo traz alguns dilemas intrínsecos. Estados federativos costumam apresentar níveis mais baixos de gastos sociais, além de menor abrangência e cobertura dos programas sociais. Tendem, ainda, a apresentar problemas de coordenação política, superposição de competências e competição entre os níveis de governo. Ademais, as políticas nacionais costumam caracterizar-se por um mínimo denominador comum. O sucesso dos modelos federativos, a despeito das heterogeneidades de cada país, trajetórias históricas distintas e diferentes legados culturais tem como ponto comum a capacidade de coordenação das políticas públicas, buscando uma simetria interfederativa e a superação de desigualdades. A partir de preceitos constitucionais, o convidado defendeu o papel da União, no caso brasileiro, como colaboradora técnica e financeira dos Estados e Municípios, devendo assumir uma postura redistributiva e supletiva na educação. Porém, a desigualdade intrafederativa caracterizase como um problema do federalismo brasileiro, sendo muito pequeno o número de municípios orçamentariamente autônomos. Da mesma forma, destacou a assimetria regional que se verifica no País, exemplificando que 2

o produto interno bruto (PIB) da região Sudeste corresponde a praticamente 70% do PIB nacional. Quanto à desigualdade entre os entes federados, mencionou que cabe à União 57% do total arrecadado no País, porém ela contribui com apenas 20% dos gastos em educação. Assim, uma maior participação federal é um desafio para o sistema educacional, assim como uma melhor distribuição dos recursos públicos entre os diferentes níveis educacionais a educação infantil, por exemplo, contaria apenas com 8% do investimento total no setor. Assim, após a exposição sobre o federalismo brasileiro e suas implicações para o sistema educacional, o convidado defendeu a perspectiva de federalização da educação básica. Mas, em seu ponto de vista, isso significaria a garantia de um patamar mínimo de investimentos e políticas de gestão, materializada por meio da edição de normas, definição de estratégias de trabalho e de avaliação. O patamar mínimo de qualidade na educação, determinado pelo critério custo/aluno, exige a complementação da União nos orçamentos estaduais e municipais. A partir dos consensos alcançados na Conferência Nacional de Educação (CONAE), o palestrante defendeu a proposta de alteração da lei que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), no sentido de retirar o sistema de balizas que limitam os fatores de ponderação a uma escala de 0,7 a 1,3. Essa medida substituiria a atual perspectiva do gasto/aluno/ano por um de custo/aluno/qualidade. Além disso, defendeu que a complementação federal ao Fundeb avance imediatamente para uma transferência 3

equivalente a 1% do PIB por ano, o que significaria saltar do montante atual de aproximadamente R$9 bilhões para cerca de R$40 bilhões. O Sr. Danilo de Melo Souza ressaltou que a educação básica brasileira passou por um forte momento de inclusão, mas remanescem desafios importantes. Nesse sentido, sublinhou o desafio de se estruturar a educação infantil de qualidade, pois o período de pré-escola é fundamental para o desempenho do aluno nas séries subsequentes. Destacou, ainda, a necessidade de maior inclusão de jovens no ensino médio, além de uma mudança curricular, voltada para prepará-los para o desenvolvimento do País. Já o ensino fundamental, a seu ver, experimenta significativo processo de inclusão que, entretanto, causa uma diminuição nos indicadores de rendimento. Segundo o palestrante, a exemplo de experiências de países bemsucedidos na seara educacional, a política pública deve ser inclusiva, com atenção especial para o desenvolvimento de pessoas em situação de vulnerabilidade. E esse desenvolvimento se apoia tanto em educação, quanto em assistência social e saúde. Para tanto, o palestrante concordou com o Sr. Daniel Cara sobre a necessidade de maiores repasses de recursos federais para os municípios, além de um acordo sobre padrões e prioridades da educação. Destacou que os recursos disponíveis são diferenciados entre os estados, havendo carência em muitos deles. A qualidade da educação, contudo, deveria ser a mesma em todas as regiões do País. Deveria haver harmonia na federação, pois há uma relação direta entre estados que apresentam índices de pobreza mais acentuados e piores indicadores de 4

qualidade educacional. É papel do Governo, principalmente na esfera federal, promover essa igualdade. Também no nível estadual, a própria Constituição Federal prevê cooperação técnica e financeira para a educação infantil e o ensino fundamental ofertados pelos municípios. Em seguida, o palestrante elencou uma série de desafios para a educação brasileira. O primeiro deles é o movimento de inclusão, pois 2% dos jovens de 6 a 14 anos, 731 mil alunos, estão fora da escola. A maior parte desses estudantes são oriundos de famílias pobres. Ademais, ressaltou a necessidade de equiparar os padrões de infraestrutura escolar a rede federal de ensino apresenta maior nível de investimento, e de uma mudança curricular, especialmente no ensino médio, que desperte competências e habilidades, e não apenas supra as exigências do vestibular. Por fim, o convidado defendeu a idéia da federalização da educação básica, no sentido de a União elevar o repasse de verbas para esse nível de ensino, com fundamento no Plano Nacional de Educação e nos estudos que fundamentam o conceito de Custo Aluno/Qualidade (CAQ). Assim, por meio da definição de estratégias de cooperação, que evitem a competição entre entes federados e a judicialização da educação, da consolidação de sistemas permanentes de acompanhamento e de avaliação, além da cobrança de responsabilidades por parte da comunidade, a educação brasileira poderá alcançar o avanço desejado. O Sr. Gilmar Soares iniciou sua exposição criticando o desinteresse político sobre temas como educação e saúde. Afirmou que o Estado é governado para uma elite, em detrimento dos interesses da população, o que pode ser observado a partir do fracasso das reformas educacionais implementadas. Trata-se de um processo histórico, que 5

sistematicamente nega o direito à educação e utiliza o sistema escolar e extraescolar como estratégia de dominação de classe. A partir de uma retrospectiva histórica da educação no Brasil, o palestrante apresentou alguns desafios educacionais prementes. Ressaltou a dificuldade de a escola reformular o currículo escolar, para se adequar à realidade do aluno. Mencionou que a garantia da escola de tempo integral tem que priorizar a qualidade do ensino, o que pode ser prejudicado por regimes de contratação precária dos profissionais. Afirmou que o ensino profissionalizante tem carências de infraestrutura e pessoal. E destacou que a escola tem que formar cidadania, em vez de estar a serviço do mercado. O palestrante observou que as mudanças legais do País não garantem efetivamente a participação federal no ensino, apenas estabelecem um pacto de tolerância que favorece a maioria. Asseverou que o Congresso Nacional deve regulamentar o regime de cooperação trazido pela Constituição Federal. Pediu maiores investimentos da União na educação básica, destacando que deveria existir um pacto para estabelecer a proporcionalidade dos investimentos conforme a capacidade de arrecadação. Nesse aspecto, ressaltou que o sistema educacional se beneficiaria de uma reforma tributária, pois as isenções fiscais abrem mão de recursos que poderiam ser investidos no setor. Segundo ele, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) prevê a constituição de um sistema de ensino único. Para o palestrante, essa seria uma das necessidades de regulamentação do sistema educacional brasileiro, principalmente para garantir o pagamento do piso salarial dos profissionais da educação, pois os municípios que não tivessem condições de arcar com o piso poderiam efetivamente receber 6

apoio da União, independente de seu estado ser contemplado com a complementação federal ao Fundeb. Por fim, o convidado propôs que o debate fosse além dos efeitos do federalismo na educação básica. Defendeu o aperfeiçoamento nas formas de colaboração federativa, além de uma melhor definição das competências de cada ente federado na esfera educacional. Argumentou, ainda, em favor de aperfeiçoamentos na fiscalização da aplicação de recursos, através do acompanhamento dos conselhos do Fundeb. Ressaltou a necessidade de valorização do professor e o debate sobre os efeitos nefastos do instituto constitucional que permite o acúmulo de cargos no magistério, acarretando a extensão da jornada de trabalho dentro da sala de aula. Nesse aspecto, sublinhou a necessidade de uma legislação federal que estabeleça diretrizes nacionais de carreira para os profissionais da educação. Por fim, defendeu um sistema nacional de educação articulado, com fulcro em leis estruturantes, além da garantia do investimento público de 10% do PIB em educação. O Sr. Marcelo Medeiros destacou o pano de fundo do debate da federalização: a redução das desigualdades sociais e regionais. Entretanto, os determinantes do desempenho escolar ultrapassam os fatores intraescolares e estão diretamente relacionados à estrutura e ao nível socioeconômico das famílias. Com base em simulações e estudos realizados com a colaboração de pesquisadores do Ipea, o convidado relatou que o nível educacional dos pais é determinante na formação do aluno, ainda mais do que a renda familiar. A criança e o jovem passam a maior parte do dia em casa. As desigualdades entre as famílias brasileiras já estão consolidadas e é difícil a curto prazo educar a massa da população composta por pais e mães. Por 7

isso, há uma inércia inerente ao sistema educacional, que impede impactos imediatos em qualquer política dessa área. Assim, afirmou que a educação é um investimento de longo prazo e, por isso mesmo, necessita de urgência. Está em curso uma corrida educacional, de que o Brasil ainda não se deu conta, mas que vem sendo trilhada por países concorrentes, como México e Portugal. Discorrendo novamente sobre os determinantes do desempenho escolar, o convidado elencou: o ambiente, caracterizado pelo acesso ao transporte, por exemplo; a estrutura escolar, que se traduz na qualidade dos professores, da infraestrutura e da gestão escolar; e os atributos das famílias, que se referem basicamente ao nível educacional dos pais. O Estado pode investir na escola e no ambiente, entretanto a família, grupo considerado de maior importância para o desempenho escolar, é de difícil possibilidade de intervenção governamental. Assim, para suplementar os efeitos da família na educação da criança e do jovem, é preciso um mecanismo de suplementação da experiência escolar. Sem isso, um processo de federalização dificilmente atingiria os resultados esperados. Para tal, o convidado defendeu o aumento da carga horária escolar, que pode ser complementada por atividades esportivas e culturais, e a atribuição de tarefas extraclasse (dever de casa), em uma perspectiva de educação em tempo integral. Não obstante, ressaltou que o sistema municipal não teria condições de gestão e financiamento para suportar a educação em tempo integral para todos. Diante disso, concluiu afirmando não ter uma posição formada sobre como deveria ser uma eventual federalização, mas acredita que a União deveria investir na rede de 8

educação básica, assumindo sua responsabilidade na formação dos alunos. Encerradas as apresentações, o Senador Cristovam Buarque destacou que uma maior participação da União na educação básica tem-se consolidado como consenso na área, mas que a mera transferência de recursos federais não seria suficiente para alterar o quadro da educação brasileira. Para ilustrar, mencionou que o desempenho educacional de municípios beneficiados com royalties do petróleo não tem-se traduzido em resultados positivos no setor educacional. O parlamentar defendeu sua proposta de federalização da educação básica, por meio da instituição de uma carreira nacional do magistério, com salário de R$ 9.000, seleção por meio de concurso rigoroso e avaliação periódica. Esses profissionais contariam ainda com dedicação exclusiva, um terço da jornada dedicada a atividades extraclasse e períodos sabáticos de aperfeiçoamento. Além disso, contariam com uma estabilidade responsável, ou seja, não poderia ser demitidos pelos prefeitos ou governadores, mas poderiam ser demitidos pela comunidade escolar, caso não se mostrassem bons profissionais. Argumentou que o processo de federalização poderia até ser temporário, mas sem ele seria impossível alcançar uma verdadeira revolução na educação básica. Por fim, apresentou estudo realizado por sua assessoria técnica que compara os resultados obtidos pelas redes federal, estadual, municipal e privada nos sistemas de avaliação educacional. Os resultados mostram o bom desempenho da rede federal, inclusive em comparação com as 9

escolas privadas, fundamentando, assim, seu projeto de federalização da educação básica. 10