A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PEDAGOGIA DO MOVIMENTO SEM TERRA: NOTAS PARA UM DEBATE 1



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Transcrição:

1 A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PEDAGOGIA DO MOVIMENTO SEM TERRA: NOTAS PARA UM DEBATE 1 Rosana Kostecki de Lima 2 Universidade Estadual de Londrina, e-mail: rosanakostecki@hotmail.com Margarida de Cássia Campos 3 Universidade Estadual de Londrina, email: mcassiacampos@hotmail.com INTRODUÇÃO O referido artigo constitui-se na sistematização de alguns resultados preliminares da pesquisa de Iniciação Científica vinculada ao projeto de pesquisa Educação Geográfica nas Escolas do Campo no Estado do Paraná no departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, realizado entre os meses de agosto de 2013 a agosto de 2014. Se tratando da questão de formação educacional do Movimento Sem Terra, torna-se importante estudar a chamada pedagogia do movimento, uma pedagogia que é discutida nas escolas dos assentamentos. Mas como a pedagogia do Movimento do Sem Terra contribui para as concepções de educação do campo? Primeiramente, as práticas educacionais se intencionalizam com os princípios e objetivos do movimento traçados, o MST é visto como sujeito pedagógico, associando a educação com a formação dos sujeitos sociais. Tendo com base toda história de constituição do MST e de sua luta por uma educação para a coletividade, neste ensaio temos como objetivo debater as contribuições da pedagogia do Movimento Sem Terra para as concepções do ensino desses sujeitos nas abordagens de educação do campo. Para a realização deste artigo, utilizamos de elaboração de levantamento bibliográfico das temáticas discutidas, leituras e fichamentos das obras escolhidas, redação preliminar, correção da orientadora e a redação final. 1 Artigo resultante das pesquisas realizadas junto ao projeto de pesquisa Educação Geográfica nas escolas do campo no estado do Paraná. Departamento de Geociências da Universidade de Londrina. 2 Acadêmica do quarto ano do curso de Geografia na Universidade Estadual de Londrina. 3 Professora do curso de Licenciatura da Universidade Estadual de Londrina.

2 O MST: O MOVIMENTO SOCIAL COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO. Desde aproximadamente começo do século XX, povos organizados formaram se na luta da terra e pela reforma agrária. Assim, no decorrer dos conflitos foram se formando o campesinato, durante o período militar os camponeses sofreram forte opressão como todo o povo brasileiro. A ditadura implantou um modelo agrário de modernização da agricultura excluindo assim o pequeno agricultor impulsionando para o êxodo rural. Com isso surgiu o MST como filho das lutas pela democratização da terra e da sociedade. (MST, 2010, p. 9). E em meados do final da década de 1970, com a intensificação de um novo modelo agrícola, aumentou os conflitos de ocupações de terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra origina-se sobretudo de inúmeras lutas e batalhas por terra, na qual foi retomada no final da década de 1970 na região Centro-Sul do Brasil se expandindo por todo país ao decorrer dos anos, sendo gestado de 1979 a 1984. O inicio do movimento ocorreu em um acampamento em Macali e Brilhante no Rio Grande do Sul por volta de 1985, e em 1981 outro acampamento originou-se perto de Encruzilhada Natalino (RS) símbolo de luta contra a resistência militar. Já em 1984 esses trabalhadores rurais que estavam empenhados nas lutas por acesso a terra, organizam um encontro nacional em Cascavel-PR, decidindo, portanto fundar o MST visando, sobretudo a luta pela terra, luta e por uma reforma agrária real, e a reivindicação por mudanças sociais no país, tendo em vista que neste momento histórico o Brasil iniciava uma abertura política após cerca de 30 anos de período militar. E em 1986 houve a criação da primeira escola num acampamento, na qual o Estado contraditoriamente reconhecia a legitimidade daquela primeira forma de ocupação. Em 1990 o Brasil passou por um descaso do governo com o agricultor familiar, com a subordinação da agricultura ao mercado internacional, no então governo Fernando Collor de Mello. Assim foi aprovada uma Lei Agrária (Lei 8.629) em que as propriedades rurais foram reclassificadas como fazendo parte da Constituição, com isso não havia mais vieses jurídicos que impossibilitassem as desapropriações. Nessa época é importante destacar a Marcha Camponesa em Brasília, dentre as lutas camponesas a

3 qual o Brasil passava. Em 1993 foi regulamentada a Lei Agrária no Brasil, porém sem muito êxito nas desocupações para reforma agrária. A partir deste contexto é possível averiguar que o MST nasceu de uma ação estrutural e histórica no Brasil, (MST, 2010). Em 1997 os agricultores se reuniram em busca de emprego e Reforma Agrária, muitos passando por conflitos como vemos nos grandes massacres de Corumbiara em Rondônia (1995) 4 e Eldorado dos Carajás no Pará (1996) 5 no qual deixaram vários mortos no campo. Nos dias de hoje, o foco do MST continua na defesa da democratização da terra e a implantação de um sistema efetivo de desenvolvimento do homem do campo, sobretudo os assentamentos buscando uma melhor organização agrícola que possa atender as necessidades de toda população. Em busca de um desenvolvimento nacional que exclua as discriminações na agricultura, nos acampamentos, assentamentos, em geral em grupos sociais para um avanço de um país melhor. (MST, 2010). EDUCAÇÃO DO CAMPO: NOTA PARA UM DEBATE Segundo Arroyo et. al. (2008), a educação no campo é simplesmente o direito em que as pessoas que vivem no campo têm de ser educadas no lugar onde vive, deve ser uma educação específica e diferenciada para o meio rural. Sendo assim o povo do campo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar, sua participação e sua cultura, necessidades humanas e sociais. E, sobretudo vise a educação que observa o processo de formação humana, e que garanta a todas as pessoas do campo o acesso a uma educação de qualidade e específica, voltada para os interesses e o avanço da vida no campo. O objetivo dessa educação é educar as pessoas que trabalham no campo para que se organizem e assumam como sujeitos em direção a seu destino. 4 Massacre de Corumbiara: Conflito violento no município de Corumbiara, na qual policiais entraram em confronto com camponeses Sem-Terra que ocupavam uma área de fazenda, resultando na morte de muitas pessoas. 5 Confronto de acampados no município de Eldorado dos Carajás- Pará, na tentativa da realização um protesto contra a demora da desapropriação de terras na Fazenda de Macaxeira, resultando num massacre da ação da polícia sob os camponeses.

A realidade que deu origem a este movimento por uma educação do campo é de violenta desumanização das condições de vida no campo. Uma realidade de injustiça, desigualdade, opressão, que exige transformações sociais estruturais e urgentes. (ARROYO et. al. 2008, p.152). Ainda segundo os autores, a educação do campo nasce de um olhar negativo e preconceituoso, de um lugar atrasado, inferior e arcaico de modo de produção. Não há uma educação específica e diferenciada para os interesses da vida no campo, como sabemos que é necessário. A educação do campo é voltada não só para os camponeses e agricultores como as pessoas imaginam, mas também para diferentes sujeitos bem como os quilombolas, os povos indígenas, ribeirinhas, pescadores, assentados, reassentados, povos da floresta, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, assalariados rurais e entre outros. Com diferentes modos de viver e diferentes modos de olhar o mundo, de lutar e de residir no campo. O ensino nas escolas do campo no Brasil tem uma história bem triste e lamentável, na qual nasce em resposta a um silenciamento e do desinteresse por parte dos órgãos governamentais que não se importam e não constrói uma educação específica para o homem do campo. Assim como não só eles, mas também os estudiosos em questões sociais e educacionais, pouco faz e debate sobre a educação escolar no meio rural. Dificultando a construção de um projeto político pedagógico voltado a escolas do campo e a construção da mesma. Não basta ter escolas no campo; queremos ajudar a construir escolas do campo, ou seja, escolas com um projeto político- pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo. (ARROYO, et. al., 2008, p.27) É necessário que haja escolas do campo um projeto político pedagógico diferenciado para esse sujeito do campo que deve ser tratado com respeito, e estima, uma valorização de sua identidade. Mas por que o homem do campo não pode perder sua identidade? Ao migrar para a cidade na maioria das vezes perda sua identidade, ou a familiarização com o lugar de origem, suas lembranças, seus antigos sonhos, sua criação, suas raízes que constituem a história de cada sujeito. 4

Na longa história das comunidades humanas, sempre esteve bem evidente a ligação entre a terra da qual todos nós, direta ou indiretamente, extraímos nossa subsistência, e as realizações da sociedade humana. E uma dessas realizações é a cidade (RAYMOND, 1989, p.25) A cidade sobrevive do campo e do campo sobrevive à cidade. Por isso são necessárias políticas públicas de educação do campo, profissionais especializados e recursos capazes de garantir ensino para essas pessoas e transformações capazes de mudar a realidade dessa gente, sempre preservando e ressalvando sua identidade, sua cultura, sua maneira de se relacionar com a terra, seus valores e entre outras questões que garantem o fortalecimento de sua identidade. Arroyo at. al. (2008) destaca-a trajetória dos debates feitos sobre a luta da educação do campo no Brasil, desde as legislações brasileiras, que contam um pouco desta luta, até as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, parecer CNE/CEB n 36/2001. A orientação estabelecida pelas mesmas, no que se refere a encargos dos diversos sistemas de ensino com o atendimento escolar sob a ótica do direito, implica no respeito às diferenças e a política da igualdade, tratando da qualidade da educação escolar tendo em vista a inclusão. O artigo 28 da LDB propõe medidas de adequação da escola à vida do campo. Arroyo et. al. (2008), ainda aponta que a educação do campo tratada como uma educação rural na legislação brasileira, (BRASIL, Lei nº 9131/95 e na Lei n 9394/96), conhecida deste modo apesar de muitos sujeitos não se reconhecerem como pertencentes ao espaço rural. O campo, nesse sentido, mais do que uma delimitação não urbana, é um campo de oportunidades que dinamizam a ligação e a relação das pessoas com a própria produção de condições de existência e permanência social. Algo que sempre ficou claro nas constituições brasileiras, é o descaso dos dirigentes com a educação do campo, tendo somente uma preocupação com o urbano. Uma das mais importantes discussões sobre a educação do campo foi feita na I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo em 1998 realizada em Luziânia- Goiás, o evento foi uma espécie de imersão da luta dos movimentos sociais dos educadores do campo em busca do direito a educação. (ARROYO et. al. 2008). 5

Porém, na elaboração dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovados em 1998 apresentou-se como um documento de cunho neoliberal que não avançou na discussão da educação do campo. O primeiro documento propõe, então, uma reformulação curricular que valorize os conteúdos do (Ensino Fundamental), ligados ao fazer e ao ser, bem como o desenvolvimento das competências (Ensino Médio), entendidas como habilidade de agir de modo eficiente em um caso específico, apoiado em saberes, sem se limitar a eles. Tais implicações continham uma crítica à pedagogia do aprender conteúdos de ensino, pois valorizavam, antes, o estimulo e o aprender a aprender. Por isso, no conjunto da proposta educacional, os PCNs enfraqueceram o papel da escola como uma ideia de espaço do conhecimento, (ARROYO et. al. 2008). Em Dezembro de 2001 instituem-se as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo a serem observadas nos projetos das instituições que integram os diversos sistemas de ensino. Art. 2º Estas Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na modalidade Normal. A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL, Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996). 6 Segundo Arroyo et. al. (2008) as escolas no meio rural tem muitos problemas como, a falta de estruturas, professores qualificados para o campo, falta de apoio e iniciativas de renovação pedagógica, em muitos lugares atendidos por professores com uma visão de

7 mundo totalmente urbano e fora da realidade, desvinculadas das necessidades e particularidades do trabalho no campo, alheia a um projeto de desenvolvimento do campo, estimuladora do abandono do campo por apresentar o urbano como superior, moderno atraente; conteúdo alienado dos interesses dos camponeses, indígenas, assalariados do campo, ribeirinhas, enfim, do conjunto de trabalhadores de seus movimentos e suas organizações. É necessária a criação de currículos escolares específicos para os sujeitos do campo, um trabalho diferenciado que inclui habilitações e disciplinas específicas e o incentivo de avançar; programas de valorização e de apoio para produções culturais próprias e ao intercambio cultural; programas de formação profissional na perspectiva da construção do novo projeto de desenvolvimento do campo; financiamento por parte do Estado, de escolas geridos por iniciativa de comunidades rurais e movimentos populares que não tenham finalidade de lucro e dentre muitas outras mudanças e incentivos (ARROYO et. al. 2008). A escola urbana não é melhor do que a escola rural como muitos colocam, fator equivocado que parece ser controlador de qualidade, porém não. Arroyo et. al. (2008), destacam que é necessário realizar um projeto popular ou uma mudança no desenvolvimento do campo é importante perceber que não há pouco espaço para a agricultura familiar de subsistência ou voltada para o local, pois a agricultura patronal esta globalizada direcionada a exportação. O homem do campo precisa ser incentivado a pensar no desenvolvimento na modernização do campo, em novas tecnologias, para facilitar seu trabalho no campo. Segundo Arroyo at. al. (2008) é necessário resgatar os valores desses sujeitos do campo e sua identidade com o lugar, nos valores, nos seus direitos, é imprescindível o compromisso com o povo do campo na implicação do resgate, da preservação de sua memória cultural e o compromisso ético com a pessoa. O campo precisa ser resgatado e reconhecido como lugar fundamental para os sujeitos que habitam tal espaço e para a sobrevivência da cidade. Tudo isso mostra o quanto é importante à construção de uma

8 escola do campo como um projeto de desenvolvimento para a inclusão social, que trabalha não só a educação, mas também que vise o desenvolvimento do campo com intuito de mudar a realidade dos sujeitos que vivem nas áreas rurais do Brasil. A PEDAGOGIA DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA Pedagogia significa a forma de como dirigir a formação de uma pessoa, e suas práticas são a educação, num processo de humanização das pessoas. Para o MST a forma de pensar no processo educativo é chamada Pedagogia do Movimento, com a intencionalidade de transformar a educação, e formar os sujeitos sociais do campo. Esse tipo de Pedagogia é essencialmente de cunho social, na qual leva consigo o sentimento de luta, de batalhas, conquistas e vitórias da luta de um povo com identidade que esta sempre em busca de novas mudanças. Carregando com cada educando as experiências de suas famílias, para que seja conteúdo de estudo aos mesmos, que aprendam tudo aquilo que os foi vivido e aprendido na luta. Acima de tudo sejam transformados em sua essência, com o sentimento de valorização de sua identidade, contestação social, inconformismo diante de injustiças, e esperança de acreditar que os mesmos podem mudar sua realidade. (ARROYO et. al. 2008). No MST a pedagogia tem como ideal a cooperação dos assentamentos e acampamentos, partindo dos ideais da Reforma Agrária um dos objetivos da luta, cooperação para o desenvolvimento do campo, pregando uma cultura em conjunto acabando com o pensamento individualista e egocêntrico presentes nas relações de trabalho. E o papel da escola é problematizar para o aluno, construir e desconstruir valores, ajudado a enraizar a identidade do Sem Terra com o objetivo de suprir a necessidade de todos e não uma pessoa unicamente. Historicamente, observamos que para manutenção de relações sociais e dominação com propósito de transformação social, nas escolas sempre foi encoberto por um ideal político. A escola em si sozinha nunca terá força de transformar nada, é conservadora ao vinculo com as lutas sociais ao contrário da Pedagogia do Movimento com ideais libertários e humanizadores usam do próprio movimento para educar. É necessário

transpor para essa cultura escolar que o aprendizado aprendido nas escolas e nas vivencias, devem ser carregados de herança do passado assim para seus descendentes como algo de valor. Em relação ao coletivo dos professores que são chamados de (educadores do MST), os mesmos não podem ser qualquer pessoa da cidade, é indispensável que seja morador da comunidade, que experienciou as lutas, as conquistas, que presenciou toda uma realidade que pode ser contextualizada com atividades pedagógicas aos alunos. É preciso ter professores bem preparados, pois há uma necessidade de estrutura pedagógica inclusiva, pois o próprio capitalismo no campo exclui a escola junto ao próprio trabalhador das cidades. (ARROYO et. al. 2008). É urgente rever essa cultura e estrutura seletiva e perguntar: Que estrutura escolar dará conta de um projeto de educação básica do campo? A estrutura que tenha a mesma lógica do movimento social, que seja inclusiva, democrática, igualitária, que trate com respeito e dignidade as crianças, jovens e adultos do campo, que não aumente a exclusão dos que já são tão excluídos. Tarefa urgentíssima para a construção da educação básica do campo: criar estruturas escolares inclusivas. (ARROYO et. al. 2008, p.86) Assim é formada também uma equipe de educação no assentamento ou acampamento, envolvendo voluntários da comunidade, representantes de famílias, monitores de oficinas, que ajudam no desenvolvimento educacional dos sujeitos do campo em um ambiente educativo de escola. Para tudo isso é preciso ter tempo para organizar toda a pedagogia e o processo de aprendizagem neste contexto. As escolas do campo precisam estar sempre em movimento, movido por valores, lutas sociais e histórias, enriquecendo a aprendizagem a ser construído nas relações de mediação entre professores e alunos. E as relações sociais do ambiente em si precisam ser observadas, pois surgem contradições, desordens que carecem de uma solução, ajustando formas e conteúdos do processo pedagógico. As lutas sociais do MST tem um projeto de enraizamento e que em toda história do movimento é possível percebê-lo como parte de um processo pedagógico, colaborando neste sentido, os autores afirmam: 9

Enraizado é o sujeito que tem laços que permitem olhar tanto para trás como para frente. Ter projeto, por sua vez, é ir transformando estes pressentimentos de futuro em um horizonte pelo qual se trabalha e se luta. Não há, pois, como ter projeto sem raízes, porque são as raízes que nos permitem enxergar o horizonte. (ARROYO et. al. 2008, p.116) Portanto, se trata de um processo de formação de novos lutadores sociais, que a escola não tem o poder de enraizá-los como o movimento tem, e sim de ajudar na disseminação do ideal, respeitando a história dos alunos vinculando o aprendizado com a realidade do sujeito. Do contrário se a escola não os auxilia nesse enraizamento, é possível que ocorra um enfraquecimento de sua ideologia. Transformando-o em um desumanizado, fragilizado em seu ideal. As práticas que vemos que o MST utiliza para fortalecer o processo de enraizamento dos sujeitos são a memória que trabalha com os alunos os relatos das antigas lutas dos familiares, as vivencias, carregando consigo todo um sentimento de superação de batalhas de um passado sofrido, trabalhando a memória coletiva buscando conhecer a história da humanidade. Os valores constituídos de projeto e raiz, movendo a coletividade, instigando todo um processo de resgate de identidade de cada um e valorizando a sua terra do campo também. A educação precisa se direcionar a categoria lugar, assim relacionando com o cotidiano do sujeito de forma que este estudo signifique a construção de valores, preservação e a valorização de sua identidade enquanto sujeito do campo, neste sentido é possível direcionar o sujeito ao pensar critico, ter suas próprias opiniões e não somente o pensamento imposto por autores hegemônicos. Fazendo uma contraposição entre a lógica do capital globalizado que tende a englobar todos os lugares transformando os em espaços de reprodução do capital. Segundo Straforini: [...] Faltam-nos muito esses valores de identidade e pertencimento num mundo que se pretende homogêneo, mas que é contraditório e diverso tanto nas relações entre os homens, e destes com a natureza, assim como no espaço que estamos construindo no cotidiano de nossas vidas. (STRAFORINI, 2004, p.18). 10

11 E por último a mística que é considerada para alguns a alma do movimento com uma grande importância, utilizando muito os símbolos e os sentimentos para transmitir o artifício da luta. Os símbolos passam um significado que é inacessível, é epifania, ou seja, aparição do indizível, pelo e no significante (DURAND, 1988, p. 14). A mística, sobretudo deve dar sentido para a luta de posse da terra, sendo, sobretudo um desafio pedagógico diante de um jovem ou uma criança que afirma ser um Sem Terrinha. CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que com os desafios que o movimento MST enfrenta nos dias de hoje, nas lutas sociais e batalhas no campo, em busca pelos seus direitos em busca de desenvolvimento e de transformações, a Pedagogia do Movimento surge na necessidade de se criar um projeto educacional especifico para os sujeitos que ali estão inseridos. Juntamente ao ideal da Reforma Agrária levando para a escola do campo o objetivo da luta pela identidade, as lutas sociais, o sentimento de superação, de conquista, resgate da memória dos seus familiares, a pregação de valores e de raiz. A Pedagogia do Movimento contribuiu com isso para as concepções da educação do campo, levando para a escola os desafios de uma mudança social a ser feita, uma transformação que esta nas mãos de cada sujeito capazes de assumir as lutas por sua identidade. Sendo indispensável à necessidade do Movimento estar sempre vivo entre a comunidade, pois o campo não se move sem a escola, capazes de não somente educar, mas também prepará-los na formação de novos sujeitos amoldados a fazerem transformações sociais. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel et al. Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BRASIL, Ministério da educação. Parecer CNE/CEB 36/2001. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/parecer36.pdf>. Acesso em: 23 set. 2013.

12 DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. MST lutas e conquistas. Disponível em: http://www.mst.org.br/semterrinha/carta-dos-sem-terrinha-pelareforma-agr%c3%alria Acesso em: 22 mar. 2014. STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume, 2004.