O ensino da matemática e os dilemas de uma professora iniciante - a pesquisa da própria prática



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Transcrição:

ENSINAR E APRENDER MATEMÁTICA COM BRINCADEIRAS: UMA ALTERNATIVA IMPORTANTE PARA O INICIO DA ESCOLARIZAÇÃO Resumo Luciana Cristina Cardoso - UFSCar O presente texto apresenta dados e análises de minha dissertação de mestrado que teve por objetivo identificar, compreender e analisar noções matemáticas construídas por crianças de seis anos quando participavam de brincadeiras no contexto da Educação Infantil, tendo como base o construtivismo piagetiano. A coleta de dados ocorreu antes da Lei n 11.274/2006, que estabeleceu a duração de nove anos para o Ensino Fundamental e a inclusão das crianças de seis anos nesse nível da educação básica. Apresento, portanto, considerações sobre como se pode aprender e ensinar matemática, tendo como referência a faixa etária das crianças, suas necessidades e interesses, independente do nível de escolaridade que frequentem. A pesquisa da própria prática foi de natureza qualitativa e teve como fonte de dados observações sistemáticas das crianças nos momentos de brincadeira no parque, gravações em áudio e vídeo de tais momentos, gravações em áudio e vídeo das discussões sobre as regras das brincadeiras em sala de aula, registros gráficos das crianças após o brincar e o diário da pesquisadora. A intervenção objetivou promover a construção de noções matemáticas presentes nas brincadeiras selecionadas pela professora-pesquisadora, sendo elas: mãeda-rua, coelhinho sai da toca, alerta e queima. Na análise dos dados busquei identificar quais noções matemáticas presentes nas brincadeiras foram construídas, explicitadas e representadas pelas crianças e como o processo ocorreu. Os resultados indicaram que utilizar brincadeiras é uma estratégia adequada para que crianças desta faixa etária construam noções matemáticas como as de: medir, contar, comparar, acrescentar, retirar, localizar-se no espaço, identificar e representar figuras geométricas planas, fazer uso da linguagem matemática, criar estratégias e solucionar problemas. Além disso, foram detectadas algumas outras habilidades como argumentar, aceitar limites, lidar com frustrações, cooperar e respeitar a vontade do grupo, que de acordo com a vertente teórica adotada, culminam no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Palavras-chave: ensino e aprendizagem de matemática; brincadeiras infantis; atuação de professores; prática pedagógica com crianças de 6 anos. O ensino da matemática e os dilemas de uma professora iniciante - a pesquisa da própria prática Estudos realizados por diversos pesquisadores, como Mizukami, Silva, Libâneo, Gatti e Nóvoa, todos estes apresentados nas mesas redondas do XI Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores e I Congresso Nacional de Formação de Professores (Águas de Lindóia, 2011), apontam a necessidade de retomada das pesquisas que envolvem as práticas em sala de aula. Segundo eles, a escola precisa ser o contexto formativo do docente em serviço. Além disso, as pesquisas precisam retomar a prática como ferramenta de análise e devolver a ela os resultados de tais estudos. Precisamos Livro 3 - p.001067

2 resgatar as práticas existentes em salas de aula sob a luz do professor reflexivo Donald Schön (1983 e 1987, apud MIZUKAMI et. al 2002, p. 16), num processo que caminhe para a construção da cultura coletiva de escola, reforçando práticas de cooperação e partilha, apresentados por Nóvoa (2011). Em síntese, a pesquisa relatada neste artigo (CARDOSO, 2008), caracterizada como uma pesquisa intervenção de natureza qualitativa, envolveu minhas próprias limitações enquanto professora iniciante no que dizia respeito ao ensino da matemática na Educação Infantil. Mais especificamente, está vinculada à interface entre ensinar e aprender matemática construindo conceitos básicos e o brincar. Para seu desenvolvimento foram selecionados quatro jogos ou brincadeiras que podiam, no meu entender, ser exploradas matematicamente: Coelhinho sai da toca, Mãe-da-rua, Queima e Alerta. A pesquisa teve por objetivo identificar, compreender e analisar noções matemáticas construídas por crianças de seis anos quando participavam de brincadeiras no contexto da Educação Infantil, tendo como base o construtivismo piagetiano. A coleta dos dados foi realizada ao longo de 2005, ou seja, antes da aprovação da Lei n 11.274/2006, que estabeleceu a duração de nove anos para o Ensino Fundamental e a inclusão das crianças de seis anos nesse setor da Educação. O texto aqui exposto trata de um grupo de crianças com seis anos de idade que eram minhas alunas e que, no momento de coleta dos dados, ainda cursavam a Educação Infantil. Fui, portanto, professora e pesquisadora ao mesmo tempo. Papéis nem sempre fáceis de serem conciliados, mas necessários para uma ação pedagógica cada vez mais consciente e intencional como professora e, também para a construção de conhecimentos acadêmicos que têm estreita relação com o cotidiano das escolas e, que sendo assim considerados, podem vir a iluminar outras práticas pedagógicas em outros contextos. Foram realizadas observações das crianças nos momentos de brincadeira no parque, discussões sobre as regras das brincadeiras em sala de aula, registros gráficos das crianças após o brincar e registros sistemáticos da pesquisadora em diários de campo. A análise dos dados mostrou que o ensino da matemática pode ocorrer neste contexto de brincadeiras e que utilizar brincadeiras é uma estratégia adequada para que crianças desta faixa etária construam noções matemáticas como as de: medir, contar, comparar, acrescentar, retirar, localizar-se no espaço, identificar e representar figuras geométricas planas, fazer uso da linguagem matemática, criar estratégias e solucionar problemas. Livro 3 - p.001068

3 Encontrei também, algumas outras habilidades como: argumentar, aceitar limites, lidar com frustrações, cooperar e respeitar a vontade do grupo, que de acordo com a vertente teórica adotada, culminam no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Ao final da pesquisa me deparei com um questionamento: será que poderíamos propor esta metodologia de trabalho para o ensino da matemática também no primeiro ano do Ensino Fundamental? Encontrei neste evento, o ENDIPE, o espaço apropriado para colocar este questionamento, pois as políticas públicas têm poder de influenciar as ações em sala de aula, sobretudo a Lei acima citada, que provocou mudanças estruturais e curriculares. Não tenho como objetivo, responder a este questionamento no presente texto, mas propor uma reflexão acerca da temática ao apresentar uma proposta bem sucedida de como explorar conceitos matemáticos tendo em vista a faixa etária das crianças, que estando na Educação Infantil ou no primeiro ano do Ensino Fundamental, têm as mesmas necessidades. Considerando documentos oficiais e orientações gerais sobre propostas metodológicas e organizacionais relacionadas ao Ensino Fundamental de Nove Anos, identifiquei grande preocupação em não transpor culturas e práticas já cristalizadas neste nível de ensino para o primeiro ano deste novo modelo. Neste sentido, as metodologias vinculadas ao modo como se ensina e como se aprende os conteúdos pertinentes ao primeiro ano do novo Ensino Fundamental, ganharam e vêm ganhando cada vez mais destaque. Com isso, destaco três grandes eixos que foram, de certo modo, contemplados na pesquisa e que se tornaram também uma preocupação em publicações oficiais que orientam as ações educativas deste setor: a importância da estrutura espacial da escola e modos de explorar todos os ambientes e formas de agrupamentos, de modo a favorecer uma ação comunicativa construtiva; a organização dos currículos e programas, de modo que favoreçam os conhecimentos trazidos pelas crianças, como ponto de partida e, uma reflexão acerca do tempo escolar, tempo este, muito mais associado ao rendimento e envolvimento do grupo do que vinculado ao tempo tradicionalmente denominado por hora/aula. Ciente das dificuldades de uma proposta que atenda a tais necessidades, apresento o trabalho desenvolvido tendo em vista a aprendizagem de conceitos matemáticos por crianças de seis anos de idade. A ideia não é sugerir a transposição do que foi feito no contexto da Educação Infantil para o Ensino fundamental. A intenção é, justamente, provocar reflexão acerca das práticas docentes com o ensino da matemática no primeiro Livro 3 - p.001069

4 ano do Ensino Fundamental. É importante destacar que, ao longo da pesquisa procurei responder a seguinte questão: Que noções matemáticas as crianças de seis anos constroem quando participam de determinados jogos e brincadeiras no contexto da Educação Infantil? Por noções matemáticas, podem-se entender todas as relações que as crianças estabelecem mentalmente, por meio do raciocínio lógico-matemático, levando em consideração os princípios de ensino delineados por Kamii (2003, p.42): a criação de todos os tipos de relações; a quantificação de objetos; A interação social com os colegas e professores. Tendo como suporte a teoria piagetiana e ciente de que Piaget não esteve preocupado em fundar uma teoria da educação, não posso deixar de destacar que suas pesquisas influenciam o campo educativo, sobretudo pela possibilidade de transformar a escola passiva em uma escola ativa, na qual a criança deixa de ser alguém que apenas ouve e segue as orientações da professora para tornar-se construtora de conhecimentos a partir das suas ações físicas e intelectuais. (...) Se se deseja (...) formar indivíduos capazes de criar e trazer progresso à sociedade de amanhã, é claro que uma educação ativa verdadeira é superior a uma educação consistente apenas em moldar os assuntos do querer pelo já estabelecido e os do saber pelas verdades simplesmente aceitas (...) (PIAGET, 1980, p. 34). O ensino e a aprendizagem da matemática por meio de brincadeiras em grupo Considerando a especificidade da matemática como objeto de estudo e a construção do conhecimento sob a perspectiva piagetiana, é importante destacar que ao brincar individualmente, a criança refaz mentalmente situações a que é exposta em sua vida cotidiana. Já o brincar em grupo, ou denominado coletivo, exige dela a coordenação de diferentes pontos de vista. Ela se vê em situações diferentes daquelas a que é exposta no brincar individual, pois lá ela orienta as suas próprias decisões. No grupo ela precisa argumentar e convencer seus pares de suas próprias convicções. (KAMII e DEVRIÉS, 1991). Por isso procurei, na fase de observação das brincadeiras das crianças e sem interferir de qualquer forma, identificar quais eram suas preferências. O diário de campo traz dados que mostram o interesse natural das crianças por jogos em grupo e jogos com regras. (...) percebi que as crianças demonstravam grande interesse por brincadeiras coletivas, sobretudo aquelas em que representavam papéis. Além dessas, brincadeiras que envolviam corridas e habilidades corporais, principalmente de perseguição foram recorrentes. (Diário de campo, 01/08/2005). Livro 3 - p.001070

5 De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), os estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem contribuíram também para compreender que a matemática deveria explorada, na escola, como o era em sua origem, ou seja, a partir da resolução de problemas. Quanto a esse aspecto, o universo da escola infantil se constitui espaço propício para propor situações-problema relacionadas ao desenvolvimento do pensamento matemático. Na aprendizagem da matemática o problema adquire um sentido muito mais preciso. Não se trata de situações que permitam aplicar o que já se sabe, mas sim daquelas que possibilitam produzir novos conhecimentos a partir dos conhecimentos que já se tem e em interação com novos desafios. (...). (BRASIL, 1998, p.211). Nessa perspectiva, jogos e brincadeiras têm o seu papel ainda mais valorizado, visto poderem ser percebidos e utilizados como situações, problemas que considerem os conhecimentos prévios das crianças como ponto de partida para o enfrentamento de novos desafios. Ainda segundo o Referencial, o trabalho com resolução de problemas faz com que as crianças desenvolvam suas capacidades de generalizar, analisar, sintetizar, inferir, formular hipóteses, refletir e argumentar, o que vai ao encontro da finalidade da Matemática na educação infantil, de favorecer o desenvolvimento das capacidades de: reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano; comunicar idéias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em situaçõesproblema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a linguagem oral e a linguagem matemática; ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios. O episódio descrito abaixo, retirado do diário de campo, traz evidências disso e indica como uma situação real, caracterizada enquanto um problema durante o brincar pode contribuir para a descentração do pensamento, no sentido de buscar coletivamente, por meio da argumentação, uma solução viável. Destaco neste trecho, não apenas as noções matemática de limites e vizinhança, mas o trabalho coletivo, que remete ao primeiro eixo apontado no início de nosso texto, que envolve diferentes formas de organização das crianças e dos espaços escolares. E, ainda, a organização do currículo centrado no conhecimento que as crianças trazem sobre determinados assuntos, como em nosso caso, as regras das brincadeiras. No momento da brincadeira o grupo dialoga e articula idéias tomando como base suas próprias vivências e brincando no ambiente do parque. Livro 3 - p.001071

6 Guilherme passou várias vezes por fora do risco lateral do campo e nenhuma criança se queixava do ocorrido até que Alberto percebe e diz: Oh Guilherme, não vale passar por ai não! Você tá roubando! E Guilherme, sabiamente reponde: Por que não pode? Você não falou nada disso lá na classe.... Então Alberto, preocupado em fazer entender todas as regras, pede para que eu pare a brincadeira: O Lu, fala pra eles que não pode sair de dentro do campo! Pesquisadora: Mas Alberto, foram vocês que explicaram como brincar. O que podemos fazer para resolver isso? Giulia: A gente pode mudar algumas regras e brincar de outro jeito, não pode? E se dessa vez valer passar por fora? Alberto: Claro que não! Se tem o risco no chão, pra que serve? É pra ver e não passar depois dele. Só pode brincar aqui dentro, por isso fizemos o risco! Vocês esqueceram? As crianças decidem continuar a brincadeira respeitando o limite do risco do campo e logo todos já haviam experimentado a sensação de ser a mãe-da-rua. (Diário de campo, 16/08/2005, Mãe-da-rua). A concepção exposta no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil vai no sentido de que Aprender matemática é um processo contínuo de abstração no qual as crianças atribuem significados e estabelecem relações com base nas observações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre elementos de seu ambiente físico e sociocultural. (BRASIL,1998, p. 217). De acordo com a concepção piagetiana, o jogo se torna um recurso válido para a criança e para o professor na medida em que a aprendizagem torna-se mais significativa para a criança e o professor pode perceber como a criança se comporta nas mais diversas situações, resolvendo conflitos, buscando soluções e articulando idéias e assim potencializar recursos voltados para a aprendizagem. (KAMII, 1991). Na brincadeira Mãe-da-rua, apresentada acima, ao construir as regras para a realização de uma brincadeira e segui-las, a criança estabelece inúmeras relações, não só sociais, mas também de raciocínio-lógico, pois ao explicitar a regra por ela mesma criada ampliará sua compreensão e tentará encontrar formas, maneiras diferenciadas para vencê-la, no sentido de, inclusive, superar suas próprias limitações. Essa concepção é fortemente defendida em publicações oficiais que norteiam o trabalho pedagógico do primeiro ano do Ensino Fundamental. A exemplo disso destaco um trecho do documento Ensino Fundamental de Nove Anos Orientações Gerais: As propostas pedagógicas (...) devem promover em suas práticas de educação e cuidados a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivolingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível. Dessa forma, sentir, brincar, expressar-se, relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-se são partes do todo de cada indivíduo (...). Levando isso em conta, as brincadeiras propostas na pesquisa podem ser consideradas estratégias poderosas para o primeiro ano do Ensino Fundamental. Livro 3 - p.001072

7 A exploração dos jogos em grupo detalhamentos de uma proposta Como vimos anteriormente, o ponto de partida para a seleção das brincadeiras que seriam exploradas na pesquisa foi a observação sistemática dos jogos ou brincadeiras que as crianças organizavam no momento do parque livre. Essa observação preliminar ocorreu por 10 dias seguidos e, para isso, lancei mão de anotações em diário de campo. Como resultado dessas observações, percebi que as crianças demonstravam grande interesse por brincadeiras coletivas, sobretudo aquelas em que representavam papéis. Além dessas, brincadeiras que envolviam corridas e habilidades corporais, principalmente de perseguição foram recorrentes. Passado este primeiro momento de análise das brincadeiras mais freqüentes selecionamos, levando em conta também a faixa-etária das crianças, as que se adequavam ao que me propus pesquisar, ou seja, brincadeiras em que fosse possível a exploração de noções matemáticas e o desenvolvimento do o pensamento lógicomatemático sendo elas: Coelhinho sai da toca, Mãe-da-rua, Queima e Alerta. Tendo como base o rigor metodológico inerente a uma pesquisa desse porte elaborei um plano de ação e, a partir disso, defini que as brincadeiras seriam propostas uma vez por semana, totalizando um mês de exploração. O relato do diário de campo que aborda a análise da brincadeira Mãe-da-rua, remete a um dos eixos apresentados anteriormente, no qual o currículo e a organização curricular consideram os conhecimentos trazidos pelas crianças, dando a elas o papel de co-construtoras de seus próprios conhecimentos. Num primeiro contato com a brincadeira ficou definido que as crianças brincariam fazendo uso apenas das regras que já conheciam. Quando realizamos a sua exploração inicial, observei que somente duas crianças já haviam brincado, pois freqüentavam clubes nos finais de semana e o primeiro contato com tal brincadeira havia ocorrido nestes ambientes. Foram elas as responsáveis por apresentar a brincadeira aos amigos e isso fez com que, desde o início, as regras fossem discutidas pelo próprio grupo a partir de dúvidas de compreensão que sugiram. (Diário de campo, 16/08/2005, Mãe-da-rua). Terminado este primeiro momento, retomei cada uma das brincadeiras, explorando-as por mais duas vezes, totalizando 4 meses de contato com a construção e a reconstrução de regras, bem como a exploração de conceitos matemáticos. A exploração intencional de cada brincadeira, mesmo em sua exploração inicial, começou sempre com uma conversa informal sobre as regras já conhecidas pelas crianças. Para que essa conversa tivesse para as crianças um caráter informal, sentávamos em roda, no chão e, sob a minha orientação, as crianças relatavam as regras e estipulavam como a brincadeira seria organizada. Essa conversa era registrada por Livro 3 - p.001073

8 mim, em um cartaz coletivo, no qual as regras eram escritas e todos assinavam. Isso foi feito sempre no ambiente da própria classe, pois o parque apresentava muitos estímulos e as crianças poderiam se distrair. Em seguida, nos dirigíamos para o parque e brincávamos todos juntos, inclusive eu, pois em algumas brincadeiras era importante para as crianças que me vissem como alguém mais experiente e que também brinca, joga e cria estratégias para vencer. Ao longo da realização das brincadeiras também foram feitas algumas intervenções, com o intuito de auxiliar as crianças na resolução de pequenos conflitos ou na superação de dificuldades enfrentadas. Essas intervenções eram colocadas, de modo geral, sob a forma de questionamentos, permitindo que as crianças explicitassem seu pensamento e tomassem decisões sobre estratégias. Nesses casos, os registros nos diários de campo foram anotados pela memória, após cada episódio. Passada uma semana, retomávamos as regras utilizadas para a brincadeira e discutíamos quais eram adequadas e quais precisavam ser modificadas ou incluídas no corpo das regras válidas. Neste momento, eram expostas as regras escritas anteriormente e o grupo fazia a leitura e discussão das mesmas; procurava sempre problematizar situações quando estas não eram lembradas pelas crianças, tendo como base as anotações feitas em diário de campo. Após a discussão sobre as regras da brincadeira, agora com uma nova folha em mãos eu reescrevia as regras reelaboradas pelas crianças com base na vivência que haviam tido. Ao final todos assinavam seus nomes, inclusive eu, num gesto de aceitação das regras reelaboradas. Só então era solicitado às crianças um desenho da brincadeira. Os registros por meio de desenho não foram solicitados ao final de cada brincadeira, pois poderiam se tornar uma obrigação na visão das crianças e o meu objetivo com estas representações gráficas era exatamente conseguir uma expressão espontânea da brincadeira, para que pudesse observar aquilo que havia sido mais significativo para cada criança e, também, apreender as hipóteses matemáticas que formulavam. Por isso, o desenho foi utilizado apenas ao final da última exploração da brincadeira, como registro da produção do conhecimento elaborado pelas crianças. O desenho, forma de representação do pensamento, é para a criança algo muito significativo, pois ao desenhar ela (...) encontra um recurso importante para a comunicação e a expressão de sentimentos, vontades e idéias. O desenho aparece como uma linguagem, assim como o são o gesto ou a fala, e é a sua primeira escrita. (...) (SMOLE, 2000, p. 95). Livro 3 - p.001074

9 Ao desenhar a criança refaz mentalmente tudo aquilo que vivenciou na brincadeira. E, no momento do registro propriamente dito, ela precisa encontrar maneiras de expressar tudo o que sentiu no papel, levando em conta os mais diversos aspectos envolvidos no brincar, como a representação do espaço da brincadeira, a quantidade de crianças, o sexo e a identidade de cada uma, as suas próprias preferências e os sentimentos revelados durante este brincar, como a raiva, a frustração ou o sucesso. Ao longo do texto foram apresentadas as sequências de atividades ou vivências que compuseram os dados da pesquisa. Vale destacar que, em todos os momentos (de conversas, brincadeiras, desenhos etc.) o tempo foi um aspecto de muita relevância, pois não foi, de modo algum, determinado pelo tempo cronológico e sim pelo interesse do grupo e o envolvimento que demonstravam por meio das participações nestas atividades. É muito importante, quando falamos de crianças com seis anos de idade, pensarmos na organização do tempo muito mais vinculado ao tempo vivido e às riquezas das experiências do que no tempo da hora/aula, determinada por alguém ou por um sistema maior que desconhece as especificidades de cada grupo e de cada atividade. Deixamos aqui um tema para ser pensado por todos nós: priorizamos, em nossas classes de primeiro ano, o tempo de envolvimento do grupo? Consideramos o que as crianças têm a nos dizer sobre o que já conhecem? Como utilizamos o tempo em favor de atividades comunicativas e que de fato contribuem para que as crianças sejam construtoras de seus próprios conhecimentos? Considerações finais A análise dos dados mostrou que todas as brincadeiras, umas mais, outras menos, colaboraram, de fato, para a aquisição de noções matemáticas, lembrando que por noções matemáticas, entendo toda e qualquer atividade mental que possa promover o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático e o estabelecimento de relações, mesmo que não numéricas. Até mesmo, porque as crianças exploraram noções matemáticas por meio da linguagem e do movimento. As relações que estabeleceram se deram mentalmente, pois em nenhum momento utilizaram lápis e papel para fazer contas. Elas representaram seus pensamentos por meio de desenhos e da reestruturação das regras. O diálogo sobre cada uma das brincadeiras propostas sempre foi de grande valor no trabalho com as crianças, inclusive para o desenvolvimento do raciocínio lógicomatemático. Segundo Lorenzato (2006), Livro 3 - p.001075

10 É importante que o professor tenha sempre em vista que a atividade em si não garante a aprendizagem significativa. Por isso é fundamental que, após cada atividade, o professor facilite a conversa entre as crianças sobre o que fizeram e o que descobriram (p.90). Durante a exploração de todas as brincadeiras as crianças vivenciaram situações em que se fizeram necessárias as habilidades de: medir, contar, comparar, acrescentar, retirar, localizar-se no espaço, identificar e representar figuras geométricas, fazer uso da linguagem matemática, criar estratégias, solucionar problemas, argumentar, aceitar limites, lidar com frustrações, cooperar e respeitar a vontade do grupo. De acordo com a vertente teórica adotada, sabe-se que todas estas habilidades culminam no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Com esta pesquisa, foram discutidas as noções matemáticas presentes em jogos e brincadeiras infantis, no entanto, ao longo da coleta de dados me deparei com uma série de habilidades não matemáticas, mas de grande importância para a aprendizagem posterior de noções matemáticas como, por exemplo, habilidades interpessoais, respeito às decisões tomadas em grupo, cooperação, aceitação de limites e superação de frustrações, capacidade de aprender com o outro, argumentação, flexibilização de regras, entre outros. Como educadora e pesquisadora, fui ao mesmo tempo aprendiz, porque aprendi a olhar minha própria prática com criticidade, aceitando, assim como as crianças, as minhas limitações, mas não me curvando diante delas. A cada nova dificuldade surgiam novas formas de encará-las, buscando na teoria o suporte necessário. Pode-se dizer que ao desenvolver e escrever este trabalho, também fiz uma espécie de formação continuada, pois estudei, levantei hipóteses, questionei minha atuação e, a meu ver, o mais importante disso tudo, busquei novos rumos quando necessário. A dissertação elaborada e apresentada (CARDOSO, 2008), produto final desse processo de formação, trouxe à luz o meu lado pesquisadora e contribuiu fortemente para a consolidação de minha ação docente. A construção dessa nova professora, agora também pesquisadora, não se deu sem conflitos e questionamentos. Vários foram os momentos em que o peso de me manter, de certa forma, distante de alguns laços afetivos que estavam envolvidos tanto nas relações estabelecidas com as crianças, quanto nos vínculos que me uniam à escola, me fizeram parar e questionar até que ponto tudo aquilo era válido. No entanto, momentos assim me fizeram ver que esse é um dos grandes desafios do fazer docente, que mesmo sem os rigores metodológicos da Livro 3 - p.001076

11 pesquisa acadêmica, precisa estar pautado em referências teóricas e precisa ser constantemente reconstruído. Bogdan e Biklen (1994) discutem as especificidades do trabalho do professor e do pesquisador. Procurei sintetizar tais idéias elaborando um quadro (Apêndice 1). Habilidades necessárias para o professor e para o pesquisador) que enfatiza as diferenças entre o professor e o pesquisador. Este recurso foi importante para que eu mesma, enquanto professora-pesquisadora compreendesse até que ponto era uma ou era a outra. Ao finalizar a pesquisa, ficou clara a necessidade, enquanto professora, de uma prática um tanto mais intencional do que aquela que desenvolvi, pois muitas noções matemáticas só foram percebidas por mim depois que sistematicamente analisei os dados, verificando, então, que as brincadeiras poderiam ter sido mais exploradas. Isso leva à necessidade de o professor se debruçar sobre a brincadeira de forma intencional e repetir essa análise ao longo do tempo. Essa é, sem dúvida, uma característica da docência: aprender com a prática em função da reflexão crítica sobre ela. Como destacamos desde o início do texto, entre as preocupações iniciais desta pesquisa, estava a possibilidade de promover a interface entre ensinar e aprender matemática construindo conceitos básicos por meio do brincar. E nesse processo, podemos dizer que as crianças adquiriram conceitos matemáticos por meio da linguagem e do movimento, e eu, aprendi a melhor ensinar essas noções, a construir e reconstruir minha ação nos dois sentidos: de professora e de pesquisadora. Referências: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (v.3). Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA Ensino fundamental de nove anos orientações gerais. Brasíli: MEC/SEB, 2004. BRASIL. Lei n. 11.114, de maio de 2005. Altera os artigos 6, 30, 32 e 87 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União. Brasília, 17 de maio de 2005, n.93, Seção 1, p.1. BRASIL. Lei n. 11.274, de fevereiro de 2006. Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União. Brasília, 7 de fevereiro de 2006, n.27, Seção 1, p.1. Livro 3 - p.001077

12 BOGDAN, R.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação. Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto (Portugal): Porto, 1994. CARDOSO, L. C. Brincar e fazer matemática: uma experiência na Educação Infantil. São Carlos: PPGE-UFSCar, 2008. (dissertação) KAMII, C. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 2003. KAMII, C.; DEVRIÈS, R. Jogos em grupo na educação infantil-implicações da teoria de Piaget. São Paulo: Trajetória cultural, 1991. LORENZATO, S. Educação infantil e percepção matemática. Campinas: Autores Associados, 2006. MIZUKAMI, M. da G. N. et al. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação e formação. São Carlos: EdUFSCar, 2002. PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1980. SMOLE, K. A matemática na educação infantil. A teoria das inteligências múltiplas na prática escolar. Porto Alegre: Artmed, 2000. Apêndice 1 Funções / habilidades necessárias para o pesquisador: Funções / habilidades necessárias para o professor: - conduzir a investigação; - elaborar currículos, dar aulas e disciplinar os alunos; - rigor no que diz respeito ao registro - registros menos detalhados e mais detalhado daquilo que descobre; informais, sem caráter acadêmico; - não há interesse pessoal nas observações que faz, o seu interesse está na pesquisa; - domina técnicas para o uso de diferentes procedimentos com o objetivo de recolher e analisar dados. - baseia-se em teoria e estudos realizados anteriormente como pano de fundo para a análise dos dados, comunicando os seus resultados. - a vida, a carreira e o autoconceito do professor estão ligados ao modo como ele desempenha o seu trabalho; - domina técnicas com o objetivo de ensinar os alunos; - questiona a sua prática, busca auxílio na teoria, mas não o faz de maneira sistemática. QUADRO 1. Habilidades necessárias para o professor e para o pesquisador. Livro 3 - p.001078