NO PRELO. A fauna de peixes na bacia do rio Barra Seca e na REBIO de Sooretama, Espírito Santo, Brasil



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Transcrição:

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35:49-103. Julho de 2014 A fauna de peixes na bacia do rio Barra Seca e na REBIO de Sooretama, Espírito Santo, Brasil Luisa Maria Sarmento-Soares 1,2,3,* & Ronaldo Fernando Martins-Pinheiro 1 RESUMO: A Reserva Biológica de Sooretama é a maior floresta nos tabuleiros costeiros ao norte do Espírito Santo, localizada no terço inferior da bacia do rio Barra Seca. Uma grande variedade de pequenos peixes de riacho habita os córregos protegidos pela reserva. Destaca-se a presença de riachos florestados, de águas escuras e ácidas, e ainda grandes lagoas e ambientes temporários na reserva e entorno. Especial atenção se faz necessária aos trechos a montante da unidade, pela degradação das nascentes e terço médio. Foram descritos os ambientes aquáticos e a composição taxonômica de peixes da bacia do rio Barra Seca, incluindo 15 pontos de amostragem nos terços superior e médio, 28 no trecho baixo e 14 no Vale do Suruaca. Foram identificadas 84 espécies, pertencentes a 37 famílias e 13 ordens. Destas 39 são espécies marinhas que frequentam o estuário. Considerando todas as espécies de peixes encontradas na região, a ordem mais numerosa foi Perciformes com 26 espécies, seguida por Siluriformes com 18 espécies e Characiformes com 16 espécies. Algumas espécies foram encontradas unicamente no trecho do Vale do Suruaca, correspondendo a 43 do total de espécies. Espécies raras e ameaçadas de extinção foram historicamente registradas na reserva e seu entorno, mas não encontradas nas amostragens recentes. Para manutenção da ictiofauna na bacia do rio Barra Seca e Vale do Suruaca se faz necessário estabelecer metas para preservar os ambientes de vida da biota aquática. Algumas medidas de proteção são sugeridas no texto visando conservar os córregos e sua biota. Palavras-chave: ictiofauna, riachos, unidade de conservação, tabuleiros costeiros, sudeste do Brasil. 1 Museu de Biologia Prof. Mello Leitão/ Projeto BIOdiversES (www.nossosriachos.net), Av. José Ruschi, 4, Centro, Santa Teresa-ES, Brasil. E-mail: ronaldo@nossosriachos.net 2 Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal- PPGBAN- Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Marechal Campos, 1468- Prédio da Biologia- Campus de Maruípe, 29043-900, Vitória- ES, Brasil. E-mail: luisa@nossosriachos.net 3 Bolsista FAPES, Bolsa PA- Pesquisador Associado. *Autor para correspondência: biobahia@nossacasa.net Recebido: 7 set 2013 Aceito: 17 mar 2014 49

50 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca ABSTRACT: The fish fauna in the rio Barra Seca basin and Sooretama biological reserve, Espírito Santo, Brazil. The biological reserve of Sooretama is the largest forest in coastal tablelands at northern Espírito Santo, situated on lower stretch of the rio Barra Seca basin. A great variety of small stream fishes inhabit the rivers protected by the reserve. We point out the presence of forested streams, with dark acid waters and also large lakes and temporary environments in the reserve and surroundings. Special attention is necessary upstream the reserve, by degradation of headwaters and middle stretches of the river. Environments were described and the taxonomic composition of fishes was documented for the rio Barra Seca basin, including 15 collecting localities along upper and middle stretches, 28 on lower section and 14 along Suruaca valley. Eighty-four species were identified, belonging to 37 families and 13 orders. Among these, 39 are marine species that visit the estuaries. Considering all the fish species found in the area, the most numerous order was Perciformes, with 26 species, followed by the Siluriformes, with 18 species and the Characiformes, with 16 species. Some species were found only in the Suruaca valley, corresponding to 43 of the total species. Rare and endangered species were historically reported in the reserve and near around, but not found in recent surveys. For maintenance of the fish fauna at the Rio Barra Seca basin and Suruaca valley it is necessary to establish aims for aquatic biota environmental preservation. Some protection measures are suggested in the text in order to preserve streams and its biota. Key-words: fish fauna, streams, conservation units, coastal tablelands, southeastern Brazil. Introdução É um planalto, com cerca de 70 metros acima do nível do mar, sulcado por fundas ravinas feitas pela erosão dos córregos e rios. A região há 20 anos atrás era coberta por uma floresta luxuriante e contínua, hoje com numerosas e amplas abertas. A mata tem o mesmo aspecto observado no vale do rio Itaúnas; mata limpa e de árvores altíssimas. A devastação da floresta vai em grande adiantamento; felizmente a criação da Reserva Federal e de uma Estadual, ao lado da primeira, veio salvar um pequeno trecho da devastação. A providência do Governo infelizmente chegou um tanto tarde, pois nas vizinhanças do rio Barra Seca, existem grandes abertas feitas por posseiros clandestinos que,

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 dela agora afastados, deixaram largas cicatrizes na floresta, feitas pela brutalidade do fogo e inconsciência do machado. A direção da Reserva está procurando cicatrizar estas feridas pela abolição absoluta do fogo e do machado, permitindo que a floresta se reconstitua lentamente. É de grande interesse que se acompanhe com estudos ecológicos a evolução destas clareiras para floresta, a fim de que se possa ter uma idéia de como se formaram, e assim se conheçam as possibilidades e o tempo preciso para reflorestar as vastas áreas, que a ignorância associada à ganância descontrolada, procuram transformar nosso país, de belo e ubérrimo, em sapezal estéril e árido. Um fato que pudemos observar agora foi a existência de clareiras naturais em plena floresta e onde a transição da floresta para o campo é brusca, ficando as árvores como que debruçadas sobre um lago, lago de gramíneas e ciperácea. São pontos em que há um lençol impermeável no solo e que durante as chuvas se transforma, realmente, em pequeno lago onde a vegetação arbórea não medra. Estas clareiras merecem um estudo cuidadoso de ecologia vegetal. Lauro Travassos & F. Teixeira de Freitas (1948: 608) Sistemas hídricos formam um dos maiores centros de diversidade do planeta (Myers et al., 2000) e um dos ambientes mais ameaçados do país pela expansão demográfica, agrícola e industrial (Dean, 1996). Os riachos da Mata Atlântica abrigam uma fauna peculiar de peixes, com vários casos de endemismo, resultantes do isolamento geográfico (Sabino & Castro 1990; Weitzman et al., 1996; Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro, 2007). A ictiofauna de riachos é composta por, pelo menos, metade de indivíduos de médio e pequeno porte, com até 150 mm de comprimento padrão (Castro, 1999). Rios e riachos que atravessam remanescentes de Floresta Atlântica sofrem graus variáveis de perturbação, notadamente pelo movimento de materiais e organismos pela água (Esteves & Lobón-Cervia, 2001; Mazzoni & Iglesias-Rios, 2002; Hilsdorf & Petrere, 2002). Atualmente os trechos melhor preservados encontram-se dentro de algumas reservas biológicas ou em regiões de cabeceiras de difícil acesso (Camargo et al., 1996). As principais formações de florestas nativas do Espírito Santo, na região Sudeste do Brasil, são as matas de tabuleiros e as matas da região serrana. Os tabuleiros ocorrem ao longo da costa brasileira, em áreas 51

52 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca planas ou levemente onduladas, de baixas altitudes. No estado, as matas de tabuleiros ocupam uma faixa estreita ao sul e uma área expressiva ao norte, prolongando-se do rio Doce até o sul da Bahia. Apesar das dezenas de Unidades de Conservação (UCs) criadas no Espírito Santo, muitas áreas são pequenas, de maneira que não sabemos ao certo se podem proteger de maneira efetiva a biodiversidade. A ictiofauna tem sido desconsiderada de tal forma na delimitação de áreas de proteção que nenhuma das Unidades de Conservação do Estado possui em seu Plano de Manejo uma relação dos peixes existentes na Unidade respaldada por material catalogado em coleções zoológicas. A bacia do rio Barra Seca está situada no norte do Estado do Espírito Santo, Brasil (Fig.1a), inserida na Região Hidrográfica do Atlântico Sudeste (CNRH, 2003). O rio Barra Seca, escondido pela densa floresta ombrófila, permaneceu desconhecido até o século XX. Foi encontrado apenas na década de 1920, a 40 Km do litoral, quando foi aberta uma picada, entre Linhares e São Mateus, para passagem da linha telegráfica (Moraes, 1974). Foi então nomeado rio misterioso em referência às suas nascentes vindas de Nova Venécia em meio à densa floresta reinante na época. Somente após 1925, quando foi aberta uma outra picada ligando Nova Venécia a Pancas é que o misterioso foi identificado como sendo o próprio rio Barra Seca (Moraes, 1974). No baixo rio Barra Seca se encontra a lagoa do Suruaca, que no passado formava um lago que inundava toda a região pantanosa do Nativo e de Barra Seca. As impressões de tal lago ainda podem ser percebidas nas imagens por satélite. O lago ficava em um imenso pantanal que abrangia 174 mil hectares nos municípios de Aracruz, Linhares e São Mateus. O rio que vinha do oeste até esta lagoa e parecia não ter uma barra no mar, ficando por este motivo conhecido como rio Barra Seca. De fato a vazão das suas águas somadas às águas da lagoa e ainda do pantanal da Suruaca acontecia pelo rio Mariricu, que deságua no rio São Mateus. Isto fazia do rio Barra Seca uma sub-bacia do São Mateus. O vale do Suruaca por sua vez sofreu severas intervenções antrópicas em meados do século passado. Os alagadiços entre o baixo rio São Mateus e o baixo rio Doce, que compunham o vale do Suruaca, representavam a única faixa de terra do litoral não ocupada até o século XX (cf. Moraes, 1974). Na década de 1960 o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) dinamitou um cordão de arenito que bloqueava a saída para o mar, criando uma nova foz, nomeada Barra Nova. O rio Barra Seca foi assim transformado em uma bacia independente, embora continuasse sua comunicação com o rio São Mateus através do rio Mariricu. O trecho entre a lagoa do Suruaca

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 e a foz em Barra Nova levou o nome de córrego Barra Nova, mas de fato é uma continuação do rio Barra Seca até o Mar. Mais tarde, o problema foi agravado pela descoberta de petróleo na região, sob os terrenos de aluvião do cenozóico. A Petrobrás drenou a lagoa Suruaca ligando-a ao rio Ipiranga, que corre paralelo ao mar vindo do sul do vale. Para abrir o canal, teve de romper o recife de arenito longitudinal que acompanhava a orla e fazia a contenção das águas de todo o vale. Desta forma o rio Ipiranga, apesar de originalmente apresentar uma única desembocadura no oceano, passou a apresentar duas saídas artificiais diretamente para o mar. Uma destas saídas foi incorporada à bacia do rio Barra Seca, com o canal aberto na altura da lagoa do Suruaca. O rio Barra Seca recebe ainda no município de São Mateus o córrego Grande do Meio, além de diversos canais artificiais usados para a drenagem da região até o deságue atual, deslocado para a Barra Nova. O Projeto BIOdiversES Distribuição e Endemismo de Peixes de Água Doce do Espírito Santo estuda os sistemas hídricos capixabas e vem realizando uma avaliação da ictiofauna de água doce do Estado. Para este estudo, os sistemas hidrográficos do Espírito Santo foram divididos nos grupos de drenagem: 1- bacias do norte do Espírito Santo (Sarmento- Soares & Martins-Pinheiro, 2012); 2- bacias do Rio Doce no Espírito Santo (bacias dos rios Doce e Barra Seca); 3- bacias do nordeste do Espírito Santo (bacias dos rios Riacho e Piraquê-açu e as microbacias de Fundão e Aracruz); 4- bacias do Centro-Norte do Espírito Santo (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro, 2010); 5- bacias do Centros-Sul do Espírito Santo (bacias dos rios Santa Maria da Vitória e Jucu); 6- bacias do sudeste do Espírito Santo (Sarmento-Soares et. al., 2012); e 7- bacias do sul do Espírito Santo (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro, 2013a). Por outro lado, o Projeto DiversidadES Efetividade de Unidades de Conservação no Estado do Espírito Santo para a proteção da biodiversidade, veio complementar o Projeto BIOdiversES, pela proposta de verificar a efetividade de unidades de conservação no território do Espírito Santo na proteção de espécies da fauna raras, ameaçadas ou sensíveis a alterações ambientais. Neste trabalho abordamos algumas questões referentes à fauna de água doce da bacia do rio Barra Seca e em especial à ictiofauna protegida pela REBIO Sooretama. Materiais e Métodos Área de estudo. Com aproximadamente 157 km o rio Barra Seca forma uma bacia de 3.230 Km 2, incluindo integralmente a Reserva Biológica de Sooretama e quase totalmente a Reserva Natural de Linhares. Faz limites 53

54 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca ao norte e nordeste com a bacia do São Mateus e ao sul e sudeste com a parte baixa da bacia do Doce e a Leste com o Oceano Atlântico (Fig. 1b). O rio Barra Seca nasce a 225 m de altitude formando as divisas entre os municípios de São Gabriel da Palha e Nova Venécia. Foram considerados 86 pontos de amostragem, sendo 29 de registros históricos de coleções ictiológicas e 57 de coletas recentes de nossa equipe. Os registros históricos estão concentrados no trecho baixo, onde se localiza a REBIO Sooretama, com 22 localidades históricas recuperados (H1 a H22), além de 7 localidades no Vale do Suruaca, identificados de H23 até H29 (Fig. 1c e Tabelas 1 e 2). As coordenadas destes pontos foram estimadas a partir das localidades indicadas nos registros. Figura 1. Mapa da bacia do rio Barra Seca. a. Localização da bacia no país (hachurado contorno do Brasil, pontilhado em relevo- contorno do estado do Espírito Santo, vermelho- bacia do rio Barra Seca). b. Localização das bacias limítrofes (pontilhado em relevo- contorno do estado do Espírito Santo, hachurado horizontal limites das bacias vizinhas São Mateus e médio Doce, hachurado vertical- baixo Doce, quadriculado vermelho- bacia do rio Barra Seca, verde- contorno da REBIO Sooretama, RPPNs e reservas particulares no entorno direto).

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 55 Figura 1c. Mapa da bacia do rio Barra Seca. c. Localização dos registros históricos de coletas- pontos precedidos por H H01 a H29 (hachurado horizontal- baixo rio Barra Seca, hachurado vertical- vale do Suruaca, verdecontorno da REBIO Sooretama, RPPNs e reservas particulares no entorno direto). Para localização dos pontos ver Tabela 1.

56 Tabela 1. Localização dos pontos encontrados nas coleções ictiológicas, indicando as coordenadas estimadas com base nas localidades informadas nos registros. Pt Localidade abreviada/ município Coordenadas estimadas Altitude Latitude Longitude (m) Baixo rio Barra Seca H01 Rio Barra Seca na Estrada Linhares - São Mateus, próximo a divisa em Jaguaré 18º57 53 S 40º07 34 W 20 H02 Rio Barra Seca 18º58 54 S 40º04 48 W 18 H03 Córrego do Deve, estrada Linhares a São Mateus 18º57 02 S 40º07 57 W 43 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca H04 Córrego Jundiá, na estrada Linhares - São Mateus 18º55 20 S 40º07 58 W 31 H05 Rio Barra Seca 18º59 31 S 40º00 54 W 9 H06 Córrego Caximbau na estrada Linhares- São Mateus 18º55 00 S 40º01 24 W 18 H07 Córrego Caximbau 18º57 09 S 40º00 37 W 12 H08 Rio Barra Seca na BR101 18º59 41 S 40º00 09 W 8 H09 Rio Barra Seca 19º01 19 S 39º58 29 W 7 H10 Córrego do Cupido na Cachoeira na Fazenda do Cupido na Estrada Linhares - São Mateus 19º03 25 S 40º09 49 W 66 H11 Córrego do Cupido na Estrada Linhares - São Mateus 19º04 19 S 40º07 51 W 48 H12 Lagoa do Cupido (afluente do rio Barra Seca) na estrada BR-101, no limite norte da Reserva Biológica de Sooretama 19º02 16 S 40º01 28 W 27 H13 Parque Sooretama 19º02 09 S 40º09 30 W 65 H14 Córrego Quirino, Residência 19º00 40 S 40º06 31 W 52

Tabela 1 (cont.) Pt Localidade abreviada/ município Coordenadas estimadas Altitude Latitude Longitude (m) Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 H15 Córrego do Quirino na BR101 próximo a Reserva Florestal Vale do Rio Doce 19º01 49 S 40º01 10 W 32 H16 Córrego Água Limpa 19º00 16 S 39º53 32 W 14 H17 Área Alagada, córrego Rancho Alto 19º08 35 S 40º04 27 W 41 H18 Córrego Chumbado na BR101 próximo a Reserva Florestal Vale do Rio Doce 19º08 15 S 40º04 19 W 44 H19 Área de brejo dentro da Reserva Florestal Vale do Rio Doce 19º08 18 S 40º04 03 W 34 H20 Riacho da Reserva Florestal Vale do Rio Doce 19º08 09 S 40º03 40 W 34 H21 Arroio costeiro no km 118 da estrada BR-101, próximo à Reserva Florestal de Sooretama (Córrego Chumbado) 19º07 27 S 40º03 56 W 49 H22 Marobá, Reserva Florestal Campanhia Vale do Rio Doce 19º07 50 S 39º57 48 W 36 Vale do Suruaca H23 Lagoa Suruaca 19º09 10 S 39º44 46 W 7 H24 Canal de drenagem da Lagoa Suruaca no Pontal do Ipiranga 19º10 15 S 39º45 04 W 4 H25 Laguna costeira em Pontal do Ipiranga 19º19 44 S 39º43 53 W 3 H26 Córrego na estrada Pontal do Ipiranga 19º15 52 S 39º43 13 W 3 H27 Poça temporária na ES-010 em Degredo 19º13 30 S 39º43 20 W 3 H28 Rio Ipiranga, em Pontal do Ipiranga 19º09 56 S 39º43 19 W 3 H29 Rio Barra Seca, próximo a Urussuquara 19º07 00 S 39º43 19 W 3 57

58 Tabela 2. Registros das amostragens históricas, na bacia do rio Barra Seca. Expedição Local Data Equipe Coleção Lotes MNRJ 21 lotes com 569 exemplares (entorno) 67 lotes com 245 exemplares (interior da REBIO) Fev.-Mar.- 1948 L. Travassos, H. Travassos e J.F. Teixeira de Freitas Rio Barra Seca e córregos Cupido, Quirino e Jundiá Instituto Oswaldo Cruz MZUSP/ USNM Riachos da REBIO Sooretama 23- Mar. - 1985 N.A. Menezes e R.M.C. Castro MZUSP 3 lotes com 8 exemplares (interior da REBIO) MZUSP/ USNM Bordo da floresta de Sooretama 23- Mar. - 1985 N.A. Menezes e R.M.C. Castro USNM 1 lote com 6 exemplares (entorno) Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca MCP 7 lotes com 49 exemplares (entorno) 4 lotes com 10 exemplares (interior da REBIO) R.E. Reis, E.H.L. Pereira, J.C.Garavello, W.G. Saul e A.S. Santos. 20 a 26 Jan.- 1995 MCP/ MZUSP riacho costeiro no km 118 da BR-101 e Lagoa do Macuco MZUSP 1 lote com 14 exemplares (entorno) 1 lote com 1 exemplar (interior da REBIO) R.E. Reis, E.H.L. Pereira, J.C.Garavello, W.G. Saul e A.S. Santos. 20 a 26 Jan.- 1995 MCP/ MZUSP riacho costeiro no km 118 da BR-101 (possivelmente o Córrego Chumbado) e Lagoa do Macuco Estação Biológica Soóretama Sem data Sem coletor MNRJ 1 lote com 3 exemplares Parque Sooretama Sem data Heber MNRJ 3 lotes com 4 exemplares Afluente do rio São José Sem data R. La Corte MZUSP 1 lote com 6 exemplares

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 As cabeceiras. Em sua parte mais alta, formando a região de cabeceira, até cruzar a rodovia ES-137, já com uma altitude de 98m (Fig. 2a), o rio Barra Seca recebe na margem direita no município de São Gabriel da Palha os córregos São Sebastião, São Bento, Alegre, Bom Destino, do Almeida e Cinco de Junho. Pela margem esquerda, do município de Nova Venécia recebe os córregos Brejão, Bonfim, Maruí, Santo Antônio e do Augusto. Após cruzar a ES-137 segue em seu trecho médio até encontrar a Cachoeira do Bereco em uma altitude de 60 m. O trecho de cabeceiras do rio Barra Seca banha uma superfície de 172 km 2 e o leito principal percorre uma distância de aproximadamente 20 km. Neste trecho não havia nenhum registro de amostragens históricas em coleções e foram realizadas amostragens em oito pontos identificados de C01 até C08 (Fig 2a, b e Tabela 3). Figura 2a. Trecho das cabeceiras da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por C C01 a C08 (hachurado horizontal- alto rio Barra Seca). Para localização dos pontos de coleta recentes ver Tabela 3. 59

Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca NO PR EL O 60 Figura 2b. Trecho das cabeceiras da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por C. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por C- cabeceiras).

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Tabela 3. Localização geográfica, vegetação, condições da água e substrato do fundo dos pontos amostrais no trecho de cabeceiras do rio Barra Seca. Característica da água: (T1) Transparente amarelada; (T2) Transparente cor de chá e (T3) Marrom turva. Substrato: (Ae) Areia; (Ai) Argila; (C) Cascalho; (Fl) folhiço no fundo do rio; (L) Lodo; (P) Pedra e (R) Rocha. Pt Fig Localidade abreviada/ município Coordenadas Altitude Prof.amostral Água Substrato (m) (m) 18º52 18 S 40º31 30 W 141 0,8-1,0 T3 Ae Rio Barra Seca sob a ponte da estrada que liga os povoados de São Gabriel e Santo Antonio em Nova Venécia C01 2b C02 2b Córrego Santo Antonio próximo ao povoado de Santo Antonio em Nova Venécia 18º51 33 S 40º32 04 W 150 0,5-0,6 T3 Ae 18º55 38 S 40º32 21 W 134 0,5 T3 Ae Córrego Bom Destino na Estrada para o povoado de São Gabriel em São Gabriel da Palha C03 2b C04 2b Córrego da Lapa na Estrada para o povoado de São Gabriel em São Gabriel da Palha 18º56 34 S 40º31 39 W 136 0,3-0,5 T3 Ae, C C05 2b Córrego Bom Destino próximo ao povoado de São Gabriel em São Gabriel da Palha 18º53 59 S 40º31 50 W 119 0,5 T3 Ae 18º51 29 S 40º30 31 W 134 0,5-0,6 T1 P, R Córrego Augusto na estrada entre o povoado de Santo Antonio e a ES-137 em Nova Venécia C06 2b 18º51 06 S 40º30 20 W 120 0,3-0,5 T3 Ae, C Afluente do Córrego Augusto na estrada entre o povoado de Santo Antonio e a ES- 137 em Nova Venécia C07 2b C08 2b Afluente do Córrego Augusto próximo a ES-137 em Nova Venécia 18º51 15 S 40º29 42 W 115 0,6-0,8 T3 Ai, L 61

62 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca O trecho médio. Em seu curso médio demarca a divisa entre os municípios de São Mateus e Vila Valério (Fig. 3a), recebendo na margem direita ainda no município de São Gabriel da Palha os córregos General Rondon, do Sossego, Alegre, Iracema e do João. E no município de Vila Valério os riachos Jacarandá, Pavão, Jacutinga, Areia, Pintada e Tesourinha. Pela margem esquerda, no município de Nova Venécia recebe os córregos do Cavalo, Sabiá, Grande e Santa Inês, e por sua vez no município de São Mateus recebe os riachos Cristal, Serrinha, Pouso Alegre, da Lama, da Serra, Timbó, Terra Fresca e Jacaré. Este trecho banha uma área de 418 km 2 e nele o rio Barra Seca percorre mais 48 km de seu curso. Para este trecho também não havia nenhum registro em coleções ictiológicas. Foram realizadas sete amostragens identificadas como M01 a M07 (Fig. 3a, b e Tabela 4). Figura 3a. Trecho médio da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por M M01 a M07 (hachurado horizontal- médio rio Barra Seca). Para localização dos pontos de coleta recentes ver Tabela 4.

63 NO PR EL O Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Figura 3b. Trecho médio da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por M. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por M- trecho médio).

64 Tabela 4. Localização geográfica, vegetação, condições da água e substrato do fundo dos pontos amostrais no trecho médio do rio Barra Seca. Característica da água: (T1) Transparente amarelada; (T2) Transparente cor de chá e (T3) Marrom turva. Substrato: (Ae) Areia; (Ai) Argila; (C) Cascalho; (Fl) folhiço no fundo do rio; (L) Lodo; (P) Pedra e (R) Rocha. Pt Fig. Localidade abreviada/ município Coordenadas Altitude Prof.amostral Água Substrato (m) (m) M01 3b Rio Barra Seca ao lado leste da ES-137 em Nova Venécia 18º51 23 S 40º29 12 W 103 0,8-1,2 T3 Ae, Ai, P M02 3b Córrego General Rondon próximo à foz no Rio Barra Seca em São Gabriel da Palha 18º51 27 S 40º27 32 W 94 0,6 T3 Ae, Ai Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca M03 3b Córrego do Sossego próximo à foz no Rio Barra Seca em São Gabriel da Palha 18º51 24 S 40º25 48 W 93 0,3-0,5 T1 Ai M04 3b Córrego Alegre próximo à foz no Rio Barra Seca em São Gabriel da Palha 18º51 16 S 40º24 49 W 92 0,5-0,8 T1 Ae, C, P M05 3b Rio Barra Seca antes do Córrego Iracema em São Gabriel da Palha 18º51 06 S 40º24 34 W 90 0,8-1,5 T3 Ae, Ai, P M06 3b Rio Barra Seca entre os córregos Serrinha e Jacarandá em Vila Valério 18º50 55 S 40º21 50 W 87 0,8-1,5 T3 Ae, Ai, M07 3b Córrego Jacarandá após o povoado em Vila Valério 18º53 05 S 40º19 40 W 90 0,3-0,5 T3 Ai

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 65 NO PR EL O O trecho baixo. No seu trecho baixo, a jusante da Cachoeira do Bereco, o rio Barra Seca faz a divisa entre os municípios de Jaguaré e Sooretama e após a BR-101 entre Jaguaré e Linhares (Fig. 4a). Neste trecho baixo recebe em sua margem direita, ainda no município de Vila Valério, o córrego do Tesouro e no município de Sooretama, o córrego Paraisópolis que vem a desaguar no rio Barra Seca no interior da REBIO de Sooretama, além de outros pequenos córregos. Do município de Linhares recebe o Córrego do Cupido que define grande parte do limite sul da REBIO de Sooretama, com foz na lagoa do Macuco. A lagoa do Macuco se espalha por cerca de um quilômetro de largura e três metros de profundidade, no extremo leste da reserva de Sooretama, sendo alimentada pelo rio Barra Seca e o córrego Cupido. Ainda no município de Linhares entre a lagoa do Macuco e a lagoa do Suruaca o rio Barra Seca vai receber o rio Pau Atravessado que percorre áreas da Reserva Natural Vale do Rio Doce. Pela margem esquerda no município de Jaguaré, o rio Barra Seca recebe os córregos do Deve, Jundiá, Abóbora, Caximbau, no trecho a montante da lagoa do Macuco, e os córregos Menezes e Água Limpa, no trecho entre a lagoa do Macuco e a lagoa Suruaca. Neste trecho foram realizadas 27 amostragens recentes identificadas de B01 até B28 (Fig.4a, b, c, d, e, Tabela 5). Para este trecho foram recuperados ainda 22 registros históricos em coleções (H01 a H22, Fig 1c e Tabela 1). Figura 4a. Trecho baixo da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por B B01 a B27 (hachurado horizontal- baixo rio Barra Seca; verde- contorno da REBIO Sooretama, RPPNs e reservas particulares no entorno direto). Para localização dos pontos de coleta recentes ver Tabela 5.

Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca NO PR EL O 66 Figura 4b. Trecho baixo da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por B. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por B- trecho baixo).

67 NO PR EL O Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Figura 4c. Trecho baixo da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por B. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por B- trecho baixo).

Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca PR EL O 68 NO Figura 4d. Trecho baixo da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por B. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por B- trecho baixo). Figura 4e. Trecho baixo da bacia do rio Barra Seca- pontos precedidos por B. Fotos dos pontos de coletas recentes (nomes dos pontos precedidos por B- trecho baixo).

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Tabela 5. Localização geográfica, vegetação, condições da água e substrato do fundo dos pontos amostrais no trecho baixo do rio Barra Seca. Característica da água: (T1) Transparente amarelada; (T2) Transparente cor de chá e (T3) Marrom turva. Substrato: (Ae) Areia; (Ai) Argila; (C) Cascalho; (Fl) folhiço no fundo do rio; (L) Lodo; (P) Pedra e (R) Rocha. Água Substrato Pt Fig. Localidade abreviada/ município Coordenadas Altitude Prof. amostral (m) (m) 32 1,0 T3 Ae 18º54 05 S 40º12 19 W Rio Barra Seca sob a ponte da estrada entre Nossa Senhora de Fátima e Vila Valério, no limite externo da REBIO em Sooretama B01 4b 35 2,0 T3 Ae, Ai 18º54 14 S 40º13 05 W B02 4b Córrego Tesouro sob a estrada para Vila Valério, no entorno da REBIO em Sooretama 31 0,8 T1 Ai, L 18º54 17 S 40º12 42 W B03 4b Córrego Tesouro próximo à foz no rio Barra Seca sob a trilha interna da REBIO em Sooretama 82 0,8 T1 Ae, Ai 18º58 17 S 40º17 28 W B04 4b Córrego Paraisópolis na estrada de Vila Valério antes do povoado de Juruma em Vila Valério 42 1,5 T1 Ae, Fl 18º58 54 S 40º14 31 W B05 4b Córrego Paraisópolis próximo a ponte na trilha interna da REBIO em Sooretama 75 0,3 T1 Ae, Ai 19º01 22 S 40º14 52 W Afluente do Córrego Bom Jardim, tributário do Córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama B06 4b 84 0,3 T2 Ae, Fl 19º01 34 S 40º14 07 W Afluente do córrego Bom Jardim, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama B07 4b 71 1,0 T2 Ae, C, Fl 19º02 43 S 40º13 49 W Córrego do Rodrigues afluente do Córrego Paraisópolis na estrada para Juncado próximo ao povoado de Bom Jardim em Sooretama B08 4b 54 0,5 T2 Ae, C, Fl 19º01 37 S 40º13 39 W B09 4c Córrego do Rodrigues, afluente do Córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 54 0,5 T2 Ae, Fl 19º56 06 S 40º13 16 W B10 4c Córrego Areinha, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 64 0,8 T1 Ae, Fl 18º55 23 S 40º13 11 W B11 4c Afluente do córrego Areinha, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 67 0,3 T1 Ai, L 18º57 14 S 40º13 53 W B12 4c Afluente do córrego Areinha, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 61 0,3 T2 Ae, Fl 18º57 55 S 40º14 10 W B13 4c Córrego Areinha, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 69

70 Tabela 5 (cont.) Água Substrato Pt Fig. Localidade abreviada/ município Coordenadas Altitude Prof. amostral (m) (m) 55 0,2 T1 Ai, L 18º57 41 S 40º14 05 W B14 4c Afluente do córrego Areinha, tributário do córrego Paraisópolis na trilha interna da REBIO em Sooretama 10 1,0 T3 Ae, Ai 18º57 43 S 40º08 25 W B15 4c Córrego Paraisópolis (rio do Sul) na foz no rio Barra Seca no interior da REBIO em Sooretama 12 0,4 T3 Ae, Ai 18º57 40 S 40º08 31 W Brejo na margem esquerda do Rio Barra Seca próximo à foz do córrego Paraisópolis (rio do Sul) no limite externo da REBIO em Jaguaré B16 4c 10 T3 Ae 18º57 41 S 40º08 30 W B17 4d Rio Barra Seca próximo a foz do rio do sul (rio Paraisópolis) em Jaguaré Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca 18 1,0 T3 Ae, Ai 18º57 59 S 40º07 39 W B18 4d Segundo poção na ES-356 após a ponte sobre o Rio Barra Seca, no interior da REBIO em Sooretama 23 1,0 T3 Ae, Ai 18º57 55 S 40º07 37 W B19 4d Primeiro poção na ES-356 após a ponte sobre o Rio Barra Seca, no interior da REBIO em Sooretama 8 1,0 T3 Ae 18º57 53 S 40º07 37 W B20 4d Rio Barra Seca sob a ponte da ES-356, no limite externo da REBIO em Jaguaré. Ai T1- T3 0 2,0-3,0 19º02 37 S 39º56 46 W B21 4d Lagoa do Macuco, no interior da REBIO em Sooretama 16 0,5 T1 Ai, Fl 19º02 20 S 40º01 20 W B22 4d Córrego Cupido, na trilha do Cupido próximo a BR-101 no interior da REBIO em Sooretama 74 0,3 T1 Ai, L 19º02 43 S 40º10 41 W Córrego Quirino, afluente do Córrego Cupido próximo a nascente na trilha interna da REBIO em Sooretama B23 4d 64 0,3 T2 Ai, L 19º02 09 S 40º09 30 W B24 4d Córrego Quirino, afluente do Córrego Cupido sob a ponte da ES-356 no interior da REBIO em Sooretama 42 0,3 T2 Ai, L 19º00 40 S 40º06 31 W Córrego Quirino, afluente do córrego Cupido na trilha para a casa velha do Quirinão no interior da REBIO em Sooretama B25 4e 14 1,0 T2 Ae, Fl 19º01 49 S 40º01 10 W B26 4e Córrego Quirino, afluente do córrego Cupido, na BR-101 no interior da REBIO em Sooretama 12 1,5 T2 Ae, Ai 19º02 23 S 39º39 58 W Córrego Quirino, próximo a foz no córrego Cupido, na trilha do Cupido próximo a BR-101 no interior da REBIO em Sooretama B27 4e

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 71 NO PR EL O O vale do Suruaca. Neste trecho foram realizadas 14 amostragens recentes identificadas de S01 até S14 (Fig.5, Tabela 6) e ainda reconhecidos 7 registros históricos em coleções (H23 a H29, Fig 1c e Tabela 1). Figura 5. Mapa do trecho do Vale do Suruaca da bacia do rio Barra Seca pontos precedidos por S S01 a S14 (hachurado vertical- vale do Suruaca; verde contorno das RPPNs e reservas particulares no entorno direto da REBIO Sooretama). Para localização dos pontos de coleta recentes ver Tabela 6.

72 Tabela 6. Localização geográfica, vegetação, condições da água e substrato do fundo dos pontos amostrais no trecho do Vale do Suruaca. Característica da água: (T1) Transparente amarelada; (T2) Transparente cor de chá e (T3) Marrom turva. Substrato: (Ae) Areia; (Ai) Argila; (C) Cascalho; (Fl) folhiço no fundo do rio; (L) Lodo; (P) Pedra e (R) Rocha. Pt Fig. Localidade abreviada/ município Coordenadas Altitude Prof.amostral Água Substrato (m) (m) S01 Pontal do Ipiranga Canal de drenagem 19 09 04 S 39 43 48 W 0,0 1,0-1,5 T3 Ae, Ai, L S02 Lagoa Suruaca 19 09 20 S 39 44 31 W 0,0 1,0 T3 Ai, L S03 Lagoa Suruaca 19 08 37 S 39 44 13 W 0,0 1,0-1,5 T3 Ai, L Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca S04 Alagado na estrada para Pontal do Ipiranga 19º10 50 S 39º43 30 W 0,0 0,5 T3 Ae, Ai, L S05 Rio Preto Pontal do Ipiranga 19º09 47 S 39º43 01 W 0,0 1,0 T3 Ae S06 Praia da Barra Seca junto a Foz do Suruaca 19º05 02 S 39º43 19 W 0,0 1,0-1,5 T3 Ae, Ai S07 Rio Barra Nova na Ponte para Guriri 19 02 43 S 39 44 24 W 0,0 1,2-1,7 T3 Ae, Ai, P S08 Canal de drenagem na estrada para Gameleiras 19 01 16 S 39 45 34 W 0,0 0,8 T3 Ai, L S09 Mangue Canal de drenagem na estrada para Palmitinho 19 00 18 S 39 50 25 W 0,0 0,6 T3 Ai, L S10 Córrego de drenagem estrada para Gameleiras 18 59 25 S 39 45 29 W 0,0 0,5-1,0 T3 Ai, L S11 Córrego Barra Nova em Barra Nova 18º58 12 S 39º44 27 W 0,0 1,0-1,5 T3 Ae, Ai S12 Canal da draga Estrada para Nativo 18 57 35 S 39 45 45 W 0,0 0,8 T3 Ai, L S13 Canal da draga Estrada para Nativo de Barra Nova 18 57 16 S 39 44 28 W 0,0 1,0 T3 Ai, L S14 Rio Barra Nova, próximo a foz em Barra Nova. 18 57 218 S 39 44 51 W 0,0 1,5-2,0 T3 Ae, Ai

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Geomorfologia do vale do Suruaca. A maioria das bacias que entrecortam as superfícies sedimentares dos tabuleiros costeiros apresenta um padrão de drenagem paralelo, onde os rios correm em direção ao mar. Acima dos 100 m de altitude os rios apresentam um padrão dendrítico, com controle estrutural e mudança na direção do curso dos rios em virtude da presença do embasamento cristalino (Garay & Rizzini, 2004). Transgressões marinhas ao final do Mesozóico trouxeram a linha da costa para o interior, no litoral do Espírito Santo. No início do Quaternário, uma boa parte da bacia do rio Barra Seca havia sofrido transgressão, de forma que o litoral alcançava até a altura da Lagoa do Cupido (Moraes, 1974: 25). Durante o quaternário verificou-se uma regressão marinha, com recuo do mar, que restabeleceu o litoral anterior à transgressão. Nas partes baixas os sistemas de drenagem foram influenciados pelos depósitos marinhos quaternários e o bloqueio dos canais deu lugar a lagoas e brejos, como acontecia na várzea do rio Barra Seca (Garay & Rizzini, 2004). No trecho entre a barra do rio Riacho e a foz do rio Riacho Doce formou-se ao longo do litoral (entre os municípios de Aracruz e Conceição da Barra) uma linha de recifes de arenito coincidente com a atual linha da costa. A linha de recifes represou as águas, e limitou uma extensa lagoa quaternária, de 25 km de largura e área de aproximadamente 2.600 km 2. Esta grande laguna foi sendo aterrada pelo aluvionamento ainda no Pleistoceno, e se transformou numa imensa planície alagadiça que ocupava a região do baixo rio Doce e drenagens circunvizinhas até meados do século XX. No sistema hídrico do rio Barra Seca formaram-se lagoas maiores, como a lagoa Suruaca, e ainda a lagoa Bonita, lagoa do Cupido e a Pau-Atravessado. Muitas outras lagoas pequenas espalhadas, delimitadas por brejos circundantes, ocorrem na região. O cordão de recifes de arenito formava uma linha contínua, paralela à costa, com 174 km de extensão, e possivelmente durante o quaternário, pontos baixos ou erosão de rochas tenham dado passagem para formar os estuários fluviais nesta vasta região. As aberturas naturais correspondem à foz do rio Itaúnas, às barra dos rios São Mateus, Doce e Riacho. O rio Ipiranga fluía encaixado entre dois cordões de arenito paralelos, com abertura do cordão externo em sua foz natural, em Urussuquara. Apesar de não ter comunicação com a bacia do rio Barra Seca, a foz do Ipiranga foi denominada Barra Seca, pois em tempos de estiagem o local era obstruído pelas areias, até o século XIX, época então em que podia ser visitada. Os rios assim tiveram que conformar seus baixos cursos às circunstâncias do relevo, e fluem em paralelo à costa. Mas de todas as soluções dos corpos d água para alcançar o mar, a mais impressionante foi a alcançada pelo rio Barra Seca. Até meados do século XX os contribuintes do rio Barra Seca corriam 73

74 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca para a Lagoa Suruaca e perdiam-se entre os alagadiços até que a água fosse drenada para o rio Mariricu para depois juntar-se às águas do rio São Mateus. Até então esta era a única saída do rio Barra Seca. Reserva Biológica de Sooretama. A Reserva Biológica de Sooretama com uma área de 27.858,68 hectares (aprox. 278 km 2 ) foi criada pelo Decreto nº 87.588 de 20 de setembro de 1982. Ela é o resultado da união da Reserva Florestal Estadual de Barra Seca, de 1971, com o Parque de Refúgio de Animais Silvestres Sooretama, datado de 1943. Até 1923 a unidade era ocupada por população nativa, principalmente indígenas Botocudos. Com a melhoria do acesso a esta área, pela construção de uma ponte ligando a cidade de Colatina às terras do norte do rio Doce, em 1923, a devastação ambiental foi progredindo e os nativos foram perdendo suas terras para madeireiros, posseiros, fazendeiros e demais invasores. A proteção das terras que a Reserva atualmente abrange deve-se aos esforços da divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura e, em particular, ao engenheiro e naturalista Álvaro Aguirre: surgiu-nos, [...] a idéia da criação de um parque florestal e de refúgio de animais silvestres, com o fim de preservar a fauna e a flora local da sanha dos caçadores, da ganância dos madeireiros e da insensatez dos colonizadores (Aguirre, 1951 apud Garay & Rizzini, 2004). O clima é do tipo tropical quente úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno. A temperatura média anual é de 23 C, sendo a média do mês mais quente de 25,6 C, em fevereiro, e a média do mês mais frio 19,9 C em julho. O relevo possui feições representadas por uma sequência de colinas tabulares, entrecortadas por vales amplos e rasos, podendo-se identificar uma única unidade geomorfológica denominada de Tabuleiros Costeiros, que se caracterizam por formas aplainadas, parcialmente conservadas, submetidas a retoque e remanejamentos sucessivos. A principal formação vegetal encontrada é a Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas, também chamada Mata dos Tabuleiros, dentro da Província Atlântica. Este tipo de floresta caracteriza-se por ser uma mata sempre verde de caráter hidrófilo, formada por dois ou mais estratos superpostos com árvores de mais de 30 m de altura. Está totalmente contida no trecho baixo da bacia do rio Barra Seca, com sua maior parte localizada no município de Sooretama e apenas sua extremidade leste no município de Linhares. Proprietários de algumas fazendas vizinhas colaboram com a conservação da floresta pela presença de duas RPPNs Reserva Particular do Patrimônio Natural, e uma reserva natural contíguas a REBIO Sooretama, que juntas compreendem o principal maciço florestal do estado, totalizando 46.037 ha. (Fig. 1c). Uma característica interessante da REBIO Sooretama é que algumas nascentes e cursos de água encontram-se totalmente no interior da reserva, mas

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 muitos destes corpos hídricos nascem fora da reserva, percorrem a REBIO e vão desaguar no rio Barra Seca. O rio Barra Seca serve de limite norte à reserva e, portanto os contribuintes de sua margem direita estão protegidos pela unidade, enquanto a margem esquerda é usada para a pecuária extensiva, monocultura de eucalipto e agricultura. Amostragem. As atividades de campo foram realizadas durante o dia, pela manhã até o crepúsculo. Cada um dos pontos de amostragem foi localizado por GPS (Global Positioning System), fotografado e caracterizado quanto às condições ambientais. Foram realizadas anotações sobre horário e artefatos de pesca empregados. As amostragens realizadas com o uso de puçás, picarés, covos, tarrafas, redes de arrastos e redes de espera. Em cada ponto foi usada uma combinação dos recursos de pesca de forma a assegurar uma exaustiva amostragem de leito, fundo e margem do local amostrado. Cada localidade foi amostrada uma única vez e, sempre que possível, percorrendo-se um trecho de aproximadamente 20 metros rio acima. A maioria dos exemplares foi fixada em formalina a 10% e transportados para o laboratório, onde foram triados, transferidos para conservação em álcool a 70 0 GL, identificados e catalogados (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro 2013b). Alguns exemplares (lotes) foram separados e fixados em álcool absoluto, para posterior uso em análises genéticas, ou como um banco de dados moleculares. Alguns exemplares coletados foram fotografados logo após a coleta. Taxonomia. A classificação taxonômica dos exemplares seguiu Buckup et al. (2007), para peixes de água doce e Menezes et al. (2003) para peixes marinhos. Espécies potencialmente novas e problemas taxonômicos foram reconhecidos, sendo brevemente comentados em resultados. Os exemplares coletados durante o projeto foram examinados e tombados na coleção ictiológica do MBML - Museu de Biologia Professor Mello Leitão e do MNRJ - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Materiais históricos foram consultados nas coleções ictiológicas acima, e ainda nos bancos de dados de coleções disponíveis no Neodat III e no SpeciesLink (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro, 2013c). Análise de dados. Os mapas georefenciados dos rios foram elaborados usando o programa Trackmaker ver. Pro 4.8.516, com base nas cartas do IBGE de 1:100.000 e verificações de campo. Os resultados de comprimento e áreas cartográficos foram calculados com base nos mapas construídos e utilizando o software acima citado. Para caracterizar a ictiofauna presente na bacia do rio Barra Seca, 75

76 Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca foi utilizada apenas a avaliação de constância. Os valores de Constância de Ocorrência (C) das diferentes espécies foram calculados, segundo Dajoz (1983), p a partir da equação: C = * 100 ; onde C é o valor de constância da espécie; p é a quantidade de pontos P em que apareceu a espécie e P o número total de pontos. As espécies foram consideradas constantes quando apresentaram C 50, acessórias quando 25 C < 50 e ocasionais quando C < 25. Não foram utilizados outros índices de avaliação devido à grande quantidade de exemplares históricos (de coleções) amostrados como procedimentos não perfeitamente conhecidos, e temporalmente variados. Resultados A Reserva Biológica de Sooretama, localizada no município de mesmo nome abriga um conjunto de sub-bacias da Bacia do rio Barra Seca. Por representar o maior maciço florestal de mata de baixada no Espírito Santo, Sooretama foi destino de expedições científicas desde a primeira metade do século XX. O registro mais antigo em coleções foi resultado de uma expedição do Instituto Oswaldo Cruz, em 1948, quando foram amostrados os córregos na área da reserva e no seu entorno. Nas décadas de 1980 e 1990 expedições ictiológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) em colaboração com o National Museum of Natural History (USNM) e ainda do Museu de Ciências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP) coletaram em riachos da REBIO Sooretama (Tabela 2). Em uma destas amostragens históricas foram capturados indivíduos de Otothyris travassosi, espécie até então desconhecida. Digno de nota é o local, descrito como riacho costeiro no km 118 da estrada BR-101, próximo à Reserva Florestal de Sooretama, que provavelmente corresponde ao córrego Chumbado no entorno da Reserva. A coleta consta como sendo no município de São Gabriel da Palha o que é inconsistente com a citação de que a amostragem foi feita na BR-101 que não corta este município capixaba. Dois registros históricos de Rachoviscus graciliceps indicados para Sooretama são referentes à bacia do rio São José (MZUSP 38366 e USNM 288183) e não a bacia do rio Barra Seca. Nossos esforços de captura na bacia do rio Barra Seca não resultaram na coleta de exemplares desta espécie. Um conjunto de táxons não foi reconhecido ao nível de espécie, como: Astyanax aff. intermedius, Astyanax aff. taeniatus, Characidium aff. fasciatum, Hoplias aff. malabaricus, Pimelodella aff. vittata e Rhamdia sp. Estes táxons pertencem a grupos de espécies e necessitam maiores investigações. Algumas outras espécies têm sido investigadas recentemente, e associadas a potenciais

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 novas espécies como Astyanax aff. lacustris, associada a A. lacustris, da bacia do rio São Francisco (LMSS, obs. pess. e F.L.K. Salgado, com. pess.), Hyphessobrycon sp. sensu Carvalho 2006, pertencente ao grupo H. boulengeri (F.R. Carvalho, com. pess.) e ainda Gymnotus aff. pantherinus, do complexo G. pantherinus (LMSS, obs. pess. e F.S. Rangel-Pereira, com. pess.). Foram considerados 658 lotes, sendo 309 lotes coletados em 29 pontos distintos referentes a registros históricos e 349 lotes coletados em 57 pontos distintos durante o projeto. Foram identificadas 84 espécies, pertencentes a 37 famílias e 13 ordens (Tabela 7). Destas 39 são espécies marinhas que frequentam o estuário. Dentre estas, cinco são espécies estuarinas e/ou marinhas que penetram em água doce: Centropomus parallelus, C. undecimalis, Dormitator maculatus, Eleotris pisonis e Microphis brachyurus. Outras oito espécies são de água doce, porém introduzidas ou exóticas, e as demais 39 espécies são nativas de água doce. Considerando todas as espécies a ordem mais numerosa foi a dos Perciformes com 26 espécies (29,2%) pertencentes a 11 famílias (26,2%) seguida dos Siluriformes com 18 espécies (25,9%) pertencentes a oito famílias (19,0%) e os Characiformes com 16 espécies (18,5%) pertencentes a cinco famílias (11,9%). Espécies nativas de outras regiões brasileiras, translocadas para a bacia do rio Barra Seca foram: o tucunaré Cichla kelberi, nativo do rio Araguaia (Kullander & Ferreira, 2006), a piranha Pygocentrus nattereri, natural de Cuiabá e do Pantanal matogrossense (Britski et al., 1999), o dourado Salminus brasiliensis, nativa do sistema do Paraná-Paraguai, introduzido nos rios Paraíba do Sul e Doce (Lima et al., 2003) e ainda o cascudo preto Pogonopoma wertheimeri, nativa dos rios Mucuri, Itaúnas e São Mateus, e introduzido após 1997 na bacia do rio Doce (Alves et al., 1997; F. Vieira, com. pess.). Além destas, Hoplosternum littorale, localmente nomeada como cambuti, nativa da Amazônia descrita a partir dos rios da Guiana (Reis, 1997). As únicas espécies exóticas com registro na região foram a tilápia (Tilapia rendalii), da África, o barrigudinho (Poecilia reticulata), do litoral norte da América do Sul, e o bagre africano (Clarias gariepinnus), nativo da África. Quarenta e três das 84 espécies (51%) foram encontradas unicamente no trecho do Vale do Suruaca: Achirus lineatus, Anchoa januaria, Anchovia clupeoides, Anchoviella lepidentostole, Atherinella brasiliensis, Awaous tajasica, Centropomus parallelus, C. undecimalis, Cetengraulis edentulus, Chloroscombrus chrysurus, Citharichthys spilopterus, Clarias gariepinus, Cynoscion striatus, Diapterus rhombeus, Dormitator maculatus, Eleotris pisonis, Etropus crossotus, Eucinostomus melanopterus, Eugerres brasilianus, Genidens genidens, Gobionellus oceanicus, Haemulon plumieri, Lutjanus jocu, Lycengraulis grossidens, Megalops atlanticus, Menticirrhus americanus, 77

78 Tabela 7. Espécies de peixes da bacia do rio Barra Seca no Espírito Santo. Espécies introduzidas ( 1 ); espécies marinhas que penetram em água doce ( 2 ) e espécies marinhas( 3 ). C- Trecho de cabeceiras; M- Trecho médio; B- Trecho baixo; S- Trecho no vale do Suruaca. CLASSIFICAÇÂO TAXONÔMICA Trecho de ocorrência Ordem (13) Família (37) Espécie (84) Pontos Ocorrência Constância C M B S Elopiformes Megalopidae Megalops atlanticus 3 Valenciennes in Cuvier and Valenciennes, 1847 1 1,2% Ocasional X Clupeiformes Engraulidae Anchoa januaria 3 (Steindachner, 1879) 2 2,3% Ocasional X Anchovia clupeoides 3 (Swainson, 1839) 2 2,3% Ocasional X Anchoviella lepidentostole 3 (Fowler, 1911) 5 5,8% Ocasional X Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro: Peixes do rio Barra Seca Cetengraulis edentulus 3 (Cuvier, 1829) 1 1,2% Ocasional X Lycengraulis grossidens 3 (Agassiz in Spix and Agassiz, 1829) 2 2,3% Ocasional X Characiformes Curimatidae Cyphocharax gilbert (Quoy & Gaimard, 1824) 10 11,6% Ocasional X X X Prochilodus vimboides Kner, 1859 3 3,5% Ocasional X X Anostomidae Leporinus copelandii Steindachner, 1875 1 1,2% Ocasional X Crenuchidae Characidium aff. fasciatum 4 4,7% Constante X Characidae Astyanax aff. intermedius 28 32,6% Acessória X X X Astyanax aff. taeniatus 15 17,4% Ocasional X X X Astyanax aff. lacustris 14 16,3% Ocasional X X X X Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 15 17,4% Ocasional X X Hyphessobrycon sp. sensu Carvalho 9 10,5% Ocasional X X X Mimagoniates microlepis (Steindachner, 1877) 15 17,4% Ocasional X X Moenkhausia doceana (Steindachner, 1877) 13 15,1% Ocasional X X

Tabela 7 (cont.) CLASSIFICAÇÂO TAXONÔMICA Trecho de ocorrência Ordem (13) Família (37) Espécie (84) Pontos Ocorrência Constância C M B S Oligosarcus acutirostris Menezes, 1987 5 5,8% Ocasional X X Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 35. 2014 Pygocentrus nattereri 1 Kner, 1858 1 1,2% Ocasional X Salminus brasiliensis 1 (Cuvier, 1816) 1 1,2% Ocasional X Erythrinidae Hoplerythrinus unitaeniatus (Spix & Agassiz, 1829) 20 23,3% Ocasional X X Hoplias aff. malabaricus 28 32,6% Acessória X X X X Ituglanis cahyensis Sarmento-Soares, Martins-Pinheiro, Aranda & Chamon, 2006 1 1,2% Ocasional X Siluriformes Trichomycteridae Trichomycterus pradensis Sarmento-Soares, Martins-Pinheiro, Aranda & Chamon, 2005 10 11,6% Ocasional X X X Callichthyidae Aspidoras virgulatus Nijssen and Isbrücker, 1980 5 5,8% Ocasional X Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) 3 3,5% Ocasional X X Corydoras nattereri Steindachner, 1877 6 7,0% Ocasional X Hoplosternum littorale 1 (Hancock, 1828) 8 9,3% Ocasional X X Scleromystax prionotos (Nijssen & Isbrücker, 1980) 5 5,8% Ocasional X Loricariidae Hypostomus scabriceps (Eigenmann & Eigenmann, 1888) 9 10,5% Ocasional X Otothyris travassosi Garavello, Britski and Schaefer, 1998 15 17,4% Ocasional X Parotocinclus doceanus (Ribeiro, 1918) 1 1,2% Ocasional X Pogonopoma wertheimeri 1 (Steindachner, 1867) 1 1,2% Ocasional X Clariidae Clarias gariepinus 1 (Burchell, 1822) 3 3,5% Ocasional X 79