MANIFESTAÇÕES CONTRA A COPA DO MUNDO: AS RELAÇÕES ESPORTE- POLÍTICA E A CONFIGURAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO AMBIENTE POLÍTICO-COMUNICACIONAL

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Transcrição:

20 MANIFESTAÇÕES CONTRA A COPA DO MUNDO: AS RELAÇÕES ESPORTE- POLÍTICA E A CONFIGURAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO AMBIENTE POLÍTICO-COMUNICACIONAL Luiz Ademir de Oliveira Universidade Federal de São João del-rei (UFSJ) luizoli@ufsj.edu.br Paulo Roberto Figueira Leal Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) pabeto.figueira@uol.com.br Resumo: O artigo discute como os protestos contrários à Copa do Mundo de 2014 refletem modificações de postura do cidadão/eleitor brasileiro em relação ao impacto político do esporte. Trata-se de compreender como o ambiente informacional contemporâneo contribuiu para a ruptura com o tom ufanista quanto a eventos esportivos e para aumento da criticidade. Palavras-Chave: Copa do Mundo; Política; Protestos; Teoria Econômica da Democracia. Abstract: The article discusses how the protests against the 2014 Soccer World Cup reflect changes in the posture of Brazilian voters/citizens towards the political impact of the sport. Its purpose is to understand how the contemporary information environment has contributed to the break with the excessively patriotic tone adopted concerning sporting events and to the growth of critical thinking. Keywords: World Cup, Policy, Protests, Economic Theory of Democracy. A realização no Brasil da 20ª Copa do Mundo de Futebol suscita debates que extrapolam o cenário esportivo: diante das muitas evidências das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais pelas quais passou o país nas últimas décadas, o presente artigo busca refletir sobre eventuais mudanças que ocorreram também nos (potenciais) efeitos do esporte no

21 cenário político. Se em 1970 a ditadura militar apropriou-se politicamente dos logros esportivos do tricampeonato, viveríamos hoje um cenário distinto, no qual esporte e política estariam mais descolados, menos carregados de discurso ufanista e mais críticos? Os intensos protestos durante a Copa das Confederações em 2013 que já tinham a crítica à Copa do Mundo como um de suas bandeiras centrais evidenciariam essas mudanças? Em termos de padrões históricos, o esperado seria que manifestações de rua no Brasil, envolvendo o tema esportivo, fossem para celebrar triunfos (seja de indicação como sede como ocorreu quando da escolha do Rio como sede olímpica pelo COI 1 -, seja pela comemoração de vitórias em campo). Em que outros momentos da história brasileira houve grandes manifestações públicas de repúdio, por exemplo, à seleção brasileira? Não houve: mesmo nas derrotas em edições da Copa anteriores, as insatisfações nunca se traduziram em eventos de massa. Portanto, as passeatas de 2013 e aquelas realizadas e previstas para 2014 provavelmente oferecem material relevante para discutir temas mais amplos que os próprios eventos esportivos ali criticados. Nos movimentos sociais que já realizaram atividades neste ano e se articulam para levar novas passeatas às ruas, viceja o slogan de protesto Copa sem Povo. Tô na Rua de Novo : exigem-se melhorias no setor de saúde, educação, transporte, moradia, além de uma postura menos subserviente dos governos às pressões de organizações internacionais. Dados de pesquisa do Instituto Vox Populi, publicados pela revista Carta Capital em abril, apontam que apenas 45% dos entrevistados são favoráveis à realização do megaevento no Brasil. O torcedor médio não vem se apresentando, nos momentos prévios à Copa, tão eufórico na expressão pública de patriotismo como aquele que pintava as ruas com as cores do Brasil em momentos passados. Essas evidências dizem algo sobre eventuais 1 Comitê Olímpico Internacional.

22 modificações sobre a cultura política brasileira e suas relações com o esporte? Há possíveis implicações nas eleições presidenciais de 2014? É disso que trata este artigo, à luz de diálogos com a Teoria da Escolha Racional. Em 1970, no período mais duro da ditadura militar, a conquista do tricampeonato da Copa do Mundo trouxe euforia para o país. Com o slogan Pra Frente Brasil, o regime buscou atrelar o sucesso no que era a maior manifestação popular brasileira o futebol a conquistas no campo econômico, mesmo sob uma realidade política de tortura e forte repressão dos governos militares. Nas vitórias seguintes da Seleção Brasileira, em 1994 e 2002, resultados divergentes: se, em 1994, Itamar Franco fez como sucessor seu então aliado Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2002, o próprio FHC não conseguiu eleger José Serra do seu partido, já que a oposição saiu vitoriosa com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em ambos os pleitos, as pesquisas captaram efeitos eleitorais muito residuais das vitórias nos campos, havendo outras variáveis muito mais relevantes (Plano Real, em 94; desgaste dos governos tucanos, em 2002) para a construção dos cenários políticos. Como esta relação se daria agora, num contexto diferente no Brasil e mesmo na realidade do futebol internacional? Desde final do século XX, e de forma mais intensa no século XXI, o futebol mudou consideravelmente, mesmo ainda se mantendo como uma forte manifestação popular no Brasil. Mas a concepção romântica deu lugar a grandes eventos esportivos e uma forte indústria. Na linha de frente, a Fedération Internationale de Football Association (FIFA) e organizações como a CBF 2 passaram a ser vistas como entidades que tornaram o futebol numa das indústrias culturais mais lucrativas. O futebol profissionalizou-se bem como passou a contar com eficientes estratégias de marketing. 2 Confederação Brasileira de Futebol.

23 Desde que ingressou no governo, Lula articulou para trazer a competição para o Brasil. Finalmente, em 2007, o país foi confirmado como país sede do megaevento. Nestes anos, o desafio de grandes investimentos em infraestrutura: as arenas no Padrão FIFA, obras de mobilidade urbana, ampliação de aeroportos, principalmente nas oito cidades que irão sediar os jogos, entre outras intervenções urbanas. Foram gastos em torno de 28 bilhões para a realização da Copa, a maior quantia já gasta na realização do evento. Descontentes com uma série de problemas na qualidade dos serviços públicos (transporte, mobilidade urbana, saúde, educação), em junho de 2013, milhões de brasileiros foram às ruas de mais de 100 cidades protestar. Para muitos, demarcava-se ali um novo movimento na democracia, impulsionado, principalmente, pela mobilização que ocorreu a partir das redes sociais e pela rejeição aos partidos políticos e às organizações vinculadas à política tradicional. Apesar da grande diversidade e heterogeneidade (inclusive ideológica) dos protestos, algumas posições firmaram-se como majoritárias nas manifestações: (a) havia alto grau de insatisfação contra a política institucionalizada (questionaram-se governos, casas legislativas e partidos políticos); (b) debateu-se uma agenda fortemente difusa; (c) perdeu-se, para tratar de eventos esportivos, o tom ufanista e patriótico, que até então era amplamente hegemônico em movimentos de rua; (d) constatou-se a (des)construção de mitos do futebol, antes protegidos pela aura do patriotismo, como Pelé e Ronaldo (posicionaram-se contrários aos protestos e sofreram desgaste de imagem com isso). Como e por que essas posições se consolidaram como majoritárias? Busca-se, neste artigo, explorar possibilidades explicativas à luz do diálogo com as premissas básicas da Teoria Econômica da Democracia, formulada

24 por Anthony Downs (1999), (em diálogo direto com a tradição da Teoria da Escolha Racional). Uma das variáveis-chave para a compreensão de fenômenos políticos, segundo essa tradição, trata da importância da informação como atalho para que o cidadão possa fazer o cálculo de custos e benefícios e se posicionar. A grande rejeição à Copa talvez se explique pela ausência do contraditório informativo: tanto o grande sistema midiático enfatizou mais os aspectos negativos do que os positivos, quanto houve falhas do governo federal ao não divulgar para o cidadão brasileiro quais benefícios ele teria com a realização do certame no país (só poucos meses antes do evento o governo iniciou campanha publicitária com essa finalidade, provavelmente tarde demais para reverter a onda de opinião). Persistem na opinião pública perguntas pouco ou mal respondidas pelas autoridades: quais os benefícios que a Copa trará para nós, cidadãos, em termos de serviços públicos? A maioria das pessoas tende a crer que poucos como se evidencia no grande clamor público pelos atrasos relacionados, sobretudo a obras de infraestrutura nas cidades-sede. Certamente, esses problemas ajudaram a reforçar o estereótipo da supostamente crônica incompetência brasileira (discurso autodepreciativo que frequentemente e infelizmente aparece na cena pública nacional). Num ambiente discursivo como esse, diminui a chance de sucesso do tom patriótico e ufanista. A efetiva precariedade dos serviços públicos oferecidos no país, como no setor de transporte, de saúde e de educação, rapidamente estimulou visão maniqueísta: de um lado o cidadão sempre deixado em segundo plano (o cidadão que incorpora o lado virtuoso é trabalhador, produz as riquezas do país e se vê excluído) e, do outro lado, os políticos e a instituições tradicionais falidas do país (governo federal, Congresso Nacional, partidos, sindicatos vistos como o lado cruel e vergonhoso do país). Num mundo cercado por heróis e vilões, não há espaço para o contraditório.

25 O contexto anti-institucional das manifestações também contribuiu para esse cenário: sem foco específico, sem lideranças claras, e articulados, sobretudo pelas redes sociais, os protestos tenderam a produzir poucos temas de efetiva coesão na diversidade que apresentavam: a facilidade da crítica à Copa pela ausência de contraditório forjou cimento que, em alguma medida, unificava a pluralidade. Em posição modal desvinculado de grupos organizados, este cidadão médio, tomado por um cálculo básico de custo-benefício, chegou à conclusão de que se paga impostos em dia e se contribui para produzir riquezas no país, ele tem direitos que precisam ser contemplados direito a uma saúde decente, direito à escola pública de qualidade, direito ao acesso ao transporte coletivo de qualidade e direito a ter direitos. Num contexto de ciberativismo político, marcado pela velocidade da apresentação de demandas e pela exigência de respostas igualmente rápidas, criou-se um ambiente reivindicatório complexo, que chegou às ruas. Se estas questões tiveram centralidade em 2013, estarão ou não presentes na Copa do Mundo de 2014? Com protestos diluídos sem grande impacto ou com eventos conturbados e marcados por conflitos? Em termos políticos, quem ganharia ou perderia? As forças de segurança conseguirão, de forma estratégica ou com estratégias de diálogo, manter o controle nas cidades-sede para que a Copa ocorra em condições adequadas para os torcedores brasileiros e os turistas? Sem que se possa ainda chegar a conclusões sobre os impactos dos possíveis protestos, o que se pode afirmar é que a emergência de um ambiente comunicacional produtor de uma agenda difusa e complexa colocou em xeque padrões da política tradicional. A presidente Dilma viu a sua popularidade ter uma queda considerável desde o ano passado, mas a oposição ainda não conseguiu atrair este contingente de descontentes. Logo, mais do que um

26 debate sobre a conjuntura eleitoral ou a avaliação do atual governo, a questão suscita debates mais profundos sobre a relação entre os cidadãos e o Estado. Talvez o grande desafio da sociedade seja buscar novas práticas políticas e midiáticas que levem em conta a complexidade, e lidar com o necessário debate sobre o desgaste das instituições representativas e as formas para recuperar a permeabilidade das mesmas para atender às demandas sociais. Evidências dessa premência encontram-se em variados âmbitos: o argumento aqui desenvolvido é que mesmo num tema aparentemente distante dessa discussão a relação dos torcedores com um evento esportivo é a questão de fundo do ambiente político-comunicacional contemporâneo que oferece chances de compreensão do fenômeno. Referências CARTA CAPITAL. Cai o número de brasileiros a favor da Copa. Carta Capital, São Paulo, 17 abr. 2014. Caderno Política. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/cai-o-numero-de-brasileiros-a-favor-da-copa- 8564.html>. DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: EDUSP, 2009. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. HELAL, Ronaldo. Passes e Impasses: Futebol e Cultura de Massa No Brasil. Petrópolis: Vozes, 1997. THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.