Um estudo multicasos do crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte: pontos de alavancagem, limitantes e obstáculos



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Transcrição:

out. nov. dez. l 2009 l A X, º 59 l 313-19 I GRAÇÃ 313 Um estudo multicasos do crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte: pontos de alavancagem, limitantes e obstáculos edgard monforte merlo*; harrison bachion ceribeli** Resumo l Este artigo teve como objetivo analisar o processo de crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte, com o intuito de identificar pontos de alavancagem, fatores limitantes e principais obstáculos vivenciados. Os objetos de estudo foram duas pequenas empresas familiares, que atuam no segmento alimentício. Constatou-se que, em ambos os casos, as empresas cresceram com base na qualidade dos produtos, imagem da organização e liderança dos proprietários. A falta de conhecimento gerencial, entretanto, dificultando a tomada de decisão relativa a questões de capacidade produtiva e distribuição, tornou-se um grande obstáculo para que as empresas possam manter seu crescimento no futuro. Palavras-chave l Empresa familiar. Empresa de pequeno porte. Crescimento Title l A multicases study of growth of two small family businesses, leverage points, limitations and obstacles Abstract l This article aims to analyze the growth process of two small family businesses, in order to identify leverage points, limiting factors and main obstacles experienced. The subjects were two small family businesses that operate in the food sector. It was found that in both cases, companies have grown based on product quality, corporate image and leadership of owners. The lack of managerial knowledge, however, complicating the decision-making related to issues of capacity and distribution has become a major obstacle for companies to sustain growth in the future. Keywords l Family company. Small business. Growth 1. introdução Após a década de 90, quando ocorreu a estabilização da moeda e da economia brasileira, muitas empresas familiares de pequeno porte foram abertas no país, aproveitando as oportunidades relativas às mudanças no cenário econômico. Neste contexto, essas pequenas empresas passaram a preocupar-se em desenvolver formas para conquistar uma participação de mercado que fosse rentável o bastante, e, mais importante, manter esta participação e crescer, mesmo com a constante entrada de novos competidores, de diferentes portes. Data de recebimento: 05/08/2009. Data de aceitação: 17/09/2004. * Livre-docente pela FEA-USP, professor doutor da FEARP-USP, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Varejo (Gepvar- USP). E-mail: edgardmm@usp.br. **Mestrando pela FEARP-USP, pesquisador do Gepvar-USP. E-mail: harrisonbceribeli@yahoo.com.br. A questão do crescimento de organizações familiares de pequeno porte ganha grande importância, em função de que estas representam, juntamente com micro e médias empresas, cerca de 98% do total de empresas em funcionamento no Brasil (Sebrae, 2007). Assim, o estudo dos diferentes aspectos relevantes no processo de crescimento das empresas familiares de pequeno porte pode contribuir com o desenvolvimento de um referencial teórico que ajude outros pesquisadores a mapear este processo de expansão, de modo que se torne possível um maior entendimento a respeito desse tema. Além disso, com base no conhecimento acerca do processo referido acima, pequenos proprietários podem planejar melhor e se antecipar a possíveis fatores com potencial de limitar ou até mesmo obstruir o crescimento futuro de suas empresas. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi analisar o processo de crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte, com o intuito de identificar pontos de alavancagem, fatores limitantes e principais obstáculos vivenciados por elas.

314 I GRAÇÃ merlo & ceribeli l Empresas familiares Como limitação deste estudo, pode-se citar o tamanho da amostra, composta por apenas duas empresas, o que indica a necessidade de estudos futuros, que colaborem para que seja construído um referencial sólido acerca do processo de crescimento de pequenas empresas familiares no Brasil. 2. referencial teórico Empresa familiar pode ser definida, segundo Donnelley (1967), como aquela que esteja ligada a uma família por, pelo menos, duas gerações, exercendo forte influência sobre as diretrizes empresariais. Leone e colaboradores (1996) explicam que uma empresa familiar deve ter seu início marcado pela participação direta de uma família, a qual deve estar presente na direção da organização, possuindo um vínculo em relação à propriedade desta. Bernhoeft (1996) lista as seguintes características presentes nas empresas familiares: (1) forte valorização da confiança mútua, (2) laços afetivos que influenciam comportamentos e decisões, (3) valorização da antiguidade ou tempo de serviço, (4) dificuldades em separar emocional e racional, e (5) expectativa de que os funcionários sejam altamente dedicados e fiéis à organização e a seus valores. Para Lee (2004), um negócio familiar é aquele no qual uma família tem propriedade ou controle significativo; e, conforme indica Grzybovski (2002), uma empresa familiar é marcada por um modelo de gestão burocrático e pouco transparente, cuja tomada de decisões é centralizada geralmente no fundador. Uma organização familiar, segundo Chua e colaboradores (1999), deve caracterizar-se por ser um negócio gerenciado com a intenção de manter-se e perseguir uma visão de negócios que corresponda aos valores dos membros de uma família, que mantém o controle da empresa, e busca sua sustentabilidade por meio de outras gerações familiares. Steier e Ward (2006) destacam que as empresas familiares diferenciam-se das demais nas dimensões estratégicas e organizacionais, já que, no primeiro caso, a família influi de maneira direta e significativa no comportamento e futuro da organização. Um modelo que representa a estrutura das empresas familiares foi desenvolvido por Gersick e colaboradores (1997), conforme a Figura 1, ilustrando como este tipo de empresa pode ser complexo, já que a propriedade e gestão podem estar distribuídas entre familiares e não familiares, o que acentuaria os interesses destas duas categorias de players. O modelo proposto por Gersick e colaboradores (1997) destaca um dos principais pontos fracos das empresas familiares, que pode ser descrito, segundo Oliveira (2006), como a dificuldade na condução das relações familiares e profissionais concomitantes. Já como vantagens do modelo dos negócios familiares, pode-se destacar principalmente a questão da imagem e da qualidade dos produtos (Lansberg et al., 1996). família propriedade gestão Figura 1. Modelo dos três eixos em empresas familiares Fonte: Adaptado de Gersick e colaboradores (1997). Lansberg e colaboradores (1996) explicam que as organizações familiares que conseguem sobreviver e crescer tendem a manter um alto nível de qualidade nos produtos, já que os proprietários controlam de maneira exaustiva a produção. Além disso, conforme estes mesmos autores, a imagem da empresa, por estar vinculada à tradição da família proprietária, também se torna um ponto forte das organizações familiares. Em relação à imagem da organização, esta pode ser definida como a percepção que o consumidor

out. nov. dez. l 2009 l A X, º 59 l 313-19 I GRAÇÃ 315 tem acerca de determinado produto, instituição, marca, negócio ou pessoa, que pode ou não corresponder à realidade, sendo mais importante para os propósitos de marketing a imagem que a organização tem do que como a organização realmente é (American Marketing Association, 2009). A imagem que o consumidor forma de determinada empresa, segundo Ailawadi e Keller (2004), geralmente está associada a cinco aspectos: (1) localização da loja, (2) atmosfera da loja, (3) preços e promoções, (4) variedade de produtos e serviços disponibilizados, e (5) diversidade de opções dentro dos mesmos produtos (sabores, tamanho das embalagens, entre outros). De acordo com Davies (1998), a imagem também pode estar associada aos produtos, e aqueles cuja imagem seja positiva podem ter um preço de venda mais elevado do que os demais produtos, aumentando a lucratividade da empresa, já que normalmente ganham a confiança do consumidor. Nesse sentido, conforme afirmam Lansberg e colaboradores (1996), a tradição da família, que transmite uma imagem positiva da empresa familiar para os consumidores, torna-se um ponto-chave para o crescimento dessa categoria de organizações. Outro aspecto que deve ser ressaltado em negócios familiares, de acordo com Anastasiou e colaboradores (2005), é a necessidade de um líder efetivo, e este papel de liderança é um dos pontos mais delicados, em se tratando da continuidade das empresas familiares. Hitt e colaboradores (2002) reforçam a necessidade da liderança como um ponto estratégico, já que, principalmente em empresas familiares, tornase imprescindível a existência de alguém capaz de antecipar, vislumbrar e adaptar as ações estratégicas da organização, de modo que se garanta sua continuidade. Essa figura de liderança, normalmente representada pelo fundador na empresa familiar, segundo Crittenden e colaboradores (2000), exerce forte influência nos valores, objetivos e no comportamento organizacional. De acordo com Gonçalves (2000), em empresas familiares, devem ser destacados alguns pontos que merecem atenção especial, pois, quando estas empresas alcançam um determinado nível de maturidade, estes podem representar alguns nós críticos que se tornam obstáculos para o crescimento: (1) a estrutura informal de gestão; (2) a valorização da confiança e do tempo de serviços antes da competência; (3) o nepotismo, que pode prejudicar a profissionalização; e (4) a falta de planejamento de longo prazo. 3. metodologia de pesquisa A metodologia empregada neste estudo é composta por uma pesquisa bibliográfica, que, segundo Cooper e Schindler (2003), consolida a fundamentação teórico-metodológica do trabalho, e, posteriormente, por uma pesquisa de projetos de casos múltiplos, que, segundo Yin (2005), é uma forma de se realizarem vários estudos de casos relacionados, de maneira que se busquem evidências mais relevantes e convincentes em relação aos resultados obtidos pela utilização de um estudo de caso isolado. Os objetos deste estudo de casos múltiplos foram duas empresas familiares de pequeno porte, já existentes no mercado há mais de sete anos, atuantes no interior de São Paulo, sendo ambas do segmento alimentício. A escolha dessas empresas seguiu o método de amostragem não probabilística por conveniência, pois esta forma de amostragem atende uma abordagem subjetiva de pesquisa e possibilita ao autor maior liberdade de escolha dos casos a serem estudados (Cooper; Schindler, 2003; Gil, 2001). Sendo assim, foram desenvolvidos dois estudos de casos (Yin, 2005), que focaram o crescimento das empresas familiares em questão, incluindo os pontos de alavancagem, os fatores limitantes e os principais obstáculos enfrentados atualmente por estas. Os instrumentos de pesquisa utilizados foram observação direta, durante um período de dois meses, e entrevistas com os funcionários e proprietários das empresas estudadas, e funcionários de alguns dos pontos de vendas que comercializam os produtos das companhias A e B. Deve-se ressaltar que as entrevistas em profundidade realizadas com todos os sócios envolvidos na gestão das organizações estudadas seguiram

316 I GRAÇÃ merlo & ceribeli l Empresas familiares roteiros semiestruturados; no entanto, os entrevistados foram encorajados a extrapolar as questões delimitadas no roteiro, de modo que pudessem expressar perspectivas e pontos de vista em relação ao processo de crescimento vivenciado pelas empresas. Depois que os dados foram coletados, estes foram analisados de maneira comparativa, de maneira que possibilitassem aos autores identificar os pontos mais relevantes durante o processo de crescimento das empresas estudadas, tanto os favoráveis quanto os limitantes deste crescimento. 4. descrição das empresas 4.1 empresa a Para efeitos de estudo, a primeira empresa estudada neste trabalho foi denominada A, sendo esta uma organização especializada na produção e venda de produtos finos de chocolate. A empresa em questão, existente no mercado há cerca de dez anos, enfrentou sérias dificuldades financeiras nos três primeiros anos de existência, por não conseguir alcançar uma participação de mercado sustentável, sendo obrigada a deslocarse geograficamente, deixando a cidade onde fora fundada, de modo que pudesse buscar mercados onde pudesse consolidar sua marca. Assim, a empresa mudou sua sede para uma cidade com pouco mais de 50.000 habitantes, onde conseguiu, depois de dois anos, consolidar sua marca, e, em seguida, ganhar mercado em outras cidades da região, incluindo aquela que havia deixado. Atualmente, a empresa trabalha com a produção de mais de 100 itens diferentes, todos produzidos com chocolate, além de trabalhar com eventos, em parceria com bufês. Em relação à distribuição de seus produtos no varejo, a empresa A dispõe de uma loja própria na cidade onde mantém sua sede, além de mais de 15 pontos de vendas, tanto na cidade onde está localizada, quanto em cidades da região. Atualmente, a empresa A, considerada como de pequeno porte, trabalha com sete colaboradores efetivos, além dos três proprietários (o pai e dois filhos), que atuam tanto na produção, quanto na gestão da organização. Finalizando, deve-se pontuar que a empresa A conseguiu aumentar suas vendas em mais de 40%, considerando os três últimos anos, sendo obrigada a ampliar seu espaço físico, de modo que se viabilizasse o aumento da produção. 4.2 empresa b A segunda empresa estudada nesta pesquisa foi denominada B para efeito de estudo, e trabalha com a produção e venda de basicamente dois produtos: roscas e pães caseiros, e, para cada um destes itens, existe uma pequena variedade de formas e sabores. Iniciando suas atividades há sete anos, com uma produção mensal de cerca de 800 unidades e sem funcionários, a empresa B conseguiu consolidar sua marca e tem, atualmente, quatro colaboradores, além de suas duas proprietárias (mãe e filha), que atuam tanto na produção, quanto na gestão da empresa. Deve-se destacar que, mesmo trabalhando com apenas dois produtos, a empresa B consegue atingir uma base de produção mensal de 5.500 unidades, mantendo, desta forma, um volume de produção estável ao longo do ano. Ao contrário da empresa A, a empresa B trabalha apenas com a distribuição local de seus produtos, e o faz por meio de uma loja própria e de mais três lojas parceiras. Em relação à empresa B, deve-se ressaltar sua política de preços, que os situa num patamar cerca de 30% superior ao de panificadoras da cidade onde está localizada, já que, segundo as proprietárias, seus consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos de maior qualidade, aspecto este muito valorizado pela companhia em questão. 5. análise comparativa Os dados coletados nas empresas A e B buscaram responder basicamente a três questões: Considerando o período desde a abertura da empresa até os dias atuais, quais os pontos que alavancaram o seu crescimento? E quais os aspectos que podem ser considerados como limitantes desse crescimento,

out. nov. dez. l 2009 l A X, º 59 l 313-19 I GRAÇÃ 317 ou seja, que reduzem o potencial de crescimento da empresa? Finalmente, quais os principais obstáculos vivenciados pela empresa atualmente, ou seja, quais os fatores que atrapalham a empresa a crescer? Depois que os dados foram coletados, percebeu-se que ambas as empresas tinham características muito semelhantes em relação a seu processo de crescimento, as quais foram discutidas a seguir. Em relação aos pontos de alavancagem, foram identificados, em ambas as empresas, quatro aspectos: (1) qualidade, (2) padronização, (3) presença do proprietário na linha de produção, e (4) imagem dos produtos. A qualidade dos produtos, segundo os entrevistados das duas empresas, foi a responsável por alavancar as vendas, já que, depois que os clientes experimentavam os produtos, repetiam a compra várias vezes, e, em muitos casos, tornavam-se fiéis. Não é que nós tenhamos tantos clientes assim, mas é que nossos clientes compram várias vezes durante o mês. E por que não comprariam? São produtos de excelente qualidade!, explicou uma das proprietárias da panificadora. Tudo começa com a qualidade. Procuramos trabalhar com a melhor matéria-prima, porque, caso contrário, os clientes não iriam comprar de novo, detalha um dos proprietários da empresa de chocolates. Nesse sentido, pode-se perceber que a qualidade, atributo muito valorizado pelas empresas estudadas, tornou-se um diferencial que alavancou as vendas e possibilitou às organizações crescer, o que pode ser confirmado nas entrevistas com alguns funcionários dos pontos de vendas envolvidos neste estudo. Deve-se destacar que, nas duas empresas, os proprietários enfatizaram muito que a qualidade dos produtos vendidos é consequência da qualidade das matérias-primas empregadas na fabricação. O segundo ponto de alavancagem seria a padronização, pois, conforme explicaram os funcionários que trabalham nos pontos de vendas próprios das duas empresas, os clientes sempre dizem que, não importa quantas vezes eles voltam, os produtos sempre correspondem às suas expectativas, diferentemente de algumas organizações nas quais o cliente não sabe o que esperar quando compra um produto, mesmo que já o tenha comprado antes. De acordo com os funcionários das duas empresas, a padronização dos produtos seria resultado da constante presença dos proprietários na linha de produção, sendo este aspecto outro ponto de alavancagem das empresas. Para os funcionários das duas empresas, dificilmente sairiam da linha de fabricação produtos fora do padrão ou sem qualidade, já que os proprietários, além de trabalharem no próprio processo produtivo, ainda se responsabilizam por inspecionar os produtos durante diferentes etapas da produção, evitando que unidades fora do padrão continuem na linha de fabricação, e, posteriormente, cheguem até o consumidor final. O quarto e último ponto de alavancagem do crescimento das empresas estudadas foi a imagem dos produtos vendidos, já que, conforme explicam Lansberg e colaboradores (1996), a tradição da família, que transmite uma imagem positiva da empresa familiar para os consumidores, torna-se um ponto-chave para o crescimento da organização. Novamente, de acordo com os funcionários dos pontos de vendas próprios de ambas as empresas, os clientes relacionam a imagem do produto com a imagem da família, ou seja, na medida em que a família era respeitada na cidade, transmitia prestígio aos produtos vendidos por sua empresa, e este prestígio convertia-se em uma imagem positiva, que favorecia muito as vendas. Já como fatores limitantes do crescimento das empresas estudadas, podem-se citar: (1) a distribuição (2) e a pouca automação dos processos de fabricação. O primeiro fator limitante, identificado como a distribuição dos produtos, mostra-se mais crítico na empresa B, já que esta se limita à atuação local apenas, diferentemente da empresa A, que já trabalha com a distribuição de seus produtos em nível regional. A distribuição na empresa A, entretanto, apesar de alcançar alguns pontos de vendas na região da cidade onde está localizada, ainda se mostra

318 I GRAÇÃ merlo & ceribeli l Empresas familiares bastante rudimentar, já que apenas 20% de suas vendas são realizadas em outras cidades além de sua cidade-sede. Já na empresa B, que se limita a distribuir seus produtos apenas na cidade onde está localizada, pode-se constatar que um dos grandes dilemas para que esta continue a crescer é a necessidade de investir muito em automação para ampliar a capacidade produtiva e, ao mesmo tempo, a necessidade de buscarem-se novos mercados, na medida em que o potencial do mercado local mostra-se bem explorado. O problema não é tanto produzir mais; o problema é vender mais, e, para isso, seria necessário levar mais produtos nossos para outras cidades e ganhar mercado, já que aqui a gente já vende bem, declara um dos proprietários da empresa de chocolates. Como é que nós podemos investir em tecnologias e aumentar nossa produção, se nós não sabemos se teremos para onde vender essa quantidade produzida a mais?, questiona uma das proprietárias da panificadora. Além do primeiro fator limitante, foi identificado também como ponto que limita o potencial de crescimento das empresas estudadas o próprio processo produtivo, pouco automatizado em ambas as empresas. Esse segundo limitante mostrou-se muito crítico, pois, na medida em que os processos de produção são manuais, para aumentá-la, torna-se necessário treinar mais funcionários, e isso, segundo os proprietários e funcionários das duas empresas, é bastante complicado. De acordo com os próprios funcionários das duas organizações, o processo manual de fabricação não é difícil de ser ensinado, mas é bem difícil de ser aprendido, ou seja, leva tempo, e isso se torna problemático, já que, por um lado, os proprietários não querem esperar, e, por outro, os novos funcionários desistem cedo demais. Com isso, ou os aprendizes são dispensados, ou se demitem antes de aprenderem, o que dificulta muito o aumento da produção, pois este depende, em grande parte, de novos funcionários. Outra opção seria a automação do processo de produção, o que gera muitas dúvidas nos proprietários das empresas estudadas. Será que a qualidade dos produtos não ficaria comprometida? Nosso produto é caseiro, é artesanal... Será que os clientes aceitariam tão bem assim produtos industrializados?, questiona uma das proprietárias da panificadora. Investir em tecnologia de produção é caro, e o retorno é muito incerto. E se eu compro várias máquinas e minha demanda não aumentar o suficiente? Como eu pago as novas dívidas?, questiona um dos proprietários da empresa de chocolates, demonstrando uma preocupação que engloba também a questão da distribuição, já citada anteriormente. Assim, cabe destacar a relação entre distribuição e automação dos processos de fabricação, já que, para que haja retorno no segundo, o primeiro deve ser planejado e implementado da maneira mais eficaz possível. E isso remete ao principal obstáculo enfrentado pelas duas empresas na atualidade, e que não é exclusivo apenas das empresas em questão: a falta de know-how gerencial dos proprietários, que não conseguem resolver a problemática envolvida com os investimentos necessários para garantir a expansão da capacidade produtiva destas organizações, e, com isso, deixam de maximizar o potencial de crescimento. Nesses casos estudados, os proprietários não têm embasamento sólido para tomar decisões e planejar o crescimento futuro, o que, se inicialmente não era um problema, tornou-se o principal obstáculo para o crescimento das organizações nos próximos anos. 6. considerações finais Este trabalho teve como objetivo analisar o processo de crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte, com o intuito de identificar pontos de alavancagem, fatores limitantes e principais obstáculos vivenciados pelas empresas. Após a coleta de dados, foi realizada uma análise comparativa e percebeu-se que ambas as organizações tinham muitos pontos em comum relativamente a seus processos de crescimento e expansão até a atualidade. Pode-se perceber que as duas empresas alavancaram seu crescimento com base na qualidade

out. nov. dez. l 2009 l A X, º 59 l 313-19 I GRAÇÃ 319 dos produtos, na imagem da empresa e dos próprios produtos, que refletia a imagem da família proprietária da empresa, além de liderança e presença constante dos sócios-proprietários na linha de produção. Por outro lado, foi possível identificar dados indicando que, em ambos os casos, o crescimento alcançado poderia ser maximizado, caso fosse possível agir sobre dois fatores limitantes: a distribuição muito limitada dos produtos e a dificuldade em ampliar a produção dos itens, por empregar-se um processo de fabricação amplamente manual. Sendo assim, ficou evidente que as empresas estudadas conseguiram crescer até certo ponto, mas que este crescimento estaria comprometido no futuro, como resultado da falta de preparo e conhecimento gerencial de seus proprietários/ gestores. Deve-se ressaltar que este trabalho buscou levantar alguns tópicos relevantes para as empresas familiares de pequeno porte, e que os pontos de alavancagem, limitantes e obstáculos identificados aqui devem ser estudados em outras pesquisas, de modo que se consolidem os conhecimentos existentes acerca do processo de crescimento desse tipo de organização. Referências bibliográficas AILAWADI, K. L.; KELLER, K. L. Understanding Retail Branding: Conceptual Insights and Research Priorities. Journal of Retailing, 80, 2004, p. 331-42. AMERICAN MARKETING ASSOCIATION. Disponível em <http:www.marketingpower. com>. Acesso em 15 de novembro de 2009. ANASTASIOU, T.; KLEANTHOUS, T.; STAVROU, E. T. Leadership Personality and Firm Culture during Hereditary Transitions in Family Firms: Model Development and Empirical Investigation. Journal of Small Business Management, v. 43, n. 2, abril de 2005, p. 187-206. BERNHOEFT, R. Como criar, manter e sair de uma sociedade familiar (sem brigas). São Paulo: Senac, 1996. CHUA, J. H.; CHRISMAN, J. J.; SHARMA, P. Defining the Family Business by Behavior. Journal of Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 23, n. 4, 1999. COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Métodos de pesquisa em administração. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. CRITTENDEN, W. F.; ATHANASSIOU, N.; KELLY, L. M. Founder Centrality and Strategic Behavior in the Family-Owned Firm. Journal of Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 25, n. 2, 2000. DAVIES, G. Retail Brands and the Theft of Identity. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 26, n. 4, 1998, p. 140-6. DONNELLEY, R. G. A empresa familiar. Revista de Administração de Empresas RAE, São Paulo, v. 7, n. 23, outubro-dezembro de 1967, p. 161-98. GERSICK, K.; LANSBERG, E. M.; DAVIS, J. A.; HAMPTON, M. M. Life Cycles of the Family Business. Boston: Harvard Business School Press, 1997. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. GONÇALVES, J. S. R. C. As empresas familiares no Brasil. Revista de Administração de Empresas RAE, São Paulo, v. 7, n. 1, janeiro-março de 2000, p. 7-12. GRZYBOVSKI, D. O administrador na empresa familiar: uma abordagem comportamental. Passo Fundo (RS): UPF Editora, 2002. HITT, M. A.; IRELAND, R. D.; HOSKISSON, R. E. Administração estratégica. São Paulo: Thomson Learning, 2002. LANSBERG, E. M.; GERSICK, K. E.; DAVIS, J. A.; HAMPTON, M. M. Generation to Generation: Life Cycles of Family Business. Nova York: Prentice Hall, 1996. LEE, J. The Effects of Family Ownership and Management on Firm Performance. SAM Advanced Management Journal, v. 69, n. 4, 2004. LEONE, N. M. G.; SILVA, A. B.; FERNANDES, C. B. Sucessão: como transformar o duelo em dueto. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 31, n. 3, julho-setembro de 1996, p. 76-81. OLIVEIRA, D. P. R. Empresa familiar: como fortalecer o empreendimento e otimizar o processo sucessório. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa, 2007. Disponível em <http:www.sebraesp. com.br>. Acesso em 20 de novembro de 2009. STEIER, L. P.; WARD, J. L. If Theories of Family Enterprise Really Do Matter, So Does Change in Management Education. Journal of Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 30, n. 6, 2006, p. 887-95. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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