Este trabalho foi considerado o melhor trabalho na categoria Jovem Cardiologista no 25º Congresso da SOCERJ. Abstract

Documentos relacionados
Abordagem intervencionista na síndrome coronária aguda sem supra do segmento ST. Roberto Botelho M.D. PhD.

Fatores Associados à Estratificação Invasiva da Síndrome Coronariana Aguda

Artigo. de CARDIOLOGIA do RIO GRANDE DO SUL REVASCULARIZAÇÃO PRECOCE NAS SÍNDROMES ISQUÊMICAS AGUDAS SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST

Choque Cardiogênico, Evolução Clínica Imediata e Seguimento. Cardiogenic Shock, Imediate Evoluiton and Late Outcome

Resultados 2018 e Novas Perspectivas. Fábio P. Taniguchi MD, MBA, PhD Investigador Principal

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO. Dr Achilles Gustavo da Silva

Boletim Científico SBCCV

Estudo Courage. A Visão do Cardiologista Intervencionista. Pós Graduação Lato - Sensu Hospital da Beneficência Portuguesa Abril/2008

Rua Afonso Celso, Vila Mariana - São Paulo/SP. Telefone: (11) Fax: (11)

CONTROVÉRSIAS EM CORONARIOPATIA AGUDA:

Registro de Síndrome Coronariana Aguda em um Centro de Emergências em Cardiologia

SCA Estratificação de Risco Teste de exercício

AVALIAÇÃO DO PROTOCOLO DE INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

Síndrome Coronariana Aguda

Evolução do prognóstico das síndromes coronárias agudas ao longo de 12 anos - a realidade de um centro.

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

AVALIAÇÃO DO ESCORE HOSPITAL COMO PREDITOR DE MORTALIDADE E REINTERNAÇÃO EM PACIENTES ADMITIDOS EM ENFERMARIA CLÍNICA EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

CUIDADO É FUNDAMENTAL

ONTARGET - Telmisartan, Ramipril, or Both in Patients at High Risk for Vascular Events N Engl J Med 2008;358:

TRATAMENTO DAS SINDROMES CORONARIANAS AGUDAS

Estratificação do risco e terapêutica antitrombótica

Curso Avançado em Gestão Pré-Hospitalar e Intra-Hospitalar Precoce do Enfarte Agudo de Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST

Dra. Claudia Cantanheda. Unidade de Estudos de Procedimentos de Alta Complexidade UEPAC

Doença Coronária Para além da angiografia

Angina Instável Identificaçã. ção o e Abordagem. XV Congresso de Cardiologia de Mato Grosso do Sul Campo Grande CELSO RAFAEL G.

Indicadores de Segurança do Paciente Clínicos

Estudo comentado Nº PLATO NÃO INVASIVO. Comentado por: Prof. dr. Otavio Rizzi Coelho

Introdução. (António Fiarresga, João Abecassis, Pedro Silva Cunha, Sílvio Leal)

Análise do Tratamento da Síndrome Coronariana Aguda em Centro Cardiológico do Norte Fluminense

Palavras-chave: Dor torácica. Eletrocardiograma. Doença arterial coronariana.

Estudo comentado Nº PLATO. (PLATelet inhibition and patient Outcomes) Comentado por: José Carlos Nicolau

Avaliação de Marcadores Prognósticos na Síndrome Coronariana Aguda sem Supradesnivelamento do Segmento ST na Sala de Emergência

Escore thrombolysis in myocardial infarction para avaliação de risco em síndrome coronariana aguda em hospital particular no Sul do Brasil*

Unidade de Internação Cardiológica (UIC)

ANGELA MARIA EUGENIO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA INSTITUTO DO CORAÇÃO EDSON SAAD

Ressonância Magnética Cardíaca & Angiotomografia Cardíaca

Sessão Interativa. Atualizações do Protocolo de Dor Torácica

Validação Prospectiva do Escore de Risco Dante Pazzanese em Síndrome Coronariana Aguda sem Supradesnivelamento do Segmento ST

Serviço de Cardiologia, Hospital do Espírito Santo de Évora. Serviço de Cardiologia, Hospital Distrital de Santarém

Fatores de Mau Prognóstico na Síndrome Coronariana Aguda sem Supra de ST: Uma análise baseada na evidência estatística

Resultados Demográficos, Clínicos, Desempenho e Desfechos em 30 dias. Fábio Taniguchi, MD, MBA, PhD Pesquisador Principal BPC Brasil

Click to edit Master title style

Atualizações em Hemodinâmica e Cardiologia Invasiva. Dr. Renato Sanchez Antonio HCI São Sebastião do Paraíso

Estudo Prospectivo Não-Randomizado e Multicêntrico Comparando Stents Farmacológicos com Stents Convencionais em Pacientes Multiarteriais

Infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST: características clínicas, angiográficas e evolução intra-hospitalar dos pacientes

Programa de Cuidados Clínicos no IAMST: Indicadores e Resultados.

Ampliando a Utilização da Terapia de Reperfusão. Do GISSI ao DANAMI

Ultrasensitive Troponin Contribution to Risk Rating by the Timi Risk Score in Patients with Acute Coronary Syndrome without ST Elevation

Registros Brasileiros Cardiovasculares

Valor Prognóstico do Escore de Risco GRACE versus Escore de Risco TIMI em Síndromes Coronarianas Agudas

Mateus Viana Cardiologista Intervencionista Membro Titular da SBHCI

PROJETO: INTERVENÇÃO BRASILEIRA PARA AUMENTAR O USO DE EVIDÊNCIAS NA PRÁTICA CLÍNICA SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS

Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas agudas em um hospital da Região Sul do Brasil

AVALIAÇÃO INVASIVA, REPERFUSÃO e REVASCULARIZAÇÃO

ISQUEMIA SILENCIOSA É possível detectar o inesperado?

Condutas no IAM com Instabilidade Hemodinâmica

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR

Síndromes Coronarianas Agudas na Ausência de Doença Arterial Coronariana Significativa

J. Health Biol Sci. 2016; 4(2):82-87 doi: / jhbs.v4i2.659.p

Resultados do Programa BPC Pesquisador Principal BPC Brasil Fábio P. Taniguchi

Estratificação de risco cardiovascular no perioperatório

Atraso na admissão hospitalar de pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico: quais fatores podem interferir?

Câmara Técnica de Medicina Baseada em Evidências

Farmaceutica, Graduada pela Universidade Regional do Estado do Rio Grande do Sul, 3

Há mais de uma lesão grave, como definir qual é a culpada? Devemos abordar todas ao mesmo tempo ou tentar estratificar? O papel do USIC, OCT e FFR

Síndrome Coronariana Aguda no pós-operatório imediato de Cirurgia de Revascularização Miocárdica. Renato Sanchez Antonio

Uso do AAS na Prevenção Primária de Eventos Cardiovasculares

Artigo. de CARDIOLOGIA do RIO GRANDE DO SUL INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO: DEVEMOS TRANSFERIR O PACIENTE COM IAM? - AGONISTA -

Complete Treatment Versus Residual Lesion Long-Term Evolution After Acute Coronary Syndrome

Registro Brasileiros Cardiovasculares. REgistro do pacientes de Alto risco Cardiovascular na prática clínica

Adesão a um Programa de Reabilitação Cardíaca: quais os benefícios e impacto no prognóstico?

Tratamento domiciliar da TEP. Renato Maciel

PROGRAMA SOCERJ. 04 a 06 de OUTUBRO Hotel Atlântico Búzios Convention Armação dos Búzios - Rio de Janeiro. Especiais: Conecte Estúdio Design

Detecção precoce de cardiotoxicidade no doente oncológico deve ser efectuada sistematicamente? Andreia Magalhães Hospital de Santa Maria

I CURSO DE CONDUTAS MÉDICAS NAS INTERCORRÊNCIAS EM PACIENTES INTERNADOS

Marcos Sekine Enoch Meira João Pimenta

Abordagem do Paciente Tabagista Hospitalizado

Angiotomografia Coronária. Ana Paula Toniello Cardoso Hospital Nove de Julho

Projeto BPC: Conceitos Gerais. Sabrina Bernardez Pereira, MD, MSc, PhD

Luís C. L. Correia, José Carlos Brito, Andréa C. Barbosa, Antônio M. Azevedo Jr, Mário S. Rocha, Heitor G. Carvalho, José Péricles Esteves

LEANDRO TEIXEIRA DE CASTRO

PROTOCOLO HOSPITAL ALEMÃO OSWALDO CRUZ Capítulo JCI Responsável pela elaboração Número do documento Data da 1ª versão

O Risco de morrer por doença crónica em Portugal de 1980 a 2012: tendência e padrões de sazonalidade

Angioplastias Coronarianas em Hospitais Públicos no Município do Rio de Janeiro a 2003: a abrangência da informação em prontuários

Influência do Sexo no Tratamento Intra-Hospitalar da Síndrome Coronariana Aguda

A Importância de um ECG Normal em Síndromes Coronarianas Agudas sem Supradesnivelamento do Segmento ST

BIOMARCADORES e PROTOCOLOS de URGÊNCIA

EHJ: doi: /eurheartj/ehq277

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 3. Profª. Tatiane da Silva Campos

O Custo do Mau Controle do Diabetes para a Saúde Pública

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO CARDIOLOGIA

Letalidade hospitalar nas angioplastias coronárias no Estado do Rio de Janeiro, Brasil,

PERFIL DOS PACIENTES ATENDIDOS PELA FISIOTERAPIA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL DA PROVIDÊNCIA DE APUCARANA

Terapia Antiplaquetária Dupla na DAC Até quando? Dr. Luis Felipe Miranda

14 de setembro de 2012 sexta-feira

QUAL O NÍVEL DE PRESSÃO ARTERIAL IDEAL A SER ATINGIDO PELOS PACIENTES HIPERTENSOS?

Serviço de Cardiologia do Hospital de Braga

DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA

Boletim Científico. Eur J Cardiothorac Surg 2014;46: doi: /ejcts/ezu366.

Boletim Científico SBCCV

Transcrição:

154 Artigo Original 4 Estratégias Invasiva ou Não-Invasiva e Associação com Eventos Clinicamente Relevantes no Seguimento Pós-Alta de Pacientes Internados com Síndrome Coronariana Aguda Invasive or Non-Invasive Strategies and their Association with Clinically Relevant Outcomes after Discharge from Hospital In Patients Admitted with Acute Coronary Syndrome Paolo Blanco Villela 1, Vinicius de Franceschi dos Santos 1, Lucas Vargas Waldeck Amaral Pimenta 1, Juan Daniel Lopez Paz Figueroa 1, Edison Ramos Migowski de Carvalho 1, Glaucia Maria Moraes Oliveira 1, Andrea Tavares de Alencar 1, Carlos Henrique Klein 1,2, Nelson Albuquerque de Souza e Silva 1 Este trabalho foi considerado o melhor trabalho na categoria Jovem Cardiologista no 25º Congresso da SOCERJ. Resumo Fundamentos: Um contexto de incertezas cerca a abordagem da síndrome coronariana aguda (SCA) quanto ao seguimento clínico tardio. Objetivo: Investigar se existe associação entre a realização de cineangiocoronariografia (CAT) com desfechos adversos (infarto não-fatal, reinternação e morte) no seguimento tardio após SCA. Métodos: Amostra-piloto, de coorte retrospectiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), com SCA, até sete dias do evento-índice. Foram selecionados pacientes com CID I20 a I24 do banco de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), no período de 1999 a 2003, e excluídos aqueles sem diagnóstico de SCA. Avaliou-se o seguimento após a alta hospitalar em relação à realização de CAT na internação. Utilizou-se o teste exato de Fisher com nível de significância de 5%. Resultados: Ocorreram 2042 internações com CID I20 a I24 nas AIH no HUCFF, entre 1999 a 2003. De 594 prontuários revistos, 142 foram incluídos. Houve predomínio do sexo masculino e a média de idade foi 62,9±11,7 anos. Na internação, a letalidade média por causas cardíacas foi de 9,9% (14,1% em SCA com supra de ST e 5,8% em SCA sem supra de ST), com 72,5% submetidos à CAT (letalidade=9,7% vs 20,5%, p=0,096). Dos 128 sobreviventes à internaçãoíndice (74%), 95 pacientes foram acompanhados com tempo médio de 1338±931 dias e não houve relação inversa entre a realização de CAT e morte (p=0,096), reinfarto (p=0,559) e reinternação (p=0,736). Conclusão: Não houve benefício da estratégia invasiva durante internação por SCA com seguimento médio de quatro anos quanto à letalidade, ao reinfarto não-fatal e à reinternação. Palavras-chave: Infarto, Coronariografia, Síndrome, Mortalidade, Invasiva Abstract Background: There are many areas of uncertainty in the late follow-up approach to acute coronary syndrome (ACS). Objective: To establish possible associations among coronary cineangiography and adverse outcomes (non-fatal myocardial infarct, re-hospitalization and death) in the late follow-up after ACS. Methods: Pilot study of a retrospective cohort with ACS from the Clementino Fraga Filho University Hospital (HUCFF) up to seven days after the index event. Patients were selected from the Hospital Admission Authorizations Database (1999-2003) with ICD I20 to I24, excluding patients without SCA diagnoses. Post-discharge follow-ups were analyzed in terms of coronary cineangiography on admission, using the Fisher exact test with a p-value of 0.05. Results: There were 2,042 admissions with ICD I20 to I24 in this Database between 1999 and 2003, with 594 medical records reviewed and 142 patients selected for inclusion, mainly male and with a mean age of 62.9±11.7 years. During hospitalization, the average lethality rate due to cardiac causes was 9.9% (14.1% - ACS with ST elevation / 5.8% - ACS without ST elevation), with coronary angiographies performed in 72.5% (lethality = 9.7% x 20.5% p=0,096). Among the 128 patients surviving the index admission (74%), 95 had mean follow-up times of 1,338± 931 days, with no inverse association between coronary angiography and death (p=0.096), further myocardial infarct (p=0.559) and re-admission (p=0.736). Conclusion: There were no benefits resulting from coronary angiography during hospitalization for ACS during a mean follow-up period of four years, in terms of lethality, non-fatal repeat myocardial infarct and readmission. Keywords: Infarct, Angiography, Syndrome, Mortality, Invasive 1 Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil 2 Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Rio de Janeiro (RJ), Brasil Correspondência: paolo3@terra.com.br Paolo Blanco Villela Rua Otaviano Hudson, 13 ap. 501 - Copacabana Rio de Janeiro (RJ), Brasil CEP 22030-030 Recebido em: 10/04/2008 Aceito em: 09/06/2008

155 Introdução Atualmente, o seguimento clínico após uma síndrome coronariana aguda (SCA) não está bem definido. Qual seria a melhor estratégia e o melhor momento para a estratificação invasiva? A freqüência com que a cineangiocoronariografia (CAT) é indicada como parte da estratégia invasiva após o infarto agudo do miocárdio (IAM) tem variado ao longo do tempo e em função dos países avaliados. Assim, o estudo GRACE 1 demonstrou que após um IAM, 52% dos pacientes eram submetidos à CAT. Esse percentual era maior no registro americano de infarto 2 (80%) e menor no Canadá (27%) 3 No estudo GUSTO-4, o índice desse procedimento invasivo relacionou-se à sua disponibilidade, mas não ao índice de recorrência de IAM ou à mortalidade em 30 dias ou até um ano após a CAT 4. Na prática médica, a estratégia invasiva tem sido mais utilizada nos pacientes jovens e de baixo risco com SCA, ainda que a taxa de utilização nos idosos e de alto risco tenha aumentado mais recentemente 5. Entretanto, o emprego da estratégia invasiva de rotina em 158.831 idosos, beneficiários de seguros americanos, seguidos por até sete anos (média de 3,6 anos) não foi associada com benefícios superiores ao tratamento clínico de excelência 6. Diante de tanta variabilidade quanto à freqüência ou à necessidade de indicação de CAT nos pacientes pós- SCA e, principalmente, pela escassez de dados, este trabalho procura investigar se existe associação entre a realização de cineangiocoronariografia (CAT) com desfechos adversos (infarto não-fatal, reinternação e morte) no seguimento clínico após SCA, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ). Os dados utilizados para este estudo são provenientes de uma amostra-piloto não-aleatória, do conjunto completo de internações por SCA, que ocorreram no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2003, no HUCFF/UFRJ, e que fazem parte de um projeto intitulado Modelo Hospitalar de Atendimento ao Paciente com Infarto Agudo do Miocárdio, que tem patrocínio da FAPERJ. Metodologia A amostra utilizada para análise neste estudo é piloto, parcial, não-aleatória, de uma coorte retrospectiva de casos com idade de 20 anos ou acima, internados no HUCFF/UFRJ, com diagnóstico de SCA, até sete dias do início do evento-índice. Foram selecionados, de início, os pacientes com diagnósticos primários correspondentes aos códigos CID (Códigos Internacionais de Doença 10a revisão da Organização Mundial de Saúde) I20 a I24 (anginas, infartos e outras doenças isquêmicas agudas) provenientes do banco de dados de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) da Secretaria de Estado de Saúde (SES), referentes ao período de janeiro de 1999 a dezembro de 2003 e, depois, somente aqueles com os mesmos diagnósticos confirmados nos prontuários. Foram excluídos os pacientes cujos diagnósticos nos prontuários não eram de SCA. Foi avaliado o tempo de seguimento apenas dos pacientes que, após a alta hospitalar, receberam pelo menos um atendimento posterior até cinco anos após o evento-índice, que poderia ser consulta ambulatorial, reinternação ou de emergência no HUCFF/UFRJ. Os dados foram transcritos dos prontuários para fichas de coleta padronizadas, transferidos para fichas eletrônicas (programa Epidata ) 7 e submetidos à análise (programa Stata ) 8. Foram avaliadas as estratégias de estratificação invasiva (com CAT e conservadora (sem CAT) durante a internação-índice. Os desfechos considerados no período de seguimento foram: morte por causa cardíaca, reinternação por causa cardiovascular ou reinfarto não-fatal. Utilizou-se o teste exato de Fisher para avaliar as correlações entre as estratégias utilizadas e os desfechos, com nível de significância de 5%. Resultados Ocorreram 2042 internações com diagnósticos correspondentes aos CID I20 a I24 nas AIH no HUCFF, no período de 1999 a 2003. Após os dois primeiros meses de coleta, de 594 prontuários indicados pelas AIH, já revistos, em 142 houve confirmação do diagnóstico de SCA, até sete dias do início do eventoíndice. Na Tabela 1 são descritas as variáveis selecionadas relativas às características demográficas, fatores de risco, comorbidades, uso prévio de medicamentos e diagnóstico dos pacientes nas internações-índice. A média de idade dos pacientes foi de 62,9±11,7 anos. Algumas informações sobre fatores de risco e comorbidades prévias não foram encontradas nos prontuários, entretanto, os registros sobre as variáveis - procedimentos, morte e reinternações no HUCFF - foram adequados. Da amostra de pacientes, 7% tinham se submetido à angioplastia e 6,3% à cirurgia de revascularização. Cerca de 1/3 dos pacientes utilizava AAS ou betabloqueadores antes da internação.

156 Tabela 1 Características demográficas, fatores de risco, comorbidades, uso prévio de medicamentos e diagnóstico dos pacientes nas internações-índice Variáveis % n* Idade <50 anos 9,2 142 50-69 anos 55,6 142 70 anos 35,2 142 Sexo masculino 66,2 142 Hipertensão arterial 85,0 120 Diabetes mellitus 32,2 87 Tabagismo 35,6 95 Obesidade 66,7 33 Infarto agudo do miocárdio prévio 45,5 55 Acidente vascular encefálico prévio 11,9 142 Ácido acetilsalicílico prévio 33,8 142 Betabloqueador prévio 28,9 142 SCA com supradesnível de ST 45,1 142 SCA sem supradesnível de ST 48,6 142 Outra doença isquêmica aguda 6,3 142 *Quantidades de observação diferentes de n=142 são devidas à ausência de informação nos prontuários SCA=síndrome coronariana aguda Na evolução da internação-índice, a letalidade média por causas cardíacas foi de 9,9% (14,1% na SCA com supradesnível de ST e 5,8% na SCA sem supradesnível de ST). Em 78 pacientes com informação, houve evolução para Killip III ou IV em 11,4% dos casos, e em 4,2% ocorreu choque cardiogênico. Foi administrado trombolítico em 33,9% dos pacientes com SCA com supradesnível de ST. Na internaçãoíndice foi feita cineangiocoronariografia em 72,5% dos pacientes. Entre estes, a letalidade foi de 9,7%, enquanto 20,5% dos pacientes que não fizeram CAT, morreram (o p-valor associado com o teste de diferença entre essas proporções foi de 0,096). A avaliação do seguimento foi possível em 74,2% dos 128 pacientes que sobreviveram à internação-índice. O tempo médio de seguimento foi de 1338 dias (dp=931, min=24, max=3235, mediana de 1498 dias). O seguimento foi obtido com maior freqüência entre os portadores de SCA sem supradesnível de ST do que naqueles com supradesnível de ST (82,8% vs 73,6%). A letalidade acumulada durante o seguimento foi de 14,1% (n=64) na SCA com supradesnível de ST e 11,6% (n=69) na SCA sem supradesnível de ST. Dos pacientes que foram submetidos à coronariografia na internação-índice, 26,3% repetiram o exame em algum momento durante o acompanhamento clínico. A Tabela 2 revela a associação observada entre a estratégia invasiva e os desfechos: morte por causa cardíaca, reinfarto não-fatal e reinternação por doenças cardiovasculares. Não foi detectada associação entre a estratégia invasiva e os desfechos clínicos observados. Tabela 2 Desfechos adversos no seguimento tardio pós-sca de acordo com a estratégia inicial Desfechos Com CAT % (n) Sem CAT % (n) p-valor Morte 9,7 (103) 20,5 (39) 0,096 Reinfarto 19,2 (26) 0,0 (7) 0,559 Reinternação 76,3 (59) 71,4 (14) 0,736 CAT=cineangiocoronariografia Discussão Apesar do consenso bem estabelecido sobre a utilidade da CAT como estratégia inicial de estratificação de pacientes supostamente de alto risco 9, ainda há discussão sobre sua utilização nos pacientes estáveis e sem intercorrências após o tratamento clínico intensivo inicial. Arritmias ventriculares malignas, instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca, angina refratária e TIMI Risk 5 indicam o uso de estratégia agressiva com revascularização precoce 9, o que foi corroborado por Sales et al. no HUCFF/UFRJ 10. Segundo esses autores, observou-se que as indicações da CAT utilizavam como base as variáveis que se relacionavam ao alto risco de insucesso clínico proposto pelo estudo GRACE 11, com destaque para: pressão sistólica, idade, doença vascular periférica, níveis de creatinina, Killip, marcadores de necrose miocárdica, elevação do segmento ST e parada cardiorrespiratória na admissão. Entretanto, ainda não se dispõe de informação, no Brasil, se tal conduta implicou em redução de eventos cardíacos no seguimento dos pacientes. Por outro lado, persiste a dúvida sobre o melhor caminho a seguir quando os pacientes apresentam estabilidade clínica e elétrica, sem intercorrências, após o tratamento clínico do evento agudo. Recentemente, no estudo ICTUS 12, 1200 pacientes com SCASSST e troponina positiva foram randomizados em dois grupos, com o objetivo de uma comparação entre as estratégias invasiva e nãoinvasiva em relação aos desfechos clínicos ao longo de um ano. No primeiro grupo, a CAT era realizada de rotina em todos os pacientes em até 48 horas após a randomização; e no segundo, o mesmo procedimento era realizado somente naqueles considerados de alto risco, com angina refratária ou isquemia recorrente. Não foram observadas diferenças estatísticas nos

157 desfechos: morte, reinfarto e reinternação por angina. No mesmo estudo, Hirsch et al. 13 avaliaram o seguimento clínico ao longo de três anos e, novamente considerando os desfechos citados, observaram que não ocorreram diferenças significativas entre os dois grupos. Meheta et al. 14, em uma meta-análise, compararam estudos com o mesmo delineamento do ICTUS 12. A análise conjunta dos dados dos estudos: MATE 15, TIMI IIIB 16, VANQWISH 17, FRISC II 18, TATICS-TIMI 18 19, VINO 20, RITA 3 21 revelou resultados conflitantes. FRISC II 18 e RITA 3 21 apontaram redução da mortalidade entre a alta hospitalar e ao final do seguimento de dois anos com a estratégia invasiva precoce, que não foi corroborada pelos demais. Analisados somente os períodos de internação, os riscos da intervenção precoce sobre a mortalidade são elevados 14. No presente estudo observou-se que foram realizadas CAT em 72,5% dos pacientes, apesar de não haver diferença significativa (p=0,096) entre as letalidades observadas durante as internações em que foram utilizadas a estratégia invasiva ou a conservadora (Tabela 2). Destaca-se, conforme citado por Sales 11, que existe uma tendência de não realização da CAT em pacientes mais graves, com choque cardiogênico, infecção associada e ventilação mecânica, o que poderia justificar a diferença observada. Em uma meta-análise publicada no Jornal Internacional de Tecnologia em Saúde, Kuukasjarvi et al. 22 avaliaram as revisões sistemáticas sobre estratégias invasivas nas síndromes coronarianas agudas. Nesse trabalho, utilizando buscas entre 1994 e 2004, foram selecionados estudos que compararam a CAT a estratégias não-invasivas em pacientes com SCASSST, e outros que compararam angioplastia primária com trombólise em pacientes com diagnóstico de SCACSST, incluindo também estudos previamente excluídos de meta-análises. Após a construção de um modelo bayesiano para probabilidades e predições, os resultados apresentados não mostraram benefícios da estratégia invasiva nos dois grupos de pacientes. O estudo OAT 23 comparou o uso da estratégia de restauração do fluxo anterógrado na artéria supostamente responsável pelo IAM, aos 3 e até 28 dias iniciais após o evento agudo, com o tratamento conservador. Ainda que não-significativa, a abordagem invasiva resultou em um número maior de infartos fatais e não-fatais ao longo do seguimento de três anos, e ainda os desfechos: morte, reinfarto ou insuficiência cardíaca congestiva não apresentaram diferenças significativas entre os dois grupos. Resultado este também relatado por Mahmariam et al. 24, no qual não houve benefícios na adoção de uma estratégia invasiva na SCA, seja com ou sem supradesnível de ST, desde que os pacientes mantivessem estabilidade hemodinâmica e sem alteração da fração de ejeção de ventrículo esquerdo. Vale ressaltar que alguns médicos consideram imprescindível a visualização da alteração anatômica coronariana por meio da CAT, em detrimento das manifestações funcionais. Entretanto, de acordo com Bogaty 25, essa preferência não implica em mudança no curso clínico da doença. Além disso, esse autor propõe uma reflexão sobre as indicações da CAT após a SCA, discutindo os danos econômicos, científicos e intelectuais do uso indiscriminado de condutas invasivas. Neste trabalho, cujas características dos pacientes (Tabela 1) são semelhantes àquelas de outros estudos, analisa-se se a estratificação invasiva adotada na SCA no HUCFF/UFRJ, no período de 1999 a 2003, diminuiu a reinternação por causas cardiovasculares, o reinfarto não-fatal ou a morte durante o seguimento clínico de aproximadamente quatro anos. Não se conseguiu reconhecer, na amostra estudada, benefício da realização de CAT, quando comparada à estratégia conservadora, em relação aos desfechos analisados. Limitações Os dados utilizados para este estudo são provenientes de uma amostra-piloto, sem aleatorização, do conjunto completo de internações por SCA que ocorreram no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2003 no HUCFF/UFRJ, e serão ampliados até o término do projeto patrocinado pela FAPERJ. Portanto, algumas observações poderão sofrer alterações futuras. A coleta retrospectiva de dados em prontuários não permite garantir a padronização de critérios de registro de informações. Conclusões Apesar de a abrangência dos dados coletados no prontuário sobre fatores de risco e comorbidades prévias ter sido considerada insatisfatória, os dados registrados sobre morte, realização de procedimentos e reinternações no HUCFF são confiáveis. Isto aponta, entretanto, para a necessidade de educação médica continuada, a fim de que os registros em prontuários sejam completados e os médicos sejam conscientizados da grande importância do registro de informações clínicas.

158 Não houve benefício na adoção de estratégia invasiva após SCA no seguimento médio de 3,67 anos para evitar morte, reinfarto não-fatal e reinternação por doença cardiovascular na amostra estudada constituída por pacientes internados no HUCFF/ UFRJ no período de 1999 a 2003. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Referências 1. Steg PG, Goldberg RJ, Gore JM, et al. Baseline characteristics, management practices, and in-hospital outcomes of patients hospitalized with acute coronary syndromes in the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Am J Cardiol. 2002;90(4):358-63. 2. Spencer FA, Goldberg RJ, Frederick PD, et al. Age and the utilization of cardiac catheterization following uncomplicated first acute myocardial infarction treated with thrombolytic therapy (The Second National Registry of Myocardial Infarction [NRMI-2]). Am J Cardiol. 2001;88(2):107-11. 3. Batchelor WB, Peterson ED, Mark DB, et al. A comparison of U.S. and Canadian cardiac catheterization practices in detecting severe coronary artery disease after myocardial infarction: efficiency, yield and long-term implications. J Am Coll Cardiol. 1999;34:12-19. 4. Herrmann HC, Moliterno DJ, Ohman EM, et al. Facilitation of early percutaneous coronary intervention after reteplase with or without abciximab in acute myocardial infarction: Results from the SPEED (GUSTO- 4 Pilot) trial. J Am Coll Cardiol. 2000;36(5):1489-496. 5. Stukel TA, Lucas FL, Wennberg DE. Long-term outcomes of regional variations in intensity of invasive vs medical management of medicare patients with acute myocardial infarction. JAMA. 2005;293:1329-337. 6. Jencks SF, Huff ED, Cuerdon T. Change in the quality of care delivered to medicare beneficiaries, 1998-1999 to 2000-2001. JAMA. 2003;289:305-12. 7. Lauritsen JM, Bruus M. Epidata entry software, Version 3.1. Available from: <http://www.epidata.dk> 8. Stata Corp: Statistical Data Analisys Software, Version 8.2. Stata Corp, College Station, USA, 2005. 9. van de Werf F, Ardissino D, Betriu A, et al. Management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation. The Task Force on the Management of Acute Myocardial Infarction of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2003;24(1):28-66. 10. Sales ALF, Moraes GM, Alencar AT, et al. Fatores associados à estratificação invasiva da síndrome coronariana aguda. Rev SOCERJ. 2007;20(4):282-88. 11. Fox KAA, Dabbous OH, Goldberg RJ, et al. Prediction of risk of death and myocardial infarction in the six months after presentation with acute coronary syndrome: prospective multinational observational study (GRACE). BMJ. 2006;333(7578):1091-1094. 12. de Winter RJ, Windhausen F, Cornel JH, et al. Early invasive versus selectively invasive management for acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2005;353:1095-104. 13. Hirsch A, Windhausen F, Tisjen JG, et al. Long-term outcome after an early invasive versus selective invasive treatment strategy in patients with non-st elevation acute coronary syndrome and elevated cardiac troponin T (The ICTUS trial): a follow up study. Lancet. 2007;369:827-35. 14. Meheta SR, Cannon CP, Fox KAA, et al. Routine vs selective invasive strategies in patients with acute coronary syndromes a collaborative meta-analysis of randomized trials. JAMA. 2005;293(23):2908-916. 15. McCullough PA, O Neill WW, Graham M, et al. A prospective randomized trial of triage angiography in acute coronary syndromes ineligible for thrombolytic therapy. J Am Coll Cardiol. 1998;32:596-605. 16. TIMI IIIB trial. Effects of tissue plasminogen activator and a comparison of early invasive and conservative strategies in unstable angina and non-q-wavemyocardial infarction: Results of the TIMI IIIB trial. Circulation. 1994;89:1545-556. 17. Boden WE, O Rourke RA, Crawford MH, et al. Veterans Affairs Non-Q-Wave Infarction Strategies in Hospital (VANQWISH) Trial investigators. Outcomes in patients with acute non-q-wave myocardial infarction randomly assigned to an invasive as compared with a conservative management strategy. N Engl J Med. 1998;338:1785-792. 18. FRagmin and Fast Revascularization during InStability in Coronary artery disease (FRISC II) Investigators. Invasive compared with non-invasive treatment in unstable coronary-artery disease: FRISC II prospective randomized multicenter study. Lancet. 1999;354:708-15. 19. Cannon CP, Weintraub WS, Demopoulos LA, et al. TACTICS (Treat angina with aggrastat and determine cost of therapy with an invasive or conservative strategy)-thrombolysis in Myocardial Infarction 18 Investigators. Comparison of early invasive and conservative strategies in patients with unstable coronary syndromes treated with the glycoprotein IIb/IIIa inhibitor tirofiban. N Engl J Med. 2001;344:1879-887. 20. Spacek R, Widimsky P, Straka Z, et al. Value of first day angiography/angioplasty in evolving non-st elevation myocardial infarction: an open multicenter randomized Trial. Eur Heart J. 2002;23:230-38.

159 21. Fox KA, Poole-Wilson PA, Henderson RA, et al. Randomized Intervention Trial of Unstable Angina Investigators. Interventional versus conservative treatment for patients with unstable angina or non-st elevation myocardial infarction: The British Heart Foundation RITA 3 randomized trial. Lancet. 2002;360:743-51. 22. Kuukasjarvi P, Nordhausen K, Malmivaara A. Reanalysis of systematic reviews: The case of invasive strategies for acute coronary syndromes. Int J Technol Assess Health Care. 2006;22(4):484-96. 23. Hochman JS, Lamas GA, Buller GE, et al. Coronary intervention for persistent occlusion after myocardial infarction. N Engl J Med. 2006;355:2395-407. 24. Mahmarian JJ, Dakik HA, Filipchuk NG, et al. An initial strategy of intensive medical therapy is comparable to that of coronary revascularization for suppression of scintigraphic ischemia in high-risk but stable survivors of acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2006;48(12):2458-467. 25. Bogaty P, Brophy JM. Acute ischemic heart disease and interventional cardiology: a time for pause. BMC Med. 2006;4.