Drogas, Violência e Estado de Exceção o caso da proibição da Marcha da Maconha Brasil, Solidarizo-me com o grupo organizador Coletivo Marcha da Maconha Brasil e os congratulo pela iniciativa da realização do seminário maconha na roda, que se propõe a discutir alternativas à atual política sobre drogas no país. O seminário ocorrerá de 5 a 9 de maio na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, em Salvador. A marcha da maconha foi proibida de acontecer em vários Estados da Federação, a pedido do Ministério Público de cada localidade. Gostaria de comentar a proibição, dado o risco potencial que ela representa, diante da possibilidade de outras medidas autoritárias no país. O Brasil passa um momento difícil e ao mesmo tempo rico, de sua história, e não pode, de forma retrógrada, voltar ao obscurantismo, devido a medidas autoritárias, mas tal atitude não está descartada. A questão das drogas tem sido fator determinante na agenda da saúde coletiva, segurança pública, e pelo modo como vem se impondo como ameaça a continuidade da vida social e a preservação das instituições democráticas. Medidas como a proibição de uma marcha, que é sintoma da necessidade de outras políticas sobre drogas, abre um precedente para outras violações de direitos civis e mesmo para uma futura decretação de Estado de Exceção. Esse recurso previsto pela Constituição suspende os direitos civis e políticos e poderá ser acionado quando o Estado de Direito se sentir ameaçado tanto por forças internas e/ou externas. O crescimento da violência relacionada com o tráfico e comércio de drogas, o acirramento do conflito armado por grupos organizados demonstram indícios nessa direção, tais como verificamos na história recente nas cidades do Rio de janeiro e São Paulo. No Rio, a guerra às drogas nos morros e entre grupos rivais, levou o governo estadual solicitar intervenção federal, através da presença do exército para garantir a segurança pública e o combate ao comércio e tráfico de drogas. Outro fato foram os atentados provocados pelo PCC na 1
cidade de São Paulo, que além de elevar o número de mortes de civis, instalou um terror na cidade que adotou o toque de recolher. Graças a uma política equivocada, o atual problema das drogas tem possibilitado o surgimento de uma escalada da violência urbana, e, principlamente, o fortalecimento do crime organizado através do poderio econômico e de armamentos desses grupos, instalando na periferia dos grandes centros, aterrorizando as populações paupérrimas. Como desarticular esse crime organizado em torno da produção, distribuição e comércio da drogas? Apenas de uma forma: reduzindo seus lucros, tornando o negócio não lucrativo. Com a legalização das drogas num processo crescente de racionalização e regulamentação desses produtos através de outros controles sociais. Cabe salientar que o mais sacrificado por essa atual política de guerra às drogas é o próprio usuário de drogas, o qual essa política pretende proteger e cuidar. Por que a mesma política não tem oferecido um extenso serviço de tratamento à saúde desses indivíduos? Os serviços oferecidos atualmente são insuficientes para atender à demanda de usuários com problemas de drogas, principalmente, para os mais pobres. Estes são freqüentemente relegados a tratamentos de comunidades religiosas, cuja competência profissional e técnica é duvidosa e raramente de boa qualidade. Seriam as drogas ilícitas um problema de saúde pública maior em sua magnitude do que a provocada pelas drogas ilícitas, como o álcool e o tabaco? Sabemos por pesquisas epidemiológicas que não. A proibição gera violência, basta analisar o que se passou com a proibição do álcool nos EUA, entre 1919-1933? Que lições podem ser tiradas da experiência americana e mesmo com a regulamentação do álcool na sociedade contemporânea. Pode-se afirmar seguramente que o crime organizado ficou fortalecido com esse tipo de proibição. Al Capone, entre outros, construiu fortunas e aumentou sua influência política com os grandes lucros em torno da escassez do produto. Além disso, outros fatores estão imbricados no comércio ilegal, tais como a corrupção das autoridades públicas, das forças policiais, do poder judiciário, assim como grande parte deste lucro serve para o financiamento de campanhas políticas, de veículos de comunicação e de vários negócios que servem à lavagem de dinheiro. 2
A quem interessa a proibição às drogas? Os usuários de drogas estão sendo mortos, tanto pela ação bruta da força repressiva do Estado, quanto pelos conflitos com o poder despótico de traficantes fortemente armados. Quem são esses consumidores de drogas assassinados nas periferias das cidades? Por que ocorrem chacinas? Quais as razões que movem a manutenção de uma política de guerra, principlamente quando sua principal justificativa é a de proteger a saúde de jovens consumidores de drogas? Ao contrário do que se preconiza, a atual política sobre drogas no Brasil vem acobertando o assassinato sumário de várias gerações de deserdados e desempregados do país num verdadeiro etnocídio. Lemos diariamente nos jornais de Salvador, matérias que retratam um dos aspecto mais trágico da política de drogas no Brasil, a qual tem elevado muitíssimo a mortalidade de homens, jovens, negros, pobres e consumidores de drogas que vivem na periferia do capitalismo mundial. O debate acerca das políticas sobre drogas continua sendo um tema polêmico, revelando uma área de grande conflito social na atualidade. Não podemos continuar calados e precisamos abrir o debate público, de forma desapaixonada, para por fim a essa guerra, no anseio de construir uma sociedade pacífica, que promova de fato a saúde coletiva de todos. Quem tem medo da democracia? Essa ainda continua sendo a melhor alternativa e resposta coletiva aos problemas sociais. A quem interessa a atuação dos grupos de extermínio no país? A guerra também não interessa a polícia, que está no front dessa batalha, desasistida igualmente, e nem mesmo as famílias brasileiras, atônitas com o crescimento da violência contra seus familiares e vizinhos. Afirmo a necessidade de repensar alternativas, com orientações pacifistas, visando o fim da atual política de guerra às drogas, incentivada e orientada pela política norte-americana. Há tantas pessoas no mundo defendendo a maconha para usos medicinais, industriais, científicos, entre outros, por que não se pode fazer o mesmo em nosso país? E mais, se pode defender o uso medicamentoso e industrializado da maconha para que se gere lucro. Porque não se pode defender o direito ao uso recreativo e a se manifestar nessa direção? 3
Não é possível, que os consumidores de drogas, cidadãos, não possam ter direito ao seu hábeas corpus, direito à saúde e a tratamento, direito ao acesso à justiça e ao bem estar físico e mental. É preciso que os usuários possam reivindicar o direito ao "bem estar". A regulamentação das drogas não representa uma liberação geral desses produtos, vide as experiências exitosas no controle social sobre as droga praticadas em países como a Holanda, Espanha, Inglaterra, Austrália e tantos outros. É preciso compreender que políticos, burocratas, policiais, médicos, juristas, advogados, estão sendo financiados com o negócio ilegalizado. É público e notório que política internacional norte americana acabou por revelar relações obscuras entre a CIA, os Contras na Nicarágua e o tráfico internacional de heroína e cocaína. Precisamos apontar o aspecto autoritário da Lei 11.343/06, que modificou alguns aspectos da Lei 6.368/76 criada durante o regime militar. Elas impedem o debate livre ao colocar todo pensamento contrário e/ou alternativo como suposto apologia às drogas. Em nome do enquadramento referente ao artigo sobre "apologia às drogas", constrange-se cidadãos que pensam diferente: músicos, cientistas, movimentos sociais, jornalistas e até religiosos. É com este tipo de alegação que se destrói a democracia, es também com subornos que corrompem instituições que deveriam garantir os direitos dos cidadãos. É com justificativas análogas, que também se alega o assassinato sumário de consumidores de drogas na região metropolitana de Salvador, tais como: eles eram envolvidos com drogas, troca de tiros entre gangs, dívida com drogas, acertos de conta etc. Essa explicação tem sido aceita como justificativa institucional para a perda de vidas humanas e para o extermínio coletivo de usuários de drogas. Existe inteligência no Estado brasileiro e em suas forças repressivas? Se há, então é o momento dessa inteligência governar o país, retirando a truculência e os brutos da cena pública, abrindo o debate público. A atual legislação vem impedindo a manifestação 4
pública dos que desejam mudança no Brasil. Nesse sentido, a atitude da meretíssima juíza é um retrocesso e um atentando contra o sistema democrático no país. Sugiro que todos os veículos de comunicação assumam para si a luta pela democracia, garantindo o debate, afastando o obscurantismo, apoiando a liberdade de pensamento no sentido de contribuir para a formação de uma opinião publica independente. Precisamos defender a democracia, a liberdade de expressão e os direitos previstos na Constituição de 1988. Há de se atentar para a necessidade da intereseccionalidade das políticas públicas dirigidas às diferentes minorias, e como já há iniciativas para diferentes segmentos sociais, tais como: mulheres, negros, jovens, homossexuais, por que também não humanizar o tratamento aos usuários de drogas? Uma ação pacifista pode ser uma medida preventiva para o alivio das tensões sociais e contra um acirramento desta guerra. A instalação de um Estado de Exceção, como aconteceu em São Paulo e acontece diariamente no Rio, seria um retrocesso atroz. Hoje estão impedindo uma passeata da Marcha da Maconha e o respectivo debate público de massa sobre política de drogas em várias cidades do país, amanhã podem violar outros direitos da população brasileira. Necessitamos de mais educação para emancipar os homens de seus medos, de seus males e de sua ignorância,na estratégia de desenvolvimento humano, e da realização de um projeto de Nação livre, democrática e solidária. Osvaldo Fernandez Doutor em Ciências Sociais Antropologia, UFBA.Professor d e Sociologia, Depto de Educação, Universidade do Estado da Bahia (UNEB).Pesquisador do GIESP - Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Psicoativos do CNPq.Membro da ABRAMD - Associação Brasileira Multidisciplinar sobre Drogas, Membro da ABA - Associação Brasileira de Antropologia,Membro da REDUC - Rede Brasileira de Redução de Danos à Saúde, por vários gestões foi membro da diretoria executiva. 5