PROPOSTA DE REVISÃO CURRICULAR APRESENTADA PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA POSIÇÃO DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL



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Transcrição:

PROPOSTA DE REVISÃO CURRICULAR APRESENTADA PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA POSIÇÃO DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL A Amnistia Internacional Portugal defende a manutenção Formação Cívica nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no 10.º ano dos cursos científico-humanísticos como área curricular disciplinar A Formação Cívica faz parte do currículo do ensino básico do sistema educativo português desde 2001 como enquanto privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania que visa o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes 1. Qualquer que seja a abordagem curricular da educação para a cidadania nas escolas, esta implica necessariamente o desenvolvimento das temáticas relacionadas com os direitos humanos. Os direitos humanos, o estado de direito, como é o nosso, e a democracia estão estreitamente associados. O respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais é uma das características de uma democracia. De forma mais alargada, o funcionamento democrático de um grupo pressupõe que o diálogo seja possível entre todos: entre o Estado e os cidadãos, entre os governantes e os governados, entre as pessoas de todas as opiniões. No domínio da educação, tudo o que favorece a exigência da democracia no cidadão está ligado ao respeito pelos direitos humanos e à aprendizagem desse respeito. Inevitavelmente, o conhecimento dos direitos humanos acabará por promover os princípios democráticos: o diálogo, o respeito, o pluralismo, o cumprimento da legalidade, etc. Só através do conhecimento dos direitos humanos e dos meios para os fazer respeitar é que se podem reclamar, defender e aplicar os direitos humanos na sociedade. Uma educação tendo por referência os direitos humanos constitui a melhor estratégia para prevenir os abusos de direitos humanos, a violência e os conflitos. Sendo os direitos humanos o fundamento da convivência social e da paz, uma educação fundada nos direitos da pessoa contribui para a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária na qual todos os indivíduos são considerados e respeitados. A aprendizagem dos direitos humanos encontra a sua fundamentação em vários instrumentos de direitos humanos internacionais. Assim, o Preâmbulo à Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), afirma que este documento fundamental foi proclamado como um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, que se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades. Para além disto, o Artigo 26 da DUDH especifica o direito de todos à educação, a qual devia incluir, entre as suas finalidades, a plena expansão da personalidade humana e [a]o reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Portanto, a educação é concebida como um fim em si mesma, um bem cuja razão de ser e fonte de legitimidade é o educando, 1 Artigo 5.º do Decreto-Lei 6/2001, de 18 de Janeiro. 1

enquanto sujeito e primeiro beneficiário dos seus direitos do homem. E é considerada como o meio, por excelência, para a promoção do respeito de todos os direitos do homem e que reforça a capacidade dos cidadãos de desfrutar de todos os direitos humanos. Neste sentido, o direito das pessoas conhecerem os seus direitos é também um direito humano. Instrumentos internacionais de direitos humanos posteriormente aprovados pelas Nações Unidas e ratificados pelos Estados Membros referem-se à necessidade de a educação se destinar a aumentar o respeito pelos direitos humanos, contribuindo para a definição do conceito e dos objectivos da educação em matéria de direitos humanos e de educação para a cidadania: Pacto internacional sobre direitos económicos, sociais e culturais (1966) - Artigo 13.º-1 Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965) - Artigo 7.º Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1967) - Artigo 10.º Convenção sobre os direitos da criança (1989): Artigo 29.º - 1 A Unesco, enquanto agência das Nações Unidas que cobre a área da educação, aprova em Novembro de 1974 a Recomendação sobre a educação para a compreensão, a cooperação e a paz internacionais e a educação relativa aos direitos do homem e às liberdades fundamentais. Quatro anos depois, aquela organização organiza em Viena um Congresso Internacional sobre o ensino dos direitos humanos onde a matéria da educação para os direitos humanos é largamente debatida. No quadro regional europeu, a educação dos direitos humanos foi ainda objecto de recomendação por parte do Conselho da Europa que aprova, em 1985, a Recomendação nº R (85) 7 sobre "O ensino e a aprendizagem dos direitos do homem nas escolas". Na década de 90 do século XX, a educação para a cidadania entrou em força na agenda da comunidade internacional, reforçando a necessidade e pertinência da integração dos direitos humanos nos curricula dos ensinos básico e secundário. Em Março de 1993, um Congresso internacional sobre a educação para os direitos humanos e para a democracia, organizado pela Unesco, em Montréal (Canadá), adoptou um Plano de acção mundial para a educação para os direitos humanos e para a democracia. A Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Junho de 1993 em Viena de Áustria, que reuniu representantes de Estados, agências e organismos das Nações Unidas e ainda organizações não governamentais adopta a Declaração e programa de acção de Viena. No seguimento desta recomendação, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, através da resolução 49/184 de 23 de Dezembro de 1994, a Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos, que teve início no dia 1 de Janeiro de 1995 e que se prolongou até ao fim do no de 2004. A mesma assembleia adoptou em 12 de Dezembro de 1996 o Plano de Acção para a Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos. Por sua vez, em 1995, a 28.ª Sessão da Conferência Geral da Unesco adoptou uma Declaração, uma Resolução e um Quadro de acção integrado relativo à educação para a 2

paz, os direitos do homem e a democracia, propostos pela 44.ª sessão da Conferência Internacional da Educação, reunida em Genebra (Suíça), em 1994. Em Outubro de 1997, a segunda Cimeira do conselho da Europa, reunida em Estrasburgo, adoptou uma Declaração e um Plano de acção com vista a promover a tomada de consciência pelos cidadãos dos seus direitos e das suas responsabilidades numa sociedade democrática." A 9 de Dezembro de 1998 - ano do 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos - a Assembleia geral das Nações Unidas adoptou uma Declaração sobre o direito e a responsabilidade dos indivíduos, grupos e órgãos da sociedade de promover e proteger os direitos do homem e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos, que vai ao encontro do último parágrafo do Preâmbulo da DUDH, que a proclamou como concepção e ideal comuns «a atingir por todos os povos e todas as nações», através da acção de «todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade». Lê-se, nesta nova Declaração, Artigo 15.º - "O Estado tem a responsabilidade de promover e facilitar o ensino dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a todos os níveis de ensino. Em 7 de Maio de 1999, na Declaração de Budapeste - "Para uma Europa sem clivagens" -, adoptada por ocasião do 50.º aniversário da fundação, o Conselho da Europa faz aprovar uma Declaração e Programa sobre a educação para a cidadania democrática fundada nos direitos e responsabilidades dos cidadãos que tinha por objectivo promover a cidadania democrática com base na protecção e desenvolvimento dos direitos do homem das liberdades fundamentais. Na década passada, a 5 de Agosto de 2005, uma nova Resolução da Assembleia Geral da ONU aprovou o Programa mundial para a educação em direitos humanos que, na sua primeira etapa (2005-2009) definiu um plano de acção para a educação em direitos humanos nos sistemas de ensino básico e secundário. Finalmente, o Conselho da Europa determinou que 2005 seria o Ano Europeu da Cidadania pela Educação com o objectivo de promover a ponte entre as políticas e a prática, de modo a criar e desenvolver programas sustentáveis de educação para a cidadania democrática e para os direitos humanos. A aprendizagem dos direitos humanos constitui-se, pois, como a base da formação para a cidadania. Pode fomentar o espírito crítico face às instituições que governam um Estado ou que enquadram a vida social. Paralelamente ajuda a desenvolver as capacidades de comunicação e um pensamento crítico e lúcido, promove a educação participativa para a aquisição de poder, essencial para o desenvolvimento da democracia. Fundada numa pedagogia da responsabilidade e da participação, a educação para os direitos humanos cultiva a importância dos deveres, da responsabilização pessoal, do bem comum, da pertença à comunidade e da participação e intervenção cívicas em sociedade. Uma formação baseada nos direitos humanos enquanto processo de aprendizagem, descoberta e acção que cultiva o conhecimento, as competências, as atitudes, os hábitos e o comportamento que as pessoas precisam de adquirir para reivindicar e defender os seus direitos humanos pode fornecer instrumentos para resolução de problemas, usando as provisões de instrumentos de direitos humanos nacionais e internacionais para fins de advocacia, análise de políticas e resolução de problemas. 3

Pode, igualmente, ajudar no processo de clarificação de valores, quando as pessoas reflectem sobre valores como a imparcialidade, a igualdade e a justiça. Pode ainda provocar mudanças de atitude e comportamento, promovendo acções que reflictam o respeito interpessoal e encoraja as pessoas a transformar as suas preocupações em acções esclarecidas e não-violentas. A Formação Cívica, enquanto espaço curricular da educação para a cidadania, naturalmente que terá de incluir forçosamente a aprendizagem dos direitos humanos. Na sua génese, como dissemos, a Formação Cívica visava o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes. Contudo, esta área curricular em várias escolas tem sido convertida muito mais num tempo de apoio ao director de turma do que propriamente num espaço de aprendizagem de conteúdos, atitudes e valores da educação para a cidadania. Por se tratar de uma área curricular não disciplinar, ou seja, sem um programa e currículo próprios, a Formação Cívica passou a depender inteiramente da relevância que lhe é atribuída no contexto dos projectos educativos e projectos curriculares das escolas. Se existem centros educativos que encaram esta área curricular como um vector estruturante das metas educativas a que se propõem concretizar, para outros, felizmente em menor número, a Formação Cívica é apenas aquele tempo lectivo dos directores destinado à resolução de problemas e conflitos dos seus alunos e pouco mais. Acresce que nem sempre os docentes com a responsabilidade de a leccionar - geralmente directores de turma tinham ou têm a formação científica e pedagógicadidáctica adequadas que lhes permita trabalhar de forma competente com os alunos as várias temáticas da educação para a cidadania, recorrendo às experiências vividas pelos alunos e à sua participação, individual e colectiva, na vida da turma, da escola e da comunidade 2. A Amnistia Internacional Portugal tem desenvolvido um vasto trabalho em educação para os direitos humanos com muitas escolas de todo o país, incluindo as Ilhas. Este trabalho inclui a produção de recursos educativos de educação para os direitos humanos (manuais, newsletters, folhetos diversos, materiais multimédia, etc.), formação de professores, colaboração activa com as escolas na dinamização de projectos, sessões temáticas com os alunos, apoio aos clubes de direitos humanos e grupos de estudantes, lançamento de concursos e iniciativas de activismo juvenil na defesa dos direitos humanos. Todo este trabalho e acompanhamento permite-nos verificar e testemunhar que em muitas escolas tem sido levado a cabo um excelente trabalho nas aulas de Formação Cívica do ensino básico leccionadas por professores com a devida formação e incorporadas num projecto educativo consistente. Por outro lado, as aulas de Formação Cívica têm sido a alavanca para o desenvolvimento de projectos e actividades de enriquecimento curricular no âmbito da educação para a cidadania. 2 Artigo 5.º do Decreto-Lei 6/2001, de 18 de Janeiro. 4

Numa altura em que as escolas se debatem com fortes constrangimentos nos recursos humanos que comprometem a dinamização deste tipo de iniciativas, o desaparecimento da Formação Cívica do currículo contribuiria decisivamente para o empobrecimento do papel da escola enquanto instituição responsável pela formação do indivíduo. Conhecidas que são publicamente as dificuldades actuais de muitas famílias na assumpção das responsabilidades na educação das crianças e jovens, a extinção pura e simples da Formação Cívica poria definitivamente em causa uma das mais importantes e consensuais dimensões da educação plasmadas na Lei de Bases do Sistema Educativo portuguesa: contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para um reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e assegurar a formação cívica e moral dos jovens. A Formação Cívica não forma cidadãos, é certo. Mas pode proporcionar um contributo relevante na formação das crianças e jovens se a Escola e a Sociedade assumirem-na como um espaço lectivo com a mesma importância e estatuto atribuídos às restantes áreas curriculares. Neste sentido, a Amnistia Internacional Portugal defende convictamente a manutenção da Formação Cívica nos currículos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no 10.º ano de escolaridade nos cursos científico-humanísticos. A Amnistia Internacional Portugal propõe que a Formação Cívica do ensino básico passe a ter o estatuto de área disciplinar com um programa mínimo de finalidades, objectivos e conteúdos definidos pelo Ministério da Educação, cabendo depois às escolas, no âmbito do seu projecto educativo e autonomia pedagógica, aprovar o seu plano curricular geral. A Amnistia Internacional Portugal defende, igualmente, que os docentes com a responsabilidade de leccionar a Formação Cívica devem ser objecto de uma formação adequada. Direcção da Amnistia Internacional Portugal Lisboa, 31 de Janeiro de 2011 5