PATRIMÓNIO DE ORIGEM PORTUGUESA NO MUNDO ARQUITECTURA E URBANISMO Apresentação 24.05.2010



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Transcrição:

1 PATRIMÓNIO DE ORIGEM PORTUGUESA NO MUNDO ARQUITECTURA E URBANISMO Apresentação 24.05.2010 Tenho a honra de apresentar o primeiro volume do inventário do património de origem portuguesa no mundo elaborado sob a minha direcção por incumbência do Sr. Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Dr Emílio Rui Vilar. Subentendendo o termo «inventário», intitula-se Património de Origem Portuguesa no Mundo. Arquitectura e Urbanismo. Com efeito, trata-se de um levantamento sistemático dos edifícios, monumentos e sítios que de alguma maneira revelam traços de influência portuguesa, possuem um valor patrimonial, e se situam em África, na Ásia ou na América do Sul. É uma obra que pretende recolher informações dispersas fornecidas pela investigação especializada publicada em todo o mundo acerca da história e das características formais desses mesmos edifícios, monumentos e sítios, de modo a poder justificar o valor patrimonial que lhes é atribuído. Os principais objectivos são os seguintes: fazer a história da criação e posteriores alterações de cada sítio ou edifício considerado, relacionando-as com o contexto em que estiveram inseridos; justificar o cuidado com que devem ser preservados, tendo em conta a sua importância patrimonial; sustentar e clarificar a memória dos contactos dos portugueses com as várias civilizações não europeias nas regiões consideradas; cultivar os laços que porventura ainda liguem certas comunidades locais a Portugal; e, enfim, contribuir para definir com maior rigor expressões culturais características dos países não europeus tornados independentes nos séculos XIX e XX, por contraste com as contribuições de origem portuguesa. O carácter sistemático do levantamento, que inclui não só os monumentos mais célebres como também outros mais modestos, permite, no futuro, desenvolver estudos comparativos devidamente fundamentados, tanto do ponto de vista da História da Arte, como da História da Civilização em geral, ou seja com o estudo das técnicas da fortificação, do ordenamento do território, da difusão de infra-estruturas e equipamentos modernos ou de processos produtivos até então desconhecidos nos territórios onde foram criados. Permite também um conhecimento objectivo, isto é isento de preconceitos ideológicos, do que foi a administração colonial portuguesa. Sendo um corpus tão completo quanto possível de uma categoria bem definida de elementos que

2 podem ser classificados de várias formas, constitui, por isso, a base de análises comparativas de carácter quantitativo e qualitativo. Julgamos, assim, poder ultrapassar as condições historiográficas que propiciavam, entre o século XVI e o século XX, a formulação de interpretações subjectivas baseadas em juízos históricos sumários e inexactos acerca da expansão portuguesa, umas vezes exagerando a sua importância em exaltados discursos míticos ou utópicos, outras de sentido contrário, que a equiparavam a uma vasta operação ditada sobretudo pela exploração e a ganância. O carácter especializado dos conhecimentos necessários para este trabalho exigiu a colaboração de investigadores particularmente competentes. Escolheram-se entre aqueles que se salientaram em projectos realizados na década de 1990 no âmbito das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses. Quero mencioná-los aqui porque é sobretudo a eles, e aos autores por eles convidados a participar na redacção dos textos, que se devem os méritos do trabalho realizado. Em primeiro lugar, o Professor Doutor Filipe Themudo Barata, da Universidade de Évora, especialista das relações comerciais de Portugal com os países do Mediterrâneo e coordenador de equipas e instituições internacionais de investigação que se ocupam das questões patrimoniais na bacia do Mediterrâneo (HERIMED Association for the Documentation, Preservation and Enhancement of the Euro- Mediterranean Cultural Heritage) e, por isso, excelente conhecedor de investigações recentes sobre as praças portuguesas em países islâmicos, particularmente em Marrocos, ou seja das mais antigas edificações portuguesas fora da Europa. Em segundo lugar, o Professor Doutor Arquitecto Walter Rossa, da Universidade de Coimbra, reputado especialista do universo urbanístico português, coordenador de uma equipa de investigação que recentemente revelou aspectos inéditos da presença portuguesa no Oriente através do projecto intitulado Bombay Before the British, e é autor de vários trabalhos sobre a urbanização portuguesa na Ásia; por isso se encarregou do património de origem portuguesa no mesmo continente que data predominantemente dos séculos XVI e XVII. A seguir, a Professora Doutora Arquitecta Renata Araújo, da Universidade do Algarve, eminente investigadora da história do urbanismo sobretudo na América Portuguesa, que estudou, primeiro, as cidades da Amazónia, e apresentou, depois, uma notável dissertação de doutoramento sobre a urbanização de Mato Grosso; coube-lhe,

3 portanto, a coordenação do volume que hoje se apresenta, acerca do património português na América do Sul, edificado sobretudo nos séculos XVII e XVIII. Finalmente, o Professor Doutor Arquitecto José Manuel Fernandes, da Universidade Técnica de Lisboa, que desde há bastantes anos se tem dedicado a estudar a arquitectura portuguesa em Angola e Moçambique, acerca da qual publicou já várias obras que o tornaram autoridade incontestável na matéria; a área que estudou compreende maioritariamente edificações dos séculos XIX e XX. Por razões de ordem prática, juntaram-se num só volume, o segundo, que será publicado em breve, as notícias relativas à África Subsaariana, à África do Norte e aos países de civilização islâmica. Este empreendimento colectivo não teria sido possível sem a dedicada e competente assessoria da Professora Doutora Mafalda Soares da Cunha, da Universidade de Évora, historiadora especializada na história social e nas formas de governo colonial português da época moderna, e com experiência em trabalho de equipa adquirida como vogal da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Quero agradecer a todos eles, e de uma forma mais pessoal à Professora Mafalda Cunha, a generosidade, o rigor e o espírito de colaboração com que assumiram a tarefa e puseram em comum as suas competências de forma a assegurar a autoridade, a coerência e a homogeneidade desta obra composta a várias mãos. Em meu nome pessoal e no dos meus colegas e colaboradores, devo ainda agradecer à Fundação Gulbenkian, na pessoa do seu Presidente, Dr. Emílio Rui Vilar, e na do Dr. João Pedro Garcia, Director do Serviço Internacional, a confiança que depositaram no nosso trabalho. Também não posso deixar de mencionar o apoio que sempre nos prestou a Sra. Dra. Maria Fernanda Matias em representação do serviço Internacional da Gulbenkian. Espero que a nossa obra seja considerada digna de figurar ao lado dos notáveis programas de recuperação e manutenção de monumentos portugueses que, desde 1958, ou seja quase desde o início da Fundação Calouste Gulbenkian, têm constituído uma das suas actividades culturais de maior importância e maior projecção internacional, contribuindo assim da maneira mais eficaz para a difusão da cultura portuguesa no mundo.

4 Permitam-me, minhas senhoras e meus senhores que introduza aqui uma pequena nota pessoal. Quando o Sr. Dr. Emílio Rui Vilar teve a amabilidade de me convidar para esta tarefa, recordou o breve discurso que pronunciei em Sevilha na Exposição comemorativa dos 500 anos da descoberta da América, em nome da delegação portuguesa. Dizia nessa altura que o conhecimento do mundo inaugurado pelas viagens de Colombo resultava da conjugação do papel desempenhado por portugueses, espanhóis e italianos: os portugueses buscavam em direcção do Oriente, lugar da origem do mundo, ou seja do passado, as fabulosas riquezas que nele esperavam encontrar; os espanhóis apoiaram a ousadia de Colombo, um italiano, que, em vez de tentar voltar às origens, procurou no Ocidente, isto é, do lado do Ocaso, um futuro completamente desconhecido. Foi também um italiano imbuído do espírito humanista, Américo Vespúcio, o primeiro europeu que tomou consciência da descoberta de um novo continente e o anunciou publicamente, abrindo assim o caminho à representação racional do mundo presente. Assim contribuíram em conjunto para superar a crise económica e demográfica do Ocidente europeu no fim da Idade Média. A representação racional do mundo, todavia, generalizou-se lentamente. Para sustentar os seus empreendimentos, os portugueses recorreram ainda a novos mitos, de feição epopeica, como nos Lusíadas, ou de carácter utópico, como no Quinto Império, ou ainda a conceitos estimulantes mas ambíguos, como as «saudades do futuro» de que falava Agostinho da Silva. Foi preciso chegar quase aos nossos dias para tomarmos consciência de que a realidade é, afinal, mais estimulante do que uma transfiguração enganadora. Reduzindo as amplificações simbólicas às suas exactas dimensões, descobrimos, na verdade, uma tão grande quantidade e variedade de construções e vestígios com a marca portuguesa que o seu conjunto não parece proporcional aos recursos e à população do país que as promoveu. Os três volumes da nossa obra registam mais de 2300 edifícios e cerca de 530 sítios distribuídos um pouco por toda a parte, desde Los Palos, em Timor, até à Colónia do Sacramento no Uruguai. São construções ou urbanizações de todos os géneros: desde igrejas conventuais grandiosas, como o mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, até modestos padrões, como o deixado por Vasco da Gama em Melinde; desde humildes capelas, como a de Nossa Senhora da Boa Viagem, na ilha Brava do arquipélago de Cabo Verde, até uma grandiosa barragem, como a de Cahora Bassa, em Moçambique; desde poderosas fortalezas, como a de Mazagão, em Marrocos, ou a de Gondar na Etiópia, até à pequena tranqueira de Bobonaro, em Timor. Encontram-se nos lugares mais inesperados. Datam desde o

5 princípio do século XV até aos nossos dias. Algumas reproduzem sem alterações os modelos trazidos da metrópole, como acontece com o edifício do Banco Nacional de Angola, em Luanda, imagem perfeita da arquitectura do Estado Novo; outras inovam ousadamente, como o surpreendente prédio chamado «Leão que ri» projectado pelo arquitecto Pancho Guedes em Maputo. A amplidão e o valor cultural deste vasto património são insofismáveis. Deixámos já de atribuir a uma missão divina as dimensões da obra realizada, mas temos de reconhecer que o conjunto representa a inegável capacidade de realização de um povo com poucos recursos. O realismo do pensamento contemporâneo rejeita fantasias e ilusões; por isso dá-nos a exacta dimensão de um património que é testemunho das capacidades do povo português demonstradas durante mais de 500 anos. Recordá-lo hoje, em plena conjuntura de uma crise financeira e económica que preocupa todos os portugueses pode, e creio que deve, servir de estímulo para congregar os esforços necessários à superação de mais este passo difícil da nossa história. Não devemos, porém, esquecer uma diferença fundamental: outrora, a superação da crise europeia fez-se, em boa parte, à custa da vida e do trabalho de milhares e milhares de escravos; hoje só poderá conseguir-se com o esforço, a solidariedade e a inteligência de cidadãos livres e conscientes dos direitos humanos.