Análise de sentido em provas de proficiência em Língua Inglesa para a seleção de cursos de mestrado e doutorado na UniRitter: Uma abordagem semântico-argumentativa. Marlon Machado Oliveira Rio Mestrando em Linguística PUCRS marlon.rio@acad.pucrs.br Cláudio Primo Delanoy Doutor em Linguística PUCRS claudio.delanoy@pucrs.br Resumo: As provas de proficiência em língua inglesa para os cursos de mestrado e doutorado do (UniRitter) são utilizadas como um meio de avaliar o conhecimento do futuro aluno quanto à compreensão e interpretação de textos no idioma estrangeiro. Para que o candidato consiga compreender o sentido proposto por enunciados em questões de provas de proficiência, e assim responder adequadamente à questão, torna-se necessário que este construa o sentido apropriado. A Teoria da Argumentação na Língua (ANL) de Oswald Ducrot (1987) na sua fase atual, a Teoria dos Blocos Semânticos (TBS) propõe-se a descrever e explicar a construção do sentido de um enunciado, encadeamentos e argumentações inscritas na língua. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar os enunciados das questões de língua inglesa da referida prova, descrevendo-os semanticamente e explicando seus sentidos por meio de encadeamentos argumentativos, a fim de possibilitar um futuro trabalho do professor de idiomas ao ajudar seu aluno a compreender o sentido produzido no discurso em provas de proficiência como as de cursos de pós-graduação. 1 Introdução O programa de mestrado no Centro Universitário Ritter do Reis (UniRitter) tem quase dez anos de existência e desde seu início, inúmeros candidatos realizaram a prova de proficiência para uma língua estrangeira, como o inglês. Essa prova, realizada de forma a comprovar que o futuro aluno será capaz de ler e compreender textos no idioma estrangeiro é um marco importante no ingresso ao curso de pós-graduação da universidade. A prova realiza-se de modo que o candidato possa demonstrar sua capacidade interpretativa de textos, levantando, refutando e construindo sentidos a partir do texto. Apesar de haver distintas teorias de modelos de compreensão leitora (ADAMY, 2003), utilizamos neste trabalho uma teoria que baseia-se na construção de sentido apenas pelo nível linguístico. A Teoria da Argumentação da Língua (ANL) de Oswald Ducrot e Jean- Claude Anscombre (1984), que se baseia em uma análise semântica e linguísticoargumentativa, pode ajudar os candidatos que realizam a prova como a de proficiência em
língua inglesa bem como professores de idiomas. Pela ANL, alunos e professores constroem o sentido de um discurso por meio do próprio discurso, pelas relações estabelecidas entre as suas entidades linguísticas. A língua realiza-se como argumentação, isto é, o sentido de um enunciado, o qual representa a unidade semântica mínima, é construído pela oposição negativa de valores entre os signos componentes do enunciado, ligados por um conector do tipo portanto (do francês donc - DC) e no entanto (do francês pourtant PT). A língua existe para argumentar e não para informar ou descrever diretamente a realidade, que de fato não é objetiva (HÜBNER, 2015). Ao ser enunciada, a língua demonstra seu aspecto subjetivo em relação ao mundo de um sujeito que a enuncia. Quando afirmamos que Maria é inteligente, pois resolve qualquer problema, tomamos posição subjetiva a respeito de Maria. Essa afirmação poderá ser contestada por outro sujeito que pense que Maria não é inteligente por via de diversos motivos. Poder-se-ia dizer que Maria não é inteligente, pois sempre é reprovada nas provas. O sentido da palavra inteligente produzido no segundo enunciado difere do primeiro, haja vista que há uma negação do signo inteligente e uma conclusão do resultado de não ser inteligente. Ducrot (1998) põe em jogo a noção tradicional de sentido, a qual afirma que um signo possui significações independentes de seu uso. Para basear a sua nova concepção de sentido, Ducrot utiliza os princípios propostos de Saussure (1995), afirmando que o sentido de um signo é realizado pela relação de um dado signo A com outro signo não-a (B). Quando ouvimos o enunciado A estudante foi ao banco pagar suas dívidas, podemos entender que cada um dos signos no enunciado produz seu sentido em virtude da diferença de um em relação a outro signo empregado no enunciado. Desta forma, Ducrot (1998) retoma o conceito de valor do signo linguístico cunhado por Saussure em seu Curso de Linguística Geral. O banco a que nos referimos no enunciado acima remonta a instituição financeira (lugar) em que o dinheiro pode ser trocado, guardado e utilizado e não ao banco (assento) da praça, uma vez que os outros signos produzem o sentido essencial para que entendamos que estamos nos referindo a um lugar e não a um objeto. O nível linguístico, dessa forma, é satisfatório para a produção do sentido que se deseja construir. O termo argumentação não pode ser confundido aqui como a argumentação retórica, utilizada para persuadir um interlocutor a crer em alguma verdade (DUCROT, 2009). A argumentação linguística a que a ANL se refere é baseada na construção de sentido realizada pelo vínculo de signos ou enunciados do discurso. O linguista francês afirma que a argumentação linguística ocorre quando existem segmentos de discursos constituídos pelo encadeamento de duas proposições A e C, ligadas implícita ou explicitamente por um conector (DUCROT, 2009, p.21). As proposições A e C referem-se a argumento e conclusão, isto é, uma proposição A necessita de uma conclusão C. O sistema linguístico é construído de modo a trazer uma argumentação para a completude de sentido em um enunciado. Quando se é dito faz calor, há a necessidade de termos uma conclusão, como portanto iremos à praia. Se não houver a conclusão, o sentido do enunciado estará incompleto. Pelo fato de a língua trazer uma visão subjetiva de um interlocutor a respeito do
mundo e não a descrição de uma realidade objetiva, podemos observar que um enunciado do tipo: (1) Este caderno está na promoção, portanto irei comprá-lo. possui uma proposição A (este caderno está na promoção) e uma proposição B (irei compra-lo) ligados por um conector DC (portanto). Se deixássemos cada uma das proposições isoladas, elas não teriam sentido em si mesmas. A esta relação de uma proposição a outra pelo uso de um conector Ducrot (2009) denomina interdependência semântica. A interdependência semântica entre A e B constitui um bloco semântico, que é o sentido construído pela relação entre as duas proposições. Nesta relação semântica entre os signos vemos que não há uma tentativa de convencer alguém sobre o preço do caderno, mas apenas demonstrar a posição do sujeito que enuncia o motivo de comprar o caderno. Esta relação entre as duas proposições pode ser explicitada por Caderno na promoção DC compra do caderno. Na fase atual da ANL, a Teoria dos Blocos Semânticos (TBS), proposta por Carel (1992), há a afirmação de que o discurso (grupo de enunciados) é o único que possui sentido, pois apenas a língua em uso é que tem sentido (CAREL, 2005). A TBS aponta que as proposições, sejam do tipo A e B, só possuem sentido quando ligadas por um conector do tipo DC ou PT. As relações entre A DC B e A PT B são denominadas normativa e transgressiva, respectivamente. Apenas pelo uso destes dois conectores é possível formar oito conjuntos de encadeamentos utilizando-se em conjunto a negação de uma proposição (-neg). Ao formarem-se os oito conjuntos de enunciados há a construção de um bloco semântico, representado pelo quadrado argumentativo, que demonstra os vários sentidos produzidos possíveis pela relação de dois componentes A e B por com um conector. A imagem abaixo demonstra de forma melhor a ideia acima explicitada: Figura 1: Exemplo de Bloco Semântico representado pelo quadrado argumentativo
Fonte: CAREL, DUCROT (2005). Neste bloco semântico, podemos ver a diversidade de aspectos que podem ser construídos pela ligação de duas proposições e um conector. A relação entre os sentidos produzidos no quadrado argumentativo pode se dar de três formas: a) Transposta: Quando há um revezamento dos conectores e a negação do primeiro segmento, isto é, A DC B / neg-a PT B ou neg-a DC neg-b / A PT neg-b. b) Recíproca: Os conectores são guardados e os segmentos são negados, como por exemplo em A DC B / neg-a DC neg-b ou neg-a PT B / A PT neg-b. c) Conversa: Acontece a mudança dos conectores e a negação do segundo segmento tal como em A DC B / A PT neg-b ou neg-a DC neg-b / neg-a PT B. O bloco semântico acima demonstra os diferentes aspectos, que, quando seguidos, podem produzir sentidos diferentes pelo uso de conectores ou da negação de um de seus elementos. Esta relação de aspectos produzidos em um bloco semântico sugere que em uma prova de proficiência em língua estrangeira, em que outros sentidos poderiam ser produzidos em um dado enunciado, o candidato necessita ser coerente ao redigir suas respostas, construindo sua argumentação baseada em um sentido adequado com o produzido no texto e requerido pelas perguntas da prova. Após demonstrarmos os construtos teóricos básicos da ANL e da fase atual, a TBS, passemos ao método de análise deste trabalho. 2 Método Nesta pesquisa serão analisadas as questões do texto 1 da prova-modelo 1 de proficiência em língua inglesa para os níveis de pós-graduação da UniRitter. Como o espaço é limitado para estudos mais prolongados, escolhemos as três primeiras questões da prova. Desta forma, procuramos elucidar por meio de blocos semânticos e de encadeamentos construídos nos enunciados o sentido produzido pelas questões e como o candidato pode construir o sentido adequado ao que lhe é proposto pelas perguntas. 3 Resultados e Discussões 1 Disponível no endereço eletrônico: http://www.uniritter.edu.br/newsletter/pdf/provaproficiencia.pdf Acesso em 10 de Setembro de 2015.
O texto 1 para leitura e interpretação utilizado na prova de proficiência em língua inglesa intitula-se Scientists and their social responsibility, o qual diz a respeito do papel que os professores de ciências possuem ao estimularem seus alunos a se aventurarem pelo mundo das ciências naturais, de forma a ampliar o número de futuros profissionais na áreas biológicas, físicas e químicas. A primeira pergunta (Que fatores arrolados no texto afetaram a procura por cursos nas áreas de ciência e engenharia?) questiona o candidato a respeito dos motivos pelos quais houve a diminuição do número de alunos interessados em estudar cursos da área de engenharia e ciência. Conforme aponta o texto, esta queda pode ter sido causada pelo próprio sistema educacional, pela baixa qualidade de preparo dos professores de ciências, baixos salários e status social e falta de reconhecimento do ensino das ciências por parte da sociedade. O enunciado que representa esta ideia pode ser configurado conforme se segue: (2) (A) Low quality of Science teaching plus the lack of its recognition DC (B) decreasing in interests for studying science and engineering courses at University. Desta forma, podemos observar dois segmentos A e B ligados por um conector do tipo DC (portanto), explicitando que a falta dos elementos mencionados acima ao ensino de ciências nas escolas seja um dos fatores que levam os futuros alunos universitários a não optarem por cursos como os de engenharia e ciências. Uma tradução para o português do bloco semântico seria a baixa qualidade de ensino e de reconhecimento profissional DC falta de interesse de futuros candidatos. A questão 2 (Segundo o texto, o que os resultados preliminares do programa francês de educação científica indicam?) questiona o aluno sobre os resultados que o programa de ensino de ciências francês tem indicado nos últimos tempos. Os enunciados presentes a partir da linha 15 do texto afirmam que as atividades nas aulas de ciência envolvem tarefas práticas (hands-on experimentation), e não somente teóricas, para as crianças em idade escolar. Nas aulas de ciência, os alunos são desafiados, guiados e encorajados pelos professores para criticamente analisar os fenômenos científicos que estudam. Notou-se que, com aulas estimulantes e instigadoras, as crianças não apenas escreviam e falavam melhor, como também o interesse delas pelas ciências aumentou. O encadeamento argumentativo pode ser explicitado conforme vemos abaixo: (3) (A) Having classes in which students are critically stimulated to learn about sciencie DC (B) greater openness to enjoy and learn science in the future. Isto é, ao haver aulas em que os alunos são criticamente estimulados a aprender sobre a ciência, haverá, portanto uma maior abertura para estes alunos aprenderem e gostarem das ciências no futuro. O bloco semântico acima pode ser representado como atividades críticas e desafiadoras DC estímulo para o gosto pela ciência.
A questão 3 (Segundo o IAP, que parâmetros devem ser seguidos para a educação em ciências no ensino primário?) instiga o aluno a compreender quais são os parâmetros que precisam ser levados em conta para o ensino de ciências no ensino primário, de acordo com o International Academy Panel (IAP). O texto apresenta seis formas de melhorar o ensino de ciências nas escolas: foco no ensino de ciências desde as escolas primárias, ensino ligado à realidade cultural e social dos alunos, ensino baseado na investigação e não apenas em explicações já prontas, ensino que conecte as crianças à natureza e aos cinco sentidos humanos, estabelecimento de links entre pesquisas de ordem nacional e então de ordem internacional com temas de interesse global (ecologia, geografia, etc.) e a criação de portfólios ou materiais científicos que futuramente possam ser manuseados por outros alunos da escola. Diante dos parâmetros elencados para a melhoria do ensino de ciências nas escolas, apresentamos o seguinte encadeamento que reproduz o sentido produzido acima: (4) (A) Science teaching focused on early learning stage and cultural and meaningful learning tied to globally relevant topics DC (B) more openness to learn and enjoy science in the future. Com isso, os enunciados afirmam que quando o ensino é focado desde a tenra idade para o aprendizado de ciência significativo, cultural, ligado a fatos relevantes globalmente, haverá certo aumento de estudantes para aprender e gostar da ciência no futuro. O bloco semântico acima descrito pode ser descrito como ensino significativo desde os níveis primários DC maior gosto pela ciência Percebemos como as várias linhas de um texto podem ser expressas por encadeamentos do tipo DC, demonstrando os sentidos que o locutor do texto escrito deseja produzir no aluno e evitando outros possíveis sentidos pela utilização do conector PT ou negação (-neg) de outros elementos. Passemos, então, para as considerações finais deste artigo. 4 Conclusões O presente trabalho apresentou como a ANL, a qual remonta ao princípio de valor linguístico, apontado por Saussure (1995), pode ajudar alunos e professores a entender o sentido produzido em discursos, como o da prova acima analisada. Por meio de encadeamentos argumentativos e blocos semânticos, é possível que os candidatos construam discursos que venham ao encontro do que é proposto pelas perguntas da prova. Ressaltamos que a ANL concebe o sentido de um discurso a partir dos próprios elementos linguísticos em relação. A partir de uma análise puramente semântica, pode-se compreender o que é produzido pelo locutor ao seu interlocutor, que interpreta os enunciados ao nível linguístico.
Acreditamos que o estudo sucinto realizado aqui possa ser aprofundado, a fim de que futuramente professores de língua estrangeira possam trabalhar com seus alunos universitários a respeito da compreensão e produção de sentido em enunciados ou discursos de provas de proficiência em nível de pós-graduação. Referências ADAMY, Daline Schramm. Reading Strategies for master s and doctoral proficiency language test candidates. ULBRA, Canoas, 2003. CAREL, M.; DUCROT, O. La Semántica Argumentativa. Una Introducción a la Teoría de los Bloques Semánticos. Edición literaria a cargo de María Marta García Negroni y Alfredo M. Lescano. Buenos Aires: Colihue, 2005. DUCROT, Oswald. Enunciação. In Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984. 1987.. O dizer e o dito. Trad. Eduardo Guimarães. Campinas, SP: Pontes,. Sémantique linguistique et analyse de textes. In: Cadernos de Estudos Linguísticos. Campinas: Unicamp, v. 35, p. 23-44, 1998. Disponível em: <http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/cel/article/view/1611/1186>. Acesso em 14 ago. 2015. Prefácio. In: VOGT, Carlos. O Intervalo Semântico. São Paulo: Ateliê Editorial/ Campinas: Editora da Unicamp, 2009. HÜBNER, L. P. H., A semântica argumentativa como estratégia para compreensão de questões do ENEM (Dissertação de Mestrado), PUCRS, 2015. Disponível em: < http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/7169>. Acesso em 10 set. 2015. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. 5ª Ed. São Paulo: Cultrix, 1995.