Renato Garibaldi Mauri Morte O lado côncavo da vida
Conselho Editorial Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt 2014 Renato Garibaldi Mauri Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. M4465 Mauri,Renato Garibaldi. Morte: O Lado Côncavo da Vida/Renato Garibaldi Mauri. Jundiaí, Paco Editorial: 2014. 160 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-083-1 1. Morte 2. Existência Humana 3. Religiões 4. Crenças I. Mauri,Renato Garibaldi. CDD: 128 Índices para catálogo sistemático: Alma. Vida E Morte. Homem Poder da Morte 128 Religião e Crenças 215 Escatologia. Morte. Juízo Final 236 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal
AGRADECIMENTOS Ao prof. dr. Leonildo Silveira Campos que orientou o meu trabalho e se tornou um grande amigo e incentivador. Sempre lembrarei do mestre com muito carinho. À minha família pelo apoio que me proporcionou e por ter compreendido e acompanhado minha distância, perdas e lutos. Aos amigos e aos professores pelas colaborações prestadas no decorrer da dissertação. Ao CNPQ que subsidiou parte do meu curso e das minhas pesquisas. À Unasp ( campus 2) que incentivou e incentiva meu trabalho como docente e as minhas produções acadêmicas. Ao pequeno Luigi Mauri (in memoriam) Meu filho. Que da ausência, Se fez presente, Resplandecendo diante da força. À memória constante. Da sua essência. À minha mãe e a minha querida vó, Laurinha (in memoriam), que sempre me apoiaram com carinho, e atenção maternal aos constantes desafios da vida. À minha esposa e companheira, Que com força, altruísmo, me acompanhou na jornada Vivendo lutas, desafios e superações.
Sem o humor e sua alegria contagiante seria muito difícil prosseguir. À querida filha Bianca Mauri, presente do transcendente diante do luto, esperança que ressurge diante das lágrimas, possibilidade de ressignificação pela alegria da companhia, e pelo tempo do nascer após o entardecer... Aos meus alunos que me fazem aprender sempre... Aos queridos que partiram e que deixaram muitas saudades...
Sumário Aprendendo a Olhar no Espelho Côncavo da Vida...9 Introdução...15 Capítulo 1 Representações da morte, religiões e mentalidade religiosa no Brasil...25 1. O campo religioso católico no Brasil e suas representações da morte...28 2. O campo religioso protestante e suas representações da morte...32 2.1 Luteranos: Origem e Doutrina...35 2.2 Metodistas: Origem e Doutrina...37 2.3 Presbiterianos: Origem e Doutrina...39 2.4 Batistas: Origem e Doutrina...41 3. A concepção da morte entre os protestantes...42 4. O campo religioso paraprotestante e suas representações da morte...43 4.1 Adventistas: Origem e Doutrina...43 4.3 Testemunhas de Jeová: origem e doutrina...48 5. O campo religioso pentecostal e suas representações da morte: origem e doutrina...50 5.1 Os pentecostais tradicionais...52 5.2 Outros pentecostais: Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo e Deus é Amor...52 5.3 Novos Pentecostais ou Neopentecostais...53 6. O campo religioso não cristão e suas representações da morte...54 6.1 Kardecismo ou espiritismo...54 6.2 Religiões Afro-brasileiras...56 6.3 Judaísmo...59 6.4 Islamismo...61 6.5 Budismo...63 7. Campo religioso brasileiro, morte e hegemonia do mercado...67
Capítulo 2 Morte, imaginário e religião na sociedade atual...71 1. Conceito do imaginário coletivo social e a relação com o real, o sinal e o símbolo...71 2. A teoria do imaginário funcionalista e substancialista...74 3. Histórico do imaginário coletivo...76 4. O imaginário e a experiência religiosa...82 5. Símbolo e mito na experiência e representação religiosa...84 6. A economia e a morte...87 Capítulo 3 Morte, imagens, representações e hegemonia do mercado...97 1. A morte na sociedade capitalista...97 2. Imagens e representações da morte em uma sociedade manipuladora...99 3. Mercantilismo e morte...104 4. A morte na sociedade brasileira...111 5. Causas do imaginário da morte no Brasil...112 Capítulo 4 As características da morte no Brasil e seus rituais religiosos...117 1. A imagem da morte em grupos indígenas no Brasil...117 2. As imagens fotográficas da morte no Brasil...119 3. O ritual do sepultamento no Brasil...122 4. A morte em uma sociedade igualitária...133 5. Exemplos práticos de consolo...135 6. Como lidar com a morte...136 Considerações Finais...139 Referências...143 Anexos...151
Aprendendo a Olhar no Espelho Côncavo da Vida Deus, ó Deus! Quando a morte à luz me roube, ganhe um momento o que perderam anos, saiba morrer o que viver não soube (Manuel Maria Barbosa du Bocage, 1765-1805). Há um ditado popular que fala em escola da vida, em aprender a viver enquanto se vive. Mas, o que aprendemos com a morte? Que proveito há no conhecimento que elaboramos so- bre algo que vislumbramos apenas a partir da morte dos outros, devido a impossibilidade de se aprender com a própria morte? Que representações os grupos sociais elaboram para falar da vida e da morte? Em que aspectos elas se diferenciam ou se complementam? O ser humano, como já afirmou Ernst Cassirer, vive pendurado e envolvido em símbolos. É um animal symbolicum, mas, ao mesmo tempo, um animal rationale. O que é a cultura senão uma teia de símbolos tecidos e encadeados num discurso, como se fosse uma rede, para dar sentido à vida e ancorar a experiência de vida dos seres que a criaram e dela se nutrem? Viver a vida com significado é um fator importante para a qualidade de vida dos seres humanos. Daí as representações, os símbolos, as crenças, que criamos para dar sentido à vida terrena e a vida após a vida. Há, no entanto, os que no dizer de Bocage, vivem sem saber. Podem eles, no momento final, aprender a morrer, pois, viver não souberam? Essas e outras perguntas surgem da leitura do texto de Renato Mauri, Morte: o lado côncavo da vida..., que trata das formas de percepção e das imagens da morte que grupos religiosos brasileiros adotam e ensinam para os seus seguidores. Mas, em que as representações e imagens dos evangélicos diferem das que têm sido vivenciadas por católicos neste País de sincretismo europeu, africano e indígena, desde a colonização iniciada no século XVI? 9
Renato Garibaldi Mauri É necessário registrar também que os seres humanos não criam representações novas o tempo todo. O pressuposto com o qual o autor trabalha é que há um imaginário, uma espécie de espaço virtual, onde estão arquivadas as motivações que movem as nossas crenças e representações. Quando falamos, portanto, sobre a morte e o morrer, estamos sacando conteúdos de crenças de outros, geralmente produzidas em outros tempos, mas que contribuíram na construção desse rico depósito. Por outro lado, não podemos omitir o fato de que o saque de conhecimentos dessa bagagem não é feito sem criatividade, de forma aleatória, e destituído de hibridismo. Em outras palavras, cada grupo religioso circula em um universo de símbolos e de discursos, em que há dimensões compartilhadas com outros, mas, ao mesmo tempo, há aspectos que lhes são peculiares. Daí porque, o olhar seletivo do estudioso do fenômeno e do campo religioso, deve saber diferenciar as tradições, as imagens e as formas específicas de percepção dos fiéis de variadas religiões. Neste livro o seu autor faz esse exercício, mostrando ao leitor que por detrás da aparente unidade dos termos evangélicos ou protestantes se esconde uma diversidade de olhares no que se refere à questão dos mortos. Todavia, morrer para todos eles é selar o destino eterno. Não há uma segunda chance; quer seja pela passagem pelo purgatório, como ensina a Igreja Católica; ou uma volta reencarnada á vida terrena, como ensinam os Espíritas kardecistas, para que o espírito encarnado possa consertar o que teria sido estragado na vida anterior. Para os protestantes tradicionais, que resultaram diretamente da Reforma do Século XVI, não há alternativa: paraíso ou tormento, imediatamente, logo após a morte. É claro que restam pontos obscuros no discurso protestante ou dos evangélicos de um modo geral, que ainda não estão suficientemente explicados. Alguns deles podem ser expressos em perguntas como estas: Não há uma desproporção entre a inflação e a pena exigir que o pecador passe uma eternidade de sofrimento somente 10
Morte: O lado côncavo da vida porque cometeu coisas erradas (pecados) durante, no máximo, algumas dezenas de anos? Por que um Deus justo e amoroso condenaria ao inferno ou à extinção a alma dos não convertidos à Jesus Cristo? Nesse cenário surgem também crenças e representações dos universalistas que crêem na salvação de todos, inclusive do próprio diabo. Mas, nesse cenário pluralista estão também as crenças, práticas e rituais, de outras religiões não-cristãs. No entanto, o nosso autor destaca as representações de cristãos que optaram por uma ressignificação das crenças sobre a morte e o estado dos mortos: Adventistas do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová. Os primeiros em especial, selecionaram da tradição judaico-cristã, crenças e representações a respeito da volta do Messias à Terra, para o cumprimento de profecias, do milênio, do juízo final, e da situação dos mortos. Eles dormem na sepultura à espera da convocação para o julgamento final. Assim, almas/espíritos serão despertados para a salvação eterna, outros, experimentarão a segunda e definitiva morte a extinção. Renato Mauri circula nesse intrincado mundo das representações religiosas da morte e do morrer, dos rituais, das práticas mortuárias para mostrar a importância de cada uma delas dentro de seus respectivos universos de discursos e de sentido. Porém, ele está preocupado com as ressignificações das crenças e rituais dentro de um cenário cada vez mais determinado pela crescente hegemonia do mercado. Pois, no capitalismo, como já dizia Marx, tudo tende a se transformar em mercadoria. Dessa forma, houve e está se concretizando no Brasil, cada vez mais, a mercantilização da morte, tal como da vida, da saúde e até dos bens de salvação. As suas leituras e investigações sobre o tema se inscrevem dentro de sua experiência num Mestrado cursado na Universidade Metodista de São Paulo, nos dois últimos anos do século XX. Nestes últimos 15 anos houve um significativo aumento no conhecimento sobre essa temática. Cursos de Tanatologia, de Medicina Paliativa, destinados a preparar profissionais da saúde, 11
Renato Garibaldi Mauri psicólogos, capelães, e outros, a lidarem com pacientes em estado terminal, ou a ajudar os familiares a se relacionarem com a perda de seus entes queridos. Nestes últimos anos, a bibliografia sobre a morte e o morrer também se multiplicou. Há uma preocupação com o que alguns autores chamam de educação para morte. Retomamos a questão colocada por nós a partir dos dizeres do poeta Bocage: como poderão aprender a morrer bem quem viver não soube? Ou, numa direção inversa, como viver bem e morrer bem, adotando- -se, é claro, os ideais considerados bons para a vida e para morte dentro de um determinado círculo de crenças e representações que dão sentido para a vida. Dessa maneira, podemos encarar este livro de Renato Mauro como um convite para um passeio pelas crenças, práticas, representações e imagens, que as pessoas e os diversos grupos religio- sos cristãos ou não nos oferecem num País cada vez mais sujeito ao pluralismo e à diversidade de crenças. E, além de tudo, onde cresce o número dos sem religião, das pessoas que se declaram secularizadas ou simplesmente materialistas, adeptos do mor- reu, acabou. Essas posições, no entanto, não eliminam a questão básica: como morrem os que não souberam viver? Os cristãos atuais, independente de suas origens denominacionais, nesse contexto de hegemonia dos valores secularistas, tendem a retomar um pensamento comum entre os cristãos do primeiro século de que se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens (1 Coríntios 15.19). O velho apóstolo, à caminho do martírio em Roma, havia descoberto um sentido para a vida que nada poderia lhe tirar, nem a morte, nem os principados ou potestades. Este livro nos provoca para essas e outras questões a respeito da morte e do morrer. A sua leitura pode se tornar um convite para mais uma aula de um curso que deveria se confundir com a nossa própria peregrinação: educação para a morte. No 12
Morte: O lado côncavo da vida entanto, é importante aprender a ler a morte a partir do espelho da vida, embora isso traga o risco de imagens e percepções distorcidas, porém, ainda assim, a experiência de vida ganha um maior sentido. Em outras palavras, aprender a viver e a morrer, é melhor do que viver sem sentido e morrer sem razão ainda que muitos façam a caminhada pelas ruas com armas na mão. Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Universidade Metodista de São Paulo Grupo Interdisciplinar de Pesquisa do Protestantismo. 13
Introdução Entre as diversas circunstâncias da existência humana, com certeza, uma das mais proeminentes é a morte, caracterizada pela ausência do ente querido, pelo vazio percebido diante da perda, ou até mesmo na indagação do real sentido da vida com relação ao estado finito do ser humano. Assim o estudo da morte se faz necessário para compreendermos não só estes anseios, mas para perceber a estrutura social que estamos inseridos, já que a sociedade atua em torno também das perspectivas de vida de determinados grupos. Neste livro procuramos analisar a morte tal como se expressa socialmente, a partir da concepção do corpo que torna o indivíduo um produto do meio consumidor e, consequentemente, nega o indivíduo de viver seu pranto e até mesmo de sentir sua perda. A análise da relação dos valores de uma sociedade capitalista se torna adequado, pois banaliza a prioridade do consumo exagerado, tomando prioritários os valores humanos, contribuindo para uma análise dos falsos objetivos do materialismo que nos distancia da identidade humana. Portanto, analisar a influência da sociedade dominante, inclusive sobre o aspecto da morte, é buscar os reflexos transmitidos dos tempos e das mudanças nos comportamentos que esta mesma sociedade impôs. A incapacidade do ser humano de conceber a sua própria finitude e sua negação social são alguns dos problemas que estão inseridos na intenção da sociedade mercantil, que ligou a morte ao consumismo. Esta é a ideologia dominante, que monta sistemas escolares repressivos, imagens preestabelecidas intencionalmente, que são reproduzidas para se obter um resultado esperado e determinado. Assim a morte é negada, ou melhor, ela se toma objeto de alienação para os dominados. Dessa forma o ser humano deixa de ser o sujeito da história, para ser substituído pela coisa que foi condicionado a desejar a ser, por isso a impor- 15
Renato Garibaldi Mauri tância de uma reflexão sobre a imagem do corpo sem vida em uma sociedade consumista. Este trabalho nos ajuda a entender os aspectos primordiais de nossa identidade, tanto para obtermos uma melhor percepção de nós mesmos e do nosso próximo como para nos depararmos com os nossos reais valores. Na última metade deste século, os estudos sobre a morte em suas múltiplas dimensões psicológica, histórica e sociológica evoluíram rapidamente, escapando às influências da medicina, teologia e filosofia, espaços nos quais ela permaneceu enclausurada durante séculos. Entretanto, cada um desses estudos reflete ênfases, perspectivas e valores diferentes, nem sempre assumidos pelos respectivos pesquisadores. Mas, o direcionamento de cada uma dessas pesquisas não anula a dificuldade humana em aceitar esse fato biológico e de tentar transcendê-lo por meio de construções religiosas e ideológicas. Por isso mesmo, o ato de morrer, os rituais fúnebres, e os mecanismos psicológicos de consolo dos enlutados variam em função dos momentos históricos vividos pelos agentes e de suas maneiras de descrevê-la e interpretá-la. A morte, as representações que dela se fazem, os rituais fúnebres e o conjunto de crenças religiosas ainda são objeto de disputas e de conflitos de interpretações, a despeito da antiguidade da morte, ato derradeiro de cada ator social, desde que a vida apareceu sobre a face da terra. Michel Novelle 1 propõe três formas e análises possíveis de serem feitas a partir do tema: a morte consumada, morte vivida e o discurso sobre a morte. A morte consumada é a análise feita a partir dos números estatísticos, em uma retrospectiva das pestes, epidemias, acompanhadas de porcentagem da taxa atual da mortalidade. Com isso, busca-se avaliar os parâmetros dos componentes sociais, inclusive ao que se refere às desigualdades entre sexos, idades e à mortalidade infantil. Prevalece também, nessa forma de abordagem, uma análise das relações entre campo-cidade e das consequências da oposição entre dominantes e dominados. 1. Vovelle, Ideologias e Mentalidades. 16