Análise dos movimentos oculares por meio de mapas de calor obtidos em questões de Cálculo Diferencial Integral 1: um estudo com alunos de Engenharia

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Transcrição:

Ano 10 Número/vol.28 dezembro/2018 ISSN: 1984-4751 Análise dos movimentos oculares por meio de mapas de calor obtidos em questões de Cálculo Diferencial Integral 1: um estudo com alunos de Engenharia Maria Marilei Soistak Christo 1 Luis Mauricio Martins de Resende 2 Ângela Inês Klein 3 RESUMO O presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que analisou os movimentos oculares de 47 estudantes do primeiro período de Engenharia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), enquanto estes leram três questões conceituais acerca do conteúdo ministrado na disciplina de Cálculo Diferencial Integral 1 (CDI I). O objetivo foi investigar o comportamento ocular, mais especificamente, as fixações através de uma análise qualitativa dos mapas de calor, para ver se há diferença na leitura e compreensão dos problemas matemáticos entre os alunos com as melhores e as piores notas na disciplina de CDI I. A partir dos resultados, verificou-se que os alunos com as maiores notas apresentam mais acertos, menos tempo de leitura e resolução, menor quantidade de fixações e sacadas se comparados aos alunos com as notas mais baixas. Desta forma, conclui-se que os mapas de calor podem ser um indicativo da eficiência da leitura de problemas matemáticos. Entretanto, são necessárias mais pesquisas com uma amostragem maior para se encontrar um padrão de raciocínio e de leitura que diferencie os alunos com as maiores e os com menores notas. Palavras-chave: Movimentos oculares. Matemática. Mapas de calor. 1. Introdução A matemática é uma disciplina escolar fundamental que a maioria dos alunos considera difícil e abstrata. No entanto, independentemente das dificuldades que possam enfrentar ao lidar com este assunto, os alunos precisam aprender seus conceitos básicos e adquirir habilidades matemáticas, especialmente nos cursos de Engenharia, em que os conhecimentos básicos de matemática são exigidos desde o ingresso na Universidade. 1 Doutoranda- UTFPR -Ponta Grossa/PR- 2 Doutor- UTFPR -Curitiba/PR 3 Doutora- UTFPR -Ponta Grossa/ PR

2 Pesquisadores (ZARPELON, 2016; GARZELLA, 2013; OLIVEIRA & RAAD, 2012) demonstram que a reprovação está presente em todos os níveis educacionais, inclusive no ensino superior e especialmente em determinadas disciplinas, o que demonstra um grande desafio às instituições no sentido de identificar possíveis causas para estas reprovações. Zarpelon (2016, p. 13) afirma que além de impedir a progressão do aluno, a reprovação indica que, de certa forma, houve falhas no processo ensino aprendizagem. No âmbito da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), 44% dos cursos de graduação ofertados em 2017 são cursos de Engenharia. Ao analisar os dados disponíveis no sistema acadêmico da instituição, os maiores índices de reprovação encontram-se em disciplinas voltadas à área matemática. Esta constatação motivou a presente pesquisa, cujo objetivo é investigar se há diferença na leitura e compreensão de problemas matemáticos entre os alunos com as melhores e as menores notas numa das disciplinas de matemática, denominada Cálculo Diferencial Integral I, analisando os movimentos oculares. Os movimentos oculares são resultados de processos cognitivos, o que possibilita o pesquisador acompanhar em tempo real o raciocínio do participante durante a realização de experimentos. Em relação às fixações, normalmente são observados o número e a duração das mesmas em estudos investigativos. O número e a duração das fixações costumam estar relacionados, de modo geral, à reserva de recursos cognitivos e a um aumento da carga de processamento cognitivo, sendo possível inferir que aquelas palavras correlacionadas a um número maior ou uma duração maior das fixações estariam associadas à maior dificuldade de processamento (FORSTER, 2017, p. 626). Assim é possível considerar que palavras com fixações mais longas sejam mais difíceis de processar. Devido a esta afirmação é que se optou por uma análise dos movimentos oculares focada nas fixações, ou seja, mapas de calor que apresentam os dados das fixações sob o viés qualitativo da leitura e compreensão de problemas matemáticos realizados pelos alunos com as melhores e com as menores notas em CDI I. 2. Embasamento Teórico 2.1. Cognição matemática Desde o nascimento, os conceitos de tempo, espaço, número, objeto, relacionamento, sentimentos evoluem. Qualquer dado novo precisa fazer uma relação com a aprendizagem

existente, a fim de surgirem novas competências; consequentemente as antigas são modificadas. Um dos maiores pesquisadores na área da cognição humana, de acordo com Holt (2008) é Stanislas Dehaene 4. Dehaene passou a maior parte de sua carreira traçando os contornos do senso numérico do ser humano e pesquisando quais aspectos da capacidade matemática são inatos e quais são aprendidos, e como os dois sistemas se sobrepõem e se afetam mutuamente. Ele abordou o problema de todos os ângulos imagináveis. Realizou experimentos que investigam como os números são codificados. Estudou as habilidades numéricas dos animais, das tribos amazônicas e dos melhores estudantes de matemática franceses. Ele usou a tecnologia de escaneamento cerebral para investigar com precisão onde, nas dobras e fendas do córtex cerebral, as faculdades numéricas estão alojadas. Questionou até que ponto algumas línguas tornam os números mais difíceis do que outras. As neurociências cognitivas evoluem muito com o passar do tempo e a partir dos resultados de estudos realizados. Elas são capazes de explorar os cérebros para entender o que eles possuem em comum para que as pessoas sejam capazes de entender a matemática. Entretanto, ainda não conseguiram definir e estudar as variações individuais do cérebro que distinguem dois físicos por exemplo, um que ganha um Prêmio Nobel de um que não desenvolve pesquisas. Cury (2004, p. 44) relata que as deficiências no uso da linguagem escrita e o pouco desenvolvimento da capacidade de compreensão da Matemática...estão intimamente ligados por uma relação causa-efeito, ou seja, quando não há domínio da linguagem para a aprendizagem de conceitos abstratos, o pensamento matemático não consegue se desenvolver em seus diversos níveis. De acordo com Cury (2004, p. 41), a reflexão, discussão e pesquisa sobre a aprendizagem matemática na universidade ocorre a partir do crescente índice de reprovação em disciplinas básicas, especialmente as de Cálculo. Houve, por muito tempo, a crença de que a dificuldade originava-se no ensino fundamental e médio e que o único modo de melhorar seria uma seleção mais eficiente de alunos. Entretanto, atualmente essa crença já mudou. Cury (2004, p. 42) salienta que as dificuldades de aprendizado não se encerram no ensino préuniversitário e que a ineficiência do ensino fundamental e médio se insere num amplo contexto social, político e cultural, no qual a universidade tem um papel extremamente importante. 4 Matemático e neurologista diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Collège de France e uma das maiores autoridades mundiais no estudo do cérebro 3

4 Nesse sentido, Cury (2004) salienta que há um constante movimento em busca de metodologias e ações que visam promover o aprendizado mais eficiente, além da busca pela melhoria da formação dos professores de Matemática. 2.2 Movimentos oculares Os movimentos oculares mais utilizados em pesquisas vinculadas à aprendizagem são as sacadas progressivas ou regressivas e as fixações. Tanto as sacadas quanto às fixações apresentam especificidades próprias, demonstrando processos cognitivos distintos. De acordo com Macedo et al. (2007), as fixações são breves períodos de tempo durante os quais o olho permanece examinando uma pequena área do estímulo. A função principal da fixação é analisar detalhadamente o texto no campo foveal, onde a informação é mais facilmente passível de ser obtida (RAYNER, 1998). Em geral, a localização da fixação dos olhos reflete a atenção enquanto que a duração da fixação do olho reflete a dificuldade de processamento. Especificamente, a duração da fixação varia em tipos de informação (por exemplo, texto ou gráfico) e tipos de tarefas (por exemplo, leitura ou resolução de problemas). Além disso, os locais de fixação e duração refletem as estratégias de leitura dos indivíduos e os conhecimentos ou experiências anteriores. Os padrões de fixação exibem também estratégias cognitivas dos indivíduos utilizadas em tarefas orientadas pelos objetivos propostos pelo pesquisador. A leitura sugere um processo constante e frequente, mas na verdade não é. Por meio do rastreador, sabe-se que as fixações ocorrem sobre algumas palavras do texto, omitindo normalmente palavras curtas, considerando-se leitores proficientes. De acordo com Rayner (1998), são consideradas palavras curtas aquelas com duas ou três letras. Mesmo que nem todas as palavras sejam fixadas, todas recebem algum modo de processamento visual, pois se as palavras não demarcadas fossem excluídas, o aluno não conseguiria compreender a frase quando apresentada novamente. Nas fixações, a informação visual é analisada a partir na região foveal que envolve aproximadamente 2 de diâmetro do campo visual, o que corresponde ao dedo polegar à distância de um braço. Distanciando ao redor da fóvea está a região parafoveal, que possui uma resolução relativamente alta e abrange um diâmetro aproximado de 3 do campo visual. A seguir fica a região periférica, onde o leitor não fixa diretamente, mas é capaz de perceber, especialmente quando é proficiente na leitura. Desta forma, analisando o campo visual da

5 região foveal, as fixações parecem se relacionar naturalmente ao foco de atenção visual (FINDLAY; WALKER, 2012). A partir das limitações encontradas ao considerar que há uma região visualizada além da fóvea, onde não é possível captar o campo visual completamente e simultaneamente, a fixação possibilita selecionar determinado fragmento do estímulo visual para o processamento. Já a sacada é o movimento que o olho executa entre cada fixação. A função primária da sacada é trazer nova parte do texto para a região foveal (onde a focalização da luz ocorre), que é a responsável pela zona de processamento do detalhe e abrange dois graus de ângulo visual (durante a leitura, um grau corresponde a 3-4 caracteres). As sacadas podem ser progressivas (na língua portuguesa, movimento à direita) ou regressivas (movimentos sacádicos em sentido oposto ao da leitura). As sacadas ocorrem em média de 200-250 milissegundos. As sacadas regressivas ocorrem 10 a 15% de vezes durante a leitura (Rayner, 1998), com a função de retomar a palavra para uma nova inspeção. De acordo com Macedo et al. (2007, p. 274), as sacadas curtas numa mesma palavra indicam uma dificuldade no posicionamento da fixação, enquanto as longas mostram alta taxa no processamento da palavra. Já as sacadas regressivas maiores que dez letras demonstram um esforço exato por parte do leitor na compreensão do conteúdo (MACEDO et al., 2007). 3. Metodologia 3.1 Amostragem Os dados foram coletados com quarenta e sete alunos do Ensino Superior, de cursos de Engenharia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Câmpus Ponta Grossa. Os alunos cursaram CDI I no 1º semestre de 2017, portanto o teste foi aplicado no início do 2º semestre. Foram considerados para análise, os dados de 10 alunos com as notas mais altas e 10 com as notas mais baixas em CDI I. As notas foram fornecidas pelo professor regente da disciplina. 3.2 Instrumento 3.2.1 Especificações Técnicas do Aparelho Durante a coleta de dados, foi utilizado um rastreador ocular RED 500 do fabricante alemão SMI (Senso Motoric Instruments) para o registro dos movimentos oculares. O registro

6 do movimento ocular é feito pelo equipamento por meio de luz infravermelha. A luz reflete na córnea do olho e volta para a tela do computador, onde é registrada a sua posição. O rastreador ocular estacionário permite a movimentação desprendida da cabeça de 40 cm na horizontal e 20 cm na vertical. Há necessidade também de manter uma distância de 60 a 80 cm entre os olhos e o monitor do computador de 22 polegadas que contém até 9 pontos de calibragem, portanto o aparelho permite movimentação pertinente sem comprometer os resultados. Este rastreador é considerado rápido, já que realiza uma coleta do movimento do olho a cada 2 milissegundo (ms), sendo de 500 Hz. Sua resolução espacial é de 0.03º. O rastreador está munido de três softwares: BeGaze, iview X e Experiment Center. 3.2.2 Descrição do Instrumento Foram formuladas três questões pelo professor de CDI I da instituição, validadas por dez alunos que já tinham cursado a disciplina, visando trabalhar conceitos básicos da disciplina. Estão descritas a seguir: 1) Dada uma função de uma variável f(x), qual operação matemática é descrita pela análise de comportamento de f(x) ao tomarmos valores de x arbitrariamente grandes? 2) Considere uma função f(t) que varia com o tempo, e um momento a. Qual quantidade matemática é obtida ao calcular o quociente da variação de f(t) pela variação de tempo, tomando como momento inicial a e o momento final cada vez mais próximo de a? 3) Considere a função f(x)= x³ definida no intervalo [0,1]. Se dividirmos o intervalo [0,1] em n intervalos de comprimento 1/n, e considerarmos retângulos com base igual a cada um desses intervalos e altura igual f(1/n), para qual número se aproxima a soma dessas áreas quando aumentamos o valor de n? 3.2.3 Aplicação do Instrumento Foi solicitado aos alunos que lessem as questões individualmente em frente ao monitor e, ao concluírem a leitura, explicassem o que entenderam verbalmente. Na sequência, resolveram as questões no papel, cujo tempo foi cronometrado, pois não há possibilidade de registrar o movimento ocular durante a resolução dos problemas por escrito. 3.3 Levantamento e Tabulação dos Dados

7 A abordagem qualitativa foi utilizada nas fixações por meio dos mapas de calor. Os mapas de calor são gerados considerando o número e a duração das fixações, fornecendo ao pesquisador dados acerca da concentração das fixações. Assim, apresentam a distribuição visual da atenção, representando em vermelho os pontos com maior atenção, seguindo por pontos amarelo e depois verde. Esta última cor representa a área de menor atenção, ou seja, com menos pontos de fixação. O software que gera os mapas de calor chama-se BeGaze, do fabricante SMI. As seguintes métricas foram analisadas: % de acerto, tempo médio de resolução, tempo médio de leitura na tela, média de sacadas e média de fixações. Uma análise mais aprofundada e de cunho qualitativo foi em relação às fixações. Optou-se por fazer a análise descritiva dos mapas de calor por considerar ser uma maneira estratégica para verificar a concentração das fixações, pois, de acordo com Duchowski (2007, p. 46), a permanência do olhar numa região, onde a retina se estabiliza, indica um local de interesse. De acordo com a tabela 1, é possível visualizar que a porcentagem de acerto corresponde às notas em CDI I, pois os alunos com maiores notas obtiveram também melhor desempenho nos acertos. Já em relação ao tempo de resolução, leitura, sacadas e fixações, observa-se que os alunos com maiores notas possuem uma média menor do que os alunos com menores notas. Para a organização dos valores, utilizou-se a prática de fazer a média, somando os dados dos 10 alunos de cada grupo e dividindo por 10. Apenas a % de acerto não realiza média. Tabela 1 - Situações problemas aplicadas na pesquisa CDI I (20 alunos: 10 com maiores notas e 10 com menores notas) Maiores notas Menores notas Questão: 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª % de acerto 90 60 60 60 20 20 Tempo médio de resolução (segundos) 54 89 130 143 150 139 Tempo médio de leitura na tela(segundos) 29 40 51 38 58 61 Média de sacadas 259 430 418 308 470 539 Média de fixações 219 279 367 273 427 431 Fonte: Autoria própria (2018) 4. Análise e Discussão dos Dados Retomando os dados apresentados na tabela 1, verifica-se que o número de acertos é superior entre os alunos com as maiores notas. Também percebe-se que os alunos com as

8 melhores notas (quando se compara questão por questão), tiverem escores mais baixos do que os alunos com as menores notas em relação ao tempo de resolução, tempo de leitura na tela, número de sacadas e fixações. De acordo com Rodrigues (2001, p. 5) Estudos sobre busca visual assumem que as características de localização e duração da fixação são indicativos da estratégia perceptiva usada pelo executante. Acreditase que a localização da fixação é um indicativo da importância das pistas usadas na tomada de decisão, e que o número e a duração das fixações refletem as demandas de processamento de informação. Estudiosos sobre eye tracking (ABERNETHY,1985; GOULET, BARD & FLEURY, 1989) associam o número de fixações com o processamento da informação e compreensão do que é exposto ao participante da pesquisa. Ao examinar as fixações individualmente, é possível determinar grande quantidade de informações e analisar os dados a fim de demonstrar evidências de padrões visuais específicos, sobre os quais será dissertado a seguir. Os mapas de calor são capazes de fornecer, por meio de imagens estatísticas, dados individuais ou coletivos dos participantes, gerados pela sobreposição de mapas individuais. A cor e sua intensidade demonstram o número de fixações realizadas e o tempo de duração de cada área. Ainda demonstram quais são as áreas mais visualizadas pelos alunos em cada questão. Nas figuras 1, 2 e 3 estão ilustradas, ao lado esquerdo, as fixações da referida questão dos dez alunos com as maiores notas em CDI I e ao lado direito as fixações dos dez alunos com as menores notas em CDI I. É possível verificar nas figuras 1, 2 e 3 que os alunos com as notas mais baixas realizam mais fixações, pois há mais pontos vermelhos e/ou amarelados na figura do lado direito e isso se repete nas três questões, evidenciando um padrão.

9 Figura 1 - Questão 1 de CDI1: notas mais altas e mais baixas na disciplina de CDI1 Fonte: Autoria própria (2018) Figura 2 - Questão 2 de CDI1: notas mais altas e mais baixas na disciplina de CDI1 Fonte: Autoria própria (2018)

10 Figura 3 - Questão 3 de CDI1: notas mais altas e mais baixas na disciplina de CDI1 Fonte: Autoria própria (2018) As figuras 1, 2 e 3 demonstram que os alunos com notas mais baixas realmente precisaram realizar mais fixações do que os demais, sendo possível inferir que há maior dificuldade de processo cognitivo. Por se tratar de uma amostra pequena, não é possível tirar conclusões generalizadas. Os alunos que apresentam as notas mais baixas na disciplina também possuem mais dificuldade para leitura e compreensão dos problemas matemáticos, coincidindo também com o número de acertos expostos na tabela 1 e com os mapas de calor (figuras 1, 2 e 3), pois os alunos com maiores notas apresentaram acertos superiores, assim como menor tempo de leitura, resolução, média de sacadas e fixações. 5. Considerações finais A utilização do rastreamento ocular como método de coleta e interpretação de dados possibilita informações úteis para a compreensão do comportamento visual. Pesquisas realizadas a partir dele demonstram o aumento de investigações na área educacional, especialmente pela vantagem do fluxo de leitura acontecer naturalmente, sem interferência de outros dados. Entretanto, há uma restrição para docentes que se interessem neste tipo de pesquisa por se tratar de equipamentos caros e que demandam conhecimento específico, além de espaço próprio e adequado às necessidades de funcionamento do aparelho para a coleta de dados (sala silenciosa, luz adequada, cadeira regulável, apoio para queixo que evita menos movimentos da cabeça).

11 A pesquisa dos movimentos oculares é interessante, pois ela retrata o real processamento cognitivo, não sendo possível o participante ocultar dados, como pode acontecer em entrevistas ou relatos. Em relação ao trabalho realizado com os alunos de engenharia, é possível concluir que os alunos que apresentam as notas mais baixas na disciplina também possuem mais dificuldade para leitura e compreensão dos problemas matemáticos. Entretanto, são necessárias mais pesquisas com uma amostragem maior para se encontrar um padrão de raciocínio e de leitura que diferencie os alunos com as maiores e os com menores notas. Este estudo não se encerra neste momento. Futuras pesquisas podem acompanhar a evolução dos alunos em disciplinas de matemática em semestres subsequentes, a fim de levar em consideração outros dados. Um único semestre não é suficiente para investigar as dificuldades encontradas pelos alunos em uma disciplina com alto índice de reprovação e onde os alunos apresentam muitas dificuldades. 6. Referências Bibliográficas ABERNETHY, B. Cue usage in open motor skills: A review of available procedures. In: RUSSEL, D. G.; ABERNETHY, B. Motor Memory and Control. Ottago Symposium, Dunedin: New Zealand, 1985. CURY, H. N. Disciplinas matemáticas em cursos superiores: reflexões, relatos, propostas. EDIPUCRS, 2004. DEHAENE, S. The number sense: How the mind creates mathematics. Oxford University Press: USA, 2011. DUCHOWSKI, A. T. Eye Tracking Methodology: Theory and Practice. London: Springer, 2007. FINDLAY, J.; WALKER, R. Human saccadic eye movements. Scholarpedia, v. 7, n. 7, 2012. FORSTER, R. Aspectos da utilização do rastreamento ocular na pesquisa psicolinguística. DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 33, n. 2, 2017. GARZELLA, F. A. C. A disciplina de Cálculo I: a análise das relações entre as práticas pedagógicas do professor e seus impactos nos alunos. 2013. 298 f. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas. São Paulo. 2013.

12 GOULET, C.; BARD, C.; FLEURY, M. Expertise differences in preparing to return a tennis serve: A visual information processing approach. Journal of sport and Exercise Psychology, v. 11, n. 4, p. 382-398, 1989. HOLT, J. Numbers guy. The New Yorker, v. 84, n. 3, p. 42-47, 2008. MACEDO, E. C. de et al. Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras: propriedades dos movimentos oculares. Psicologia Escolar e Educacional, v. 11, n. 2, p. 275-283, 2007. OLIVEIRA, M. C. A.; RAAD, M. R. A existência de uma cultura escolar de reprovação no ensino de Cálculo. Boletim GEPEM, n. 61, p. 125-137, jul dez. 2012. RAYNER, K. Eye movements in reading and information processing: 20 years of research.psychological bulletin, v. 124, n. 3, p. 372, 1998. RODRIGUES, S. T. O movimento dos olhos e a relação percepção-ação. Avanços em Comportamento Motor, p. 122-146, 2001. WATANABE, M. V. H. Eye Tracking e suas aplicações. 2013. 57f. Trabalho de Conclusão de Curso (Ciência da Computação) Universidade de Londrina. Paraná. 2013. ROBERT, Y. I. N. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2015. ZARPELON, E. Análise do desempenho de alunos calouros de engenharia na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I: um estudo de caso na UTFPR. 2016. 120f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciência e Tecnologia) Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ponta Grossa. 2016. Recebido em Outubro 2018 Aprovado em Dezembro 2018