Insônia e doença cardiovascular



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clínica médica Jerson Laks Professor associado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Leonardo Lessa Telles Médico do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Resumo Estima-se que aproximadamente um quarto dos adultos apresente queixas relacionadas ao sono: dificuldades para iniciar ou manter o sono, despertar precoce, sonolência diurna, pesadelos, terror noturno, entre outras. A maioria dos adultos jovens dorme de sete a oito horas por noite, mas a quantidade de sono oscila ao longo da vida, com tendência à diminuição das horas na medida em que se envelhece. Summary It is estimated that about a quarter of adults present sleep complaints such as: difficulty to sleep through the night, early-morning awakening, somnolency all day long, nightmares, night terrors, among others symptoms. Most young adults sleep 7 to 8 hours per night, but the sleep amount oscillates lifelong trending towards hours reduction as people grow older. Introdução A avaliação sistemática dos indivíduos com queixas proeminentes de distúrbios do sono inclui: a determinação do tipo específico de queixa relativa ao sono e a consideração de transtornos mentais concomitantes, condições clínicas gerais e uso de substâncias (inclusive medicamentos), possivelmente responsáveis pelo distúrbio. Quando não há uma etiologia específica envolvida na alteração do sono, o transtorno é considerado primário. Cinco estágios de sono distintos podem ser medidos pela polissonografia, utilizando padrões característicos do eletroencefalograma (EEG): sono de movimentos oculares rápidos (REM) e quatro estágios de sono de movimentos oculares não rápidos (NREM) (estágios 1, 2, 3 e 4). O estágio 1 do sono NREM representa uma transição da vigília para o sono e ocupa cerca de 5% do tempo gasto dormindo em adultos saudáveis. O estágio 2, caracterizado por formatos específicos de ondas no EEG (fusos de sono e complexos K), ocupa cerca de 50% do tempo de sono. Os estágios 3 e 4 (também conhecidos como sono de ondas lentas) estão nos níveis mais profundos de sono e ocupam cerca de 10%-20% do tempo gasto dormindo. O sono REM, durante o qual ocorre a maior parte de sonhos típicos, na forma de estórias, ocupa cerca de 20%-25% do sono total. Esses estágios têm uma organização temporal característica ao longo da noite. Os estágios NREM 3 e 4 ocorrem da primeira terça parte à metade da noite e sua duração aumenta em resposta à privação do sono. O sono REM ocorre em ciclos durante a noite, alternando-se com sono NREM a cada 80- -100 minutos, aproximadamente. A duração dos períodos de sono REM aumenta pela manhã. O sono humano também varia caracteristicamente ao longo da vida. Após relativa estabilidade, com grandes quantidades de sono de ondas lentas na infância e início da adolescência, a continuidade e a profundidade deterioram-se durante a idade adulta. Este declínio é refletido por maior vigília e sono no estágio 1 e redução Unitermos: Insônia; doença cardiovascular; cardiopatias. Keywords: Insomnia; cardiovascular disease; heart disease. 15

nos estágios 3 e 4. Em vista disso, a idade deve ser considerada no diagnóstico dos transtornos do sono. A arquitetura do sono refere-se à quantidade e à distribuição de estágios específicos. Algumas formas de medições incluem: as quantidades absolutas de sono REM e de cada estágio de sono NREM (em minutos), a quantidade relativa de sono REM e dos estágios de sono NREM (expressada como uma porcentagem do tempo de sono total) e a latência entre o início do sono e o primeiro sono REM (latência REM). Os transtornos primários do sono supostamente decorrem de anormalidades endógenas nos mecanismos de geração ou nos horários de sono/vigília, e frequentemente são complicados por fatores de condicionamento. Esses transtornos, por sua vez, são subdivididos em dissonias (caracterizadas por anormalidades na quantidade, na qualidade ou no tempo de sono) e parassonias (caracterizadas por eventos comportamentais ou fisiológicos anormais, que ocorrem em associação ao sono, aos estágios específicos do sono ou às transições de sono/vigília). O DSM-IV-TR classifica estes grupos dentro dos transtornos primários do sono, e apresenta ainda os transtornos secundários a outras condições (Tabela 1). Insônia A insônia é a percepção subjetiva de insatisfação na quantidade ou qualidade do sono. Trata-se de um sintoma que engloba queixas como dificuldade para iniciar ou manter o sono, despertar precoce e incapacidade de voltar a dormir, além de sono não reparador. Ela compromete o alerta diurno e as funções cognitivas, causando alterações de humor e declínio da qualidade de vida. Trata-se de uma condição predominante na prática clínica, visto que aproximadamente 10% da população apresentam insônia crônica, e este percentil atinge cerca de 35% nas formas agudas e transitórias. Os fatores de risco para insônia incluem: sexo feminino, envelhecimento, presença de condições clínicas e psiquiátricas diversas, aposentadoria, ciclo sono/vigília irregular e trabalho em turnos alternados. As insônias podem ser classificadas segundo alguns parâmetros, conforme especificado na Tabela 2. TABELA 1: Classificação dos transtornos de sono do DSM-IV-TR Transtorno primário do sono Dissonias Insônia primária Hipersonia primária Narcolepsia Pontos-chave: > A insônia é a percepção subjetiva de insatisfação na quantidade ou qualidade do sono; > Trata-se de um sintoma que engloba queixas como dificuldade para iniciar ou manter o sono, despertar precoce e incapacidade de voltar a dormir; > Ela compromete o alerta diurno e as funções cognitivas, causando alterações de humor e declínio da qualidade de vida. Transtorno do sono relacionado a outro transtorno mental Transtorno do sono devido à condição clínica geral Transtorno do sono induzido por substâncias Transtorno do sono relacionado à respiração Transtorno no ritmo circadiano do sono Transtorno de pesadelo Transtorno de terror noturno Transtorno de sonambulismo Dissonia sem outra especificação Parassonias Insônia relacionada a outro transtorno mental Hipersonia relacionada a outro transtorno mental 16

TABELA 2: Classificação da insônia Duração Forma de apresentação Gravidade Aguda Inicial Leve: frequente, mas com mínimo comprometimento da qualidade de vida Crônica Intermediária Moderada: frequência diária, com comprometimento moderado da qualidade de vida e presença de sintomas, como irritabilidade, ansiedade e fadiga Terminal A delimitação temporal da insônia é fundamental na anamnese do paciente com essa queixa. Quando o sintoma ocorre em período menor que quatro semanas, trata-se de insônia aguda ou transitória. É um fenômeno bastante comum, muitas vezes desencadeado por estressores vitais, categoria que engloba uma ampla gama de situações, como luto, doenças ou preocupações excessivas, entre outras. A insônia pode também acompanhar circunstâncias de intensa expectativa, excitação e alterações no horário de dormir (por exemplo, mudanças de fuso horário), ou ainda decorrer de outro sintoma, como dor, diarreia, prurido, tosse, etc. As insônias crônicas apresentam curso cronológico superior a quatro semanas e, neste caso, os fatores precipitantes são de pequena relevância. A avaliação deste tipo de insônia é mais complexa e, no geral, há evidências de condições perpetuantes e envolvimento de múltiplos fatores na origem do sintoma, habitualmente condições psiquiátricas ou clínicas e abuso de substâncias psicoativas. A presença de condições clínicas gerais deve ser investigada com extremo cuidado e as cardiopatias estão entre os grupos de patologias relacionadas à insônia. No texto serão analisadas as relações entre sono e sistema cardiovascular, considerando interferências mútuas e estratégias de abordagem clínica. Insônia e doença cardiovascular Em 1999, Schwartz et al. (9) publicaram uma revisão sistemática da associação entre insônia e doença mortalidade cardiovascular. Dez estudos foram incluídos nessa revisão e em quatro deles o risco de Grave: frequência diária, com importante impacto na qualidade de vida e presença de sintomas graves. doença cardiovascular em indivíduos com dificuldade para iniciar o sono oscilou entre 1,5-3,9, considerando a interferência de fatores como idade e doença coronariana. Esse achado foi comparável ao risco oferecido por outras condições reconhecidamente associadas à doença cardiovascular, como tabagismo, hipertensão, obesidade e diabetes. Entretanto, a maior limitação encontrada nos estudos esbarra na dificuldade em dimensionar a interferência de outras variáveis na doença cardiovascular, como o uso de medicação psicotrópica e o diagnóstico de depressão. Em relação à depressão, como ela é um dos principais transtornos psiquiátricos que provocam insônia, o diagnóstico e o tratamento precisos são indispensáveis para dimensionar a relação entre insônia e doença cardiovascular. Dois grandes estudos longitudinais com amostras populacionais revelaram associação entre problemas relacionados ao sono e à mortalidade cardiovascular, pelo menos nos homens. No primeiro, Nilsson et al. (10) avaliaram mais de 33 mil participantes, com acompanhamento médio de 17 anos de follow-up para os homens e de 12 anos para as mulheres. No total, 1.902 homens e 397 mulheres morreram durante o período do estudo, sendo 727 homens e 85 mulheres devido à doença cardiovascular. Depois de ajustes para idade e fatores de risco cardiovascular (tabagismo, hipertensão e obesidade), a insônia referida pelos participantes foi positivamente associada à mortalidade cardiovascular, particularmente nos homens. Entretanto, a depressão não foi sistematicamente controlada na investigação de larga escala, devido A maior limitação encontrada nos estudos esbarra na dificuldade em dimensionar a interferência de outras variáveis na doença cardiovascular, como o uso de medicação psicotrópica e o diagnóstico de depressão. Em relação à depressão, como ela é um dos principais transtornos psiquiátricos que provocam insônia, o diagnóstico e o tratamento precisos são indispensáveis para dimensionar a relação entre insônia e doença cardiovascular 17

Pontos-chave: > A síndrome da apneia obstrutiva do sono é uma entidade muito prevalente e ainda pouco diagnosticada entre os pacientes com cardiopatias; > Caracteriza-se por episódios recorrentes de cessação do fluxo aéreo decorrente do colapso inspiratório das vias aéreas durante o sono; > A não inclusão desta síndrome, na maioria dos estudos envolvendo insônia e doença cardiovascular, é um aspecto importante a ser considerado. à ausência de escalas de avaliação para a doença. Além disso, o uso de medicação hipnótica e o diabetes não foram incluídos como covariáveis na análise. Mallon et al. (11) encontraram associação entre dificuldade referida em iniciar o sono e mortalidade cardiovascular (restrita à mortalidade por doença coronariana), em estudo com 12 anos de follow-up. Nele foram investigados 1.870 pacientes com idade média entre 45-65 anos. Durante esse período morreram 165 homens (18,2%) e 101 mulheres (10,5%). Foram consideradas as variáveis: idade, tabagismo, hipertensão, obesidade, estado marital, condições de moradia, doenças cardíacas, respiratórias, gastrointestinais e urogenitais, e depressão. A dificuldade em iniciar o sono foi relacionada à mortalidade cardiovascular nos homens, mas não nas mulheres. Vale ressaltar que o diagnóstico de depressão foi analisado por um único item de questionário, reduzindo a validade desta variável, e que não foi avaliado o uso de comprimidos para dormir. Apesar de estes estudos sugerirem que existe uma associação entre insônia e doença mortalidade cardiovascular, os resultados apresentados são discutíveis e estudos mais acurados serão necessários para dimensionar melhor a relação entre as duas entidades. Em outro estudo de grande amostragem, Kripke et al. investigaram impacto da duração referida do sono, insônia e uso de medicação para dormir na mortalidade por todas as causas, com follow-up de seis anos. Na análise foram aplicadas 29 covariáveis ao modelo estatístico, incluindo fatores de risco cardiovascular e demográfico, hábitos e uso de medicação. A depressão, entretanto, não foi investigada. Esse estudo identificou um aumento do risco em mais de 10% para doenças cardiovasculares em indivíduos com padrão de sono muito curto (quatro horas ou menos), mas também em pacientes com história de sono prolongado (10 horas ou mais, por noite). No entanto, queixas subjetivas de insônia não foram associadas ao aumento da mortalidade por fatores cardiovasculares. Além das limitações metodológicas apresentadas pela maioria dos estudos, em recente meta-análise de coortes, Sofi et al. (12) demonstraram risco relativo de morte por doença cardiovascular em indivíduos com insônia igual a 1,45 (IC 95%: 1,29-1,62). Esse achado reforça a tese de que a insônia está fortemente relacionada a risco elevado de doença cardiovascular, especialmente hipertensão arterial e infarto. A relação entre sono e doença cardiovascular também pode ser observada pelas alterações que o funcionamento cardiovascular determina na arquitetura e na qualidade do sono. Mais recentemente, o estudo da apneia obstrutiva do sono tem trazido conhecimentos fisiopatológicos que permitem o melhor entendimento da conexão entre essas duas variáveis. A síndrome da apneia obstrutiva do sono é uma entidade muito prevalente e ainda pouco diagnosticada entre os pacientes com cardiopatias. Caracteriza-se por episódios recorrentes de cessação do fluxo aéreo decorrente do colapso inspiratório das vias aéreas durante o sono, seguida de queda da saturação arterial de oxigênio. As alterações hemodinâmicas e metabólicas causadas por esse fenômeno, que ocorre centenas de vezes todas as noites, predispõem ao desenvolvimento da hipertensão arterial, aterosclerose, acidente vascular cerebral, entre outros. A não inclusão desta síndrome, na maioria dos estudos envolvendo insônia e doença cardiovascular, é um aspecto importante a ser considerado. Uma questão que foi levantada diz respeito à explicação fisiopatológica sobre a associação entre insônia e doença cardiovascular. A resposta mais provável indica um mecanismo inflamatório associado às duas condições clínicas. De fato, pacientes com insônia mostram um aumento dos marcadores inflamatórios, da mesma maneira em que são observadas alterações nesses marcadores em pacientes cardiopatas. Em estudo para avaliar a disfunção endotelial encontrada em pacientes com insônia, Strand et al. (1) apontam para a possibilidade de esta disfunção ser um indicador pré-clínico de aterosclerose e, portanto, associando essa alteração com risco aumentado de cardiopatia. 18

Conclusões As evidências que destacam a associação entre insônia e doenças cardiovasculares são crescentes. Entretanto, os resultados dos principais estudos esbarram em aspectos metodológicos importantes que incluem: 1) uso preciso de critérios diagnósticos para insônia; 2) identificação de comorbidades, especialmente a depressão, que podem interferir nos resultados encontrados; e 3) uso de medicação hipnótica e de outras substâncias não analisadas ao longo do estudo, como a cafeína. Pesquisas que englobem essas variáveis são necessárias para avaliar melhor o papel da insônia como agente independente, na gênese e na complicação, de doenças cardiovasculares. No que se refere ao aspecto clínico, é importante que, na abordagem da insônia, se observe todas as variáveis clínicas do paciente. Também pode ser necessário investigar outros aspectos clínicos sistêmicos que eventualmente possam estar relacionados. Referências 1. STRAND, L.B.; LAUGSAND, L.E. et al. Insomnia and endothelial function The HUNT 3 fitness study. PLoS One, 7(12): e50933, 2012. 2. LAUGSAND, L.E.; VATTEN, L.J. et al. Insomnia and the risk of acute myocardial infarction: A populations study. Circulation, 124(19): 2073-81, 2011. 3. ROSEKIND, M.R. & GREGORY, K.B. Insomnia risks and costs: Health, safety, and quality of life. Am. J. Manag. Care, 16(8): 617-26, 2010. 4. DE ZAMBOTTI, M.; COVASSIN, N. et al. Sleep onset and cardiovascular activity in primary insomnia. J. Sleep Res., 20(2): 318-25, 2011. 5. SPIEGELHALDER, K.; FUCHS, L. et al. Heart and heart rate variability in subjectively reported insomnia. J. Sleep Res., 20(1Pt 2): 137-45, 2011. 6. SPIEGELHALDER, K.; SCHOLTES, C. & RIEMANN, D. The association between insomnia and cardiovascular diseases. Nat. Sci. Sleep, 2: 71-8, 2010. 7. JAVAHERI, S. Sleep dysfunction in heart failure. Curr. Treat. Options Neurol., 10(5): 323-35, 2008. 8. HAYES JR., D.; ANSTEAD, M.I. et al. Insomnia and chronic heart failure. Heart Fail. Rev., 14(3): 171-82, 2009. 9. SCHWARTZ, S.; MCDOWELL ANDERSON, W. et al. Insomnia and heart disease: A review of epidemiologic studies. J. Psychosom. Res., 47(4): 313-33, 1999. 10. NILSSON, P.M.; NILSSON, J.A. et al. Sleep disturbance in association with elevated pulse rate for prediction of mortality-consequences of mental strain? J. Intern. Med., 250(6): 521-9, 2001. 11. MALLON, L.; BROMAN, J.E. & HETTA, J. Sleep complaints predict coronary artery disease mortality in males: A 12-year follow-up study of a middle-aged Swedish population. J. Intern. Med., 251(3): 207-16, 2002. 12. SOFI, F.; CESARI, F. et al. Insomnia and risk of cardiovascular disease: A meta-analysis. Eur. J. Prev. Cardiol., 2012. 19