POESIAS INFANTIS COMO UMA DAS MANIFESTAÇÕES DE GÊNEROS ORAIS NA ESCOLA * INFANTILE POETRY AS ONE OF THE MANIFESTATIONS OF ORAL GENRES AT SCHOOL

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Transcrição:

POESIAS INFANTIS COMO UMA DAS MANIFESTAÇÕES DE GÊNEROS ORAIS NA ESCOLA * INFANTILE POETRY AS ONE OF THE MANIFESTATIONS OF ORAL GENRES AT SCHOOL Angela Maria TONON ** Natalie Krohling de MELO *** RESUMO: No início da escolarização, a criança e o professor estão diante de vários desafios de natureza diversificada, sendo um deles o processo inicial de alfabetização. Estudos apontam a necessidade de o alfabetizador trabalhar com os gêneros orais que auxiliarão os alunos na apropriação das práticas sociais de leitura e escrita. No entanto, apesar de as professoras dizerem que trabalham o processo de alfabetização da oralidade à escrita, nota-se que, na realidade, não é dessa forma que acontece. Diante disso, este trabalho teve a intenção de investigar como se dá o trabalho com os gêneros orais na sala de aula, no período de alfabetização. Sendo assim, os objetivos desta pesquisa foram, de modo geral, investigar os gêneros orais trabalhados em sala de aula, a freqüência com que foram utilizados, as modalidades em que foram abordadas e como a poesia esteve presente nas práticas escolares no dia a dia dos alfabetizandos. Para a efetivação desta discussão, fundamentamo-nos nos trabalhos de Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2008), Souza (2004) e Bueno (2009). Neste artigo, apresentam-se os resultados de uma investigação empírica junto a trinta e duas crianças de uma sala de alfabetização da qual as autoras participaram como segundas alfabetizadoras do projeto Bolsa Alfabetização, da Secretaria de Estado da Educação/Fundação para o Desenvolvimento da Educação (SEE/FDE). PALAVRAS-CHAVE: gêneros orais; poesia; alfabetização. ABSTRACT: It is seen that, in the beginning of schooling, child and teacher have many challenges, one of them being children s literacy. Studies point to working with oral genres. In this childhood period, genres which will help students not only in reading and writing acquisition, but also in the insertion of these students in day-to-day social practices. However, despite teachers say they work from oral to writing, it is noticeable that this is not what actually happens. Facing this, the work is intended to investigate how a work with oral genres is, in literacy period. In such case, the objectives of this research are to investigate the types of oral genres worked in the classroom, how often they are utilized, which one are tackled and how poetry is part of day-to-day student school practices. For this discussion to be effective, we based our investigation in the works of Dolz and Schneuwly (2004), Marchuschi (2008), Souza (2004) and Bueno (2009). This work will contain bibliographic revision and an empiric investigation with children from a literacy classroom, containing 32 students. KEYWORDS: oral genres; poetry; literacy. * Este artigo foi elaborado a partir das leituras e pesquisas baseadas no Projeto Bolsa Escola Pública e Universidade na Alfabetização, do Governo do Estado de São Paulo. ** Licencianda do curso de Pedagogia UNESP/IBILCE. *** Licenciada do Curso de Licenciatura em Pedagogia (UNESP/IBILCE). Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 43

1. INTRODUÇÃO Diante dos desafios encontrados na sala de aula, em especial, nas salas de alfabetização, o presente artigo traz como objeto de estudo o trabalho com os gêneros orais, visto que eles são pouco contemplados em detrimento dos gêneros escritos. Na maioria das situações pedagógicas, percebe-se que o uso do oral é limitado, pois se tem a concepção de que o ambiente escolar está relacionado com a função de construir as habilidades de leitura e de escrita, uma vez que a criança, na interação com o meio, desenvolve naturalmente a oralidade. No entanto, deveriam também ser trabalhados os gêneros orais, partindo-se do conhecimento prévio da criança, para que, assim, ela pudesse situar-se, com mais facilidade, em contextos diversificados. E um dos gêneros que poderia dar início ao trabalho com a oralidade é a poesia, pois ela é composta de aliterações, ritmos e sonoridade que despertam interesse e prazer às crianças nesta primeira fase da escolarização. Portanto, este artigo visa a expor como os gêneros orais são trabalhados em sala de aula, com que frequência são utilizados, quais gêneros são abordados e como a poesia está presente nas práticas escolares do dia a dia dos alfabetizandos. Desse modo, num primeiro momento, apresentaremos as teorias de apoio, fundamentando-nos em Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2008), Souza (2004) e Bueno (2009). A seguir, faremos uma análise e discussão do problema de pesquisa sob o enfoque teórico contemplado. Em seguida, levantaremos os resultados obtidos, comentando-os à luz das teorias de apoio; por fim, manifestaremos nossas considerações a respeito do problema pesquisado e possíveis sugestões para a sala de alfabetização. 2. TEORIAS DE APOIO Apesar de a linguagem oral estar presente na sala de aula, ela não é trabalhada da forma como deveria, mas incidentalmente, como mencionam Dolz e Schneuwly (2004): A maioria das crianças possui um domínio muito bom do oral quando entra para a escola. Conversam com seus pares sobre sua família, contam acontecimentos vividos de maneira sofisticada, discutem Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 44

problemas de sua época, pedem informações de forma (mais ou menos) adequada ou persuadem seus pais com estratagemas sutis. Portanto, a aquisição do oral começa, sobretudo, por uma aprendizagem incidental. 2004, p. 150) Notamos que as crianças, quando ingressam na escola, já possuem um bom desenvolvimento da oralidade, pois a linguagem oral é utilizada espontaneamente e muito mais frequente que a linguagem escrita. Apesar de utilizarmos muito mais a linguagem oral no cotidiano, já que falamos mais do que escrevemos; nas salas de aula, as professoras privilegiam os gêneros textuais escritos, como evidenciam os autores Dolz e Schneuwly (2004) e Bueno (2009). Mesmo em atividades que objetivam o oral, como o trabalho com parlendas, trava-línguas, cantigas e poesias, na maioria das vezes, o trabalho com os gêneros orais está voltado para a escrita. O fato de trabalhar com a oralidade dá a impressão, para o professor, de que os alunos não conseguiram assimilar o conteúdo proposto por não terem nenhum registro no caderno, o que não é uma verdade, uma vez que a atividade oral leva o aluno a desenvolver a capacidade lingüística. (BUENO, 2009). É visto que existem lacunas na formação inicial e continuada das alfabetizadoras, no que diz respeito aos conhecimentos ou saberes que já deveriam dominar, para trabalharem com a linguagem dos diferentes e diversificados gêneros discursivos e textuais que elas levam para a sala de aula. As concepções sobre gêneros orais são bastante vagas e imprecisas e nem sempre as experiências e o conhecimento prévio das crianças são retomados ou resgatados no processo de alfabetização concretizado no dia a dia das escolas. O trabalho com a oralidade deveria ser iniciado desde a educação infantil e desenvolvido ao longo de todo o ensino, para que o educando pudesse apropriar-se das práticas orais em seus diversos contextos, inclusive dos que não lhe são corriqueiros. Porém, devido a um ensino desarticulado, não há uma continuidade, no primeiro ano do ensino fundamental, do trabalho já iniciado na escola de educação infantil. É preciso, portanto, que a instituição escolar trabalhe as situações de comunicação oral presentes no dia a dia das crianças e amplie o ensino para os gêneros da comunicação pública formal, como seminários, entrevistas, debates, entre Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 45

outros. Segundo Dolz e Schneuwly (2004, p. 175), o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar as formas de produção oral cotidianas para os confrontar com outras formas mais institucionais mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores. Essas formas são dificilmente aprendidas sem uma intervenção didática que auxilie os alunos a agirem em diferentes situações de comunicação. Para o ensino dos gêneros (orais ou escritos), deve-se *...+ primeiramente construir um modelo didático do gênero, ou seja, um levantamento de suas características no nível do contexto de produção, da organização textual, da linguagem e dos meios não linguísticos (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004; BUENO e ABREU, 2008, apud BUENO, et al., 2009, p. 12). Esses meios não linguísticos são recursos que fazem parte somente do discurso oral, como a qualidade da voz, ritmo, respiração, postura, gestos, entre outros. Ao elaborar essa sequência didática, o professor deve levar em conta os conhecimentos dos alunos, a adequação para cada série, aumentando o nível de complexidade nos anos subsequentes. Ao enfatizarmos a importância do trabalho com a oralidade em sala de aula, nossa pesquisa dá enfoque ao gênero oral poesia. Segundo os estudos de Souza (2000, apud SOUZA et al., 2004), foi constatado que os professores sentem dificuldades em desenvolver um trabalho com poesias devido à ausência de disciplinas que abordem o assunto em suas formações. Dessa forma, por não terem recebido orientações teóricas e práticas sobre a forma de ensinar esse gênero, poucos professores trabalham com a poesia. Souza (2000, apud SOUZA et al., 2004, p.65) ressalta que as crianças têm convivido muito pouco com a poesia e, quando esta convivência ocorre, os equívocos didáticos são inúmeros. Nota-se que o trabalho com a poesia, quando acontece, privilegia apenas os aspectos pedagógicos, como os ensinamentos morais, não explorando o seu sentido poético. O contato com a poesia introduz os pequenos leitores na linguagem poética, dando-lhes a oportunidade de brincarem com as palavras, de imaginarem histórias, sentirem emoções e verem o mundo com olhos mais críticos. Muitas vezes, as atividades desenvolvidas com poesia, em sala de aula, obedecem a uma sequência didática na qual prevalece o estudo do vocabulário e da gramática, a interpretação textual e a identificação das rimas, todos esses exercícios, por sua vez, voltados para um trabalho com a escrita. Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 46

Gebara (1997, apud SOUZA et al, 2004) determina quatro momentos que poderiam ser utilizados para se trabalhar com a linguagem poética: 1- a leitura da poesia, sensibilizando as crianças com suas emoções estéticas; 2- elaboração de paráfrases, em que os alunos podem organizar uma paráfrase e ainda o professor expor o autor e a obra, discutindo os assuntos pragmáticos do texto; 3-análise, observando os aspectos visual, fônico, lexical, morfossintático e semântico; 4- síntese, compreendendo a discussão dos constituintes do poema que fizeram chegar à interpretação crítica. Todos esses procedimentos poderiam ser trabalhados oralmente, uma vez que o texto poético encanta e sensibiliza as crianças pela sonoridade, pelo seu caráter lúdico, pelo jogo com palavras, jogo este que produz ritmo e efeitos visuais e também permite que elas explorem, a partir da imaginação, o que está escrito em suas entrelinhas, propiciando-lhes, assim, as mais diversas interpretações. Alves (1995, apud SOUZA et al., 2004) sugere que as crianças, por meio das cantigas de ninar e de roda já conhecidas por elas, possam criar outras canções mudando uma palavra ou colocando o seu nome e, então, a criança terá que inventar palavras que tenham sons finais semelhantes (rimas). Essas brincadeiras, [...] que valorizam nossa cultura oral, riquíssima em sonoridades, aliterações e repetições, contribuirão para o aumento de vocabulários do aluno, pois, além de criar as próprias rimas, ele ouvirá as criadas pelos colegas. (SOUZA, 2004, p. 71) A poesia, quando bem trabalhada em sala de aula, leva os alunos a descobrirem outros significados que a palavra poética pode ter, sendo, portanto, capazes de (re)inventar o real (SOUZA, 2004) e fazer ARTE, onde tudo que não existe é passível de ser dito pelo poeta (TREVIZAN, 1995, apud SOUZA et al, 2004, p. 76). A poesia proporciona, ainda, emoção, criatividade, reflexão e a emancipação do eu. Enfim, o trabalho com o texto poético pode ser enriquecedor e prazeroso para as crianças que estão no início da alfabetização, motivo pelo qual este gênero literário deve estar mais presente na sala de alfabetização. Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 47

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO Como alunas-pesquisadoras acompanhando a sala de aula desde o início de abril de 2009, foi possível participar do processo de alfabetização, analisando o trabalho das professoras-alfabetizadoras com o intuito de, no final, podermos desenvolver esta pesquisa. Desse modo, queremos ressaltar que nossa análise é qualitativa, de base interpretativa. Diante dos pressupostos teóricos contemplados anteriormente sobre o trabalho com a oralidade na sala de aula, é visto que as professoras trabalham com pouca frequência o gênero oral poesia, e, quando este é trabalhado, são seguidas somente as sugestões do Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do material Ler e Escrever, não ocorrendo pesquisas em outros materiais, nem sendo consultadas outras metodologias de ensino. A sequência didática sugerida pelo material Ler e Escrever e supostamente seguido pelas professoras, descreve, entre outras atividades que, primeiramente, o professor deve conversar com a sala a respeito do autor do poema, perguntando se os alunos já ouviram falar dele e de suas obras; depois ler o poema e perguntar se o apreciaram. Em duplas, organizados de acordo com a hipótese de escrita, os alunos lerão acompanhando a leitura da professora; em seguida, terão que escrever o poema lido. Outra atividade seria destacar as palavras ditadas pela professora, para que as reconheçam a partir dos indícios fornecidos pelas iniciais das letras e localizem as rimas, conhecendo a semelhança dos sons finais que essas palavras possuem. No material, são sugeridas atividades diferenciadas para os alunos que ainda não atingiram a hipótese alfabética, os que ainda não estão alfabéticos, expressão comumente usada no ambiente escolar, e para os que já dominam a escrita; no entanto, vimos que o trabalho é realizado de forma homogênea, não diferenciando as atividades conforme as necessidades de cada aluno. Nesse sentido, observamos que as práticas são efetivadas como foram apresentadas no parágrafo anterior. Porém, além deste trabalho, poderiam ser desenvolvidas outras atividades que objetivassem mais o trabalho com a oralidade, uma vez que as atividades realizadas em sala de aula não exploram a oralidade, propondo mais exercícios voltados para a escrita. Parece que não há um propósito Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 48

pedagógico nem linguístico mais definido, como por exemplo, ampliar a consciência fonológica e linguística dos alunos, ao se trabalhar com a poesia em sala de alfabetização. De acordo com as atividades sugeridas por Gebara (1997, apud SOUZA et al., 2004, p.69) descritas na seção anterior, talvez fosse interessante que as professoras alfabetizadoras, ao introduzirem o texto poético às crianças, explorassem a linguagem literária e a poeticidade do texto por meio da sonoridade, da musicalidade, das repetições, das aliterações, dos jogos de palavras, dos aspectos visuais, da expressividade, entre outros recursos de linguagem estética, para que, por meio deles, as crianças pudessem descobrir o prazer do trabalho com poesias. Para alcançar esse objetivo, as professoras poderiam, em um primeiro momento, antes mesmo de apresentar a poesia, resgatar os conhecimentos dos alunos a respeito desse gênero. Em seguida, poderiam conversar sobre o autor e a obra e fazer uma leitura do texto poético, dando ênfase à entonação e à expressividade; em seguida, relê-lo, juntamente com os alunos, e deixar que discutam sobre o sentido do texto, proporcionando-lhes, assim, a oportunidade de preencherem os espaços vazios do texto com os possíveis significados que lhe atribuírem. A professora poderia também mostrar-lhes como o autor conseguiu imprimir ritmo à sua escrita poética, ao se apropriar dos recursos de linguagem adequados, e as próprias crianças podem brincar com as palavras, dando-lhes os mais variados significados e formas, conforme sua imaginação. 4. RESULTADOS OBTIDOS Ao investigar com que frequência e como são trabalhados os gêneros orais, principalmente o gênero poesia nas salas de alfabetização, constatamos que, realmente, a poesia é pouco trabalhada na sala de alfabetização, observada por nós. E, quando isto acontece, trabalha-se de forma superficial, enfatizando-se a sua estrutura e identificando as rimas. Não se explora, portanto, a linguagem como forma de ampliação fonológica e lingüística. Talvez o trabalho com poesias, na sala de alfabetização observada pelas autoras, não se tenha concretizado satisfatoriamente, em virtude das lacunas Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 49

existentes na formação do professor, as quais não fornecem base para o ensino de poesia. Além disso, como precisam cumprir com os conteúdos curriculares estipulados pelo sistema escolar, as professoras não disponibilizam de tempo para a realização de um trabalho mais consistente. 5. CONCLUSÃO Apesar de muitos professores afirmarem que trabalham a oralidade do aluno no ensino da língua materna, observamos que o que predomina em sala de aula é o texto escrito. É visto que, entre as professoras-alfabetizadoras, há noções pouco claras e insuficiente domínio sobre os gêneros do discurso orais, pois a formação inicial e continuada não as subsidiam para um trabalho que abordem esses gêneros tão importantes na sala de alfabetização. Gêneros orais como o telefonema, por exemplo, ou o pedido de informação, frequentes e comuns no dia a dia, nas práticas sociais cotidianas de uso da língua materna, não são retomados em situações simuladas em aula, durante as atividades voltadas para um trabalho a partir de práticas sociais de oralidade já dominadas pelas crianças. As professoras privilegiam os gêneros orais mais consagrados ou canônicos, como a parlenda, o trava-língua, a cantiga de roda e outros semelhantes, esquecendose da necessidade e importância de trabalharem outros gêneros, entre estes, a poesia. Observou-se, ainda, que, em sala de aula, não se estabelecem objetivos claros e bem definidos quanto aos gêneros e textos que nela adentram. Deve-se informar que, a partir das leituras realizadas e do trabalho efetivado em sala de aula, esta pesquisa contribuiu muito para a nossa formação profissional inicial, uma vez que, observando a didática da professora quanto ao (pouco) uso dos gêneros orais, percebemos a importância de aprofundar-nos no estudo dos conteúdos e saberes necessários ao professor, para podermos desenvolver uma prática consistente. Dessa forma, estando na sala de aula como alunas pesquisadoras, tivemos essa grande oportunidade de verificar como funciona esse trabalho e poder analisar o que poderia ser melhorado, o que nos proporcionou, com certeza, muitas e valiosas aprendizagens. Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 50

REFERÊNCIAS BUENO, L. Gêneros orais na escola: necessidades e dificuldades de um trabalho efetivo. Instrumento: R. Est. Pesq. Educ. Juiz de Fora, v. 11, n. 1, p. 9-18, jan./jun. 2009. MARCUSCHI, L. A. A questão dos gêneros e o ensino de língua. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 206-221. SCHNEUWLY, B; DOLZ, J. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In:. (e colab.). Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Rojane Rojo e Glaís S. Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004, p.149-151;170-185. *Coleção As faces da Lingüística Aplicada+. SOUZA, R. J. de. Leitura e alfabetização: a importância da poesia infantil nesse processo. In:. (Org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: Difusão Cultural, 2004, p.62-77. Educação & Docência, Ano 1, Número 1 jan/jun de 2010. p. 43-51 51