Efeitos da ingestão de creatina na composição corporal e na performance do exercício supino



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doi:10.3900/fpj.2.5.270.p EISSN 1676-5133 Efeitos da ingestão de creatina na composição corporal e na performance do exercício supino Artigo Original Adriano da Costa Dias Mestrando em Ciência da Motricidade Humana UCB adrieda@superig.com.br Edésio Fazolo Mestrando em Ciência da Motricidade Humana UCB edesiof@uol.com.br Jairo José Monteiro Morgado Exército Brasileiro Paulo Aracoeli Pimentel Exército Brasileiro Estélio H. M. Dantas Professor Titular do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência da Motricidade Humana UCB estelio@cobrase.com.br DIAS, A.C., FAZOLO, E., MORGADO, J.J.M., PIMENTEL, P.A., DANTAS, E.H.M. Efeitos da ingestão de creatina na composição corporal e na performance do exercício supino. Fitness & Performance Journal, v.2, n.5, p. 270-274, 2003. RESUMO: Os efeitos da suplementação com creatina têm sido demonstrados em diversos estudos. Essa substância seria a responsável pelo aumento da força e da velocidade em atividades que utilizem como fonte de energia predominante o sistema energético alático ou ATP-PCr e seria, também, a responsável pelo aumento da massa magra devido à retenção hídrica que ela provoca. O objetivo desta pesquisa foi verifi car a infl uência da suplementação com Cr na composição corporal e na performance do exercício supino em militares do Exército Brasileiro. A amostra foi constituída de 20 militares homens (20,1 ± 2,8 anos), divididos aleatoriamente em dois grupos: grupo experimental (grupo Cr) e grupo de controle (grupo placebo [Pl]). Os sujeitos executaram o máximo de repetições no exercício supino (70% da carga máxima, 1 RM) antes e depois da suplementação com Cr ou Pl. O grupo Cr ingeriu 20 gramas de creatina por dia (4 doses de 5g) durante cinco dias consecutivos e o grupo Pl ingeriu a quantidade equivalente de Pl (maltodextrina) durante o mesmo período de tempo. A composição corporal foi mensurada antes e depois da suplementação. A massa corporal total (MCT) aumentou no grupo Cr e o percentual de gordura corporal diminuiu nos grupos Cr e Pl. A performance do exercício supino aumentou no grupo Cr (12 para 16,3 repetições; p<0,05). Pode-se concluir que os resultados encontrados na presente investigação sugerem que a ingestão de creatina provoca um aumento na MCT e uma melhora na performance do exercício supino em militares do Exército Brasileiro. Palavras-chave: creatina, ergogênico, massa corporal total, supino. Endereço para correspondência: Adriano da Costa Dias adrieda@superig.com.br Data de Recebimento: setembro / 2003 Data de Aprovação: outubro / 2003 Copyright 2003 por Colégio Brasileiro de Atividade Física, Saúde e Esporte. 270 Fit Perf J Rio de Janeiro 2 5 270-274 set/out 2003

ABSTRACT Effects of Creatine Ingestion On Corporeal Composition And on The Supine Exercise Performance Creatine supplying effects have been demonstrated in many studies.this substance may be used to the increase of force and speed in activities that uses it as a source of predominant energy in the energetic alatical system, that is, ATP-PCr and also would be the responsable by the increase of thin dough, due to the hydric retention wich is induced by it. The mean of this research was to verify the influence of CR supplying on the corporeal mass and on the supine exercise performance of Brasilian Army militaries. The sampling was composed by 20 male militaries (20.1 more or less 20.8 years old), in a randomic way of two experimental groups (CR group) and the regulate one (placebo group[pi]). The subjects executed the supine exercise in maximum of repetition (70% largest force, 1RM ) before and after the Cr or PI supplying. The Cr group ingested 20 grammmes of creatine a day (4 dosis of 5g) during five consecutive days and the PI group ingested the amount equivalent of PI (maltodextrine) during the same period of time.the corporeal composition was mensured before and after the supplying. The total corporeal mass (MCT) increased on the Cr group and the percentage of corporeal fatness decreased on the Cr and Pl groups. The performance of supine exercise increased on the Cr group (12 to 16.3 repetitions; p<0.05). It can be concluded that the results founded in this investigation suggested that the ingestion of creatine brings on a MCT improvement and a relief on the Brasilian Army militaries on supine exercises. Keywords: supplying,creatine, ergogenic, corporeal total mass, supine. RESUMEN Efectos de la Ingestión de Creatinina en la Composición Corporal y en el desempeño del Ejercicio Supino Los efectos del suplemento con creatinina han sido demostrados en diversos estudios. Dicha sustancia seria la responsable por el aumento de la fuerza y de la velocidad en actividades que utilizan como fuente de energía predominante el sistema energético aláctico o ATP-PCr y sería, también la responsable por el aumento de la masa muscular debido a la retención hídrica que ella provoca. El objetivo de esta investigación fue verificar la influencia del suplemento con Cr en la composición corporal y en el desempeño del ejercicio supino en militares del Ejercito Brasileño. La muestra fue constituida de 20 militares hombres (20,1 ± 28 años), divididos aleatoriamente en dos grupos: grupo experimental (grupo Cr) y grupo de control (grupo placebo [Pl]). Los sujetos ejecutaron el máximo de repeticiones en el ejercicio supino (70% de la carga máxima, 1 RM) antes y después del suplemento con Cr ou Pl. El grupo Cr ingirió 20 gramos de creatinina por día (4 dosis de 5gr) durante cinco días consecutivos y el grupo Pl ingirió la cantidad equivalente de Pl (maltodextrina) durante el mismo período de tiempo. La composición corporal fue medida antes y después del suplemento. La masa corporal total (MCT) aumentó en el grupo Cr y el porcentaje de grasa corporal disminuyó en los grupos Cr e Pl. El desempeño del ejercicio supino aumentó en el grupo Cr (12 para 16,3 repeticiones; p<0,05). Se puede concluir que los resultados encontrados en la presente investigación sugieren que la ingesta de creatinina provoca un aumento en la MCT y una mejora en el desempeño del ejercicio supino en militares del Ejército Brasileño. Palabras clave: creatinina, ergogénico, masa corporal total, supino. INTRODUÇÃO Está se tornando cada vez maior o número de atletas que buscam melhorar sua performance utilizando algum suplemento alimentar de provável efeito ergogênico. Estes suplementos podem ser encontrados em vários estabelecimentos comerciais vendidos livremente. O suplemento que vem ganhando destaque entre os atletas, em particular os praticantes de musculação, é a creatina (Cr). Em uma pesquisa realizada com atletas adolescentes, Blessing (2001) constatou que, de uma amostra de 641 atletas, 84 relataram o uso de Cr, ou seja, 13,1%. Williams (2000, p.10) revelou que acima de 90% dos levantadores de peso e fi siculturistas norte-americanos são consumidores regulares de Cr. Os benefícios da suplementação oral com Cr têm sido evidenciados na literatura através da redução da fadiga em atividades de turnos repetitivos e pelo aumento da força e potência muscular. Além destes efeitos, os aumentos dos estoques de Cr podem oferecer benefícios terapêuticos através da prevenção da depleção de trifosfato de adenosina (ATP), estimulação da síntese protéica ou redução da degradação protéica, e estabilização das membranas celulares (PERSKY, 2001). A Cr é uma substância que pode ser obtida através da produção endógena ou consumida através da dieta, sendo as principais fontes, a CARNE e o leite. Aproximadamente um a dois gramas de Cr são sintetizadas por dia através dos aminoácidos arginina, glicina e metionina, no fígado, nos rins e no pâncreas (WILDER, 2001). Em um indivíduo de 70 kg de peso corporal, o consumo diário normal aproxima-se de dois gramas, sendo um grama sintetizado endogenamente e um grama obtido através de fontes exógenas (BENZI, 2001; WILLIANS, 2000). No homem, aproximadamente 95% do conteúdo total de Cr estão depositados no músculo esquelético, dos quais 60 a 70% encontram-se ligados à molécula de fosfato (P), formando a creatinafosfato ou fosfocreatina (PCr). Os 30 a 40% restantes encontram-se na forma livre (BALSOM, 1994, p. 268 ; CLARK, 1996, p. 33). Outros tecidos que contêm quantidades signifi cativas de Cr são os do coração, dos testículos, da retina e do cérebro (MUJIKA; PADILLA, 1997; VOLEK,1997). A PCr é armazenada em pequena quantidade na célula muscular, e a energia gerada pela sua desintegração é utilizada para a ressíntese de ATP, a partir de difosfato de adenosina (ADP) e fosfato inorgânico (P i ) (FOX, 1991, p. 19). A Cr é essencial no processo de regeneração do ATP, uma vez que em torno de dois terços da Cr é fosforilado pela enzima creatina cinase (CK) para formar a PCr. Durante exercícios explosivos, o fosfato da PCr é liberado para fornecer energia para ressíntese de ATP, conforme pode ser observado a seguir: ADP + PCr + H + CK ATP + Cr A energia derivada da degradação da PCr permite que o pool de ATP seja mantido durante um exercício intenso que dure, no máximo, 30 segundos. A PCr atua como um fornecedor temporário de energia durante períodos de intensa contração muscular, quando o consumo de ATP excede a síntese. Apesar de existir de três a quatro vezes mais PCr no músculo do que ATP, a PCr é também limitada e requer reposição para que exercícios de alta intensidade Fit Perf J, Rio de Janeiro, 2, 5, 271, set/out 2003 271

possam ser mantidos (WILLIAMS, 2000, p.19). A suplementação oral com Cr está associada ao aumento do armazenamento de PCr muscular, ao incremento da regeneração de PCr durante a recuperação após um exercício, à elevação da taxa de ressíntese de ATP e à possibilidade de se abreviar o tempo de relaxamento após uma contração muscular (LEMON, 2002). De acordo com Alves (2002), a fadiga durante o exercício pode ser atribuída ao rápido decréscimo de PCr, e que a recuperação mais rápida dos estoques de PCr aumentaria a formação de ATP, melhorando a performance em esportes que demandem alta potência, velocidade ou força. Corroborando, Greennhaff (1995) sugere que os exercícios de alta intensidade, que utilizam a reserva de fosfagênio muscular, parecem ser mais apropriados para se tentar um aumento de performance através da suplementação com Cr. A suplementação com Cr muitas vezes é feita de forma indiscriminada e sem a orientação de um profi ssional competente. Segundo Alves (2002), a dose mais comumente utilizada é uma carga de 20 a 30 gramas diárias, dividida em quatro a seis doses iguais, durante cinco a sete dias, seguida de doses de manutenção, de dois a cinco gramas por dia. Os resultados das pesquisas com suplementação de Cr não apresentam uniformidade, quanto à melhora da performance e alterações na composição corporal. Os achados de Wiroth (2001) indicam que a suplementação oral de Cr em homens destreinados não infl uencia positivamente a força isométrica, mas pode aumentar a potência anaeróbica muscular. Já Earnest (1995) afi rma que a suplementação de Cr aumenta o desempenho do exercício intermitente de alta intensidade e a força, mas não o exercício de endurance. Becque (apud Machado, 2002) relata aumento da massa corporal total (MCT) e da massa magra como resultado da suplementação com Cr. Já Deutekom (2000) descreveu um aumento de 2,9 kg na MCT em indivíduos suplementados com 20 gramas de Cr por seis dias consecutivos. Como a Cr é uma substância osmoticamente ativa, o aumento de massa corporal magra se daria em parte pela retenção hídrica na célula muscular (MACHADO, 2002). Poucas pesquisas relatam os efeitos colaterais da suplementação com Cr, e entre as possíveis conseqüências estão o ganho de peso, a infl uência na produção de insulina, a inibição da síntese de Cr endógena, e danos em longo prazo na função renal (BENZI, 2001) e hepática, como por exemplo hepatite por intoxicação medicamentosa (BUCK, 2003). Pouco se sabe sobre os efeitos da suplementação em longo prazo, o que torna desaconselhável a utilização desta substância por um longo período. O objetivo desta pesquisa foi verifi car a infl uência da suplementação com Cr na composição corporal e na performance do exercício supino em militares do Exército Brasileiro. MÉTODOS Tipo de pesquisa A presente investigação consiste em uma pesquisa experimental. Este tipo de estudo descreve o que será o fenômeno quando certos fatores são meticulosamente controlados. O enfoque desta pesquisa está direcionado para as relações de causa-efeito; as variáveis podem ser manipuladas cuidadosamente com o propósito de determinar sua infl uência. Este estudo apresenta uma metodologia própria em termos de aplicação da lógica e do planejamento ou modelo do experimento. Seu ponto de partida é sempre a hipótese. Seu processo é comprovação ou refutação da hipótese, controlando as variáveis, pode-se chegar a manipular a independente (SALOMON, 1999). Amostra Constituiu-se de 20 militares do sexo masculino, voluntários para participar do estudo. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual estavam explicitados os benefícios e possíveis riscos à saúde associados ao experimento, e a possibilidade de se retirar da pesquisa a qualquer momento. A amostra tinha uma idade média de 20,1 ± 2,8 anos; uma massa corporal de 71,58 ± 12,7 kg e o percentual de gordura era de 10,86 ± 3,7 %. Foram divididos, aleatoriamente, em grupo de controle (Pl) e grupo experimental (Cr), ambos com 10 sujeitos. Os indivíduos não sabiam a que grupo pertenciam. Este trabalho seguiu as Normas de Realização de Pesquisa em Seres Humanos, Resolução número 160/96 do Conselho Nacional de Saúde, de 10/10/1996. Testes preliminares A massa corporal, a massa gorda, a massa magra, e o percentual de gordura foram obtidos antes e depois do experimento. O teste de uma repetição máxima (1RM) no exercício supino reto foi realizado 48 horas antes do pré-teste. O referido teste foi executado em um banco reto com o sujeito deitado na posição de decúbito dorsal. A barra, com a carga estimada, era colocada sobre a palma das mãos do indivíduo e sobre o peito. A partir desta posição, o militar realizava uma repetição. Para aqueles que executaram mais de uma repetição era dado um intervalo de cinco minutos e em seguida o teste era repetido acrescentandose mais peso. Não houve situações em que se precisasse uma terceira tentativa. O resultado encontrado foi considerado como a carga máxima para o indivíduo considerado. Desenho experimental Os dois grupos realizaram o pré-teste. Este consistia no exercício supino reto utilizando uma carga de 70% de 1RM. O exercício foi executado sobre um banco reto com o indivíduo deitado na posição de decúbito dorsal. A barra era colocada por dois auxiliares sobre as mãos e o peito do indivíduo e este a partir daí iniciava o exercício. Cada militar realizava o máximo de repetições que conseguisse no exercício até a fadiga. Considera-se fadiga o momento em que o indivíduo cessa o movimento ou quando este interrompe o movimento com os braços estendidos por mais de um segundo. Após a realização do pré-teste, iniciou-se a suplementação. O grupo de controle efetuou o consumo de maltodextrina e o grupo experimental, o consumo de Cr. Ao término do período de consumo (cinco dias) foi executado o pós-teste 272 Fit Perf J, Rio de Janeiro, 2, 5, 272, set/out 2003

nos dois grupos, que consistia no exercício supino aplicado nas mesmas condições do pré-teste. Placebo e creatina A Cr e a maltodextrina foram embaladas separadamente em recipientes idênticos de cinco gramas. Os indivíduos do grupo de controle receberam placebo (maltodextrina) e os do grupo experimental receberam a Cr. Os indivíduos foram orientados a misturar uma dose de 5g da substância com água (250 ml) para efetuar a ingestão. Os dois grupos ingeriram quatro doses diárias de 5g, totalizando 20g diárias, durante cinco dias consecutivos. Os sujeitos foram orientados a não realizar qualquer tipo de exercício físico durante o período compreendido entre o pré-teste e o pós-teste. Instrumentos O peso corporal total foi mensurado por uma balança Filizola, com precisão de 0,1 kg. As dobras cutâneas foram medidas por um compasso de dobras cutâneas da marca Cescorf, com pressão constante de 10g/mm na superfície de contato e precisão de 0,1mm. A equação utilizada para o cálculo da densidade corporal foi a de Pollock e Wilmore (1993), as dobras utilizadas foram: peitoral, abdominal e coxa. A fórmula para o cálculo do percentual de gordura foi a proposta por Siri (1961). Análise estatística Foi utilizada a Estatística Descritiva no sentido de caracterizar a amostra estudada. A análise dos resultados foi realizada pelo teste t de Student para amostras dependentes. O nível de signifi cância considerado foi de p < 0,05, isto é, 95% de certeza para as afi r- mativas e/ou negativas que a presente pesquisa venha denotar. RESULTADOS A massa corporal aumentou no grupo Cr (76,74±4,68 para 77,90±4,73 kg, para p<0,05), enquanto a massa gorda diminuiu no grupo Pl (6,78±0,65 para 5,80±0,54 kg, para p<0,05). A massa corporal magra aumentou no grupo Cr (67,16±2,99 para 68,86±3,02 kg, p<0,05). O percentual de gordura corporal diminuiu signifi cativamente nos grupos Cr e Pl (11,67±1,50 para 10,75±1,66% e 10,05±0,76 para 8,60±0,66%, respectivamente, p<0,05) (Tabela 1). A performance no exercício supino aumentou signifi cativamente no grupo Cr (12 para 16,3 repetições; p<0,05) (Tabela 2). DISCUSSÃO A MCT no presente estudo aumentou 1,16 kg no grupo suplementado com Cr. Nas pesquisas apresentadas por Volek (1997) e Warber (2002) realizando a ingestão diária de Cr com 25 e 24 gramas, respectivamente, durante cinco dias consecutivos, o aumento na MCT foi de 1,4 kg. Izquierdo (1998) ao efetuar uma suplementação com Cr durante cinco dias, utilizando a dose diária de 20g, obteve como resultado um aumento de 0,6 kg na MCT. Kilduff (2002) descreveu um aumento de 1,2 kg utilizando a dose de 20 gramas diárias por cinco dias. Huso (2002), também utilizando uma dosagem de 20 gramas diárias por cinco dias e uma dose de manutenção (dois gramas por 17 dias) obteve um aumento de 1,6 Kg na MCT. Utilizando uma dosagem mais elevada (30 gramas diárias por 4 semanas) Mckenna (1999) obteve um aumento de 2 kg na MCT. O aumento na MCT registrado na presente pesquisa foi devido a um incremento na massa magra e este parece não estar associado à hipertrofi a muscular, pois segundo Machado (2002) a Cr é uma substância osmoticamente ativa, e um aumento na concentração intracelular de Cr pode, provavelmente, induzir a incorporação de água ao tecido. Esta retenção hídrica pode gerar um aumento signifi cativo na massa magra. Em diversas pesquisas, nas quais utilizaram o exercício supino como instrumento, o grupo suplementado com Cr apresentou melhoras signifi cativas na força dos membros superiores. Em um estudo realizado por Huso (2002), o teste de 1RM do exercício supino aumentou 33±8 kg depois do treinamento com pesos por quatro semanas e da suplementação com Cr (20 gramas diárias por quatro dias mais dois gramas diárias por 17 dias). Izquierdo (1998) e Warber (2002), utilizando uma dose de 20 e 24 gramas diárias de Cr por cinco dias, mostraram em suas pesquisas que em testes de repetições máximas no exercício supino a magnitude do aumento do número de repetições foi de 21% e 14%, respectivamente. A presente investigação encontrou um aumento no número de repetições do exercício supino em indivíduos suplementados com Cr. Este resultado, provavelmente, está Tabela 1 - Variação da massa corporal, massa gorda, massa magra e percentual de gordura N T1 T2 Massa Corporal, kg Pl 10 66,42±2,54 66,54±2,45 Cr 10 76,74±4,68 77,90±4,73* Massa Gorda, kg Pl 10 6,78±0,65 5,80±0,54* Cr 10 9,57±1,72 9,03±1,82 Massa Magra, kg Pl 10 59,63±2,05 60,73±2,07 Cr 10 67,16±2,99 68,86±9,57* Percentual de Gordura, % Pl 10 10,05±0,76 8,60±0,66* Cr 10 11,67±1,50 10,75±1,66* Valores de média e erro padrão. * signifi cativo em relação a T1, <0,05 T1 pré-teste T2 pós-teste Tabela 2 - Variação do número máximo de repetições no exercício supino N T1 T2 Repetições Pl 10 13,7±1,39 15,2±1,94 Cr 10 12,0±0,97 16,3±1,32* Valores de média e erro padrão. * signifi cativo em relação a T1, p<0,05 T1 pré-teste T2 pós-teste Fit Perf J, Rio de Janeiro, 2, 5, 273, set/out 2003 273

associado a um incremento na concentração de PCr muscular, o que possibilita uma elevação na taxa de ressíntese de ATP. Estes dados sugerem que a Cr proporciona um efeito ergogênico, pois a sua suplementação pode retardar a fadiga no exercício de braço de alta intensidade. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Pode-se concluir que houve um aumento na massa magra e este provavelmente tenha ocorrido devido à retenção hídrica no músculo e, também, que houve um aumento na força dos membros superiores e na MCT de militares do Exército Brasileiro que ingeriram durante cinco dias consecutivos a quantidade de 20 gramas diárias de Cr. Recomenda-se para futuras pesquisas a utilização de uma amostra do sexo feminino, pois a maioria dos estudos sobre a ingestão de Cr é desenvolvida em homens. Deve-se procurar controlar a dieta da amostra, principalmente a ingestão de proteínas. Sugere-se que sejam coletadas amostras de urina dos indivíduos, para mensurar os níveis de creatinina excretada, e a realização de biópsia a fi m de verifi car a relação existente entre a concentração de PCr antes e depois da suplementação e, também, comparar a concentração desta substância com a quantidade de creatinina excretada. REFERÊNCIAS ALVES, L.A.; DANTAS, E.H.M. Efeitos da dose de manutenção após o período de carga da suplementação de creatina. Fitness and Performance Journal, v. 1, n. 5, p. 17-25, 2002. BALSOM, P.D.; SODERLUND, K.; EKBLOM, B. Creatine in humans with special reference to creatine supplementation. Sports Medicine, v. 14, n. 1, p. 268-280, 1994. BENZI G.; CECI, A. Creatine as nutritional supplementation and medicinal product. Journal Sports Med Fitness, v. 41, n. 1, p. 1-10, 2001. BLESSING, D.A.; HANDINGER, M.A.; WILLIFORD, H.N. Creatine use and the adolescent athlete. Oficial Journal of the American College of Sports Medicine, v. 33, n. 5, p. 206-215, 2001. CLARK, J.F.; CONWAY, M.A. Creatine and creatine phosphate: scientific and clinical perspectives. 1. ed. San Diego: Academic Press, 1996. DEUTEKOM, M. et al. No acute effects of short-term creatine supplementation on muscle properties and sprint performance. Eur Journal Appl Physiol, v. 3, n. 82, p. 223-229, 2000. EARNEST M.D.; SNELL P.G.; RODRIGUEZ R. The effect of creatine monohydrate ingestion on anaerobic power indices, muscular strength and body composition. Acta Physiol Scand, n. 153, p. 207-209, 1995. FOSS, M.L.; KETEYIAN, S.J. Bases fisiológicas do exercício e do esporte. Tradução: Giuseppe Taranto. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. GREENNHAFF, P.L. Creatine and its application as an ergogenic aid. Int Journal Sport Nutr, n. 5, p. 100-110, 1995. HUSO, M.E.; et al. Creatine supplementation influences substrate utilization at rest. Journal of Appl Physiol, v. 6, n. 93, p. 2018-2022, 2002. IZQUIERDO M. et al. Effects of creatine supplementation on muscle power, endurance, and sprint performance. Med Sci Sports Exerc, v. 1, n. 30, p. 73-82, 1998. KILDUFF, L.P. et al. Effects of creatine on isometric bench-press performance in resistancetrained humans. Med Sci Sports Exerc, v. 7, n. 34, p. 1176-1183, 2002. LEMON, P.W. Dietary creatine supplementation and exercise performance: why inconsistent results? Can J Appl Physiol, v. 6, n. 27, p. 663-681, 2002. MACHADO, M.; CAMERON, L.C. Suplementação aguda de creatina em praticantes de musculação: efeitos na composição corporal. Fitness and Performance Journal, v. 1, n. 6, p. 41-45, 2002. MCKENNA, M.J. et al. Creatine supplementation increases muscle total creatine but not maximal intermittent exercise performance. J Appl Physiol, v. 6, n. 87, p. 2244-2252, 1999. MUJIKA, I.; PADILLA, S. Creatine supplementation as an ergogenic aid for sports performance in highly trained athletes: a critical review. International Journal of Sports Medicine, n. 18, p. 491-496, 1997. PERSKY, A.M.; BRAZEAU, G.A. Clinical pharmacology of the dietary supplement creatine monohydrate. Pharmacol Rev, v. 2, n. 53, p. 161-176, 2001. SALOMON, D.V. Como fazer uma monografia. 9.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. VOLEK, J.S. et al. Creatine supplementation enhances muscular performance during high-intensity resistance exercise. Journal of the American Dietetic Association, v. 7, n. 97, p. 765-770, 1997. WARBER, J.P. et al. The effect of creatine monohydrate supplementation on obstacle course and multiple bench press performance. J Strength Cond Res, v. 4, n. 16, p. 500-508, 2002. WILDER, N. et al. The effects of low-dose creatine supplementation versus creatine loading in collegiate football players. Journal of Athletic Training, v. 2, n. 36, p. 124-129, 2001. WILLIAMS, M.H.; KREIDER, R.B.; BRANCH, J.D. Creatina. 1. ed. Barueri: Manole, 2000. WIROTH, J.B. et al. Effects of oral creatine supplementation on maximal pedalling performance in older adults. Euro Journal Appl Physiol, v. 6, n. 84, p. 533-539, 2001. 274 Fit Perf J, Rio de Janeiro, 2, 5, 274, set/out 2003