BuscaLegis.ccj.ufsc.br As excludentes da responsabilidade civil decorrentes do acidente de trabalho Paula Gracielle de Mello* Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro.3. O Contrato de Trabalho e o Acidente de Trabalho. 4. Excludentes da Responsabilidade Civil no Acidente de Trabalho. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas. 1. INTRODUÇÃO Com o advento do Capitalismo e do trabalho supostamente livre, explode a questão da exposição do homem ao risco criado por outrem. O detentor dos meios de produção e destinatário do lucro, com a execução do contrato individual do trabalho, deveria assumir os riscos do acidente laboral e das circunstâncias envolvendo a prestação de serviços da empresa. No Brasil, a Lei de infortunística de 1934 tratava de acidentes no trabalho, ainda nos termos tradicionais da expressão. E assim se denominava as reivindicações trabalhistas. O operário, por ser humano está sujeito a imperfeições, entre as quais os vícios e hábitos gerando assim no ambiente de trabalho um convívio habitual do operário com a máquina que esquece muitas vezes de sua agressividade e o resultado não tarda a chegar. É o acidente do trabalho, fruto do hábito, que gera a negligência ou a imprudência do operador. Por isso, o acidente de trabalho tornou-se previsível, tanto que se procurou amparar o operário. Por ser o acidente de trabalho constante, fatal, necessário, dados os perigos
inerentes ao trabalho e à psicologia da falibilidade humana, em uma palavra, dado o risco profissional. Tanto é previsto acidente do trabalho, que um direito se impôs, reparador ao dano que ele causa. Este ensaio tem por objetivo pesquisar quais são as excludentes da responsabilidade civil no tocante ao acidente de trabalho, na busca do agente causador nos aspectos de culpa exclusiva da vítima, de fato de terceiro, cláusula de não indenizar, força maior e caso fortuito. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO Para Stoco, responsabilidade é o resultado de uma ação pela qual o homem expressa o seu comportamento e traz a idéia de obrigação. É o resultado da ação do homem pela qual expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação. 1 Diniz conceitua a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. 2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil leva em conta, primordialmente, o dano, o prejuízo, o desequilíbrio patrimonial da vítima e se não houver dano ou prejuízo a ser ressarcido, não se fala em responsabilidade civil. 3 Rodrigues afirma que os pressupostos da responsabilidade civil derivam dos desdobramentos do art. 186 do Código Civil e se revelam como pressupostos necessários para que a responsabilidade civil surja. 4 1 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil. 5.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.90-91. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.7 Direito das coisas, 16.ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 34. 3 VENOSA,Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 4., 2.ed., São Paulo: Atlas, 2002, p.19. 4 RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. v.4, 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 14.
Segundo Diniz, é bastante difícil a caracterização dos pressupostos para que seja configurada a responsabilidade civil, ante a grande imprecisão doutrinária a respeito. 5 Para Sampaio, são pressupostos da responsabilidade subjetiva ou clássica: ação ou omissão ( comportamento humano), culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e dano experimentado pela vítima. 6 3. O CONTRATO DE TRABALHO E O ACIDENTE DO TRABALHO O contrato de trabalho surgiu com o Liberalismo, na França e era tido como símbolo de liberdade. No Brasil, a denominação contrato de trabalho surge com a Lei n. 62 de 5.6.1935, que tratou da rescisão do pacto laboral 7. Sendo que a primeira lei a tratar especificamente sobre tratado, data de setembro de 1830 regula o contrato por escrito sobre a prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império. 8 Délio Maranhão conceitua contrato de trabalho como negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de uma pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada. 9 Para Russomano o contrato de trabalho é entendido como ato jurídico criador da relação de emprego. Enquanto relação de emprego é o vínculo obrigacional que une, reciprocamente, o trabalho e o empresário, subordinado o primeiro às ordens legítimas do segundo. 10 5 DINIZ, 2002, op. cit, p.35. 6 SAMPAIO, Rogério Marrone. Direito civil: Responsabilidade Civil. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 29. 7 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 17.ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 95 8 MAGANO, O B. Manual do direito do trabalho. vol.ii, 4 a. ed. São Paulo: LTr, 1993, p.37. 9 MARANHÃO, D. apud MORAES, G. B.. Dano moral nas relações de trabalho. São Paulo:LTr, 2003 p.69. 10 RUSSOMANO, M. V. Curso de direito do trabalho. 4 a.ed. Curitiba: Juruá. 1991, p. 97
O acidente de trabalho é entendido por Tortorello como acidente sofrido pelo trabalhador, a serviço da empresa, e que ocorre pelo exercício do trabalho, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. 11 O conceito legal de acidente de trabalho, encontra-se no artigo 19 da Lei n. 8.213, in verbis: Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa morte, ou perda, ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. 12 No Brasil, a primeira lei brasileira sobre acidentes do trabalho foi a de nº. 3.724, 13 de 15 de janeiro de 1919, após 15 anos de apresentação do primeiro projeto nesse sentido, que se verificou em 1904, de autoria do deputado Medeiros e Albuquerque, além de vários outros que também não frutificaram. O projeto que gerou a primeira lei acidentária foi o destacado do Projeto nº. 239, de 1918, que também estabelecia a adoção de normas sistemáticas sobre Direito do Trabalho, tendo sido bipartido em dois projetos distintos. Merece destaque o trabalho desenvolvido por Prudente de Morais, que, com brilhantismo, o sistematizou com profundidade e clareza. A Constituição de 1988 em seu art. 7º, inciso XXVIII, especificou que o seguro contra acidentes do trabalho ficam a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado no caso de culpa ou dolo quando houver. 14 11 TORTORELLO, Jayme A. Acidentes do trabalho teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.9. 12 BRASIL. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <<<http//www. Planalto.gov.Br/CCIVIL/Leis/8213cons.html>>> Acesso em 04 de out.2004. 13 TORTORELLO, 1996, op.cit., p. 5. 14 Idem, p. 3.
4. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ACIDENTE DE TRABALHO As excludentes de responsabilidade são situações cujas conseqüências acabam por quebrar ou enfraquecer o nexo de causalidade, de sorte a interferir na obrigação de indenizar o dano suportado por alguém. 15 CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA A exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil. 16 Para Diniz a culpa exclusiva da vítima é: O caso em que se exclui qualquer responsabilidade do causador do dano. A vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre a sua ação e a lesão. P.ex.: se um indivíduo tentar suicidar-se, atirando-se sob as rodas de um veículo, o motorista estará isento de qualquer composição do dano [...]. 17 De acordo com Souza, agindo a vítima com culpa exclusiva, o patrão se exime do dever de indenizar o prejuízo causado, decorrente do acidente do trabalho, com base no direito comum, desde que produza tal prova. 18 FATO DE TERCEIRO Rodrigues afirma que quando o fato de terceiro é a fonte exclusiva do prejuízo, desaparece qualquer relação de causalidade entre o comportamento do indigitado responsável e a vítima. 19 15 SAMPAIO, 2002, op cit, p.82. 16 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. v.iii, e.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.126. 17 DINIZ, 2002, op.cit., p.99. 18 SOUZA, Mauro César Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho.2000, p.167. 19 RODRIGUES, 2004, op.cit., p.170.
Na visão de Sampaio, o ato de terceiro surge como causa excludente do dano suportado pela vítima, quando o agente cuja conduta materialmente tenha proporcionado o resultado apenas figura como mero instrumento. Nesses casos, o ato de terceiro fica equiparado ao caso fortuito ou de força maior e quebra o nexo de causalidade. 20 Conforme Souza, sendo o ato lesivo praticado por terceiro, exclui-se a responsabilidade do patrão (em sentido amplo), que, por óbvio, não responde por atos predatórios de terceiro. 21 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR Segundo Venosa, o caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-saxão) decorre de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior decorre de atos humanos, tais como guerras, revoluções, greves e determinação de autoridades. 22 Sampaio entende que o caso fortuito ou de força maior consiste em todo acontecimento alheio à vontade do contratante ou agente que, por si só, proporcionou o resultado danoso. Isto é, para o dano não concorreu qualquer conduta culposa do agente (negligência, imprudência e imperícia) ausência de culpa. 23 De acordo com Souza, o caso fortuito e a força maior podem eximir o patrão do dever de indenizar, se o dano não podia de forma alguma, ser evitado pelo mesmo, este fica isento, não precisa indenizar a vítima. 24 CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR A cláusula de não indenizar ou cláusula de irresponsabilidade é um acordo de vontades, pelo qual se convenciona que determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes de inexecução ou de execução inadequada do contrato. 25 20 SAMPAIO, op.cit, p. 84. 21 SOUZA.2000, op.cit., p.168. 22 VENOSA, 2002, op.cit., p.39. 23 SAMPAIO, 2002, op.cit., p.85. 24 SOUZA.2000, op.cit., p.170.
Para Souza, embora não seja comum nos contratos de trabalho e ou de fornecimento de mão de obra e assemelhados, acaso existente, tal cláusula é inoperante em sede de responsabilidade civil ao empregador (em sentido amplo) decorrente do acidente do trabalho. 26 EXCLUDENTES DE ILICITUDE As excludentes de ilicitude, segundo o legislador, retiram o caráter ilícito do comportamento humano, mas nem sempre excluem seu autor do dever de indenizar o dano dele provocado. 27 São excludentes de ilicitude, estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular de um direito. 28 5. CONCLUSÃO A necessidade de reparação do dano causado pelo ofensor remonta aos princípios da humanidade, pois já havia a concepção de aquele que causasse dano a alguém seria obrigado a repará-lo. Portanto, o acidente de trabalho foi, é e continuará sendo um tema atual, não só em razão da sua inafastabilidade, como também pelas suas conseqüências, tanto sob o ponto de vista individualista, mas, principalmente, pelo ônus que traz à sociedade. O dever de indenizar representa à sociedade, o principal instituto de manutenção da paz social, onde se tem, primeiramente a certeza da punição pecuniária do dano causado e a satisfação da vítima com a punição do agente ofensor. 25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p.530. 26 SOUZA, 2000. op.cit., p.173. 27 SAMPAIO. 2002, op.cit., p.87. 28 Ibid., p.87.
A imposição desse dever pelo Estado, retirava da vítima ou da coletividade, a intenção de vingança por seus próprios meios e recursos. Com isso, constatou-se a relevância da responsabilidade civil, que tem a finalidade de restabelecer o equilíbrio social que fora violado pelo ofensor, gerando uma relação obrigacional que tem como objeto a prestação do ressarcimento à vítima lesada. A atual Carta Magna, no artigo 7 o., inciso XXVIII, consagrou a autonomia entre o ressarcimento previdenciário da lesão sofrida pelo obreiro em acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador, podendo ocorrer a cumulação de ambos, quando se verificar culpa ou dolo patronal no evento danoso. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988, previu que ocorrendo culpa ou dolo do empregador, no acidente de trabalho, este estará sujeito à responsabilidade civil de direito comum, desde que seja provado que o mesmo concorreu para o dano. Conclui-se, portanto, que o empregador ao celebrar o contrato de trabalho, assume o dever de garantia com o empregado, responsabilizando-se pelo seguro contra qualquer acidente, se agir com culpa ou dolo, independente da indenização acidentária prevista pela Previdência Social. Todavia, essa responsabilidade pode sofrer interferência na obrigação patronal, quando for caracterizada uma das excludentes da responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho, que são as mesmas excludentes da responsabilidade civil em geral, o empregador ficará isento do dever de indenizar. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <<<http//www. Planalto.gov.Br/CCIVIL/Leis/8213cons.html>>> Acesso em 04 de out.2004. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol.7 Direito das Coisas. 16. ed., São Paulo: Saraiva. 2002. GAGLIANO, Pablo S. e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. vol.3. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed., São Paulo: Saraiva, 1995. MAGANO, O B. Manual do direito do trabalho. vol.ii, 4. ed. São Paulo: LTr, 1993. MARANHÃO, D. apud MORAES, G. B.. Dano moral nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2003. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 17.ed., São Paulo: Atlas, 2003. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. vol.4, 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2002 RUSSOMANO, Mozart V. Curso de direito do trabalho. 6.ed. Curitiba: Juruá Editora. 1997 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Responsabilidade Civil. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002 SOUZA, Mauro César Martins de. Responsabilidade Civil decorrente de acidente de trabalho. 2000.
STOCO, Rui.Tratado de responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Revista do Tribunais. 2001. TORTORELLO, Jayme A. Acidentes do trabalho teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1996 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. vol.4. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. * Acadêmica do Curso de Direito- Universidade do Contestado (UnC) Caçador. Disponível em:< http://www.cdr.unc.br/cursos/direito/paulag.doc> Acesso em.: 02 out. 2007.