Desenhando mercados do mundo real



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Transcrição:

24 Desenhando mercados do mundo real Paul Milgrom Professor da Universidade Stanford João Manoel Pinho de Mello e Vinicius Carrasco É consenso entre economistas que as contribuições de Paul Milgrom nas áreas de teoria de leilões, teoria dos jogos, organizações e finanças, o fazem merecedor de um Prêmio Nobel. Algo raro entre seus pares, ultrapassou os limites do mundo acadêmico e tem tido papel fundamental no desenho de mercados do mundo real como os leilões de espectro para telefonia celular nos EUA e leilões para anúncios na internet e servido de consultor para estratégias de bidding em grandes leilões. Nesta entrevista, que contou com valiosas sugestões de Rogério Werneck, Milgrom discute os leilões de espectro no Brasil, as regras do pré-sal e o papel da teoria econômica no desenho de mercados. Conjuntura Econômica Como a teoria econômica pode ajudar no desenho de mercados no mundo real, como leilões de espectro e leilões on-line? Paul Milgrom O princípio importante é tornar fácil e barato para que os participantes do leilão alcancem bons resultados. Ao fazê-lo, o desenho estimula a entrada e a competição. Em leilões on-line, o desenho deve fazer com que seja desnecessário ser o mais esperto para se participar de forma efetiva. Exemplo: os espaços de propaganda adjacentes a resultados de busca (e.g., Google) são vendidos em leilões. Nos velhos sistemas, os vencedores pagavam um valor igual aos seus lances. Portanto, eles tinham que monitorar constantemente para ajustar seus movimentos às mudanças nos lances de outros participantes. Influenciadas pela teoria econômica, as regras mudaram: agora, os vencedores pagam um preço igual ao menor lance suficiente para ganhar o leilão, mesmo que seu lance tenha sido mais alto. Dessa forma, os participantes já não se preocupam em ajustar seus lances quando os lances dos concorrentes mudam, tornando mais fácil e barato participar do leilão. Em leilões de espectro, a situação é mais sutil porque os participantes em geral têm objetivos diferentes. Um operador de telefonia celular já estabelecido provavelmente vai querer expandir sua cobertura comprando espectro em quaisquer das várias bandas disponíveis. Atualmente, as

25 diferentes bandas são vendidas separadamente em leilões ascendentes simultâneos. Assim, podem facilmente comparar as opções e decidir qual banda comprar. Um novo participante de porte talvez precise adquirir escala eficiente e escopo nacional para ter um negócio com êxito, e é difícil consegui-lo se ele tiver que comprar cada pedaço de espectro separadamente. Portanto, as regras que melhor funcionam dependem tanto do contexto como do objetivo do regulador. Você desenhou o leilão ascendente simultâneo (LAS) usado nos EUA e em vários outros países para vender espectro de rádio, e que tem gerado centenas de milhões de dólares de receita para os governos. Como ele funciona? Esse sistema foi desenhado por mim e pelo professor Robert Wilson em 1993, e primeiramente utilizado nos EUA em 1994. A inspiração é um tipo comum de leilão de caridade chamado leilão silencioso, no qual vários itens são vendidos ao mesmo tempo em leilões ascendentes, com todos os participantes na mesma sala, mas sem a presença de um leiloeiro e sem lances dados em voz alta. O leilão é silencioso porque os participantes escrevem seus lances num pedaço de papel e o colocam ao lado do item que está sendo leiloado (ou de uma descrição do mesmo). Há uma hora final preestabelecida para o leilão terminar. Percebi que os participantes normalmente buscam se beneficiar das regras do leilão, esperando até os últimos segundos antes do fechamento para colocar um lance, na esperança de conseguir o item por um preço menor. Nosso desenho funciona de modo parecido, mas com duas modificações. Primeiro não há tempo limite. O leilão não termina enquanto não houver certo número de rodadas sem lances. Desse modo, ninguém pode aparecer de repente e colocar um lance esperando com isso impedir que um competidor não possa reagir. Segundo, inventei uma nova regra que foi incorporada no nosso desenho e é agora amplamente utilizada em vários leilões. De acordo com a forma mais simples da minha regra da atividade, nenhum participante pode aumentar sua atividade durante o leilão. Portanto, Um leilão de partilha como esse (do pré-sal) pode funcionar. O diabo está nos detalhes. Muitas coisas podem dar errado por exemplo, para ser elegível a comprar 10 itens no final do leilão, o participante tem que ter o maior lance ou estar ativamente fazendo lances pelos 10 itens em todo período durante o leilão. Essa regra assegura que os participantes possam acompanhar a quantidade demandada por outros participantes e, com isso, ajustar seus planos de acordo. Portanto, a regra da atividade contribui para atingir o objetivo de tornar mais fácil que se participe do leilão. Como as regras dos LAS diferem daquelas usadas no Brasil até agora em leilões de espectro? O LAS ainda é o estado da arte? O último leilão no Brasil vendeu licenças sequencialmente, uma após a outra, em vez de vendê-las todas juntas num leilão simultâneo ascendente. Para um participante, isso torna mais difícil alocar um orçamento fixo para comprar múltiplas licenças porque ele não sabe quanto separar para licenças vendidas no final quando dá lances nas licenças que são vendidas no começo. Há muitas escolhas de bons desenhos, cada um com suas vantagens e desvantagens. A boa política requer escolher o desenho mais adequado para cada situação particular. Por exemplo, muitas vezes quem entra no mercado de telefonia celular precisa atingir suficiente escala para fazer com que seja vantajoso adquirir licenças. O LAS torna difícil para que tais participantes atinjam esse objetivo porque eles têm que dar lances sem

26 saber quantas licenças eles adquirirão no final das contas. Há novos leilões combinatórios que tornam o processo mais fácil para quem está entrando. A ideia central é que o participante cujo interesse é comprar pacotes deveria poder dar lances que reflitam essa preferência. Minhas publicações acadêmicas sobre a melhor maneira de possibilitar lances combinatórios introduziram o modelo que tem sido adotado por vários países europeus. Recentemente, eu inventei um novo tipo de leilão para múltiplos produtos. Esse leilão faz o mesmo que o LAS, mas de forma mais rápida e barata porque usa um formato de envelope fechado. O principal é permitir aos participantes uma maneira fácil de expressar suas preferências. Assim, não há a necessidade de várias rodadas de lances para determinar o vencedor. Quão diferentes podem ser as regras em diferentes leilões? Quais são os elementos-chave para um desenho exitoso? Eles dependem dos objetivos do vendedor (receita versus eficiência)? As regras dos leilões variam em inúmeros aspectos. Além de aspectos padrão, há várias decisões a serem tomadas. Haverá limites sobre o que os participantes podem comprar? Só dinheiro será aceito? Será oferecido financiamento para os participantes? O que será vendido? O governo imporá requerimentos? Ou requererá serviço para todo o país? A lista não para. O êxito do desenho depende do objetivo. Às vezes, o governo quer encorajar o desenvolvimento de uma indústria, ou fomentar uma ampla gama de serviços para os consumidores, ou apoiar a participação de pequenas empresas, e assim por diante. Se o governo se preocupar apenas com a receita de um leilão de espectro, ele talvez queira limitar a quantidade de espectro disponível, criando As regras dos leilões variam em inúmeros aspectos. Além de aspectos padrão, há várias decisões a serem tomadas assim competição intensa entre os participantes. Ou ele pode dividir em várias partes grandes, para assegurar que os participantes não possam se coordenar para compartilhar o que está disponível. O desenho certamente difere se o objetivo é maximizar receita ou fomentar eficiência. Para maximizar receita, é preciso encorajar a entrada de muitos participantes, e tornar fácil para que participantes mais fracos possam competir de forma efetiva para forçar que os mais fortes deem lances mais agressivos. Além disso, maximização de receita requer que se previna a coordenação entre os participantes, mesmo que esta leve a uma alocação de espectro mais eficiente. A IPO do Google, que ajudei a desenhar, provê um exemplo prático de como diferentes objetivos podem afetar o desenho. A empresa estava preocupada com a forma pela qual seus empregados seriam afetados pela venda de suas ações e com as tensões que poderiam ser criadas entre empregados velhos, cujas ações já podiam ser vendidas, e os muitos funcionários novos, cujas ações ainda não podiam ser vendidas. Por isso o Google não queria que suas ações estivessem subapreçadas nem sobreapreçadas inicialmente. O desenho da IPO levou esses objetivos em consideração. Ficamos curiosos sobre a IPO do Google. O que foi feito? Além de querer que suas ações saíssem no preço certo, o Google também queria que todo o processo fosse aberto aos usuários de seu motor de busca, de modo a ajudá-los a se identificar mais com a empresa. Por isso, na IPO do Google não foi usado o processo padrão de book-building, mas sim um leilão de preço uniforme, no qual pequenos investidores foram autorizados a fazer lances para um número limitado de ações.

27 No último leilão de espectro no Brasil, cinco empresas (Vivo, TIM, OI, Claro e Nextel) participaram de um leilão de 90Mhz de espectro. As concessões foram leiloadas sequencialmente, isto é, os mercados locais foram concedidos um depois do outro. Esse é um bom desenho para maximizar o lucro do leiloeiro? E quanto a fomentar a entrada de um novo competidor? A primeira coisa que um bom desenho deve encorajar é que a estrutura de mercado preste bons serviços aos consumidores. Eu não sei muitos detalhes do caso brasileiro, mas o importante é o governo decidir quantas concessões e quanto espectro alocar em cada concessão tendo esse objetivo em mente. Falemos de entrada. Um dos principais passos no desenho de um leilão exitoso é entender os participantes e suas necessidades. Para encorajar a entrada no negócio de comunicação wireless, o desenhista tem que oferecer a quem está entrando a chance de dar um lance por tudo o que ele precisa de uma só vez, em vez de forçá-lo a comprar uma concessão de cada vez, na esperança de conseguir concessões em um número suficientemente grande de mercados para viabilizar seu negócio. Se quem estiver entrando pode ser exitoso tendo somente cidades grandes, então o melhor leilão sequencial deve colocar, primeiramente, as cidades grandes à venda. Desse modo, ele pode descobrir se quer participar dos leilões das concessões em outras áreas. O governo brasileiro leiloará os direitos de exploração dos blocos da camada do pré-sal. A teoria econômica pode ajudar no desenho das regras para tais leilões? Claro! A análise deve começar com uma avaliação dos objetivos do governo e das características da indústria. Quem são os potenciais participantes? O governo quer um fluxo de receitas no Há uma grande distância entre a teoria que aparece em periódicos acadêmicos e os desafios de leilões no mundo real longo prazo ou um pagamento inicial grande? Quão importantes serão os leilões seguintes e como a estrutura da indústria afetará as receitas desses leilões? Para conseguir um preço alto, é importante que os participantes mais fracos não fiquem em muita desvantagem no leilão. O que eles querem comprar? É fácil que eles deem lances para isso? Estou trabalhando em algumas novas ideias sobre como encorajar competição em leilões quando os participantes têm orçamento limitado. A ideia é permitir que os participantes expressem tanto os lances máximos por propriedades individuais como um orçamento máximo para todas as propriedades que eles queiram comprar e levar ambas em conta na hora de alocar os direitos minerais. O governo brasileiro cederá à Petrobras os direitos de exploração dos blocos de pré-sal adjacentes àqueles que já são de sua propriedade, com o argumento de que ela tem melhor informação sobre a viabilidade desses blocos. É uma boa ideia? Esse é um exemplo clássico da maldição do vencedor, e também ilustra uma situação na qual o leiloeiro se sai melhor quando distingue participantes fortes e fracos. A maldição do vencedor funciona assim: se um participante digamos a Petrobras está mais informado que os outros e se um participante menos informado vence o leilão, então o vencedor está amaldiçoado. A razão é simples: caso os direitos valessem muito a Petrobras teria dando lances agressivos para adquiri-los. Uma maneira simples de lidar com a maldição do vencedor é excluir o participante forte, bem informado. Se essa é uma boa ideia depende de uma análise específica. Por exemplo: é necessário avaliar a possibilidade de que a Petrobras distorça o resultado de qualquer maneira, vendendo ou trocando sua informação superior com outro participante. Outra

28 Um dos principais passos no desenho de um leilão vitorioso é entender os participantes e suas necessidades questão é o número de participantes. E, dependendo dos fatos, pode haver outras maneiras menos custosas de mitigar a maldição do vencedor do que excluir a Petrobras. Ele quer mudar as regras atuais dos leilões. Segundo projeto do governo brasileiro, os participantes darão lances na forma de participação, isto é, na porcentagem da receita que eles querem reter do bloco. É uma boa ideia? Um leilão de partilha como esse pode funcionar. O diabo está nos detalhes. Muitas coisas podem dar errado. Primeiro, o fato de os pagamentos serem somente no futuro aumenta o risco de renegociação; o vencedor pode simplesmente ficar inadimplente em seus pagamentos. Segundo, a participação deve ser sobre algo fácil de mensurar, de tal forma que o governo não fique sujeito a truques contábeis. Terceiro, se pagamento é baseado em receita líquida, os vencedores têm poucos incentivos para desenvolver as áreas marginais porque incorrerão em todos os custos, mas terão somente uma parte dos ganhos. Quarto, se o governo é responsável pelas regulamentações ambientais ou quaisquer outras, ele sofrerá pressão para ser leniente na regulamentação para aumentar o fluxo de receita. Mas há vantagens reais em coletar um pagamento da forma de partilha se o governo acertar nos detalhes. Ele que coletará algo de valor se os direitos têm valor. Se o vencedor recear que o governo possa vir a se comportar de forma oportunista no futuro, a partilha alinha incentivos ao dar participação ao governo. Por fim, se os participantes são sólidos financeiramente e outras questões estão resolvidas, a teoria econômica nos diz que esse tipo de leilão pode ser muito efetivo em gerar receitas altas. Você dá assessoria a participantes de leilões de espectro ao redor do mundo. Você nos daria algum exemplo de conselhos que você deu e como eles funcionaram? Meu maior sucesso foi um conselho que dei no leilão de US$ 14 bilhões para Serviços Wireless Avançados em 2006. Meu cliente pagou US$ 2,4 bilhões para comprar mais espectro que a T-Mobile adquiriu no mesmo leilão por US$ 4,2 bilhões. Fizemos um par de coisas especiais. A mais espetacular foi fazer um jump bid de US$ 750 milhões no meio do leilão. Com isso, atingimos um objetivo estratégico e, ao mesmo tempo, colocamos em dificuldade as companhias de satélite com as quais estávamos competindo. Isso as retirou do leilão. Mais importante ainda, meu cliente, baseado em meu conselho, deu lances para adquirir cobertura de uma grande área juntando um conjunto de várias pequenas licenças, o que previmos corretamente ser mais barato do que cobrir a mesma área com uma licença grande. Terminamos pagando preços muito mais baixos que os outros participantes, como Verizon, T-Mobile, AT&T e Cingular (à época uma companhia separada). Quais são os próximos passos em termos de teoria e de desenho em mercados reais? Discuti isso em minha Nemmers Prize Lecture, na Universidade Northwestern. Há uma grande distância entre a teoria que aparece em periódicos acadêmicos e os desafios de leilões no mundo real. Meu maior desafio é escrever teorias relevantes que diminuam essa distância. Acredito que as principais questões remanescentes estejam nos mercados com múltiplos bens diferentes, porém inter-relacionados, ou em mercados onde o valor do item depende de decisões subsequentes, como direitos minerais cujo valor depende de decisões posteriores de exploração. João Manoel Pinho de Mello e Vinicius Carrasco são PhDs em Economia pela Universidade de Stanford e professores do Departamento de Economia da PUC-Rio