O Engano de Édipo: ensaios sobre a prática psicanalítica, Porto Alegre: Movimento, 2017, autor Luiz-Olyntho Telles da Silva

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Transcrição:

Apresentação do livro O Engano de Édipo: ensaios sobre a prática psicanalítica, Porto Alegre: Movimento, 2017, autor Luiz-Olyntho Telles da Silva Angela Maria Pagot Aceitei com prazer o desafio de apresentar essa obra, sem deixar de assumir a minha posição de sofrer os efeitos de meus enganos, pois é nesse lugar que o livro nos coloca, ou seja, o da ex-sistência. Dessa forma, não me sinto senhora de mim, ao menos o quanto desejaria. Mas como não existe outra possibilidade de existir, sigamos em frente. Mas ao mesmo tempo, talvez para nos animar em nossa trajetória, o livro traz já em sua apresentação, uma visão equivocada do mundo é melhor do que nenhuma (p.9) A obra coloca, em extensão, a razão da psicanálise desde o seu fundador Freud, passando por Lacan e reafirmada a partir da prática clínica de Luiz-Olyntho, qual seja, a de desvelar o quanto nossos erros dizem de nós, muito mais do que nossos acertos. Ex-sistimos neles e dão sim o que falar. A propósito dos erros, o autor refere não creio que ninguém chegue a conhecer realmente alguma coisa sem antes reconhecer que desconhece, sem antes reconhecer-se ignorante (p.57) e, traduzindo Lacan diz o que não é estúpido erra (p.57). As fofocas se ocupam de nossos erros, através do que se diz "mal-dizer" que é diferente do bem-dizer (p.10). De acordo com o livro, "bem-dizer "significa não dizer onde está o bem (p.10). Ao contrário, o mal dizer expõe a parte submersa de nosso iceberg, sua latitude e profundidade, ou seja, altera o equilíbrio entre conteúdos conscientes e inconscientes, fragilizando o Eu. Conforme o autor, o importante na psicanálise não é apontar erros e sim descobrir o núcleo de verdade, eventualmente, aí contido. Trata-se de uma ética e não de uma moral. (p.27). O autor nos traz Lacan em outra afirmação relacionada ao que se deve ou não dizer de que a psicoterapia seria ótima se não levasse ao pior (...) porque o psicoterapeuta está no lugar daquele que sabe o que é melhor

para seu paciente (...)como conciliar um saber anterior, com o sem sentido próprio da psicanálise? (p.111). Quando acontecimentos da vida nos revelam nossos enganos, buscamos análise, pois perdemos um pouco de nossas certezas; e é nesse campo fértil das incertezas que o tratamento psicanalítico deve ser levado em frente, sem que, de acordo com o autor, o analista por oferecer as respostas, torne-se cúmplice por identificação com a repetição de seu paciente. (p.111). Todos sabemos que a consciência e o Eu são organizações internas a serviço do engano, extremamente eficientes, pois, mesmo sabedores disso, insistimos em lhes dar crédito; é como se contássemos uma mentira aos demais e passássemos a acreditar nela. Se pensarmos nas estruturas psíquicas, de que enganos sofrem e gozam em seus discursos o histérico, o obsessivo, o depressivo, o psicótico e o perverso? - A respeito, o autor se refere em A Questão do Estilo, podemos tomar as estruturas clínicas como estruturas de estilo (...) como uma solução original do sujeito frente às dificuldades encontradas em seu enfrentamento com o mundo (p.124) Ou melhor dizendo, de que se queixam os mesmos e de que culpam os demais? Sim, pois cada qual tomando a si e aos outros a partir de seu fantasma, torna-se absolutamente previsível, tal como um estilo, uma maneira de ser. No entanto, a psicanálise chama a isso de repetição. Para se ter um estilo absolutamente próprio, ao contrário, é preciso percorrer um caminho. É preciso assumir a posição de quem se reconhece como capaz de enganar-se, equivocar-se, assim como os demais, enquanto nossos semelhantes. E é nesse ponto que pode surgir para o sujeito sua originalidade, sua potencialidade desbravadora de descobrir-se na vida, de modo contemporâneo. Desde a posição de analisante, esse caminho, de acordo com o autor e a partir de Lacan, se dá do sujeito em sua relação com o fantasma na direção de S1.

Este livro apresenta uma profundidade teórica e exige estudo para compreendê-lo, sendo um material recomendado na formação profissional de analistas e que, certamente, aqui, não serei capaz de decifrá-lo, em toda a sua complexidade, sob pena de cometer desenganos. Este livro traz algumas preciosidades, resultado do trabalho e estudo do autor, transitando por Freud e Lacan e também por importantes autores da literatura. Trata-se de alguns dizeres que traduzem, de forma simples e clara, coisas complexas. Ao meu ver, só consegue tornar o conhecimento uma coisa simples, aquele que o conhece bem; os demais apenas o repetem e não se apropriam dele. Assim, destaco algumas delas: Em A Abertura da Sessão Clínica traz a associação livre relacionada ao vento, ao divã e ao narcisismo. - setting necessário para que os enganos se revelem aos tropeços e através de falas vaidosas e avessas. Em O Sublime e o Ridículo: com efeito, através das palavras de Goethe, afirma que a verdade é que se a nossa língua é a língua materna, então, a rigor, ela não é nossa, é do Outro - A linguagem que existe em nós, de fato nos é anterior; somos falados e só depois falamos. A importância fundamental da psicanálise se pode situar aqui, como sendo, a de possibilitar a cada analisante, uma linguagem própria, autoral, o que não quer dizer autônoma, mas lhe permite o reconhecimento do quanto ela é sobre determinada. E é exatamente isso que pode nos tornar autores de nós mesmos O livro faz um elogio à prática psicanalítica, demonstrando através do herói Édipo o quanto também somos todos heróis por vivermos levando sempre conosco a nossa realidade que não é a externa mas a psíquica. Conforme o autor, a realidade que nos importa é a fantasmática, sempre particular e corolário necessário da inexistência da relação sexual. (...) porque o que o fantasma coloca em evidência é um desejo (...) Lacan nos diz que o desejo do homem é o inferno (p.38). - A propósito, não há melhor exemplo senão Édipo, para demonstrar o quanto nosso desejo estabelece nossos enganos, disfarçados de uma vontade consciente que acaba

resultando nos sintomas e sofrimentos de nossa existência. Ainda, muito bem exemplificado por Orfeu quando este fracassa, traído por sua desconfiança, o que lhe acarreta o sofrimento pela morte da amada. A figura das Górgonas e Medusa que dizem de uma paralização, de uma petrificação, causadas pelo espanto, pelo horror. - Essas figuras mitológicas foram incorporadas à teoria psicanalítica, não por acaso, e são essenciais para teorizarmos a partir do que nos produz essas reações na vida. Será quando nossos enganos se revelam e passamos a reconhecer algo de nosso desejo, como também de nossa falta e essa visão de suas cabeças, nada mais são do que um espelho a nos refletir? A importância da análise é ajudar cada um a lidar com seus horrores particulares, sem precisar mutilar-se, suicidar-se, ou exilarse, nesse enfrentamento. Fugir é uma saída e talvez a mais utilizada; mas Édipo e Laio se enganaram ao adotá-la; a encruzilhada os fez parar. Muitas tragédias ou desfechos poderiam ser evitados, mas, em certas ocasiões, um engano leva ao desengano ou, na melhor das hipóteses, a outro engano. Os conflitos trazem esse efeito do sujeito estar atado, sem poder decidir. Édipo é a metáfora por excelência da vida humana, genialidade de Freud e méritos de nosso autor Luiz-Olyntho Telles da Silva. A clínica psicanalítica estabelece-se como uma prática que possibilita a ação de reconhecer-se, através da conscientização daquilo que nos cega, do questionamento de nossas crenças e verdades inquestionáveis. Com a análise, poderemos saber o quanto são frutos de nossos enganos e o quanto vale a pena seguir com eles ou seguir por outra estrada, quem sabe, com menos encruzilhadas. O curso de uma análise pode ser esse lugar de barramento da repetição de nossos enganos? Como isso poderá de fato ocorrer

uma vez que o tempo da vida difere do tempo lógico ou ilógico da ex-sistência?