PARECER Nº 14.717 SECRETARIA DA FAZENDA. LIBERAÇÃO DE HIPOTECA PARA MUTUÁRIOS DA EXTINTA CAIXA ECONÔMICA ESTADUAL. COBERTURA DO FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS. MULTIPLICIDADE. 1. Viabilidade de serem atendidos administrativamente os pedidos de liberação dos gravames hipotecários que incidem sobre os imóveis objetos de Contratos de Financiamento Habitacional firmados até 05 de dezembro de 1990, independentemente da caracterização da multiplicidade; 2. O Estado do Rio Grande do Sul, como sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual, deve receber os valores pelos quais se habilitou junto ao FCVS, já que a negativa de cobertura por parte da Caixa Econômica Federal, sob o argumento de que estaria caracterizada a multiplicidade de financiamentos, carece de embasamento legal e jurisprudencial. 3. O recebimento de tais valores deverá ser buscado em ação própria. 1. Trata-se de expediente administrativo aberto na Secretaria da Fazenda, Departamento da Receita Pública Estadual, Divisão de Arrecadação, para exame e manifestação acerca da viabilidade de serem atendidos administrativamente os pedidos de liberação dos gravames hipotecários que incidem sobre os imóveis objetos de Contratos de Financiamento Habitacional, mesmo nos casos de caracterização de multiplicidade. 1
A consulta visa solucionar questão envolvendo liberação de gravame hipotecário que incide sobre imóveis objetos de Contratos de Financiamento Habitacional. Após a quitação do contrato pelo mutuário, a depuração dos contratos e a liberação da hipoteca são de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, agente financeiro que atua em substituição à extinta Caixa Econômica Estadual. Ocorre que ao Estado do Rio Grande do Sul, responsável pela liberação da hipoteca dos imóveis que apresentam saldo devedor a ser coberto pelos recursos do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), não tem sido liberado os valores correspondentes a este Fundo, devido à caracterização da multiplicidade, que corresponde à situação em que o mutuário é proprietário de outro imóvel financiado pelo SFH e com cobertura do FCVS. Para a Caixa Econômica Federal, administradora do FCVS, o contrato que se encontra em situação de multiplicidade caracterizada no Cadastro Nacional de Mutuários (CADMUT) é passível de negativa de cobertura do saldo devedor residual por parte desse Fundo. Em tais situações, frente à negativa da CEF, restando impedido de receber os valores equivalentes ao saldo devedor, o Estado, por intermédio do Departamento de Crédito Habitacional (DEHAB), tem negado a liberação do gravame hipotecário. Diante da negativa do Estado, os mutuários propõem inúmeras ações judiciais em que têm obtido êxito, conforme informações da própria Secretaria da Fazenda. Esse comportamento acaba acarretando desnecessárias despesas ao erário público, tendo em vista o grande número de condenações judiciais. 2
Em razão disso, restou questionada a conveniência na liberação da hipoteca dos imóveis na esfera administrativa, de forma a evitar uma possível demanda judicial que desencadearia desnecessária condenação em ônus sucumbenciais. Na consulta, enfatizou-se a existência de um considerável número de casos similares, havendo necessidade de manifestação desta PGE quanto aos procedimentos que deverão ser adotados para resguardar os interesses do Estado do Rio Grande do Sul. É o relatório. 2. Passa-se ao exame do objeto da consulta. 2.1. Fundo de Compensação de Variações (FCVS): Preliminarmente, a título de elucidação, importante realizar uma análise genérica acerca da criação, finalidade, histórico e administração do Fundo de Compensação de Variações Salariais. O FCVS foi criado por intermédio da Resolução nº 25, de 16 de julho de 1967, do Conselho de Administração do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). Sua administração está a cargo da Caixa Econômica Federal, conforme estabelece a Portaria nº 48, de 11 de maio de 1988, do extinto Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente. Dentre suas atribuições principais, tem por fim garantir a quitação, junto aos agentes financeiros, dos saldos devedores remanescentes dos contratos de 3
financiamento habitacional firmados com mutuários finais do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em relação aos quais tenha havido, quando devida, contribuição ao FCVS. De acordo com informações obtidas junto ao site do Tesouro Nacional, em decorrência da estagnação econômica, dos altos índices inflacionários e das elevadas taxas de juros verificados durante a década de 80, o Governo Federal concedeu sucessivos e cumulativos subsídios aos mutuários do SFH ao permitir que as prestações previstas nos contratos habitacionais não fossem majoradas com base nas condições contratualmente pactuadas. Na década seguinte, merece destaque a edição do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983, que produziu impacto direto nos saldos devedores dos financiamentos, na medida em que proporcionou a redução das obrigações dos adquirentes de moradia própria, imputando ao FCVS a responsabilidade pelo pagamento desses benefícios. A assunção desses compromissos ocorreu, ao longo do tempo, sem a imprescindível cobertura dos recursos orçamentários. As sucessivas postergações de pagamento das obrigações do Fundo foram também decisivas ao atingimento do nível de desequilíbrio ora existente entre o ativo e o passivo do FCVS. Nesse contexto, o FCVS, que foi criado com o propósito de liquidar eventuais saldos devedores residuais, passou a assumir responsabilidades crescentes, incompatíveis com seu patrimônio e fluxo de caixa, o que acabou acarretando um acúmulo de dívida ao longo do tempo. Existe toda uma legislação que orienta o pagamento dessa dívida do FCVS, como forma de desfazer o seu imenso passivo. 4
da caracterização da multiplicidade: 2.2. Da viabilidade de cobertura do FCVS, independentemente Em situações de multiplicidade, a Caixa Econômica Federal, na qualidade de administradora do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), nega cobertura do saldo devedor residual em favor do agente financeiro (Estado do Rio Grande do Sul em substituição à extinta Caixa Econômica Estadual), por considerar o financiamento irregular. Porém, o posicionamento adotado pela Caixa Econômica Federal é totalmente contrário ao entendimento exposto na legislação e jurisprudência. Até a edição da Lei Federal 8.100/90, não havia disposição legal que vedasse a cobertura pelo FCVS de mais de um financiamento do mesmo mutuário, sendo sua redação original a seguinte: Art. 3º. O Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, inclusive os já firmados no âmbito do SFH. 1º. No caso de mutuários que tenham contribuído para o FCVS em mais de um financiamento, desde que não sejam referentes a imóveis na mesma localidade, fica assegurada a cobertura do fundo, a qualquer tempo, somente para quitações efetuadas na forma estabelecida no caput do art. 5º da lei nº 8.004, de 14 de março de 1990. 2º. Ocorrendo a hipótese de um mutuário figurar como co-devedor em contrato celebrado anteriormente, não será considerado como tendo mais de um financiamento. 3º. Para assegurar o cumprimento do disposto neste artigo, fica o Banco Central do Brasil autorizado a coordenar a implementação de um cadastro nacional de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação que será constituído, mantido e administrado pelas instituições do mesmo sistema. 5
Posteriormente, referido diploma legal sofreu alterações com a edição da Lei Federal 10.150/2000, passando a apresentar a seguinte redação: Art. 3º. O Fundo de Compensação de Variações Salariais FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (...) 3º. Para assegurar o cumprimento do disposto neste artigo, fica a CEF, na qualidade de Administradora do FCVS, autorizada a desenvolver, implantar e operar cadastro nacional de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação SFH, constituindo a partir dos cadastros de operações imobiliárias e de seguro habitacional, ficando sob responsabilidade do FCVS os custos decorrentes do desenvolvimento, implantação, produção e manutenção do referido cadastro. Sendo assim, restou consagrado o direito à cobertura do FCVS, mesmo nos casos de caracterização de multiplicidade, nos contratos firmados anteriormente a 05 de dezembro de 1990, quando entrou em vigor a Lei Federal nº 8.100/90 que incluiu em nosso ordenamento jurídico a proibição de cobertura de mais de um financiamento habitacional pelo FCVS. Tribunal de Justiça: Este é o entendimento uníssono na jurisprudência do Superior AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. CUMULAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL PELO SFH. FCVS. VEDAÇÃO SURGIDA COM O ADVENTO DA LEI N. 8.100/90. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTERIORMENTE A 05.10.1990. LEI N. 10.150/2001. Sobre a aplicação da Lei n. 8.100/90 no tempo, este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado pela sua irretroatividade em relação aos contratos firmados anteriormente a 5 de dezembro de 1990. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 426648/RS, Rel. Ministro 6
FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 02.12.2004, DJ 25.04.2005 p. 264). PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL CORRETA APLICAÇÃO DA SÚMULA STJ 05 - SFH - DUPLO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO - COBERTURA PELO FCVS - MESMA LOCALIDADE - LEI Nº 4.380 64 - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - DESPROVIMENTO. 1. É inviável em sede de recurso especial a discussão sobre cláusulas contratuais. Aplicação da Súmula STJ. 05 2. Não obstante isso, a jurisprudência uniforme desta Corte Superior é no sentido de que o artigo 9º, 1º, da Lei nº 4.380 64 não afasta a quitação de um segundo imóvel financiado pelo mutuário, situado na mesma localidade, utilizando os recursos do FCVS. 3. Inaplicabilidade das Leis 8.004 90 e 8.100 90 aos contratos celebrados anteriormente a sua entrada em vigor. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no RESP 389278 BA, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02.08.2004 p. 303). CONTRATO DE MÚTUO. DOIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS N.ºS 8.004 90 E 8.100 90. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. Consoante as regras de direito intertemporal, as obrigações regem-se pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham elas base contratual ou extracontratual. No campo dos contratos, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram. 2. A cobertura pelo FCVS - Fundo de Compensação de Variação Salarial, é espécie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato. O saldo devedor, por seu turno, é um resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário. Embora o FCVS onere o valor da prestação do contrato, o mutuário tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio. 3. Deveras, se na data do contrato de mútuo, ainda não estava em vigor norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis n.º 90 8.004 e 8100 90, violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação. 4. In casu, à época vigia a Lei n.º 4.380 64 que não excluía a 7
possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel seria antecipado o vencimento do valor financiado. 5. Ademais, a alteração trazida pela Lei n.º 10.150 2000 à Lei n.º 8.100 90, tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. 6. Precedentes do STJ (RESP n.º 568503 RS, deste relator, DJ de 09.02.2004; RESP 363966 SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 11 11 2002; RESP 393543 PR, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 08 04 2002) 7. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 8. Recurso especial desprovido. (RESP 604103 SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 31.05.2004 p. 225). CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). IMÓVEIS SITUADOS NA MESMA LOCALIDADE. FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS (FCVS). COBERTURA. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. LEIS N.º 8.004 90 E 8.100 90. IRRETROATIVIDADE. 1. O Fundo de Compensação de Variações Salariais FCVS, de natureza securitária, visa a cobrir eventual saldo devedor remanescente ao final do contrato de financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). 2. Não obstante a Lei nº 4.380 64 trouxesse a vedação expressa ao financiamento de mais de um imóvel na mesma localidade, os agentes financeiros nada objetaram à realização do contrato. De igual modo, mantiveram-se silentes e inertes quanto ao recolhimento dos valores vertidos no FCVS. E mais, a referida norma, embora contenha a mencionada vedação, não impõe qualquer penalidade de perda de cobertura do FCVS nos casos de mais de um financiamento. 3. Somente com o advento da Lei n.º 8.100 90 é que se impôs o limite de cobertura de apenas um imóvel. Ademais, a própria Lei a que se alega violação foi posteriormente alterada pela Lei n.º 10.150 2001, de modo que as restrições por ela impostas resguardaram os contratos firmados anteriormente a 5 de dezembro de 1990. 4. Impossível, no caso em apreciação, fazer-se retroagir Lei para alcançar efeitos jurídicos pretéritos, sob pena de se alterar substancialmente o conluio estabelecido na 8
origem da avença e desvirtuar a essência do elemento volitivo presente no momento da contratação. 5. Precedentes desta Corte. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (RESP 614053 RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 05.08.2004 p. 196). CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. SFH. FCVS. DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTOS. VEDAÇÃO DA LEI N 8.100/90 POSTERIOR À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. Agravo regimental contra decisão que, na esteira da jurisprudência consolidada deste Tribunal, entendeu aplicável a proibição de dupla cobertura do FCVS somente aos contratos firmados após a entrada em vigor da Lei n 8.100/90. Agravo regimental sustentando, em síntese, que o contrato de financiamento foi firmado sob a égide da Lei n 4.380/64, cujo art. 9, 1 proíbe às pessoas que já possuem imóvel residencial a aquisição de um segundo, na mesma localidade, por meio do SFH. 2. Como bem assinalado no decisum infirmado, somente aos contratos celebrados após a entrada em vigor da Lei n 8.100/90 é que vigora a proibição de se utilizar os recursos do FCVS para quitação de um segundo imóvel situado na mesma localidade. Na espécie dos autos, o ajuste foi firmado em 4 de junho de 1986, não podendo, dessarte, ser alcançado pelas restrições previstas no mencionado diploma legal. Manutenção integral dos fundamentos da decisão agravada. 3. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 669.311/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.08.2005, DJ 17.10.2005 p. 185). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FINANCIAMENTO DE IMÓVEL PELO SFH. CESSÃO DE DIREITOS CELEBRADA SEM A INTERVENÇÃO DA ENTIDADE FINANCEIRA. "CONTRATO DE GAVETA". ADIMPLEMENTO INTEGRAL DO MÚTUO HABITACIONAL. SITUAÇÃO CONSOLIDADA PELO TRANSCURSO TEMPORAL. FCVS. COBERTURA. FINANCIAMENTO DE DOIS IMÓVEIS PELO MESMO MUTUÁRIO. LEIS NºS 8.004/90 E 8.100/90. IRRETROATIVIDADE. I - Falta interesse jurídico à entidade financeira para resistir à formalização de transferência de direitos sobre mútuo habitacional realizado no âmbito do SFH, não havendo que se perquirir pela invalidade de tal contrato particular, considerando que todos os pagamentos foram efetuados pelos cessionários e recebidos pela financeira, tendo esta última permanecido inerte por anos e anos em que tal situação se perdurou. Precedente: REsp nº 355.771/RS, Rel. Min. 9
HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 15/12/2003. II - Esta Corte Superior, em casos análogos, tem-se posicionado pela possibilidade da manutenção da cobertura do FCVS, mesmo para aqueles mutuários que adquiriram mais de um imóvel numa mesma localidade, quando a celebração do contrato se deu anteriormente à vigência das Leis n. 8.004/90 e 8.100/90, em respeito ao Princípio da Irretroatividade das Leis. Precedentes: REsp nº 568.503/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 09/02/2004; e REsp nº 393.543/PR, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 08/04/2002. Posicionamento aplicável in casu, visto que expressamente afirmado pelo Tribunal de origem que os contratos firmados com a CEF antecederam à Lei nº 8.100, de 05 de dezembro de 1990. III - Recurso especial improvido. (REsp 710577/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.04.2005, DJ 16.05.2005 p. 264). Sendo assim, todos os contratos do SFH, firmados até 05 de dezembro de 1990, que se encontram encerrados pelo decurso do prazo, tendo quitadas todas as suas prestações, apresentam a cobertura do FCVS, nos termos do citado art. 3º da Lei nº 8.100/90, com redação dada pela Lei nº 10.150/2000. Nessas condições, têm direito à cobertura do saldo devedor pelo FCVS, independentemente da caracterização da multiplicidade. Os mutuários contribuíram regularmente para o Fundo, durante toda a contratualidade, e, conseqüentemente, têm direito à cobertura deste Fundo. Mesmo estando caracterizada a multiplicidade, a jurisprudência é unânime em apontar a adequação de cobertura do FCVS sobre os saldos dos respectivos contratos, determinando seja declarada a quitação do financiamento habitacional e a realização de todas as providências necessárias para cancelamento da hipoteca sobre os imóveis. Em função disso, foi veiculada reportagem em jornal de grande circulação no Estado do Rio Grande do Sul (reportagem Mutuários vão à Justiça, Zero 10
Hora, classificados, Imóveis, pág. 3), com o fim de orientar os proprietários de imóveis quitados que não conseguem liberação junto à Caixa Econômica Federal: As recomendações da Associação dos mutuários e moradores (AMM): > Ingresse com um requerimento pedindo a quitação do imóvel na Caixa Econômica Federal. > Se a quitação for negada, o mutuário deve recorrer a associação dos mutuários e Moradores da Região Sul e Sudeste (AMM) para encaminhar uma ação reclamatória de quitação do contrato na Justiça Federal. > Enquanto o processo está tramitando, a AMM cobra R$ 35 por mês do mutuário, mas oferece custos processuais subsidiados. ENTENDA O QUE É A MULTIPLICIDADE > Em 1967 foi criado o Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), destinado a cobrir o saldo devedor dos imóveis financiados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). > Esse fundo era alimentado pelas pessoas que contratavam financiamento. O valor vinha inserido na prestação e correspondia a 3% da parcela. > Enquanto as mensalidades do imóvel eram corrigidas pela equivalência salarial, o saldo devedor, que deveria ser coberto pelo fundo no final do contrato, sofria correção pela Taxa Referencial. > Dessa maneira, o saldo devedor crescia rapidamente. No final da década de 80, a soma dos saldos devedores dos mutuários alcançava R$ 80 bilhões, um valor que o fundo não conseguia cobrir. > Em 05 de dezembro de 1990, o governo promulgou a Lei Federal 8.100, que estabelecia que o Fundo quitaria somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, inclusive os já firmados no âmbito do SFH. > Em 21 de dezembro de 2000, o texto da citada legislação foi alterado pela Lei 10.150, para: o Fundo quitará somente um saldo remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 05 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. 11
> Com base nessa legislação, os mutuários vêm conquistando vitórias na Justiça federal diante da Caixa. O trecho da reportagem, acima transcrita, aponta para existência de um grande número de imóveis pendentes de regularização, ou seja, um grande número de mutuários que têm intenção de ingressar em juízo contra o Estado do Rio Grande do Sul. Se todos os mutuários que possuem a expectativa desse direito ingressarem com demandas judiciais isso acarretará vultosos e desarrazoados gastos de verba pública, já que, tendo em vista a legislação e jurisprudência atual, correspondem a causas ganhas em face do Estado. Todo esse contexto aponta para necessidade de ser concedida, ainda na esfera administrativa, quitação do financiamento habitacional e liberação da hipoteca dos imóveis de propriedade dos mutuários que possuem contratos firmados até 05 de dezembro de 1990. Tudo como forma de evitar desnecessários gastos com custas e ônus processuais. 2.3. Da liberação de valores do FCVS em favor do Estado do Rio Grande do Sul, sucessor da Caixa Econômica Estadual: A extinta Caixa Econômica Estadual atuou como agente financeiro, concedendo diversos financiamentos habitacionais com cobertura do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). Desde sua extinção, o Estado do Rio Grande do Sul atua como agente financeiro sucessor. De outro lado, a administração dos valores depositados na conta do FCVS está a cargo da Caixa Econômica Federal, conforme estabelece a Portaria nº 48, de 11 de maio de 1988, do extinto Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente. 12
Acontece que, em diversos momentos, após o término dos prazos contratuais, com o pagamento da integralidade das prestações pelos mutuários, o Estado do Rio Grande do Sul, como sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual, habilitou-se junto ao FCVS para receber o saldo devedor dos contratos e teve a cobertura negada pela gestora do Fundo, Caixa Econômica Federal, sob o fundamento de que os mutuários são proprietários de outro imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação e com cobertura do FCVS. Porém, entende-se que o Estado do Rio Grande do Sul, como sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual, deve receber os valores pelos quais se habilitou junto ao FCVS, já que a negativa de cobertura por parte da Caixa Econômica Federal, sob o argumento de que estaria caracterizada a multiplicidade de financiamentos, carece de embasamento legal e jurisprudencial. Nesse sentido, cabível o ajuizamento de ação judicial em face da Caixa Econômica Federal para o fim de receber os valores equivalentes ao saldo devedor dos contratos pactuados pela sistemática do FCVS. Referida providência cumpre ao órgão de execução específico desta Procuradoria-Geral do Estado responsável pelo ingresso e acompanhamento de ações judiciais desta natureza. A este mesmo órgão cumpre decidir quanto ao tipo de ação cabível. 3. Isso posto, conclui-se: 3.1. pela viabilidade de serem atendidos administrativamente os pedidos de liberação dos gravames hipotecários que incidem sobre os imóveis objetos de Contratos de Financiamento Habitacional quitados e firmados até 05 de dezembro de 1990, independentemente da caracterização da multiplicidade; 13
3.2. que o Estado do Rio Grande do Sul, como sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual, deve receber os valores pelos quais se habilitou junto ao FCVS, já que a negativa de cobertura por parte da Caixa Econômica Federal, sob o argumento de que estaria caracterizada a multiplicidade de financiamentos, carece de embasamento legal e jurisprudencial; ação própria. 3.3. que o recebimento de tais valores deverá ser buscado em Este é o parecer. Porto Alegre, 02 de abril de 2007. Joline Baldwin Erig Weiller Procuradora do Estado Expediente Adm. nº 21479-1400/07-0 14
Processo n.º 021479-14.00/07-0 Acolho as conclusões da PARECER n.º 14.717, da Procuradoria do Domínio Público Estadual, de autoria da Procuradora do Estado Doutora JOLINE BALDWIN ERIG WEILLER. Restitua-se o expediente ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Fazenda, ressaltando-se que as próximas consultas solicitadas por essa estatal deverão atender ao Of. Circ. GAB nº 001/07, cópia que ora se anexa. Em 31 de julho de 2007. Eliana Soledade Graeff Martins, Procuradora-Geral do Estado.