PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DE DOCENTES DE ARTES E HUMANIDADES EM QUATRO UNIVERSIDADES PORTUGUESAS. Domingos Fernandes Universidade de Lisboa



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Transcrição:

PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DE DOCENTES DE ARTES E HUMANIDADES EM QUATRO UNIVERSIDADES PORTUGUESAS Domingos Fernandes Universidade de Lisboa Introdução e Enquadramento Contextual da Pesquisa A pesquisa que se apresenta e discute neste trabalho foi desenvolvida no âmbito de um projeto mais abrangente, com a duração de três anos (2011-2014), envolvendo 36 pesquisadores de quatro universidades portuguesas (Universidades de Lisboa, Coimbra, Évora e Minho) e de três universidades brasileiras (Universidade de São Paulo, Universidade Estadual do Pará e Universidade da Amazônia). A investigação (Projeto PTDC/CPE-CED/114318/2009) foi financiada em Portugal pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O principal propósito deste projeto de pesquisa era descrever, analisar e interpretar práticas de avaliação e de ensino de docentes no contexto de aulas práticas ou teóricopráticas de uma diversidade de unidades curriculares de cursos de graduação. As unidades curriculares selecionadas para observação das aulas eram consideradas estruturantes dos respetivos cursos de graduação que se distribuíam pelos seguintes domínios genéricos do conhecimento: Ciências Sociais, Artes e Humanidades, Ciências da Saúde e Ciências e Tecnologias. Problema e Objetivo Principal da Pesquisa O problema geral da pesquisa resultou da necessidade de conhecer e compreender práticas de avaliação de docentes do ensino superior tendo em particular atenção as práticas reais desenvolvidas no contexto real de aulas universitárias. Assim, o trabalho analisa e discute práticas curriculares de avaliação das aprendizagens desenvolvidas por oito docentes universitários do domínio das Artes e Humanidades nas quatro universidades portuguesas envolvidas no projeto de pesquisa acima referido. Não foram aqui analisadas outras dimensões do projeto, nomeadamente práticas de ensino e participação dos estudantes nos seus processos de aprendizagem. Nestas condições, a pesquisa aqui apresentada e discutida foi essencialmente orientada para descrever, analisar e interpretar práticas de avaliação das aprendizagens de docentes de cursos do ensino superior no domínio das Artes e Humanidades.

Enquadramento Conceitual Após a publicação do seminal trabalho de Black & Wiliam (1998), a literatura de investigação tem evidenciado que todos os alunos, de qualquer grau de ensino e de qualquer disciplina aprendem mais e sobretudo melhor, com mais significado, quando as práticas de avaliação dos seus docentes, particularmente as que se referem à avaliação para as aprendizagens (avaliação formativa), fazem parte integrante da planificação e organização do ensino (e.g., Black & Wiliam, 1998, 2006; Fernandes, 2009; Gardner (Ed.), 2006; Gipps & Stobart, 2003). Apesar destes resultados, reconhece-se que em contextos do ensino universitário, as avaliações são essencialmente orientadas para produzir classificações e, por isso, para a certificação académica dos estudantes. As práticas subjacentes baseiam-se fundamentalmente na administração de testes ou provas supostamente destinadas a verificar se os alunos aprenderam o que o professor disse nas aulas. Ou seja, há uma consistência entre práticas de ensino em que o currículo se diz e as práticas de avaliação que se limitam verificar se os alunos aprenderam o que foi dito (e.g., Biggs, 2006; Bryan & Clegg, 2006; Falchicov, 2005). Nos últimos anos, no contexto europeu, sobretudo após a chamada declaração de Bolonha, subscrita pelos países da união em 1999, questionaram-se aquelas práticas e propôs-se um enquadramento destinado a transformar e a melhorar as práticas curriculares e pedagógicas no ensino superior. Consequentemente, a literatura tem vindo a referir a necessidade de integrar o ensino, a aprendizagem e a avaliação; de investir deliberadamente na melhoria das qualificações dos docentes do ensino superior nos domínios do ensino, da avaliação e das aprendizagens; e de se compreender que é possível melhorar as práticas curriculares dos professores do ensino superior em geral e, em particular, as suas práticas de avaliação (e.g., Bryan & Clegg, 2006; Falchicov, 2005; Menges & Austin, 2001). Fernandes e Fialho (2012), numa síntese realizada com base em 30 pesquisas realizadas num período de 10 anos (2000-2009), verificaram que os docentes universitários se revelaram capazes de utilizar novas e inovadoras formas de avaliar as aprendizagens dos alunos desde que certas condições pudessem estar garantidas tais como: a) a integração ou, no mínimo, a articulação, entre as aprendizagens, a avaliação e o ensino; b) a distribuição e utilização de feedback de qualidade; c) o real envolvimento dos estudantes na resolução de uma diversidade de tarefas; e d) a utilização de uma diversidade de processos interativos de avaliação tais como avaliação entre pares,

avaliação em pequenos grupos, para reorientar e regular as aprendizagens dos estudantes. Estas e outras práticas curriculares estão ainda sub-investigadas porque ainda são escassas as descrições, análises e interpretações de tais práticas em contextos reais de sala de aula. Precisamos de construir e elaborar padrões acerca das práticas de uma diversidade de docentes em diferentes cursos e contextos específicos. Tal como referem Menges e Austin (2001), talvez dessa forma nós possamos vir a ter um enquadramento que permita o desenvolvimento fundamentado de discussões aprofundadas acerca de práticas curriculares tais como a conceção, o planeamento e a concretização da avaliação das aprendizagens dos estudantes. Método A pesquisa que aqui se apresenta e discute foi qualitativa por natureza e os dados foram recolhidos através de três procedimentos distintos e complementares: a) entrevistas profundas e individuais com cada um dos oito docentes participantes (dois por universidade); b) entrevistas focadas com oito grupos de estudantes (dois grupos por universidade); e c) observações realizadas nas salas de aula de cada um dos docentes participantes num total de cerca de 160 horas (cerca de 20 horas de tempo de observação de cada docente). Do conjunto de docentes lecionando em cursos de graduação de Artes e Humanidades que se disponibilizou para participar na pesquisa, foram selecionados dois em cada uma das quatro universidades. Assim, em cada universidade, foram selecionados dois docentes lecionando, cada um, aulas práticas ou teórico-práticas de uma disciplina considerada estruturante de um curso de Artes e Humanidades. Ou seja, em cada universidade, os pesquisadores observaram aulas de duas disciplinas e cursos diferentes e entrevistaram docentes (individualmente) e estudantes (em grupos) dessas disciplinas. Construiu-se uma Matriz de Investigação em que foram identificados os principais objetos da pesquisa Aprendizagem, Avaliação, Ensino. Relativamente a cada um destes objetos e com base na teoria e na literatura acima referida, foram identificadas dimensões consideradas relevantes tendo em conta as questões e o problema da pesquisa. (Como acima já foi mencionado, a pesquisa aqui apresentada foi baseada apenas no objeto Avaliação.) Assim, no que se refere à Avaliação, foram definidas dimensões tais como: a) tarefas de avaliação mais utilizadas; b) utilizações da avaliação;

c) natureza, frequência e distribuição do feedback; d) dinâmicas de avaliação; e e) natureza da avaliação. Com base neste enquadramento da pesquisa desenvolveram-se protocolos de observação e de pesquisa através de um processo interativo e colaborativo dos pesquisadores e de procedimentos de revisão e discussão entre os pares. Os protocolos assim construídos permitiram orientar os pesquisadores nos processos de coleta de dados, permitindo obter níveis aceitáveis e credíveis de consistência. A organização e sistematização dos dados decorreu ao longo de quatro fases distintas mas relacionadas entre si. Na primeira fase, foram produzidas três narrativas relativamente às práticas de avaliação de cada um dos docentes participantes: a) uma construída com base nas observações realizadas; b) outra construída a partir da entrevista ao docente; e c) outra baseada na entrevista ao grupo de estudantes. Na segunda fase, estas três narrativas deram origem a uma única narrativa que refletia, de forma integrada, as práticas de avaliação de cada u dos docentes participantes. Assim, em cada universidade, nesta fase, foram obtidas duas narrativas, uma por cada docente participante. Ou seja, oito narrativas no total das quatro universidades, correspondentes a oito docentes lecionando oito disciplinas diferentes. Na terceira fase procedeu-se à produção, em cada universidade, de uma Narrativa Integrada, resultante das duas anteriores e que, no fundo, relatava as práticas de avaliação dos dois docentes. Obtiveram-se deste modo quatro narrativas integradas que traduziam as práticas de avaliação observadas assim como as perceções de alunos e docentes sobre essas mesmas práticas. Finalmente, numa quarta fase, as quatro narrativas integradas deram origem a uma Metanarrativa das práticas de avaliação dos oito docentes de Artes e Humanidades participantes na pesquisa. A transformação dos dados, que envolveu um significativo esforço de síntese e de integração de informação através dos processos de análise realizados, seguiu de perto as recomendações de Wolcott (1994). Naturalmente, teve igualmente em conta o enquadramento teórico e conceitual da pesquisa e a instrumentação que se produziu e utilizou. Apresentação e Discussão dos Principais Resultados De modo geral as práticas de avaliação dos docentes pareciam estar relacionadas com o seu estilo pedagógico, com a estrutura de aula que punham em prática e também com a natureza da disciplina. Assim, as aulas em que os alunos eram essencialmente

passivos, limitando-se a ouvir o que os docentes diziam, e em que os assuntos eram abordados do ponto de vista teórico, isto é, sem o envolvimento dos estudantes na resolução de quaisquer problemas ou questões práticas, a avaliação tendia a reduzir-se a uma ou duas provas escritas e/ou trabalhos escritas ou apresentações orais. Era, por isso, pontual, não estando articulada com os processos de ensino e de aprendizagem. Quando os docentes envolviam os estudantes na resolução de uma diversidade de tarefas e utilizavam estruturas de aula mais sofisticadas (e.g., introdução, apresentação da tarefa, resolução da tarefas em pequenos grupos, discussão, síntese), então a avaliação tendia a ser mais contínua e participada, estando mais articulada ou mesmo integrada com os processos de ensino e de aprendizagem. Pode assim dizer-se que, no primeiro grupo, a avaliação tinha duas funções primordiais: a) verificar o grau de consecução dos objetivos de aprendizagem constantes no programa; e b) classificar e certificar as aprendizagens dos estudantes. Ou seja, para a maioria dos docentes participantes a certificação e a classificação eram as funções da avaliação por excelência. Alguns alunos pareceram corroborar esta ideia mas outros mostraram-se confusos relativamente às reais funções da avaliação. No segundo grupo, porém, para além das anteriores, foram ainda referidas como funções da avaliação: a) identificar estudantes que podiam necessitar de um apoio mais próximo por parte do docente; b) regular e melhorar o ensino e as aprendizagens; e c) familiarizar os estudantes com a articulação entre os processos de ensino, avaliação e aprendizagem. Ou seja, neste grupo, a avaliação era igualmente orientada para apoiar os estudantes nas suas aprendizagens, envolvendo-os mais ativamente no processo. Em suma, em todas as unidades curriculares observadas, a avaliação somativa, realizada através de uma ou mais provas ou testes, era a modalidade de avaliação através da qual os docentes recolhiam elementos para classificar os estudantes. Dir-se-ia que, para alguns dos oito docentes, era mesmo a única modalidade utilizada. Outros docentes utilizavam igualmente, de forma mais ou menos sistemática, a avaliação formativa. Nestes casos, o os estudantes envolviam-se na resolução de tarefas e recebiam feedback que os apoiava na regulação e melhoria do seu trabalho. Verificou-se que a expressão avaliação contínua que, em princípio, tal como o nome indica, deveria acompanhar o processo de ensino e aprendizagem, era utilizada por vários docentes para se referirem aos momentos em que os alunos realizavam testes para efeitos classificativos. Aliás, em geral, foi possível constatar que os docentes desconheciam igualmente o real significado de outros conceitos básicos do domínio da avaliação das aprendizagens.

Na maioria das disciplinas os docentes distribuíam feedback oralmente com alguma frequência, de natureza informal, mas que, de algum modo, permitia que os alunos pudessem regular e melhorar os seus trabalhos e as suas aprendizagens. Além disso, na sua maioria, os docentes mostraram-se disponíveis para proporcionar feedback mais individualizado e mais esclarecedor de possíveis dúvidas que os alunos pudessem manifestar. Os alunos valorizaram bastante o facto de receberem feedback sistemático e imediato sobre o seu trabalho pois, na sua opinião, permitia-lhes melhorá-lo através dos momentos de reflexão sobre o que tinham conseguido realizar. Para os docentes, o acompanhamento individualizado permitia-lhes regular o ensino, identificando as tarefas que melhor se adaptavam à turma e aprofundando o seu conhecimento de todos e de cada um dois seus estudantes. Para além deste feedback do dia a dia, menos estruturado, mais tácito e até espontâneo, os estudantes recebiam igualmente feedback sobre o seu trabalho nos momentos formais de avaliação (e.g., testes, trabalhos, exames finais). Na sequência destes momentos, alguns docentes criavam momentos de reflexão crítica para que os alunos pudessem rever e melhorar os seus trabalhos. Os docentes que raramente distribuíam feedback pelos seus alunos argumentavam que tinham um número elevado de alunos nas aulas e com o menor número de horas de contato com os estudantes na sequência do acordo de Bolonha. Nestes casos, o único feedback que os alunos recebiam quanto ao seu desempenho era a classificação final obtida na disciplina. Praticamente em todos os casos foram os docentes que assumiram sempre o papel de destaque no processo de avaliação pois foram eles que organizaram, selecionaram e definiram as tarefas que permitiam concretizar o processo de avaliação. Os docentes assumiram claramente o papel de definir as modalidades de avaliação, os seus métodos e os seus conteúdos. Contudo, em algumas disciplinas, os alunos tiveram um papel relevante, sendo-lhes criadas oportunidades para participarem ativamente no processo de avaliação das suas aprendizagens. Isto sucedia principalmente quando os docentes conferiam uma natureza mais prática aos conteúdos das suas aulas incitando os estudantes a refletir sobre o seu próprio trabalho tendo em vista a sua correção e aperfeiçoamento com o apoio, ou não, do respetivo docente. Noutras situações eram criadas oportunidades para que os estudantes pudessem discutir aspetos relacionados com a classificação que lhes tinha sido atribuída, manifestando e argumentando as suas

opiniões acerca do funcionamento da disciplina. Os docentes, quando interpelados, justificavam as suas opções detalhadamente. Os processos de autoavaliação e de heteroavaliação foram bastante pontuais, parecendo não ter havido por parte de nenhum docente uma estratégia deliberadamente delineada para aproveitar as potencialidades destas formas de avaliação. Na maioria dos casos, os estudantes eram convidados a refletir sobre o trabalho desenvolvido mas sem que daí resultasse um conjunto de ações destinado a regular e/ou melhorar as aprendizagens. Alguns docentes assumiram que nunca recorriam a estes processos, parecendo desconhecer as suas reais potencialidades nos processos de aprendizagem. Nas disciplinas em que, de alguma forma, os docentes desenvolveram práticas de avaliação formativa em que os alunos participaram ativamente em todo o processo, o docente fazia um acompanhamento individualizado e constante e a avaliação era uma parte integrante dos processos de ensino e aprendizagem, tanto docentes como estudantes manifestaram perceções francamente positivas em relação à avaliação. Assim, eram reconhecidas as potencialidades pedagógicas, as utilizações e os propósitos da avaliação e os estudantes sentiam que esta os ajudava no desenvolvimento das suas aprendizagens. Apesar disso, os docentes consideravam a avaliação um processo complexo e difícil de concretizar devido à sua falta de objetividade. Por isso, consideravam ter necessidades concretas de formação no domínio da avaliação. Nas disciplinas em que a avaliação era essencialmente somativa, os alunos estudantes tendiam a não compreender as funções da avaliação nem a reconhecer qualquer utilidade na mesma. Nestes casos, os estudantes revelaram-se bastante mais críticos relativamente às práticas de avaliação utilizadas ainda que não tivessem proposto qualquer alternativa e chegando mesmo a considerar que havia consistência entre o ensino e a avaliação que era posta em prática. Os docentes destas unidades curriculares também reconheceram sentir bastante dificuldades nos momentos de avaliação, revelando que nem sempre conseguiam desenvolver o que efetivamente pretendiam. Conclusões e Considerações Finais Esta pesquisa pareceu demonstrar que, tal como referem Falchikov (2005) e Fernandes e Fialho (2012), as práticas de avaliação dos docentes do ensino superior podem ser francamente melhoradas. Por um lado, alguns dos docentes desenvolveram práticas que são consistentes com as abordagens mais progressivas sugeridas na literatura. Mas, por outro, pareceu evidente que aquelas práticas poderão ser mais deliberadas e

propositadas e, por isso mesmo, melhor sustentadas através de processos de formação que os próprios docentes reconheceram ser necessários. Assim, o desenvolvimento profissional dos docentes do ensino superior surgiu como uma questão que deverá merecer maior atenção pelas autoridades académicas e outros intervenientes. Na realidade, alguns dos professores envolvidos nesta pesquisa evidenciaram excelentes práticas de avaliação e excelentes ambientes de ensino e de aprendizagem que, no entanto, pareceram ser mais o resultado das suas intuições, eventualmente conjugadas como outros aspetos (e.g., natureza da disciplina, natureza das tarefas a desenvolver), do que em conhecimento pedagógico devidamente sustentado. Foi igualmente evidente que as práticas de avaliação mais comuns são consistentes com uma visão tradicional e algo redutora do currículo, levando os docentes a dizer o que, supostamente, os alunos têm que aprender e, posteriormente, utilizar uma qualquer prova para verificar a consecução dos objetivos de aprendizagem. Ou seja, não foram propriamente abundantes práticas sistemáticas e tendencialmente contínuas de uma avaliação para as aprendizagens com o propósito fundamental de ajudar os alunos a aprender mais e melhor, com mais profundidade. O que prevalece é uma avaliação de natureza somativa que, no essencial se destina a atribuir classificações aos estudantes. A seleção de tarefas de avaliação parece ser uma das questões mais sensíveis a enfrentar uma vez que será através delas que os estudantes devem aprender, os professores devem ensinar e ambos devem avaliar. Esta é uma questão da maior relevância uma vez que está relacionada com as práticas curriculares de ensino e de avaliação que poderão contribuir decisivamente para a integração e/ou articulação entre a avaliação, o ensino e as aprendizagens. A natureza, a forma e o conteúdo das tarefas associada a outros aspetos tais como a estrutura e a dinâmica das aulas e o feedback podem criar excelentes condições e oportunidades para os alunos aprenderem (Fernandes, 2009; Fernandes e Fialho, 2012). Os estudantes, quando lhes foi dada oportunidade para tal, apreciaram bastante ser envolvidos ativamente nas atividades das aulas. Porém, o que se verificou foi que há docentes que não possuem estratégias que facilitem esse envolvimento nem parecem estar conscientes das suas reais potencialidades. Consequentemente, todas as atividades das aulas são invariavelmente da integral iniciativa dos docentes que, assim, desempenham o papel primordial em todos os processos, ao contrário do que vem sendo sugerido na literatura (e.g., Dancer e Kamvounias, 2005; Falchikov, 2005). Os estudantes, em geral, limitam-se a ouvir e a tomar notas do que os professores dizem

sem terem, assim, o papel e o envolvimento que poderiam e deveriam ter na avaliação pedagógica e, consequentemente, no desenvolvimento de mais e melhores aprendizagens. Referências Biggs, G. (2006). How assessment frames student learning. In C. Bryan & K. Clegg (Orgs.), Innovative Assessment in Higher Education (pp. 23-36). New York: Taylor and Francis. Black, P. e Wiliam, D. (2006). Assessment for learning in the classroom. In J. Gardner (Ed.), Assessment and learning (pp. 9-25). London: Sage. Black, P. e Wiliam, D. (1998). Assessment and classroom learning. Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, 5, 1, pp. 7-74. Bryan, C. e Clegg, K. (2006). Introduction. In C. Bryan e K. Clegg (Orgs.), Innovative assessment in higher education (pp. 3-10). New York, NY: Taylor and Francis. Dancer, D. e Kamvounias, P. (2005). Student involvement in assessment: a project designed to assess class participation fairly and reliably. Assessment and Evaluation in Higher Education, 30 (4), pp. 445-454. Falchikov, N. (2005). Improving assessment through student involvement: practical solutions for aiding learning in higher and further education. New York, NY: Routledge. Fernandes, D. (2009). Avaliar para aprender: Fundamentos, práticas e políticas. São Paulo, SP: Fundação Editora da UNESP. Fernandes, D. e Fialho, N. (2012). Dez anos de práticas de avaliação das aprendizagens no Ensino Superior: Uma síntese da literatura (2000-2009). In C. Leite e M. Zabalza (Coords.), Ensino superior: Inovação e qualidade na docência (3693 3707). Porto: CIIE da Universidade do Porto. Gardner, J. (Ed.) (2006). Assessment and learning. London: Sage. Gipps, C. e Stobart, G. (2003). Alternative assessment. In T. Kellaghan e D. Stufflebeam (Eds.), International handbook of educational evaluation, pp. 549-576. Dordrecht: Kluwer. Menges, R. e Austin, A. (2001). Teaching in higher education. In V. Richardson (Ed.), Handbook of research on teaching (4th ed) (pp. 1122-1156). Washington, DC: AERA.

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