Uma Abordagem Sistêmica e Integrada para o Projeto de Sistemas Flexíveis de Manufatura



Documentos relacionados
Universidade de Brasília Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação Departamento de Ciência da

CAPÍTULO 1 - CONTABILIDADE E GESTÃO EMPRESARIAL A CONTROLADORIA

PLANOS DE CONTINGÊNCIAS

Gestão do Conhecimento A Chave para o Sucesso Empresarial. José Renato Sátiro Santiago Jr.

PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE. Modelos de Processo de Desenvolvimento de Software

Análise Estruturada de Sistemas

A função produção apresenta três papéis importantes para a estratégia empresarial:

Tópicos em Engenharia de Software (Optativa III) AULA 2. Prof. Andrêza Leite (81 )

DuPont Engineering University South America

Universidade de Brasília Faculdade de Ciência da Informação Profa. Lillian Alvares

MASTER IN PROJECT MANAGEMENT

Apresenta-se a seguir, a conclusão referente aos objetivos específicos e, em seguida, ao objetivo geral:

Estratégia de Operações - Modelos de Formulação - Jonas Lucio Maia

CICLO DE VIDA DE SISTEMAS DE GESTÃO DE CONHECIMENTO

Abordagem de Processo: conceitos e diretrizes para sua implementação

Na medida em que se cria um produto, o sistema de software, que será usado e mantido, nos aproximamos da engenharia.

Gerenciamento de Riscos Risco de Liquidez

GUIA DE CURSO. Tecnologia em Sistemas de Informação. Tecnologia em Desenvolvimento Web. Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

Filosofia e Conceitos

Governança de TI. ITIL v.2&3. parte 1

Engenharia de Software: conceitos e aplicações. Prof. Tiago Eugenio de Melo, MSc tiagodemelo@gmail.com

Processos de gerenciamento de projetos em um projeto

Carreira: definição de papéis e comparação de modelos

Gestão por Processos. Gestão por Processos Gestão por Projetos. Metodologias Aplicadas à Gestão de Processos

Sistemas de Gestão da Qualidade. Introdução. Engenharia de Produção Gestão Estratégica da Qualidade. Tema Sistemas de Gestão da Qualidade

Sistemas de Informação I

Análise do Ambiente estudo aprofundado

Importância da normalização para as Micro e Pequenas Empresas 1. Normas só são importantes para as grandes empresas...

UnG. As cinco funções do administrador são: Planejar, Organizar, Comandar, Coordenar e Controlar.

Normas Internacionais de Avaliação. Preço Custo e valor Mercado Abordagem de valores Abordagens de avaliação

Módulo 15 Resumo. Módulo I Cultura da Informação

Implantação. Prof. Eduardo H. S. Oliveira

Gerenciamento de Projetos Modulo II Ciclo de Vida e Organização do Projeto

GESTÃO DAS INFORMAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES MÓDULO 11

MRP II. Planejamento e Controle da Produção 3 professor Muris Lage Junior

Sociedade da Informação

Engenharia de Software

SERVIÇO DE ANÁLISE DE REDES DE TELECOMUNICAÇÕES APLICABILIDADE PARA CALL-CENTERS VISÃO DA EMPRESA

12/09/2015. Conceituação do SIG. Introdução. Sistemas de Informações Gerenciais Terceira Parte

Unidade III GESTÃO EMPRESARIAL. Prof. Roberto Almeida

Existem três categorias básicas de processos empresariais:

EDITAL SENAI SESI DE INOVAÇÃO. Caráter inovador projeto cujo escopo ainda não possui. Complexidade das tecnologias critério de avaliação que

Gerenciamento de Problemas

22/02/2009. Supply Chain Management. É a integração dos processos do negócio desde o usuário final até os fornecedores originais que

CONCURSO PÚBLICO ANALISTA DE SISTEMA ÊNFASE GOVERNANÇA DE TI ANALISTA DE GESTÃO RESPOSTAS ESPERADAS PRELIMINARES

ESCOLA PAULISTA DE NEGOCIOS DISCIPLINA: ESTRATÉGIA E PLANEJAMENTO CORPORATIVO PROFESSOR: CLAUDEMIR DUCA VASCONCELOS ALUNOS: BRUNO ROSA VIVIANE DINIZ

PLANEJAMENTO OPERACIONAL - MARKETING E PRODUÇÃO MÓDULO 3 O QUE É PLANEJAMENTO DE VENDAS E OPERAÇÕES?

A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO GERENCIAL PARA AS EMPRESAS

Sistemas de Apoio a Decisão

CHECK - LIST - ISO 9001:2000

Como implementar a estratégia usando Remuneração e Reconhecimento

ENGENHARIA DE SOFTWARE I

Requisitos de Software

NBC TSP 10 - Contabilidade e Evidenciação em Economia Altamente Inflacionária

A Gestão, os Sistemas de Informação e a Informação nas Organizações

ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS PROGRAMAS DE APOIO ÀS PMEs NO BRASIL Resumo Executivo PARA BAIXAR A AVALIAÇÃO COMPLETA:

Gerenciamento de Incidentes

DESENVOLVIMENTO DE INTERFACE WEB MULTIUSUÁRIO PARA SISTEMA DE GERAÇÃO AUTOMÁTICA DE QUADROS DE HORÁRIOS ESCOLARES. Trabalho de Graduação

Artigo Lean Seis Sigma e Benchmarking

4 Avaliação Econômica

F.1 Gerenciamento da integração do projeto

CEAHS CEAHS. Grupo Disciplinas presenciais Créditos Mercado da Saúde Ética e aspectos jurídicos 1

Planejamento de Processo Engenharia de Produção. Prof. MSc. Renato Luis Garrido Monaro 2S

4 Metodologia e estratégia de abordagem

)HUUDPHQWDV &RPSXWDFLRQDLV SDUD 6LPXODomR

Gerenciamento de Projetos Modulo VIII Riscos

6 Modelo proposto: projeto de serviços dos sites de compras coletivas

Gerenciamento de Riscos do Projeto Eventos Adversos

GARANTIA DA QUALIDADE DE SOFTWARE

Guia de recomendações para implementação de PLM em PME s

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ UFPR Bacharelado em Ciência da Computação

Seção 2/E Monitoramento, Avaliação e Aprendizagem

Introdução à Engenharia de Software

Elétrica montagem e manutenção ltda. AVALIAÇÃO DE COLABORADORES

CA Clarity PPM. Visão geral. Benefícios. agility made possible

Aula 09 Matemática Financeira. Princípios Fundamentais da Engenharia Econômica

Curso ITIL Foundation. Introdução a ITIL. ITIL Introduction. Instrutor: Fernando Palma fernando.palma@gmail.com

Metodologias de Desenvolvimento de Sistemas. Analise de Sistemas I UNIPAC Rodrigo Videschi

softwares que cumprem a função de mediar o ensino a distância veiculado através da internet ou espaço virtual. PEREIRA (2007)

Pós-Graduação em Gerenciamento de Projetos práticas do PMI

Gestão da inovação A avaliação e a medição das actividades de IDI

Teoria da Decisão MÉTODOS QUANTITATIVOS DE GESTÃO

GESTÃO DE PROJETOS PARA A INOVAÇÃO

Implantação de um Processo de Medições de Software

SISTEMAS DE GESTÃO São Paulo, Janeiro de 2005

SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL ABNT NBR ISO 14001

Administração das Operações Produtivas

Instalações Máquinas Equipamentos Pessoal de produção

Estruturando o modelo de RH: da criação da estratégia de RH ao diagnóstico de sua efetividade

ESTRUTURA DE GERENCIAMENTO DE RISCO DE CRÉDITO

1

Sinopse das Unidades Curriculares Mestrado em Marketing e Comunicação. 1.º Ano / 1.º Semestre

REDUZINDO AS QUEBRAS ATRAVÉS DA MANUTENÇÃO PROFISSIONAL

ALESSANDRO PEREIRA DOS REIS PAULO CESAR CASTRO DE ALMEIDA ENGENHARIA DE SOFTWARE - CAPABILITY MATURITY MODEL INTEGRATION (CMMI)

Transcrição:

Uma Abordagem Sistêmica e Integrada para o Projeto de Sistemas Flexíveis de Manufatura 1 Introdução Sistemas flexíveis de manufatura (FMS, do inglês Flexible Manufacturing Systems ) são sistemas de manufatura com alto grau de utilização de automação e informatização, nos quais máquinas multifuncionais são interligadas por sistemas automáticos de transferência de materiais, sendo todas as decisões tomadas por um computador central. Essa denominação provém de sua capacidade de dotar a manufatura de grande flexibilidade e viabilizando a produção econômica de lotes de baixo a médio volumes (Bessant & Haywood, 1984). O conceito de FMS oferece diversas vantagens, entre as quais destacam-se: melhoria da qualidade, redução do lead-time e aumento de flexibilidade na manufatura. Estes atributos concedem a uma firma condições para competir em novos mercados, produzindo novos produtos, e a reagir rapidamente a mudanças no consumo, consolidando sua posição no mercado. As potencialidades inerentes ao conceito de FMS levaram à sua implementação em diversos países da Europa, Estados Unidos e Japão. Contudo, os resultados, em geral, têm sido decepcionantes em face dos investimentos realizados. Vários fracassos têm sido relatados na literatura (Tchijov & Sheinin, 1990). Uma das principais causas para estes fracassos é a dificuldade de se projetar adequadamente estes sistemas (Talavage & Shondham, 1992). A especificação e a integração dos vários elementos que compõem um FMS exigem uma grande parcela de comprometimento e habilidade pelo time de projetistas, raros de serem encontrados em um único ambiente. Ademais, altos investimentos iniciais e elevados riscos tecnológicos e de capital exercem elevada pressão sobre os projetistas, dificultando o processo mesmo onde existem recursos humanos e físicos condizentes com o projeto destes sistemas de manufatura. Em síntese, o projeto de FMS é uma tarefa complexa que envolve a seleção de uma entre várias possíveis opções, baseada em múltiplos e conflitantes critérios, incluindo tangíveis (como custos e produtividade) e intangíveis (flexibilidade, qualidade e riscos tecnológicos). Embora, exista um grande número de ferramentas computacionais especificamente desenvolvidos para o projeto de FMS, como veremos com mais detalhe na seção 3, elas são baseadas em um perspectiva restrita, na qual o projeto de FMS é abordado como uma atividade local, míope, tática e holística. Sob esta perspectiva, o projeto de FMS é dividido em vários e desconectados subproblemas, cujas soluções individuiais são incapazes de resolver todas as dimensões envolvidas em um projeto de FMS. Este artigo tem como objetivo descrever uma metodologia de análise e avaliação para o projeto de FMS, cuja principal meta é apoiar o processo de selecionar entre várias possíveis alternativas aquela opção que melhor se adapta às condições particulares de uma determinada situação. A metodologia pode ser descrita, de forma sucinta, como um procedimento composto por oito etapas, representadas pelos seguintes componentes: um módulo de análise (analítico ou de simulação) capaz de representar e mensurar o desempenho técnico de cada alternativa de projeto; um módulo composto por vários modelos analíticos para a mensuração de aspectos financeiros e estratégicos; mecanismos que explicitam as

preferências e aspirações do time de projetistas; uma análise multi-criterial para comparar e avaliar diferentes opções de projeto; e um mecanismo para gerar configurações para estender, se necessário, o espaço de possíveis e promissoras soluções para o problema. Os princípios usados para desenvolver a metodologia são: (i) abordagem estratégica, (ii) sistêmica, (iii) centrada no time de projetistas e (iv) inter-disciplinar. Este texto está organizado da seguinte forma: inicialmente é feita uma definição do problema, apresentando-se uma descrição dos procedimentos associados a um projeto de FMS, assim como uma revisão das atuais ferramentas de análise desenvolvidas para auxiliar este processo; a seguir apresenta-se uma descrição completa da metodologia proposta, incluindo os princípios empregados para a sua formulação; e finalmente, discute-se o esperado impacto da aplicação da metodologia. 2. Contexto de Desenvolvimento da Metodologia 2.1 O Projeto de FMS O projeto de FMS é uma tarefa bastante complexa devido a duas importantes características: a grande quantidade de alternativas disponíveis ao time de projetistas (Floss & Talavage, 1990); o grande número de critérios a serem considerados (desempenho do sistema, parâmetros financeiros, flexibilidade, qualidade etc.), muitos dos quais extremamente difíceis de quantificar; ademais, os critérios devem ser ponderados entre si, levando-se em conta as preferências do time de projetistas. O projeto de um FMS pode ser dividido em dois níveis de decisão: o estratégico e o tático. O nível estratégico está relacionado a determinação das características e atributos dos equipamentos (máquinas, manipuladores, sistemas de transferência etc.) do FMS. Este nível pode por sua vez ser subdividido nas seguintes decisões: configuração ótima do sistema, especificação do lay-out do sistema de manufatura, seleção do sistema de armazenamento de tarefas em processamento ( tamanho e local dos buffers ), especificação do tipo, capacidade e velocidade do sistema de transferência de materiais e identificação das estratégias de controle capazes de dotarem o FMS com o nível de flexibilidade desejado. O nível tático tem como objetivo definir outros importantes recursos do sistema, tais como número de pallets, número e tipos de fixtures e ferramentas.

Passo 1 Selecionar um grupo de peças a serem manufaturadas Passo 2 Definição de necessidades de máquinas Passo 3 Identificar as máquinas operatrizes Passo 4 Configurar células Foco da pesquisa Passo 5 Definição da configuração do sistema e lógicas de controle Passo 6 Seleção de recursos adicionais: pallets, fixtures, ferramentas Figura 1: O projeto de FMS adaptado de Floss & Talavage (1990) Floss & Talavage (1990) apresentam uma descrição hierárquica do projeto de um FMS (vide Figura 1). O primeiro passo do processo consiste na seleção do conjunto de peças a serem manufaturadas. O passo subsequente gera um plano detalhado de manufatura para cada peça, onde as operações em máquinas são definidas e os respectivos tempos de operação (variáveis probabilística) são estimados. O terceiro passo define o conjunto necessário de máquinas operatrizes para executar o plano de manufatura definido no passo anterior. A especificação das máquinas inclui uma estimativa de seus tipos, números etc. Uma vez o conjunto de máquina é parcialmente definido, o time de projetistas pode determinar possíveis configurações para as máquinas, agrupando-as em células segundo os princípios da Tecnologia de Grupo (Burbidge, 1979), bem como as tarefas em processamento serão movimentadas. Políticas iniciais de controle também podem ser definidas nesta etapa. Passo cinco consiste na análise das configurações iniciais, no sentido de definir se as mesmas apresentam um desempenho compatível com os objetivos de projeto. O próximo passo seleciona o melhor conjunto de equipamentos e estratégias de controle que irão definir o sistema de manufatura como um todo. Embora os autores não tenham dado o destaque necessário, é importante salientar que estas etapas não são independentes; ao contrário, elas possuem um alto grau de interdependência. Desta forma, feedback entre e dentro de cada etapa é constante durante a

execução do projeto. Como conseqüência direta desta interdependência, todas estas atividades são igualmente importantes para o sucesso de um projeto. Na Figura 1 salienta-se a ênfase deste artigo. Duas tarefas do processo de projeto serão priorizadas: a análise e avaliação das várias alternativas de projeto e a seleção da alterativa mais adequada para uma determinada situação. Assume-se que todas as etapas anteriores já tenham sido executadas e que o time de projetistas já tenha formulado um conjunto de possíveis alternativas para o projeto. 2.2 Ferramentas de Análise e Avaliação para o Projeto de FMS A literatura acerca de FMS descreve um grande número de diferentes técnicas e metodologias, oriundas da Pesquisa Operacional, Engenharia Econômica e de Sistemas, desenvolvidas para apoiar o projeto de FMS. Estas ferramentas de análise e avaliação englobam desde simples modelos de programação linear a sofisticados sistemas de apoio à decisão, que integram diferente formalismos. O principal objetivo destas ferramentas é obter parâmetros de desempenho ( lead-time, produtividade, ocupação de recursos, flexibilidade, custos etc.) de diferentes alternativas de projeto. Harmonovsky (1991) e Kouvelis (1992) apresentam uma coletânea destas ferramentas. Independentemente do nível de abstração da ferramenta e de seu objetivo específico (em termos do parâmetro de desempenho a ser mensurado), elas apresentam uma característica em comum: foram desenvolvidas para resolver um específico problema dentro do projeto de FMS, sem se preocupar com a integração das diferentes soluções em termos do projeto como um todo. Estas ferramentas pressupõem que o projeto de um FMS pode ser dividido em vários subproblemas independentes tais como mensuração de flexibilidade, configuração do sistema e estimativa de custos de manufatura. Contudo, soluções para um subproblema podem resultar em soluções indesejáveis para o problema do projeto como um todo. Por exemplo, existe uma significativa interação entre os problemas de configuração e lay-out. O mesmo conjunto de máquinas dispostas segundo diferentes lay-outs tem uma produção diferente, e, para o mesmo lay-out, a definição do número de máquinas de diferentes tipos (mesmo que o número total de máquinas seja previamente definido) significativamente afeta o desempenho operacional do sistema de manufatura. É inquestionável que estas ferramentas têm sido valiosas no sentido de estruturar e identificar problemas relevantes ao projeto de FMS, porém sua aplicação tem sido insuficiente para evitar fracassos e frustrações (Meredith, 1987). Além da natural complexidade do problema, a principal questão é a abordagem local, míope e operacional na qual estas ferramentas de análise estão baseadas (Son, 1991). Para que o projeto de FMS seja suficientemente estruturado e resolvido, é necessário que se desenvolvam novas abordagens, que se afastem da tradicional análise operacional e financeira, e que sejam capazes de cobrir todas as dimensões envolvidas no projeto. Son (1991) propõe uma nova perspectiva baseada na integração de três áreas, geralmente consideradas como totalmente isoladas, quais sejam: mensuração de desempenho do sistema, estimativa de custos e análise de decisão. Dentro desta nova visão, a mensuração do desempenho do sistema indica-nos as condições gerais de atuação do sistema de manufatura. Já a estimativa de custos é responsável pela identificação do sacrifício, em termos monetários, necessário para operar o sistema. A análise de decisão, por sua vez, é

usada para identificar a melhor maneira de operar o sistema, tendo em vista os vários parâmetros fornecidos pelas duas demais áreas. A questão da mensuração de todos os aspectos tangíveis e intangíveis envolvidos no projeto assume um fator fundamental para o sucesso de um projeto. A integração de todos os subproblemas existentes no âmbito do projeto de FMS é um tema de pesquisa desafiador, dado o tamanho e a complexidade dos subproblemas individuais. O desenvolvimento e a implementação de uma metodologia de análise capaz de integrar as três áreas citadas acima constitui-se em um tema de pesquisa importante para a área de sistemas automatizados de manufatura (Kouvelis, 1992). Esta integração resultará no desenvolvimento de um modelo de larga escala, composto por vários subcomponentes (submodelos). Tal metodologia deverá ser capaz de descrever o FMS tanto em um nível detalhado como agregado, a fim de satisfazer os diferentes níveis de complexidade existentes no projeto de FMS. O modelo resultante será de significante complexidade matemática e computacional. A questão relevante de pesquisa está no desenvolvimento desta metodologia que deverá tanto reconhecer a interação dos subproblemas como gerar subproblemas que sejam tratáveis sob o ponto de vista computacional. A próxima seção descreverá a metodologia desenvolvida que satisfaz estas características. 3. Metodologia Proposta A falta de metodologias apropriadas para a análise e avaliação de projetos de FMS pode ser considerada como um dos mais importantes fatores para os elevados índices de fracasso da aplicação prática desta tecnologia. Nesta seção, uma abordagem integrada e sistêmica será proposta, tendo como principal objetivo melhorar o projeto de FMS, através de um método evolutivo. A apliicação deste método possibilitará a instalação de sistemas de manufatura mais adequados às necessidades e requisitos de uma empresa. É importante salientar que a metodologia foi concebida como parte integrada no planejamento estratégico de uma empresa manufatureira. Assim, parte-se do pressuposto que a tecnologia de FMS já foi justificada como uma boa oportunidade de investimento. Isto significa que FMS está de acordo com o plano estratégico da empresa, e portanto é capaz de expandir, ou no mínimo, manter a sua potencialidade competitiva. Como conseqüência da definição estratégica, diretrizes a serem obtidas, que irão orientar o time de projetistas na execução do projeto do sistema já estão também explicitadas. Parte-se ainda do pressuposto que a direção da empresa está preparada para arcar com o esforço requerido pelo uso de um método estratégico e não-rotineiro para o projeto de um FMS. 3.1 Princípios Metodológicos O desenvolvimento conceitual da metodologia é baseado nos seguintes princípios: análise estratégica, sistêmica, centrada no time de projetistas, interdisciplinar e na geração de alternativas como uma maneira efetiva de melhorar o processo de decisão. Cada princípio será discutido em detalhes. Análise Estratégica - FMS é um investimento no futuro, uma decisão cujos resultados práticos só serão notados após dois ou mais anos. A implantação de um FMS constitui uma inovação tecnológica, e como tal não pode ser analisada e avaliada tomando-se como base exclusivamente aspectos financeiros de fácil mensuração. O investimento em

FMS deve ser baseado em um plano estratégico, ou seja, orientado por um conjunto de objetivos estratégicos definidos a priori. Desta forma, o projeto de FMS torna-se um complexo problema de decisão, caracterizado pela presença de um conjunto amplo de conflitantes aspectos ou critérios. Esta abordagem exigirá do time de projetistas a habilidade de traduzir objetivos estratégicos em atributos necessários para um sistema de manufatura. A correta mensuração destes atributos é um fator fundamental para o sucesso de uma análise estratégica confiável. Abordagem Sistêmica - A metodologia avalia e analisa o projeto de FMS a partir de uma perspectiva sistêmica. Tomando-se como base esta perspectiva, o projeto será dividido em vários e dependentes subproblemas (definidos como etapas na metodologia). O processo de solução de cada subproblema oferecerá soluções parciais, que devem ser integradas respeitando o importante objetivo de projeto: encontrar e selecionar a alternativa de projeto mais adequada. Centrada no Usuário - A metodologia assume que não existe uma solução para o projeto de um FMS independente do time de projetistas. O sucesso do processo de decisão depende de uma ativa colaboração entre o time de projetistas e a metodologia de análise e avaliação, na qual o elemento humano assume um papel essencial como aquele elemento que conduzirá o processo de projeto. Abordagem Interdisciplinar - A metodologia integra diferente áreas de pesquisa, tais como estimativa de custos, qualidade, flexibilidade, análise de decisão e outros modelos analíticos, a fim de analisar e avaliar FMS sob uma perspectiva integrada, global, sistêmica e estratégica. Para cada subproblema dentro do projeto de FMS será empregada a técnica ou modelo que melhor se adequa às condições do mesmo. Desta forma, tem-se uma representação flexível para implementar os conceitos e elementos presentes em um FMS, aumentando a integração entre as diferentes soluções parciais. Geração de Alternativas - Não existe solução sem um bom conjunto de alternativas explicitando novas idéias e direções para o decisor. A fim de orientar o decisor, pode-se definir um bom conjunto de alternativas como aquele que não apresenta um exagerado número de opções (o qual pode ser frustrante e entediante de analisar), mas um número razoável de diferentes alternativas que forneçam ao decisor informações suficientes para analisar os limites de todos os parâmetros relevantes em um projeto de FMS, tais como número de máquinas e estratégias de controle (Zeleny, 1982). A metodologia deve, portanto, incorporar mecanismos a fim de gerar alternativas dentro deste contexto. 3.2 Descrição da Metodologia A metodologia desenvolvida consiste em um método experimental para o projeto de FMS, cujo principal objetivo é selecionar a alternativa de projeto mais adequada para uma situação particular. É importante ressaltar que a metodologia não trabalha com a idéia de otimização, conceito que julgamos inaplicável a um problema complexo que envolve diferentes aspectos tais como multidimensionalidade e julgamento qualitativo. Neste contexto, a metodologia assume que a melhor solução é aquela julgada como tal pelo time de projetistas. É a solução que é preferida, entendida, apoiada e implementada com confiança. A figura 2 descreve a metodologia desenvolvida.

Passo 1: Definição das Estratégias de Manufatura Lista de Componentes de Estratégia de Manufatura Passo 2:Definição de Requisitos de Projeto Requisitos de Projeto Reprovado Passo 3: Geração de Cenários Cenários de FMS Passo 6: Verificação de Cenários de FMS Passo 7:Alterar Gerar Cenários Passo 4: Modelo de Simulação Medidas de Desempenho Técnico Aprovado Alternativa de FMS Novo Cenário Passo 5: Mensuração de Aspectos Estratégicos e Financeitros Estimativas de Flexibilidade, Custo e Qualidade Passo 8: Avaliação Multicriterial das alternativas de FMS Não Análise de sensibilidade terminada? Sim Melhor Alternativa de Projeto Figura 2: Descrição da metodologia As várias etapas que compõem a metodologia podem ser descritas com segue: Passo 1: Definição de uma Estratégia de Manufatura - Esta etapa consiste em traduzir o plano estratégico de uma empresa em uma estratégia de manufatura. Estratégia de manufatura pode ser definida como um padrão de discussão ao longo do tempo o qual permite uma unidade de manufatura obter um conjunto específico de atributos (Porter, 1980). A estratégia de manufatura pode ser representada por um conjunto de variáveis, parâmetros operacionais, táticos e estratégicos, definidas como componentes da estratégia de manufatura. Sawhney (1991) apresenta uma lista dos componentes mais comuns de uma estratégia de manufatura: 1. Operacionais: Capacidade - A taxa em que um certo sistema de manufatura ou subsistema pode produzir um produto específico. Produtividade - Indica a eficiência de converter ïnputs em outputs. Lead-Time - O tempo necessário para a produção de um dado produto. Utilização de recursos - A relação entre o tempo em que um recurso está sendo efetivamente usado em operações de manufatura (excluindo setup, manutenção etc.) e a total disponibilidade do recurso. Confiabilidade - Habilidade de manter o prazo de entrega de produtos. 2. Financeiros:

Custos - Na área de manufatura é possível classificar custos como fixos, aqueles que independem das operações realizadas, e variáveis, aqueles que são alterados pelo nível de atividade do sistema de manufatura. 3. Estratégicos: Flexibilidade - Capacidade do sistema de reagir de forma efetiva a mudanças externas e internas (Gupta & Buzacott, 1989). Qualidade - Habilidade de produzir bens e serviços com pequenos custos de prevenção e falhas ( Son & Park, 1987) Passo 2: Definição dos Requisitos de Projeto - Este passo atribui a alguns elementos dos componentes da estratégia de manufatura um valor a ser alcançado como meta. Esta tarefa caracteriza a definição de requisitos de projeto no sentido de obter excelência na manufatura. Este objetivos podem ser definidos a partir de informações provenientes do mercado ou de experientes projetistas. A máxima utilização de todas as máquinas operatrizes em 85% exemplifica um requisito de projeto. Passo 3: Geração de Cenários - Cenários são opções de projeto modeladas pelo time de projetistas. Observe que duas opções com o mesmo lay-out, incluindo a mesma disposição e número de máquinas, mas com diferentes algoritmos e heurísticas de controle, são consideradas dois cenários distintos. Passo 4: Modelo de Simulação - O principal objetivo desta etapa é a de analisar cenários de FMS em relação a parâmetros de desempenho operacionais. Entre as várias técnicas e métodos disponíveis na literatura, há um consenso que a simulação discreta apresenta-se como a ferramenta mais poderosa e flexível para a modelagem de FMS (Harmonovsky, 1991 e Sargent, 1988). Passo 5: Mensuração de Aspectos Estratégicos e Financeiros - A principal função deste passo é quantificar aspectos financeiros e estratégicos (flexibilidade, custos e qualidade) envolvidos no projeto de FMS. A fim de que este objetivo seja obtido, a metodologia usa o seguinte conjunto de modelos: a abordagem analítica desenvolvida por Kochikar & Narendram (1992) para quantificar flexibilidade; as estimativas de custo orientadas a processos desenvolvidas por Son & Park (1987) e Stam & Kuula (1991); e a estimativa quantitativa para mensurar qualidade desenvolvida por Son & Hsu (1991). Passo 6: Verificação de Cenários O objetivo desta etapa é a de verificar se um dado cenário obedece os requisitos de projeto definidos no Passo 2. Se todos os requisitos são atingidos o cenário será denominado como uma alternativa e será posteriormente analisado no Passo 8. Caso contrário, o cenário será reavaliado no Passo 6 com o objetivo de diagnosticar as possíveis causas para o mau desempenho do sistema e definir possíveis cursos de ação no sentido de gerar um novo cenário, cujo desempenho respeite os requisitos de projeto. Passo 7: Geração de Cenários Se um cenário falha o processo de verificação definido no Passo 6, esta etapa é acionada com o objetivo de alterar o atual cenário em um tentativa de gerar novos cenários mais adequados aos requisitos de projeto. A idéia desta passo é a de encontrar oportunidades de melhorar o desempenho do atual cenário, através de um ciclo denominado de análise-diagnóstico-recomendação. Este ciclo consiste de uma análise do cenário para identificar causas para o mau desempenho em relação a um ou

mais requisitos de projeto. Diagnosticado o problema, o ciclo pode definir recomendações ao time de projetistas na direção de melhorar o desempenho do cenário. Para executar este ciclo, a metodologia utiliza conhecimento previamente adquirido por especialistas durante a execução de projetos de FMS. De forma sucinta, este conhecimento pode ser descrito como um conjunto de fatos, heurísticas e pressupostos. Os resultados desta etapa serão possíveis alterações no atual cenário tais como a inclusão/exclusão de uma máquina em uma dada célula, diminuição da velocidade do sistema automático de transferência de materiais, etc. Infelizmente, devido ao caráter altamente empírico deste processo de avaliação, não existe garantia de que estas recomendações serão eficazes. Desta forma, todos os novos cenários gerados deverão retornar ao Passo 4, para sofrerem um processo completo de análise. Passo 8: Análise de Decisão com Múltiplos Critérios Baseado no conjunto de componentes da estratégia de manufatura definidos no Passo 1 e os resultados obtidos nos Passos 4 e 5, este passo desenvolve um modelo de decisão com múltiplos critérios para avaliar as alternativas geradas durante a execução da metodologia. Os objetivos desta etapa são apoiar o time de projetistas em explorar cada alternativa, assistir os projetistas a definir prioridades entre conflitantes componentes da estratégia de manufatura, estudar a sensibilidade do comportamento das várias alternativas a mudanças nas condições de decisão e identificar o melhor curso de ação. 4. Considerações Finais O conceito de FMS promete uma série de benefícios desejados por qualquer empresa de manufatura, tais como reduzidos lead-time, menores custos unitários, maior qualidade nos produtos e rápida respostas a mudanças no mercado. Contudo, os resultados práticos têm sido decepcionantes. Fracassos e frustrações são freqüentemente relatados na literatura. Uma das principais causas deste fenômeno é a dificuldade de aplicar na prática as idéias existentes no âmbito do conceito teórico. Essa dificuldade é direta conseqüência da complexidade da tecnologia, dos altos custos de capital e dos elevados riscos tecnológicos e de capital. Várias ferramentas de análise foram desenvolvidas para apoiar o projeto de FMS. Embora estas ferramentas sejam úteis para estruturar e resolver subproblemas de FMS, elas são incapazes de capturar todas as dimensões envolvidas no projeto de FMS. Isto é uma conseqüência da abordagem local, míope, isolada e financeira para o projeto de FMS, assumida por estas ferramentas. Sob esta abordagem o projeto é considerado como um conjunto de subproblemas não relacionados entre si. Porém, as soluções individuais aos mesmos podem resultar em uma solução global indesejada. Portanto, o desenvolvimento de uma nova abordagem capaz de superar esta deficiência pode ser considerada como um requisito fundamental para permitir que o conceito de FMS seja definitivamente consolidado na prática. A principal contribuição da metodologia descrita é a de introduzir uma completa perspectiva sistêmica ao projeto de FMS, altamente influenciada por considerações estratégicas. A metodologia considera o projeto de FMS como uma atividade integrada, global, estratégica e conduzida pelo time de projetistas. Idealizada sob estes princípios, ela permite que uma análise e avaliação de alternativas de projeto seja realizada de forma

realista, evitando decisões baseadas somente em fatores técnicos e contábeis de fácil mensuração e na desarticulada intuição de um time de projetistas. Espera-se que a aplicação da metodologia tenha os seguintes efeitos no processo de implementação de um FMS: 1. Melhoria na qualidade do projeto de FMS pela introdução de um abordagem interdisciplinar e sistêmica, que combinando diferentes técnicas e modelos, permite a mensuração de fatores tangíveis e intangíveis norteadores do projeto. 2. A modelagem, análise e avaliação de diferentes cenários de FMS pelo time de projetistas será uma importante ferramenta de aprendizagem da tecnologia. Com o uso da metodologia, os projetistas entenderão melhor as limitações e benefícios da tecnologia a ser implantada. Como salientam Falkner & Benhajla (1990), este entendimento é um requisito fundamental não somente para a implementação com sucesso, mas também para a correta operação e modernização da tecnologia. 3. A formulação de diferentes objetivos e critérios envolvidos em um projeto de FMS, exigida pela metodologia, permitirá a participação de diferentes grupos no processo de projeto. A alta administração, engenheiros e contadores são exemplos de grupos que necessariamente serão envolvidos no processo, para explicitar suas preferências e necessidades. Desta forma, o projeto de FMS terá repercussões por todos os setores de uma organização, preparando-a mehor para tirar vantagem do conceito de FMS, quando a tecnologia for efetivamente instalada. A pesquisa avança no sentido de implementar computacionalmente a metodologia, utilizando a tecnologia de sistemas de apoio à decisão. 7. Referências Bibliográficas BESSANT, J. & HAYWOOD, B. Flexibility in manufacturing systems. Omega, vol. 14, p. 465-473, 1984. BURBIDGE, J.L. Group Technology in the Engineering Industry. Mechanical Engineering Publications Ltd., London, 1979. FALKNER, C.H. & BENHAJLA, S. Multi-attibute decision models in the justification of CIM systems. The Engineering Economist, vol. 35, p. 91-113, 1990. FLOSS, P. & TALAVAGE, J. A knowledge-based design assistant for intelligent manufacturing systems. Journal of Manufacturing Systems, vol. 9, p. 87-102, 1990. GUPTA, D. & BUZACOTT, J.A. A framework for understanding flexibility of manufacturing systems. Journal of Manufacturing Systems, vol. 8, p. 89-97, 1989. HARMONOVSKY, C.M. Preliminary system design for flexible manufacturing systems (FMS): Essential elements, analysis tools, and techniques. Control and Dynamic System, vol. 46, p. 83-122, 1991.

KOCHIKAR, V.P. & NARENDRAM, T.T. A framework for assessing the flexibility of manufacturing systems. International Journal of Production Research, vol. 30, p. 2873-2895, 1992. KOUVELIS, P. Design and plannig problems in flexible manufacturing systems: A critical review. Journal of Intelligent Manufacturing, n. 3, p. 75-99, 1992. MEREDITH, J.R. Implementing new manufacturing technologies: Managerial lessons over the FMS life cycle. Interfaces, vol. 17, p. 51-62, 1987. PORTER, M.E. Competitive Stategy: Techniques for Analyzing Industries and Competitors. The Free Press, New York, NY, 1980. SAWHNEY, R.S. An activity-based approach for evaluating strategic investments in manufacturing companies. Journal of Manufacturing Systems, vol. 10, p. 353-367, 1991. SON, Y.K. A framework for modern manufacturing economics. International Journal of Production Research, vol. 29, p.2483-2499, 1991. SON, Y.K. & HSU, L.-F. A method of measuring quality costs. International Journal of Production Research, vol. 29, 1785-1794, 1991. SON, Y.K. & PARK, C.S. Economic measure of productivity, quality and flexibility in advanced manufacturing systems. Journal of Manufacturing Systems, vol. 9, p. 181-193, 1987. STAM, A. & kuula, M. Selecting a flexible manufacturing system using a multiple criteria analysis. International Journal of Production Research, vol. 29, p. 803-820, 1991. TALAVAGE, J. & SHODHAN, R. Automated development of design and control strategy for FMS. International Journal of Computer-Integrated Manufacturing, vol. 5, p. 355-348, 1992. TCHIJOV, I. & SHEININ, R. Flexible manufacturing systems (FMS): Current difusion and main advantages. Technological and Social Changes, vol. 35, p. 277-293, 1989. ZELENY, M. Multiple Criteria Decision Making. McGraw-Hill, New York, 1982.