A NOVA SISTEMÁTICA DO SEGURADO ESPECIAL, APÓS O ADVENTO DA LEI N. 11.718/2008 O presente artigo tem o desiderato de analisar as alterações trazidas com o advento da Lei n. 11.718/08, dentre as quais destacam-se a carência, qualidade de segurado e a previsão de uma nova aposentadoria por idade, a chamada híbrida ou mista. Nesse caso seria possível ao segurado que trabalhou toda a sua vida na lavoura, com exceção dos últimos anos ou meses, ter a carência reconhecida para a concessão do benefício? Segundo a legislação ordinária, apenas se o trabalho tivesse sido exercido em ambiente urbano e, após, rural, mas não o contrário. Nesse caso teríamos uma manifesta afronta aos princípios constitucionais, dentre eles o da igualdade de tratamento. Da carência: A carência, para o trabalhador rural, passou a ser exigida apenas a partir da regulamentação da lei n. 8.213/91. antes da dita regulamentação, portanto, bastava a comprovação do exercício da atividade rural no período anterior ao requerimento do benefício. Com a publicação da Lei de Benefícios, passou a viger uma regra de transição, prevista no seu artigo 143, ou seja, aplicar-se-ia a regra de transição do artigo 142 da Lei n. 8.213/91 que começou em 1991, com 60 contribuições e finalizou com 180 contribuições no ano de 2011, regra essa que vale atualmente. Assim, não precisaria o segurado especial comprovar as contribuições da tabela de transição, mas sim o efetivo labor na atividade rurícola em período idêntico ao da carência. Analisando o dispositivo, entende-se que caso o segurado especial comprovasse o exercício da atividade rural, mas quando do preenchimento do requisito etário estivesse exercendo atividade urbana, não faria jus ao benefício de aposentadoria por idade rural. Nesse norte é o enunciado da Súmula n. 54 da TNU. O 2º do artigo 48, da Lei de Benefícios, rege ainda que o trabalhador rural deve comprovar os requisitos ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
Em outras palavras, é de se reconhecer os períodos intercalados, desde que sempre predominante a atividade campesina, e não a urbana. Adriana Bramante de Castro Ladenthin destaca que a atividade descontínua significa o exercício de pequenas atividades urbanas que não chegam a descaracterizar a atividade eminentemente rural. Também nesse norte é a Súmula n. 46 da TNU, publicada em 15/03/2012, trazendo que O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto. Ainda, segundo a jurisprudência, é devida a concessão de aposentadoria por idade, somando, para fins de carência, o tempo de serviço rural com o urbano (a chamada aposentadoria mista, visto com maiores detalhes oportunamente). A citada regra de transição prevista no artigo 142 perdeu eficácia em 31/12/2010, como citado anteriormente, tirando, por conseguinte, a aplicabilidade do artigo 143 da mesma norma. A Lei n. 11.718/08 traz, no entanto, nova regra de transição para o segurado especial, em seu artigo 3º. Com o advento deste dispositivo, a partir de janeiro de 2011, até dezembro de 2020, valerá a regra de transição, que deverá facilitar a obtenção de benefícios aos trabalhadores rurais, simplificando, com essa contagem diferenciada, o preenchimento da carência mínima de 180 (cento e oitenta) contribuições, a fim de concessão de benefício etário rural. Semelhantes alterações se aproximam, a nosso ver, da realidade do trabalhador rurícola, haja vista ser cediço que tal atividade é irregular, não conseguindo o indivíduo, por vezes, manter a si e o seu grupo familiar de forma constante durante todo o ano, tendo que na entressafra (ou mesmo quando a produção, por algum motivo alheio à sua vontade, não for tão boa a ponto de sustentar a si e sua família por vezes, exercer atividade urbana para a mantença, sem perder de vista, logicamente, que a atividade predominante deve ser a rural, tal como visto acima. Resta saber se no ano de 2020, ou antes disso, haverá uma outra prorrogação, nova regra de transição para esses segurados que mantêm atividade singular em comparação aos demais.
Da qualidade de segurado: Tal como a carência, também a qualidade de segurado do trabalhador rural passou a ser exigida após a promulgação da lei n. 8.213/91, haja vista que antes da edição da indigitada lei, bastava a comprovação do efetivo labor rural. É tênue a linha que separa a carência da qualidade de segurado no caso do trabalhador rural. Entretanto, deve este trabalhador possuir esta qualidade, sob pena de ter indeferido seu requerimento para a concessão de benefício previdenciário. O 1º do artigo 3º da Lei n. 10.666/03 dispõe que a perda da qualidade de segurado para aqueles que forem requer o benefício de aposentadoria por idade não obsta, por si só, a concessão do dito benefício. Todavia, conforme o já citado 2º do artigo 48 da Lei de Benefícios, deve o trabalhador rural comprovar o efetivo exercício da atividade rural, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Dessa forma, conclui-se que, quando dos implementos das condições, deve o trabalhador estar exercendo atividade rurícola para ter concedido o aludido benefício de aposentadoria por idade. Em outras palavras, deve haver a implementação simultânea dos requisitos. Dessarte, percebemos que há uma distinção, dentre outras, entre a aposentadoria por idade do rurícola e do trabalhador urbano. Para este último, o urbano, os requisitos não necessitam ser preenchidos simultaneamente, enquanto que para aquele, é imprescindível que os pressupostos sejam cumpridos à época do requerimento, para a concessão do benefício. Ainda, no caso de o segurado ter completado a idade e o exercício da atividade rural simultaneamente, deve ter o benefício concedido, mesmo que requerido após alguns anos. Importante destacar que estamos comentando no caso de o trabalhador sempre exercer atividade rurícola, ou ao menos que preencha a carência nessa situação, pois em caso de mesclar a atividade urbana com a rural, é também devida a aposentadoria por idade, nesse caso a chamada aposentadoria por idade híbrida, que será analisada com maior detalhe no item posterior.
Aposentadoria híbrida e o momento do requerimento (ou implemento das condições): A lei n. 11.718/08 criou a chamada aposentadoria por idade hibrida ou mista, quando acresceu o 3º ao artigo 48 da lei de benefícios. Assim, nessa novel modalidade, é possível mesclar o tempo laborado na lavoura com a atividade urbana, a fim de implemento da carência mínima exigida legalmente para a concessão do benefício etário. Entretanto, neste caso, a idade mínima para a aposentadoria do segurado será a mesma do urbano, ou seja, 65 (sessenta e cinco) anos para homem e 60 (sessenta) para mulher. Numa análise perfunctória poder-se-ia chegar a conclusão de que para a concessão da aposentadoria mista, deveria o segurado estar, obrigatoriamente, quando do requerimento ou implemento das condições, laborando na área rurícola. Todavia, o 4º do artigo 51 do Decreto n. 3.048/99, incluído pelo Decreto n. 6.722/08, traz que o benefício será devido ainda que na oportunidade do requerimento o segurado não se enquadre como trabalhador rural. Esse é, em verdade, o grande ponto controvertido, cerne da presente pesquisa, ou seja, se essa aposentadoria híbrida ou mista é devida também em favor do segurado que está na área urbana no momento do requerimento ou do implemento das condições. De acordo com a nova redação do citado Decreto n. 3.048/99 é devida, sim. Ainda, a Constituição Federal no inciso II do parágrafo único do seu artigo 194 positiva o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. Partindo dessa premissa, não poderia o segurado ter tratamento diferenciado se estivesse no campo ou no meio urbano, quando completasse os requisitos legais à concessão da aposentadoria por idade. Para corroborar, se formos analisar a norma anterior, traçando um histórico da evolução do Direito Previdenciário, em especial do trabalhador rural, perceberemos que o próprio artigo 14 da Lei Complementar n. 11/1971, amparava de forma mais benéfica os trabalhadores rurais que migravam para a área urbana.
Ocorre que mesmo assim há divergência jurisprudencial sobre o tema. A Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, por exemplo, tem o entendimento de que, se o trabalhador tiver laborado no campo em tempo remoto, não lhe será devida a aposentadoria ora em debate. No entanto, os Tribunais Regionais Federais das 3ª e 4ª Regiões vêm tendo entendimento totalmente oposto ao supracitado, ou seja, de que é possível a concessão da mencionada aposentadoria mesmo que, quando do requerimento, o segurado seja trabalhador urbano. O TRF da 4ª Região destaca ainda que à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios às populações urbanas e rurais como se negar aplicação ao artigo 48, 3º, da Lei de Benefícios. A polêmica, no entanto, não se dá apenas quanto aos Tribunais ou Turmas de Recursos. Não obstante todos os argumentos elencados, há uma clara divergência entre os juristas militantes e estudiosos na área. Analisando artigos jurídicos sobre o tema, percebemos que os mesmos são conflitantes, cada um, por óbvio, defendendo os seus argumentos. A nosso juízo a posição dos Tribunais é a mais acertada, pois em total consonância com os princípios constitucionais da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios aos trabalhadores urbanos e rurais, ressaltando trecho de decisão do TRF da 4ª Região, em que o Desembargador destaca que posicionamento diferente seria inclusive penalizar o cidadão por ter contribuído. Trazendo a polêmica para a realidade fática, é comum, ou ao menos não incomum, que uma pessoa trabalhe alguns anos na lavoura e, após algum tempo, passe a trabalhar no âmbito urbano, seja por uma melhor renda, ou mesmo porque deixou de residir no meio rurícola. Tendo esse exemplo como norte e seguindo a orientação da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região teríamos, por exemplo, uma pessoa que trabalhou longo tempo como lavrador, mas no último ou últimos ano(s) passou a exercer atividade urbana e ficou desprovida da proteção do Estado, subtraindo um direito elementar seu que é a aposentadoria, após anos de labor, simplesmente porque quando estaria cumprindo os requisitos para a
concessão do benefício, tinha, desavisadamente, passado a trabalhar na área urbana. Com isso, evidentemente se estaria criando uma segregação injusta (se é que existe algum tipo que seja justa) entre os trabalhadores em condições análogas, preterindo o campesino em detrimento do urbano. Em virtude disso, temos que a aposentadoria mista, híbrida ou atípica deve ser concedida, desde que preenchidos os pressupostos legais, ao trabalhador que, quando completar os requisitos ou fizer o requerimento, estiver trabalhando tanto na lavoura como no campo. Em dezembro de 2012. Otávio Augusto Salum Pereira OAB/SC 26.491 Especialista em Direito Previdenciário