O ADOECIMENTO DO DOCENTE DE ENSINO SUPERIOR E A REPERCUSSÃO SOBRE A SUA SAÚDE E O ENSINO



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Transcrição:

O ADOECIMENTO DO DOCENTE DE ENSINO SUPERIOR E A REPERCUSSÃO SOBRE A SUA SAÚDE E O ENSINO Wellington dos Reis Silva Universidade Federal de Uberlândia wellingtoneduca@yahoo.com.br Nara Michele Santana Carvalho Universidade Federal de Uberlândia naraestrelinha@yahoo.com.br A intenção deste artigo é apresentar por meio de um aprofundamento teórico o adoecimento de professores universitários e os seus reflexos na saúde do professorado, e conseqüentemente no ensino. Nesse sentido, partiremos do seguinte questionamento: Qual a relação existente entre as condições de trabalho do professor universitário e o aparecimento de diversas patologias que afetam negativamente a saúde do docente e a qualidade do ensino? Nessa perspectiva, acreditamos que o desenvolvimento deste artigo possibilitará a produção de conhecimentos que contribuirão de forma efetiva para a produção e reflexão de estudos acadêmico-científicos referentes à saúde, ao ensino, aos saberes e às práticas de professores que desenvolvem seu trabalho nos constructos de formação. As preocupações com a saúde do professor, em especial no caso brasileiro, apesar de recentes (CODO, 1999; LEMOS, 2005; ESTEVE, 1999) indicam que os problemas de saúde que afetam a categoria estão intimamente relacionados a um conjunto de fatores, entre os quais destacamos: o tipo de trabalho exercido, tendo em vista a responsabilidade pela formação de outros sujeitos; o excesso de trabalho; a precarização do trabalho, a perda de autonomia, a sobrecarga de trabalho burocrático, o quadro social e econômico e as condições de vida dos alunos. Em acréscimo, deve-se também às condições objetivas impostas pelas reformas educacionais a partir da segunda metade da década de 1990, que implicam em processos marcados por mecanismos de avaliação institucional e do conhecimento centralizados e desvinculados da prática cotidiana do trabalho do professor, típicos de um modelo produtivista e pragmático. Nesse contexto, alguns estudos sobre essa temática têm sido realizados no Brasil. A produção científica referente à atividade do docente relacionada com o seu adoecimento ainda é escassa. Estudos quantitativos com grandes amostras como em Codo e Batista (1999), Moura (2000 apud SARRIERA E ROCHA, 2006) foram investigados. Nestes estudos, apareceu fortemente a necessidade do desenvolvimento de pesquisas buscando compreender quais variáveis individuais e de contexto podem estar influenciando

o adoecimento destes docentes, a fim de buscar estratégias que possam contribuir na melhora do seu ambiente de trabalho. Assim sendo, pode-se dizer que o adoecimento dos docentes só adquire determinado sentido quando analisado no contexto do seu processo de trabalho. Entende-se, então, que problemas de saúde possuem componentes amplos e inter-relacionados, que não podem ser avaliados e tratados de forma isolada, devendo-se, no caso, levar-se em conta a complexidade e a dinâmica em que estão inseridos estes docentes. Sugere-se considerar então, um caráter multifacetado dos processos de trabalho. Numa perspectiva historicamente marximiana, pensar a ação e as práticas docentes, ou seja, o trabalho do professor universitário em meio aos imperativos e as imposições feitas pelo capitalismo definem-se um caráter particular para a atuação docente, tendo em vista seu papel no processo de reprodução social, que formalmente se caracteriza pelo processo de reprodução da propriedade privada e da desumanização, conflitando-se com a possibilidade de desenvolvimento das condições de humanização por meio do conhecimento. Esse quadro conflituoso imprime um caráter contraditório à sua atuação cotidiana, limitando o significado de seu trabalho e, ao mesmo tempo, imprimindo um novo sentido à sua prática. Tal condição é geradora de diferentes formas de reação, que podem levar a acomodação e à alienação, ou desencadear mecanismos de resistência tanto individuais quanto coletivos. Segundo Bizarro e Braga e (2005, p. 19), Exige-se-lhes que ofereçam qualidade de ensino, dentro de um sistema massificado, baseado na competitividade, muitas vezes com recursos materiais e humanos precários, com baixos salários e um aumento exacerbado de funções, o que contribui para um crescente mal-estar entre os professores. Segundo Nóvoa (1991, p. 20), essa precarização citada acima provoca um mal-estar nos professores, cujas conseqüências "estão à vista de todos, desmotivação pessoal, elevado índice de absenteísmo, de abandono, insatisfação profissional traduzida numa atitude de desinvestimento e de indisposição constante". Essa é a mais pura realidade cotidiana vivenciada pelos docentes, aqui me refiro, àqueles que desenvolvem o seu trabalho em todos os níveis de ensino. Pode-se observar a correria do dia-a-dia; as alterações de humor que ocorrem nas relações professor-aluno; a sobrecarga de tarefas, que precisa desdobrar-se em leituras para preparação de aulas, correção de trabalhos. No caso dos professores universitários, somam-se a estas, outras atividades como a participação em comissões, consultoria ad-hoc, a pressão institucional por publicação e pesquisa, de rendimento e melhoria na formação do aluno, a aprendizagem de novos recursos tecnológicos; a submissão a normas e regras técnicas da própria

instituição de ensino e as governamentais (CNPq, MEC, etc), para enumerar apenas algumas das mais evidentes. Tais atividades levam a uma rotina exaustiva, que deve ser administrada e incorporada às demais dimensões e papéis assumidos pelos professores no âmbito de sua vida privada, o que nem sempre se dá, e os predispõe ao adoecimento que os levam ao não reconhecimento de sua função de educador e do produto de seu trabalho. Vasconcelos (2006, p. 20) afirma que desde 1983, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta os professores como sendo a segunda categoria profissional, em nível mundial, a portar doenças de caráter ocupacional, incluindo desde reações alérgicas a giz, distúrbios vocais, gastrite e até esquizofrenia. O movimento de globalização e de políticas de ajuste neoliberal, tendo a economia como metodologia principal para a definição das políticas educativas (CORAGGIO, 2000), promoveu mudança no processo de trabalho e de gestão em educação superior (DURHAM e SAMPAIO, 2000), repercutindo nas condições de trabalho, no status social do professor e no valor que a sociedade destina à própria educação (ARÚJO et al., 2005). Segundo Mancebo e colaboradores (2006, p. 43): O sentido de todas essas mudanças é claro: de um modo geral, as políticas de educação superior da quase totalidade dos países estão levando a universidade a adotar um modelo, também chamado anglo-saxônico, que a configura não mais como uma instituição social, em moldes clássicos, mas como uma organização social neoprofissional, heterônoma, operacional e empresarial/competitiva. A orientação dominante na política educacional impõe à universidade pública constrangimentos que vão desde mecanismos dos mais diferentes tipos, usados para adequála à lógica do mercado, até a ameaça pura e simples de privatização. São as leis do mercado tornando-se cada vez mais presentes nas relações das instituições educacionais. Assim, assistimos a um deterioramento das condições de trabalho dos docentes que tem provocado mudanças em sua atuação e função social (Resende, 2005). É importante considerar que a forma de organização do trabalho na modernidade, marcada pela racionalização do trabalho, parcelarização e rotinização do trabalho, põe em ativo um processo que passa pela ruptura entre trabalho como expressão da realização humana e trabalho como mercadoria. No caso do trabalho dos professores, este processo se instala de modo a impor dentro da escola um processo de racionalização do trabalho que leva à perda de autonomia, desqualificação e perda do controle do processo e produto do trabalho. (APPLE, 1989), provocando a...proliferação de especialidade e o confinamento dos docentes em áreas e disciplinas (...) [associada à] delimitação de funções que são atribuídas de forma separada a trabalhadores específicos, desmembrando-se assim as competências de todos... (ENGUITTA, 1991, p. 48).

As formas de organização do trabalho no interior dos constructos de formação, em consonância com as transformações societárias, apontam, cada vez mais, para o trabalho do professor como o trabalho de prestador de serviços, associado a funções burocráticas, diminuindo as chances de realização do objetivo desejado com o trabalho educativo, qual seja, o saber, a reprodução e produção de conhecimento científico e a intensificação da condição humana. Nóvoa (1999) e Esteve (1995, 1999) denominam de mal-estar docente o fenômeno decorrente da mudança na política educacional, o qual se relaciona ao ambiente profissional do professor, estando presentes deficiências nas condições de trabalho, falta de recursos humanos e materiais, violência nas salas de aulas e esgotamento físico. Esse quadro favorece significativo desgaste biopsíquico do educador, produzindo, segundo Rocha e Sarriera (2006), um deslocamento do perfil das doenças relacionadas ao trabalho, destacando-se na atualidade, doenças como hipertensão arterial, doenças coronarianas, distúrbios mentais, estresse e câncer, dentre outras. Em recente pesquisa, Oliveira (2006) também aborda esse mal-estar docente, revelando como resultado desse processo manifestações como desinteresse, apatia, desmotivação e sintomas psicossomáticos : angústia, fobias, crises de pânico, o que parece caracterizar sintomas da síndrome de burnout (CARLOTTO (2002), REIS et al., (2006), OLIVEIRA (2006) e TAVARES e colaboradores (2007). Outras pesquisas (BOSI, 2007; MANCEBO et al., 2007; ARAÚJO et al., 2005; GASPARIN et al., 2005; LEITE et al., 2003; CARVALHO, 1995) apontam para a precarização do trabalho do professor universitário, evidenciada pela desvalorização da imagem do professor, baixos salários, intensidade de exposição a agentes de risco, carência de recursos materiais e humanos, individualidade em detrimento da coletividade, aumento do ritmo e intensidade do trabalho. Todas estas situações configuram fatores psicossociais do trabalho que podem gerar sobrecargas de trabalho físicas e mentais que trazem conseqüências para a satisfação, saúde e bem-estar dos trabalhadores (MARTINEZ, 2002). Dejours (1994), partindo da análise da psicodinâmica das situações de trabalho, considera que quando o trabalho torna-se fonte de tensão e de desprazer, gerando um aumento da carga psíquica sem possibilidade de alívio desta carga por meio das vias psíquicas, ele dá origem ao sofrimento e à patologia. Sendo assim, a insatisfação no trabalho é uma das formas fundamentais de sofrimento no mesmo. As pesquisas que tomam como temática a relação saúde-doença do professorado indicam que, hoje, de modo mais intenso, a submissão do trabalhador à realização de um trabalho esvaziado de seu sentido compromete a concretização de uma educação para a emancipação e para a autonomia. Baixos salários, relações interpessoais conflitantes, péssimas condições de trabalho, desvalorização profissional são alguns dos fatores que acrescidos às mutações do trabalho e suas implicações para as relações de produção colaboram para o agravamento desse quadro.

O professor, para minimizar o mal-estar advindo do exercício de uma atividade de trabalho em que se esvaem suas energias, procura formas para escapar do mal que se abate sobre ele. Ao nos perguntarmos se esta fuga constitui sinal de resistência ou meio de sobrevivência, respondemos, em virtude do amálgama que liga, indissoluvelmente, corpo e alma, tratar-se, fundamentalmente, da necessidade do sobreviver, pois, não nos resta, como trabalhadores, outra opção: pensar como o mestre ou viver a dupla exclusão, material e espiritual. Muitos professores reagem de maneiras diferentes aos mais variados fatores que os levam ao adoecimento, contudo está na relação aluno-professor a maior fonte de oportunidade para o aparecimento das doenças psicofísicas, bem como de grandes oportunidades de recompensas e gratificações. Maslach e Leiter (1999) também partilham desta opinião. Para eles, os prejuízos desta relação dizem respeito não só ao bem-estar do professor, mas também à carreira e à aprendizagem dos alunos. As conseqüências do adoecimento dos professores não se manifestam somente no campo pessoal-profissional, mas também trazem repercussões sobre a organização escolar e na relação com os alunos. A adoção de atitudes negativas por parte dos professores na relação com os receptores de seus serviços deflagra um processo de deterioração da qualidade da relação e de seu papel profissional (FARBER, 1991; RUDOW, 1999). Trabalhar não é só aplicar uma série de conhecimentos e habilidades para atingir a satisfação das próprias necessidades; trabalhar é fundamentalmente fazer-se a si mesmo transformando a realidade (MARTÍN-BARÓ, 1998). Partindo da concepção de que o homem é um ser social historicamente determinado, que se descobre, se transforma e é transformado pela via do trabalho, é que acreditamos ser importante para a qualificação desta construção social entender os fenômenos psicofísicos e sociais que envolvem o trabalho humano. Adoecer, lastimavelmente, não há dúvida, é um destes fenômenos. É importante destacar que a prevenção e a erradicação de diversas doenças desenvolvidas nos professores oriundas principalmente das condições impostas pelo seu trabalho, não é tarefa solitária docente, mas deve contemplar uma ação conjunta entre professor, alunos, instituição de ensino e sociedade. As reflexões e ações geradas devem visar à busca de alternativas para possíveis modificações, não só na esfera microssocial de seu trabalho e de suas relações interpessoais, mas também na ampla gama de fatores macroorganizacionais que determinam aspectos constituintes da cultura organizacional e social na qual o sujeito exerce sua atividade profissional. A necessidade de continuar o debate acerca do adoecimento do professor de ensino superior e as repercussões sobre a sua saúde e o ensino, debate este teórico, pedagógico e crítico referente ao mal estar do professor, justifica a relevância deste trabalho. Além disso, é imperativo propor alternativas concretas e viáveis que sejam capazes de amenizar as doenças ocupacionais no exercício da docência, oferecer melhorias das condições de trabalho dos professores, proporcionando-lhes saúde e qualidade de vida, bem estar docente

e, principalmente, a melhoria de sua prática pedagógica concomitantemente à qualidade do ensino. Para isso, sugerimos um estudo com base em diversas fontes sobre os materiais de formação e atuação de professores para o magistério superior na atualidade, as suas condições de trabalhos na instituição, os riscos à saúde, à qualidade de vida do professor e à qualidade do ensino. Referências APPLE, M. Educação e Poder. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989. ARAÚJO, T. M.; SENA, I. P., VIENA, M. A.; ARAÚJO, E. M. Mal-estar docente: avaliação de condições de trabalho e saúde em uma instituição de ensino superior. Revista Baiana de Saúde Pública, 2005. BIZARRO, R.; BRAGA, F. Ser professor em época de mal-estar docente: que papel para a universidade? Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas. Porto Alegre: v.22,, 2005, p. 17-27. BOSI, A. P. A precarização do trabalho docente nas instituições de ensino superior do Brasil nesses últimos 25 anos. Educação e Sociedade, 2007. CARLOTTO, M. S. A síndrome de burnout e o trabalho docente. Psicologia em Estudo, 2002. CARVALHO, H. T. T. K. Professora primária: amor de dor. In: CODO, W. ; SAMPAIO, J. J. C. (Org.). Sofrimento psíquico nas organizações: saúde mental e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1995. CODO, W. Educação: carinho e trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.. ; BATISTA, A. S. O que é burn-out. In Educação, Carinho e Trabalho. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. CORAGGIO, J. L. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção. In: TOMMASI, L. D.; WARDE, M. J. ; HADDAD, S. O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2000. DEJOURS, C. A carga psíquica do trabalho. In: BETIOL, M. I. S. (Org.). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. DURHAM, E. R. ; SAMPAIO, H. O setor privado de ensino superior na América Latina. Cadernos de Pesquisa, 2000. ENGUITTA, M. F. A ambigüidade da docência: entre o profissional e a proletarização. Teoria & Educação, n.4, 1991. ESTEVE, J. M. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. São Paulo: Edusc, 1999.. Mudanças sociais e função docente. In: Nóvoa, A. (org.) Profissão professor. 2 ed. Porto, Portugal: Porto Editora, 1995.

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