O DIREITO DE BRINCAR NA CONCEPÇÃO DA CRIANÇA

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Transcrição:

O DIREITO DE BRINCAR NA CONCEPÇÃO DA CRIANÇA Déborah Cristina Málaga Barreto 1 Mara Silvia Spurio Aranda 2 Silvia Elizabeth Gabassi 3 Fig. 1 Direito de Brincar A análise de fatos que acontecem na sociedade hoje nos faz refletir sobre diversas situações diferenciadas e nos remete a muitos questionamentos com relação a direitos e deveres. Porque a sociedade está como está? Porque o respeito aos outros e a natureza está cada vez mais raro? Como os direitos e deveres são ensinados e quando isso pode ser feito? A formação de pessoas para uma atuação digna na sociedade começa ainda na infância, no âmbito familiar, por ser esta a instituição primeira da qual a criança faz 1 UEM Universidade Estadual de Maringá e SME Secretaria Municipal de Educação de Londrina. 2 SME Secretaria Municipal de Educação de Londrina. 3 SME Secretaria Municipal de Educação de Londrina.

parte. Assim, a formação de pessoas comprometidas, participativas na sociedade não ocorre repentinamente e de um instante para outro. É uma construção que vai sendo realizada de forma lenta e desde muito cedo. Depois, num momento posterior a escola é co-participante desta formação. Entender o que são direitos e deveres faz parte de uma formação básica para a apropriação de diversos outros conceitos dos quais um cidadão deve ter conhecimento para uma atuação social responsável. Assim é para formar um cidadão. A responsabilidade desta formação se inicia com a família, por ser a primeira instituição da qual a criança faz parte. Depois, a medida que criança passa a fazer parte de outras instituições, elas também devem colaborar para tal formação. Uma destas instituições é a escola. Apesar de alguns estudiosos defenderem a idéia de que a atual situação não seja ainda a ideal, quando pensamos na situação social das crianças hoje, nem sempre temos noção de situações já vivenciadas pelas crianças em outras épocas. Ao fazermos uma retrospectiva da história podemos nos deparar com fatos no mínimo curiosos. Podemos definir criança como uma pessoa de pouca idade, que se encontra no início de desenvolvimento. O termo infância, por ser mais abstrato, refere-se a uma fase da vida, ou a uma geração mais jovem. Ao mesmo tempo em que percebemos diferença nos termos, eles estão intimamente relacionados, pois ser criança é ter infância (MÜLLER, 2007, p.19). A criança sempre existiu, a criança sempre foi criança, com suas características e necessidades. Porém, o que mudou, ao longo da história, é a característica de cada tempo e de cada lugar. Em cada momento histórico o olhar e as ações relacionadas ao cuidado da criança eram guiados por normas diferentes, ditadas pelo contexto da época. De forma geral, na história tradicional a criança não aparece. Essa história é de adultos porque o que se conta é o que o adulto registra em ambiente público realizado por pessoas adultas. A criança não se registra sozinha. Assim, por muito tempo não houve a história contada das crianças. Mas, no século XX, já se fez algo dessa história. Quando começou a haver o interesse pela história da vida privada e pelas mentalidades de época, buscaram-se registros e significados também da infância (MÜLLER, 2007, p.19). Ao analisarmos a história da infância contada por Müller (2007), constatamos diversas situações onde a criança nem sempre teve o respeito que tem atualmente e, também, nem sempre seus direitos foram garantidos como são nos dias atuais. A

história da infância é polêmica, uma vez que, por muito tempo a criança não aparece na história, estes estudos passam a ter um maior interesse no século XX, com escassas fontes de pesquisas. O termo infância surge na Idade Média, na Espanha. Este período foi uma época marcada por penúria, pestes, guerras civis e religiosas, invasões de territórios, conflitos internacionais e também por uma redefinição de espaços privados. Em todo esse contexto, a situação da criança era de descaso, pois a criança ficava um curto tempo de sua vida em companhia de sua família. Ao parar de ser amamentada, convivia em público e ajudava nos afazeres domésticos, não só de sua própria família, mas de outras também. O índice de mortalidade infantil pelas más condições de higiene, pestes e pobreza eram altos, também existiam maus-tratos e assassinatos. Entre os séculos XVI e XVIII, as tendências mundiais desencadeiam novos movimentos: descobrimentos de novas terras, conquista de territórios, guerras, reformas religiosas, expansão da prática de leitura, surgimento da imprensa e outras tantas descobertas foram também modificando aspectos da sociedade e reorganizando a vida familiar. Consequentemente, também ocorreram alterações com relação ao tratamento à infância. A criança começa a ser valorizada e surge a preocupação com sua educação, com as formas de ensinar e formas de tratamento. Iniciou nesse período um interesse pela saúde física da criança e o estado incentivava a manutenção de suas vidas, o que hoje nos parece ser uma aberração. A partir do século XVI, a criança adquire outro status. Começa a haver uma atitude diferente, não somente da família com relação a ela, senão também da Igreja e do Estado. Os intelectuais moralistas foram importantes na disseminação da nova ideia de infância e, mais tarde, os médicos. A vida da criança foi melhorando em termos de proteção e cuidado, e as instituições iam lucrando com a sua conservação (MÜLLER, 2007, p.46). As mudanças na sociedade continuaram ocorrendo. A partir da Revolução Francesa, alguns segmentos sociais intensificam sua atenção para a infância, saúde e educação das crianças ficaram em evidência e o trabalho infantil tornou-se limitado com a promulgação de uma lei em 1841. A escola passou a ser obrigatória, mas isso não garantiu a freqüência. A partir de então, intensificam-se as preocupações com a aspectos relacionados a infância. No Brasil, algumas características do contexto mundial se mantiveram e outras foram construídas no contexto nacional devido a colonização feita por brancos e negros,

somada aos costumes dos indígenas que já habitavam o território. A vida dos(das) sinhozinhos(as), dos(das) curumins e dos(das) moleques(cas) coincidiam em alguns momentos e diferenciaram bastante em outros. Os brancos iam estudar e os negros, trabalhar. Os pequeninos podiam conviver todos praticamente juntos, mas aos 7 anos os destinos concretamente se distanciavam. (MÜLLER, p.110) No século XX, alguns documentos podem ser citados como marco legal que orientaram a formulação das políticas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959), Constituição da República Federativa do Brasil (1988) e, para implementar o artigo 277 da constituição, em 1990 foi sancionada a Lei Federal 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Constituição Federal ao elencar os direitos fundamentais da criança e do adolescente denominado como doutrina da proteção integral, apresenta: É direito da família, da sociedade e do Estado assegurara, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (PARANÁ, 2001, p10) O ECA estabelece os direitos e deveres da criança e do adolescente, além de fixar as responsabilidades do Estado, da sociedade e da família com o futuro das novas gerações, apresentando uma nova postura a ser tomada (PARANÁ, 2001, p.11). Na década de 90 houve, em diversos segmentos da sociedade, uma ampla divulgação da lei, fato que parece estar hoje um pouco esquecido, principalmente nas escolas. A presente pesquisa foi realizada junto a um grupo de crianças que freqüentaram escola pública e particular na Educação Infantil e 1º. Ano do Ensino Fundamental no ano de 2009, no intuito de verificar qual a concepção que as crianças pequenas, com idade entre 5 anos e 4 meses e 6 anos e 9 meses possuem sobre seus direitos. O objetivo foi verificar qual a concepção deste grupo de crianças a respeito de direitos, tendo como parâmetro o Estatuto da Criança e do Adolescente. Após a verificação inicial foi realizada uma intervenção com o intuito de apresentar o tema às crianças e então, realizar nova verificação sobre o conceito trabalhado.

O trabalho foi dividido em três momentos: verificação do que entendiam por direito, uma breve intervenção onde o tema deveria ser abordado, e então, nova verificação a respeito do entendimento novo sobre o que é direito. Para isso, foi planejada uma aplicação dos conteúdos, de forma prática com este grupo de crianças. O objetivo geral desdobrou-se em inicialmente saber a concepção das crianças da educação infantil sobre o que significa ter direitos, após este levantamento foi planejada uma intervenção onde o assunto Direitos da Crianças seria abordado, tendo por objetivo verificar se houve alteração, ou não, no conceito sobre direitos. Dentre os direitos que compõem o rol contido no ECA, o escolhido para ser detalhado foi o direito de brincar. A aplicação da proposta se deu em duas escolas, uma da rede municipal de ensino e outra da rede particular. As crianças possuíam faixa etária entre 5 anos e 4 meses e 6 anos e 9 meses, cursavam a educação infantil e o 1º ano do Ensino Fundamental e estudavam todas no período da tarde. O grupo com o qual foi desenvolvido o trabalho era composto por 37 crianças, 17 meninos e 18 meninas. A professora da escola da rede municipal, na qual foi desenvolvida esta experiência, comumente utiliza o desenho como recurso para que as crianças se expressem, em diversas situações, portanto, é uma atividade com a qual as crianças estão habituadas. No entanto, as solicitações que já haviam sido feitas até a época de aplicação desta proposta, basearam-se na proposta de desenhos voltadas para um tema relacionado a algo considerado, pela própria professora, mais concreto. Ao ser solicitado o desenho abordando um conceito, percebeu-se certo desconforto da turma, pois tiveram que desenhar o que entendiam por direitos, no sentido de verificar uma aproximação do conceito de direito que é estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Apesar deste desconforto inicial a proposta foi aceita e executada. Dos 27 alunos que participaram, apenas três realizaram o desenho vinculado ao que é preconizado pelo ECA: um que desenhou o direito de brincar e os outros dois desenharam o amor e o carinho da família e o direito de ficar com pai e mãe. Os demais demonstraram certa confusão entre direitos e deveres no sentido de regras estabelecidas pela escola: ficar quietinho, não bater, obedecer a amiga, não destruir os carros, respeito, obedecer os adultos, fazer tudo o que a professora manda, não falar palavrão, fazer fila pra beber água, obedecer a mãe. Alguns não sabiam o que é ter direito e outros desenharam direito como uma localização relacionada ao espaço: pra lá, ou ao

esquema corporal: pé direito, mão direita. A criança que se referiu ao esquema corporal é a criadora do desenho a seguir: Fig. 2 Direito como sentido de direção Na escola particular, as crianças aceitaram a proposta sem questionamento. Na grande maioria, desenharam situações nas quais aparece o direito como autorização: jogar no computador, ir na piscina, andar de skate na chuva, passear com os amigos entre outros relatos. Neste grupo das 10 crianças que participaram, três se aproximaram dos direitos estabelecidos no ECA, foram as que relataram ter desenhado eu brincando, ter uma família e brincando na praça. A etapa seguinte foi realizada alguns dias após a fase em que solicitamos que desenhassem o que entendiam por direito. Ao chegarmos em uma das salas, ao ser feita o contato inicial, perguntando se eles lembravam o que havíamos feito no encontro anterior, aquela mesma criança que se referiu ao esquema corporal, na proposta anterior, manifestou sua opinião afirmando que como naquele dia foi visto o lado direito, hoje seria o esquerdo.

Fig. 3 Direito de Brincar Após a parte inicial de contato com as crianças de ambas as escolas, lembrandoas que havíamos solicitado um desenho do que entendiam por direito, passamos para a etapa seguinte que seria a explicação sobre o que é o ECA e a leitura de um artigo desta lei. Porém, para que houvesse uma melhor compreensão, foi feito um breve relato contando a história da infância e como era a vida das crianças em outros tempos. Foi dito para elas que nem sempre as crianças foram respeitadas como elas são agora. Em outras épocas e lugares, as crianças já tiveram que trabalhar, já foram maltratadas por qualquer coisa e nem sempre foram consideradas como pessoas, tinham uma vida muito diferente do que é atualmente. Teve até um tempo que elas não tinham direito de ir à escola, nem de brincar. Os tempos foram passando e foram surgindo pessoas preocupadas com a situação das crianças e foram surgindo leis para garantir os direitos e os deveres das crianças e dos adolescentes. Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente os direitos e deveres ficaram garantidos. E assim foi sendo contada a história das crianças para as crianças da pesquisa. Neste momento, houve um grande interesse, silêncio e concentração para ouvir a professora contar sobre as crianças de outras épocas, principalmente quando foi falado que o direito de brincar, assim como o de estudar, nem sempre foram garantidos. Essas informações provocaram um debate interessante. Cada aluno queria contar experiências vivenciadas em seus momentos de brincar.

Como havia sido planejados, foram lidos dois artigos do ECA e explicado que com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente todos os direitos das crianças ficaram garantidos. Nesse estatuto, o artigo 15 fala o seguinte: A criança e o adolescente têm direito a liberdade, ao respeito, a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (PARANÁ, 2001, p.152) E o artigo 16 complementa: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I ir e vir nos logadouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II opinião e expressão; III crença e culto religioso; IV brincar praticar esportes e divertir-se; V participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI participar da vida política, na forma da lei; VII buscar auxílio, refúgio e orientação. (PARANÁ, 2001, p.152) Após a leitura, foi aberto um espaço de tempo para uma conversa sobre o assunto e depois de um tempo conversando sobre o tema fizemos a solicitação de um desenho sobre o direito de brincar. Novamente tivemos como surpresa a riqueza do debate desenvolvido por alunos com tão pouca idade: o respeito a natureza, religião e amizade foram mencionados também no debate após a leitura dos artigos. Nesta segunda etapa, percebeu-se que já não houve resistência nem mesmo desconforto diante da solicitação de um novo desenho, quando realizada. Fato que havia sido percebido na proposta anterior. As crianças de maneira geral se empenharam mais na realização da atividade, os desenhos ficaram mais alegres e coloridos, com mais vida. Houve relatos interessantes relacionados ao tema proposto para ser desenhado. Em todos os desenhos aparecem brincadeiras e brinquedos. No entanto, nem todas as crianças conseguiram elaborar o conceito de direito, pois algumas continuaram

fazendo referência ao direito, como permissão, fato que foi constatado na hora em que conversamos sobre o desenho. Este trabalho permite chegarmos a algumas conclusões que servirão para estas duas escolas redefinirem o planejamento para o próximo ano. Percebemos que um tempo maior deveria ser dedicado a este trabalho, pela complexidade e abstração que envolvem o tema. Infelizmente, o curto espaço de tempo que teríamos para esta pesquisa, tornou isto inviável. Contudo, sugerimos um investimento maior no tema para o próximo ano. Fig. 4 e Fig.5 Detalhes do desenho de uma criança, antes e após a intervenção Conforme informação da equipe pedagógica das escolas, a inclusão do tema no planejamento já existe, mas o trabalho sobre ele precisa ser intensificado. Concluímos que o conteúdo pode ser trabalhado de forma transversal, durante todo o ano. Não há necessidade de ter um tópico do planejamento, em um determinado bimestre que aborde o assunto. Na conversa final com as escolas, as próprias professoras concluiram que para o próximo ano, um tempo maior deverá dedicado ao assunto e de forma melhor elaborada para que os resultados possam ser diferentes. Apesar de sabermos que a apropriação de conceitos abstratos é difícil para as crianças pequenas, acreditamos que o tema que foi foco do trabalho direitos e o direito de brincar deve ser trabalhado com as crianças desde idades como as dos alunos que fizeram parte da pesquisa. Desde muito cedo as crianças podem estar em contato com temas como este. Com o desenvolvimento deste trabalho constatamos também a necessidade de um trabalho de retomada do ECA por parte das escolas, ou instituições que atendem crianças, pois observamos na fala das professoras responsáveis pelas duas salas de aula, que o tema não havia sido abordado adequadamente e com a intensidade necessária,

durante o ano letivo, apesar de constar no planejamento anual uma unidade denominada Criança e sociedade. Com a pesquisa conclui-se que há necessidade de um maior investimento no assunto por parte das instituições responsáveis pela formação das crianças, entre elas a escola, uma vez que o tema é contemplado no currículo. Temos a convicção de que, se trabalharmos na base de nossos cidadãos hoje, contribuindo para uma formação pautada no que já temos visto sobre respeito, direito, deveres, dignidade, teremos um futuro diferente. Fig. 6 Direito de Brincar

REFERÊNCIAS: MÜLLER, Verônica Regina. Histórias de crianças e de infâncias: registros, narrativas e vida privada. Petrópolis: Vozes, 2007. PARANÁ Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente. Política de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Paraná. Curitiba: CEDCA, 2001.