Discurso do Presidente da Autoridade da Concorrência Abertura da 3.ª CONFERÊNCIA LUSO-ESPANHOLA DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA 28 novembro 2013 Senhor Presidente do Círculo dos Advogados Portugueses de Direito da Concorrência, Senhor Presidente da Associação Espanhola para a Defesa da Concorrência (Asociación Española para la Defensa de la Competencia), Minhas Senhoras e meus Senhores, Começo por expressar o meu agradecimento à direcção do Círculo dos Advogados Portugueses de Direito da Concorrência e à direcção da Associação Espanhola de Defesa da Concorrência pelo convite que me endereçaram para participar na 3.ª Conferência Luso-Espanhola de Direito da Concorrência, este ano em Portugal. A Conferência apresenta-se como um verdadeiro fórum de discussão, não apenas entre advogados, mas entre todos aqueles que, seja do lado das empresas, dos reguladores sectoriais, das Autoridades da Concorrência ou dos Tribunais, diariamente contribuem para a valorização de uma indispensável cultura de concorrência. Os meus sinceros parabéns por esta iniciativa. Beneficiaremos seguramente todos deste diálogo. Aproveito para saudar o presidente da recém-criada Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência, José Maria Marín Quemada e a sua vice-presidente María Fernandez Perez, que se juntarão a nós amanhã. A Autoridade da Concorrência e a sua congénere espanhola sempre foram bons aliados e sempre procuraram uma parceria privilegiada. As relações económicas de proximidade entre os dois países e a interdependência dos mercados no espaço ibérico exigem um diálogo contínuo para uma aplicação efetiva do direito da concorrência. Esta cooperação estratégica foi recentemente determinante para a investigação 1
conjunta de um cartel, que resultou na condenação de empresas no mercado português e no mercado espanhol. Num outro plano, já em 2014 terá lugar a terceira edição do Fórum Ibérico da Concorrência, onde a troca de experiências reforça a capacidade de atuação das duas Autoridades, nos diferentes domínios das suas atribuições. Esta Conferência Luso-Espanhola de Direito da Concorrência realiza-se num momento muito particular para a concorrência, quer em Portugal, quer em Espanha. Em Portugal, promoveu-se uma reforma estruturante do quadro institucional e normativo, com a aprovação da nova lei da concorrência e com a criação do novo Tribunal especializado, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. Em Espanha, completou-se agora uma profunda reforma institucional que culminou com a criação da Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência. Neste contexto de mudança, maior é a relevância do diálogo entre autoridades, advogados e empresas, em torno da discussão de temas estratégicos, com o objetivo comum da defesa e promoção da concorrência, condição imprescindível para economias estruturalmente sólidas. Neste sentido, devo reiterar que a promoção da concorrência não é uma tarefa exclusiva das autoridades da concorrência. Está desde logo nas mãos das empresas, que procuram diariamente conquistar mercados e ganhar clientes, concorrendo em qualidade, em eficiência e em inovação. Essa rivalidade e competitividade são essenciais para uma economia dinâmica. Todos queremos empresas mais sólidas e competitivas. Mas neste diálogo, a promoção da concorrência está também nas mãos dos advogados. Estes são essenciais no aconselhamento das empresas e na interação com as autoridades e os reguladores. O desafio é garantir que conseguimos empresas sólidas e competitivas, cumprindo as regras do jogo. Resultados sustentados em práticas proibidas não criam valor; antes 2
destroem a economia. Sendo este um fórum organizado por avogados, permitam-me que entenda que a responsabilidade da promoção de uma cultura de concorrência deve ser convosco partilhada. Os advogados de concorrência ajudam as Autoridades a perceber melhor o racional, as necessidades e os objectivos das empresas; exigem maior rigor técnico, celeridade, transparência, eficiência e respeito pelos direitos de defesa e pela equidade processual. Por outro lado, os advogados de concorrência podem e devem ajudar as empresas a conhecer melhor as regras aplicáveis e as vantagens da concorrência e, naturalmente, o risco e as pesadas consequências da violação da lei. Centrando-nos agora no programa desta conferência, felicito os organizadores pela atualidade e relevância dos três grandes temas da conferência: (i) 10 anos de aplicação do Regulamento 1/2003; (ii) tutela jurisdicional e private enforcement, e (iii) concorrência e regulação. Nesta Conferência, assinalam-se os 10 anos da aprovação do Regulamento 1/2003. O Regulamento 1/2003 introduziu uma alteração profunda na aplicação do direito europeu da concorrência, criando um sistema descentralizado de aplicação das normas europeias da concorrência, os artigos 101.º e 102.º do Tratado, no qual a Comissão Europeia e as autoridades nacionais da concorrência formam em conjunto a Rede Europeia da Concorrência (Rede ECN). A troca de experiências e a estreita cooperação entre as autoridades da concorrência europeias têm contribuído para uma aplicação mais uniforme do direito da concorrência. Ao mesmo tempo, as empresas e os seus advogados assumiram uma maior responsabilidade na avaliação da compatibilidade das estratégias comerciais das empresas com as regras de concorrência, passando a incorporar nas suas análises de risco não apenas a prática nacional mas também a prática observada na União Europeia relativamente a determinado tema. 3
A Rede ECN tem sido responsável por um crescente movimento de convergência na aplicação do direito da concorrência, que permitiu, por exemplo, a introdução em Portugal de mecanismos inovadores a nível contraordenacional, como é o caso dos programas de clemência e dos procedimentos de transação. Não posso deixar de destacar a importância do regime de clemência para a criação de uma cultura de concorrência, que se revela fundamental para a solidez da economia. As práticas ilícitas afetam diretamente o quotidiano dos consumidores e prejudicam o desenvolvimento económico, exigindo firmeza e determinação na investigação dessas práticas. Nessa medida, o regime de clemência constitui um importante instrumento na prevenção, deteção e punição de infrações, permitindo que as empresas possam contribuir ativamente no combate, por exemplo, a cartéis ou práticas concertadas que lesam a economia. Cabe por isso a cada empresa proteger o seu direito a concorrer livremente no mercado, sendo certo que a clemência protege os audazes: os que têm o discernimento e a lucidez de entender a gravidade das infrações em que participaram e que, justamente por isso, podem beneficiar de uma isenção ou redução de coima. Esta Conferência debruça-se ainda sobre o tema do private enforcement, de que se esperam desenvolvimentos a breve trecho no sentido de uma maior convergência na aplicação do direito da concorrência. A Comissão Europeia apresentou em Junho de 2013 uma proposta de Diretiva relativa a esta matéria. Esta proposta representa o culminar de vários anos de trabalho da Comissão neste domínio e dá expressão à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia segundo a qual a plena eficácia das regras de concorrência implica a reparação dos danos causados pela sua violação. Várias das regras propostas pela Comissão têm como objectivo remover os obstáculos à efetiva reparação dos danos que resultem da violação das regras de concorrência, 4
criando mecanismos eficazes de compensação que funcionem de forma tanto quanto possível harmonizada no seio da União Europeia. De entre estas regras, uma das questões em discussão prende-se com o possível efeito vinculativo das decisões das autoridades de concorrência no que respeita à constatação de uma violação das regras da concorrência. Importa, em todo o caso acautelar que a aplicação privada do direito da concorrência não prejudica a sua aplicação pública, para o que releva nomeadamente a proteção dos documentos de clemência e das propostas de transação. Não posso agora deixar de referir a importância dos tribunais na aplicação de regras nacionais e da União Europeia do direito da concorrência. Em Portugal, compete por um lado aos Tribunais controlar judicialmente a actuação da Autoridade da Concorrência e, por outro lado, deliberar sobre os litígios entre particulares, nomeadamente através da concessão de indemnizações às vítimas das infracções. Nessa medida, importa realçar o caminho já iniciado com a criação de um Tribunal especializado em matéria de concorrência. O papel exigente que cabe ao Tribunal justifica que o mesmo possa ter condições para acumular experiência e conhecimento, o que passa necessariamente pela estabilidade e reforço dos seus quadros. A aplicação eficaz das regras da concorrência está também intrinsecamente ligada ao terceiro e último tema da conferência Concorrência e Regulação, no qual serão abordadas as recentes reformas em Espanha e nos Países-Baixos e o papel das autoridades da concorrência nos tempos de crise. Este último tema é desafiante. Sem querer simplificar o debate, acredito sinceramente que um país exposto a concorrência resiste com maior flexibilidade aos choques que enfrenta e está em melhores condições para fazer face aos ajustamentos que se impõem numa sociedade cada vez mais global. Nessa medida, o cumprimento das 5
regras é ele próprio condição para um reforço da produtividade e da competitividade das empresas, pressuposto fundamental para vencer a crise. Minhas Senhoras e meus Senhores, O programa desta Conferência é claramente ambicioso, ao abordar 10 anos de aplicação do Regulamento 1/2003, bem como vários dos desafios que se colocam no presente ou poderão colocar no futuro às autoridades da concorrência, aos tribunais, aos advogados e às empresas. Formulo votos de um bom trabalho nestes dois dias, estando convicto que dos trabalhos resultará reforçada a importância da defesa da concorrência para o desenvolvimento de uma economia robusta, dinâmica, assente na competitividade, na inovação e no crescimento sustentado. António Ferreira Gomes 6