2. Ambientes de Inovação

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Transcrição:

22 2. Ambientes de Inovação Neste capítulo, contextualizam-se os ambientes de inovação, apresentando-se os conceitos de Sistemas de Inovação. Em seguida, descrevese o Sistema Brasileiro de Inovação e sua perspectiva histórica. Por fim, o capítulo apresenta o conceito da Hélice Tríplice, discutindo sua importância na abordagem dos Parques Tecnológicos e Científicos e dos Parques de Inovação. 2.1. Sistemas Nacionais de Inovação A era da sociedade industrial esgotou-se e o novo paradigma histórico é a sociedade do conhecimento. Dentre os principais desafios deste novo tempo, salienta-se a inserção competitiva de regiões e países em uma economia global em que a competitividade passa a depender cada vez mais da educação do povo e de sua capacidade de gerar conhecimento e inovação (SPOLIDORO, 1996). Os países vivem hoje o desafio de desenvolvimento em um ambiente econômico baseado no conhecimento e caracterizado pela existência de mercados competitivos. Para alcançar dinamismo e competitividade mundial, eles necessitam transformar o conhecimento produzido em inovação e, em busca dessa inovação, devem construir ambientes favoráveis, contemplando fortalecidos Sistemas Nacionais de Inovação - SNI. Um Sistema Nacional de Inovação é constituído por um grupo articulado de recursos técnicos, humanos, organizacionais, gerenciais e financeiros em suporte a iniciativas de inovação e empreendedorismo. O Sistema está ligado à capacidade de aprendizado de um país e, portanto, à sua capacidade em se adaptar às mudanças do ambiente (LUNDVALL, 2001). As interações entre as instituições dos setores público e privado geram, modificam e difundem novas tecnologias, sendo a inovação e o aprendizado seus aspectos fundamentais. É possível perceber, então, que o fluxo de interações e o nível de articulação entre os diversos atores que compõem um sistema é o que determina a maturidade do SNI e sua capacidade de gerar inovação. O conceito de Sistemas Nacionais de Inovação foi construído ao longo do tempo, recebendo contribuição de vários autores, dentre os quais se destacam Freeman, Lundvall, Edquist e Nelson. Freeman (1995) foi um dos primeiros a conceituar o Sistema Nacional de Inovação como um conjunto de instituições,

23 atores e mecanismos em um país que contribui para a criação, o avanço e a difusão das inovações tecnológicas. É possível destacar, dentre esses, os institutos de pesquisa, o sistema educacional, as empresas e seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, as agências governamentais, a estrutura do sistema financeiro, a legislação de propriedade intelectual e os centros universitários. Ainda nos anos 90, antes da abordagem proposta por Freeman, Lundvall e Nelson abordaram as dimensões do Sistema Nacional de Inovação. Lundvall (1992) observou que as estruturas de produção e a definição institucional são duas dimensões importantes para definir os Sistemas Nacionais de Inovação, reconhecendo que a organização desses sistemas é influenciada por fatores econômicos, políticos e culturais que ajudam a determinar o impacto, a direção e o sucesso de todas as atividades de inovação no país. Nelson (1993) reforça essa observação, ao constatar, em um estudo comparativo dos Sistemas Nacionais de Inovação de 15 países, que fatores como estrutura econômica, bases de conhecimentos e instituições específicas são fundamentais na diferenciação dos sistemas de cada país. Albuquerque (1996, p.63) definiu esse sistema como "uma construção institucional, produto de uma ação planejada e consciente ou de um somatório de decisões não planejadas e desarticuladas que impulsiona o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas". Edquist (2001) considera um sistema de inovação como um conjunto composto por todas as entidades econômicas, organizações sociais e políticas e outros fatores que influenciam o desenvolvimento, a difusão e o uso da inovação. Os diversos pontos de vista, evidenciados pelos autores na literatura, destacam a importância da interação entre os atores e instituições que participam do processo de inovação e da análise do desempenho inovador pela identificação dos benefícios gerados à sociedade. 2.2. Sistema Brasileiro de Inovação Albuquerque (1996) sugere a divisão dos Sistemas Nacionais de Inovação em três conjuntos: o primeiro, que abrange os sistemas de inovação que capacitam os países a se manterem na liderança do progresso tecnológico internacional (sistemas observados nos principais países capitalistas desenvolvidos); o segundo, que envolve os sistemas de países que possuem

24 como principal objetivo a difusão de inovações, ou seja, países capacitados a absorver criativamente os avanços gerados nos centros mais avançados; e, por fim, o terceiro conjunto do qual participam os países cujos sistemas de inovação não se completaram, e, portanto, são imaturos. O Brasil e a Argentina, de acordo com Albuquerque (1996) e Villaschi (2005) enquadram-se nessa terceira categoria, ou seja, países que construíram uma infraestrutura mínima de ciência e tecnologia que, combinada com a sua baixa articulação com o setor produtivo, contribuiu muito pouco para o desempenho econômico do país. Nos últimos 15 anos, houve esforços significativos para mudar essa condição, ainda insuficientes, contudo, para alterá-la estruturalmente. De acordo com Suzigan & Albuquerque (2008), o Brasil caracteriza-se por ser um país cuja industrialização e criação das instituições de pesquisa e universidades ocorreram em caráter tardio. A partir de 1808, com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, várias faculdades isoladas foram criadas, porém apenas em 1920 começaram as tentativas de criação de universidades, mas a literatura brasileira considera que somente em 1934 foi criada a primeira universidade do país, a Universidade de São Paulo USP. De fato, é possível afirmar que a pesquisa científica já era praticada no Brasil antes de 1920, porém, fora do sistema de ensino superior. A base produtiva brasileira, a partir dos anos 50, passa a ser fortemente multinacionalizada (SALERMO & KUBOTA, 2008). O governo passa a enfatizar a industrialização rápida por meio do aprofundamento do processo de substituição de importações, pela importação de tecnologias via investimento direto estrangeiro, dando pouca ênfase às economias de escala e à capacitação do setor produtivo interno (PACHECO, 2003). Esse período foi caracterizado pela exploração do mercado interno por parte das empresas estrangeiras, o que, embora tenha abreviado os passos da industrialização, não estimulou a inovação local. O frágil sistema monetário-financeiro do Brasil só passou a contar com agentes financeiros estatais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos FINEP nos anos 50 e 60 e com um Banco Central em 1964 (SUZIGAN & ALBUQUERQUE, 2008). Somente nos anos 60 e 70, foram criados novos institutos de pesquisa e estruturas de financiamento. A política nacional adotada pelo governo induzia à fabricação local, mas continuava a não incentivar o desenvolvimento, ou seja, a inovação local. Em termos de capacitação

25 tecnológica local, os setores que mais obtiveram avanços foram os setores estatais nas áreas de petróleo, mineração, telecomunicações e aeronáutica (PACHECO, 2003). Algumas janelas de oportunidade surgiram nos anos 80 para o Sistema Brasileiro de Inovação, como o desempenho de empresas estatais e dos laboratórios de pesquisa públicos nas áreas centrais do paradigma técnicoeconômico das tecnologias de informação e das comunicações, juntamente com o bom funcionamento que vinha ocorrendo na tripla aliança entre empresas locais, estrangeiras e estatais (VILLASCHI, 2005). Apenas em 1985, porém, foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT que, junto com todas as instituições de financiamento e de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico existentes no País, enfrenta uma séria crise macroeconômica até meados de 1990 (SUZIGAN & ALBUQUERQUE, 2008). Assim como a criação das universidades, do sistema de ciência e tecnologia e do sistema monetário nacional, a industrialização brasileira é tardia, pois a indústria no país só passa a ganhar expressão de fato a partir da segunda metade do século XX. Além disso, a industrialização iniciada nas últimas décadas do século XIX estava atrelada ao desempenho da agricultura voltada para a exportação e influenciada pelas condições adversas deixadas pela escravidão, como as desigualdades sociais, o mercado interno limitado e a educação e a formação de qualificações técnicas deficientes, além da formação tardia de um mercado de trabalho assalariado (SUZIGAN & ALBUQUERQUE, 2008). Na década de 90, a maioria das janelas de oportunidades abertas na década de 80 não foi aproveitada devido a fatores como a redução de recursos disponíveis para o ensino e a pesquisa; o fraco desempenho de investimentos (apesar da criação de vários fundos setoriais de financiamento à pesquisa); a debilidade da política econômica nos aspectos da estabilidade e flexibilidade necessárias para que o país desempenhasse um papel relevante no novo paradigma técnico-econômico e a estratégia defensiva em relação à inovação adotada pelas empresas (VILLASCHI, 2005). Constata-se a existência de uma distância considerável entre o conhecimento que é gerado no País e sua capacidade de transformação em riqueza. Esse hiato é menor nos casos que apresentam como diferencial a existência de um instituto ou centro de pesquisa e desenvolvimento vinculado ao processo de inovação, destacando-se no setor de agronegócios, a Embrapa-

26 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, no setor aeronáutico, a Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.; e no setor de petróleo e energia, a Petrobras. No caso da Embrapa, além das riquezas naturais existentes no país, como boas terras, água em quantidade, bom clima e mão-de-obra abundante, um dos fatores para o avanço do agronegócio brasileiro consiste na tecnologia agrícola avançada desenvolvida em parceria com instituições de pesquisa e universidades. A empresa investiu no treinamento de recursos humanos, tendo cerda de 8.300 empregados, dos quais 2.100 são pesquisadores - 25% com mestrado e 74% com doutorado, alcançando um faturamento em 2008 de mais de R$ 1 bilhão (EMBRAPA, 2009). No caso da Embraer, o fator de destaque é a formação de engenheiros aeronáuticos no Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, além do forte investimento em pesquisa e desenvolvimento (média de 418 milhões nos últimos 5 anos). Com essa política, a Empresa gera riqueza para o País e destaca-se como a terceira maior indústria de aeronáutica civil do mundo (EMBRAER, 2009). O terceiro exemplo está relacionado à área de energia, petróleo e gás, em que se busca a auto-suficiência brasileira e a competitividade no mercado global, com destaque da Petrobras que patrocina por décadas o desenvolvimento de tecnologia inovadora. A empresa mantém-se na fronteira do conhecimento, conduzindo suas pesquisas aplicadas por meio do CENPES - Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello, e da cooperação com universidades e institutos de pesquisa no país. Os investimentos totais em P&D para o período 2009-2013 serão de US$ 1200 milhões, o que representa um dos 10 maiores investimentos em P&D no setor de energia no mundo (PETROBRAS, 2009) O Brasil têm se esforçado para alavancar o seu sistema de inovação. Esse esforço pode ser observado pelo lançamento e manutenção de políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento inovativo brasileiro. Programas como o de Capacitação de Recursos Humanos RHAE, do MCT, criado em 1987 com vistas a estimular a criação de equipes de pesquisa tecnológica e de inovação nas empresas, continuam lançando editais até hoje. A FINEP e o BNDES possuem diversos mecanismos de financiamento à inovação em empresas e em instituições científicas e tecnológicas, como os programas Juro Zero, Criatec, Inovar, FUNTEC e Prosoft. O governo federal criou a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI em 2005 e lançou, em 2004, a PITCE

27 (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior) que tem como objetivo o aumento da eficiência da estrutura produtiva, da capacidade de inovação das empresas brasileiras e da expansão das exportações. O governo decretou e sancionou a Lei nº. 10.973/2004, chamada Lei de Inovação, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, e a Lei n º. 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, que consolidou os incentivos fiscais que podem ser utilizados de forma automática por pessoas jurídicas que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica (MCT, 2009). Destaca-se que a inovação surge da interação entre os diversos atores que compõem um Sistema Nacional de Inovação, interação essa que deve resultar na criação, no uso e na incorporação de novos conhecimentos. Portanto, um Sistema Nacional de Inovação é composto pelo envolvimento e a integração entre três principais agentes: o Estado, aplicando e fomentando políticas públicas; as universidades/institutos de pesquisa, produzindo, disseminando e aplicando conhecimento; e, as empresas, investindo e apostando na transformação do conhecimento em produto (desenvolvimento) (SANTOS, BOTELHO & SILVA, 2006). 2.3. Hélice Tríplice Em 1968, Jorge Sábato e Natalio Botana ressaltaram a relevância da cooperação entre governo, estrutura produtiva e infraestrutura científicotecnológica para o desenvolvimento econômico e social, por meio de um triângulo denominado Triangulo de Sábato, no qual cada um desses elementos fundamentais ocupava um vértice, (PLONSKI, 1995 apud WOLFFENBÜTEL, 2001). Esse modelo de interação, em que o fluxo do conhecimento ocorria num sentido único, da pesquisa básica para a inovação, foi complementado em 1996, com o surgimento de um novo modelo: a chamada Triple Helix, proposto por Henry Etzkowitz e desenvolvido a partir dos trabalhos de Etzkowitz & Leydesdorff (1997, 2000). Essa Hélice Tríplice representa a interação entre universidade, indústria e governo em uma espiral, na qual, além do fluxo normal do conhecimento da universidade para o setor produtivo, ocorre também um fluxo reverso da indústria para a academia (WOLFFENBÜTEL, 2001). A Hélice Tríplice caracteriza a dinâmica da inovação de maneira evolutiva, em que as relações se estabelecem entre três esferas institucionais, envolvendo três atores distintos,a universidade, a iniciativa privada (empresa / indústria) e o

28 governo, como as três partes distintas de uma mesma hélice. Figura 1: Modelo Evolutico da Hélice Tríplice Fonte: Etzkowitz & Leydesdorff (2000, p.111) adaptado por Etzkowitz (2002, p.2) Conforme a Figura 1, o Governo desempenha um papel preponderante no conceito da Hélice Tríplice. Já em 1841, Friedrich List, em seu livro The National System of Political Economy, destacava o papel do Estado na coordenação e execução de políticas de longo prazo para o desenvolvimento da indústria e da economia como um todo (FREEMAN e SOETE, 2008). A formulação de políticas públicas de fomento à inovação, à promoção da diminuição de incertezas e o estímulo ao investimento em inovação tecnológica pelos demais agentes que compõem o sistema são atribuições do Governo. Na grande maioria dos países desenvolvidos, a inovação ocorre nas empresas, mas o Estado pode influenciar, significativamente, o comportamento, as estratégias e as decisões das empresas em relação a suas atividades inovativas. Da mesma forma, a produção do conhecimento e a realização de pesquisas básicas e aplicadas que servem de base para o processo de inovação ocorrem nas universidades e instituições de pesquisa, mas o Estado pode contribuir para o aumento da produção e qualidade científica. Além de indutor da inovação, o Governo possui o papel de manutenção de um ambiente macroeconômico estável, reduzindo riscos econômicos e alavancando financeiramente as empresas. O Estado deve, ainda, promover linhas de financiamento para estimular a inovação nas empresas e nas universidades/institutos de pesquisa e, em uma abordagem mais ampla, mas não menos importante, investir no sistema educacional do país, base da formação do capital intelectual de uma nação (SALERMO & KUBOTA, 2008). As universidades e os institutos de pesquisa, por sua vez, são os principais responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico, da

29 pesquisa básica e aplicada, alicerce da inovação nas empresas. Principalmente no Brasil, tais agentes são importantes promotores da inovação, pois concentram grande parte das competências e infraestrutura de pesquisa do país. As universidades e institutos de pesquisa nos países desenvolvidos e com um Sistema Nacional de Inovação consolidado não são necessariamente responsáveis diretos pela inovação, mas dela participam ativamente, formando recursos humanos, capacitando e treinando capital humano, desenvolvendo pesquisa básica e aplicada, assim como protótipos de tecnologias inovadoras. Guaranys (2003) afirma que vários caminhos podem ser trilhados na formação de uma região baseada na Hélice Tríplice. Dentre eles, destaca a importância da existência de uma universidade empreendedora que dê assistência à região nas transições de paradigmas tecnológicos e possibilite a reconstrução criativa. As empresas são as principais responsáveis diretas pela inovação, o locus do processo inovativo, pois possuem a missão de captar o conhecimento científico e tecnológico e desenvolver, produzir, comercializar e difundir a tecnologia ou conhecimento dele oriundas, promovendo o desenvolvimento econômico e local. Devem estar preparadas para produzir conhecimento internamente, possuindo ou se associando a laboratórios de pesquisa, organizando as informações necessárias para a criação de uma base de geração de ideias e de novos conhecimentos que suportem esse processo de inovação (SANTOS et ali, 2006). As empresas inovadoras possuem um papel chave no processo de constituição de um Sistema Nacional de Inovação e, para tanto, é necessário que pertençam de fato ao sistema na qual se inserem. Para atenderem mais fortemente ao desenvolvimento do país e a evolução do Sistema Nacional de Inovação, as empresas que pertencem a sistemas de inovação de outros países devem buscar uma maior integração com as estratégias de desenvolvimento tecnológico, buscando potencializar o aproveitamento dos resultados desse sistema, contribuindo para o desenvolvimento local. Esses três agentes principais, Governo, Universidade e Empresa, constituintes da base de relações interinstitucionais de um Sistema Nacional de Inovação, devem ainda estar respaldados por um sistema educacional sólido, um sistema de mercado eficiente e um sistema financeiro constituído por instituições fortes com capacidade de investimento. O modelo da Hélice Tríplice analisa a dimensão da transformação interna de cada uma das partes da hélice, conforme observado no desenvolvimento das

30 ligações entre empresas e sociedade; governo e sociedade; e universidade e sua missão de desenvolvimento econômico. Outra dimensão analisada é a da criação de um espaço de consenso, um novo mecanismo organizacional que tem por objetivo a articulação dos atores envolvidos. Analisando os recursos da região e criando o espaço de consenso, é possível articular os diferentes atores para que a integração permita a criação de um espaço de inovação (ARANHA, 2009). Baseado nessa série trilateral de relacionamentos entre empresa, governo e universidades em diferentes regiões com diferentes estágios de desenvolvimento, e, portanto, com sistemas socioeconômicos e de valores culturais históricos distintos, o modelo da Hélice Tríplice resulta da convergência final desses três mundos, que podem ser representados por três fatores: os atores, as instituições e os regulamentos (ETZKOWITZ, 2002). Portanto, a estratégia básica para se alcançar a inovação em suas diversas dimensões é a estruturação e manutenção de ambientes favoráveis à cooperação entre esses três principais agentes, minimizando assim a distância entre eles. Um bom exemplo desse tipo de ambiente são os parques científicos e tecnológicos, que consolidam um conjunto de mecanismos eficientes no processo de transferência de tecnologia/conhecimento da infraestrutura científico-tecnológica (universidades, institutos de pesquisa etc.) para a estrutura produtiva (indústria). Neste capítulo, descreveu-se a importância dos Sistemas Nacionais de Inovação estruturados, que abrangem mecanismos de aproximação entre o conhecimento gerado em um país e a sua capacidade de transformação em riqueza. Essa aproximação é fruto da interação entre os principais atores que compõem um sistema desse tipo: governo, empresa e universidade, ou seja, a Hélice Tríplice. O modelo atual da Hélice Tríplice considera o papel da academia na geração de conhecimento, o papel do governo na manutenção de um ambiente favorável ao desenvolvimento da indústria e da economia, com políticas estruturadas de governo e a participação das empresas como locus da inovação. Destaca, ainda, a importância de agentes articuladores desses três atores que podem ser associações, redes ou sistemas de governança estruturados pelos próprios atores. Esse modelo é peça fundamental na estruturação do modelo dos Parques de Inovação de Serviços para as Pessoas, objeto deste estudo.