20 Rastreabilidade aplicada à produção de sementes de soja Alexandre Gazolla-Neto 1 *, Tiago Zanatta Aumonde 2, Tiago Pedó 3, Paulo Levinski 4, Frederico da Rocha Fonseca 5, Silmar Teichert Peske 6 e Francisco Amaral Villela 7 RESUMO - O objetivo deste trabalho foi o desenvolvimento e aplicação de um sistema eficiente e eficaz de rastreabilidade para a produção de sementes de soja, utilizando um software online, desenvolvido em parceria com a empresa Checkplant e a empresa Sementes Oilema, a fim de assegurar a origem, a qualidade e a segurança dos produtos obtidos. A rastreabilidade contou com informações relativas ao histórico de produção (fazenda e áreas de produção, localizações geográficas e fotos das áreas de produção e Unidade de Beneficiamento de Sementes (UBS), informações técnicas (tratamento de sementes) e controles de qualidade (germinação, emergência em campo (5 e 10 dias), peso mil sementes, vigor e viabilidade pelo teste de tetrazólio, envelhecimento acelerado (48 h x 41 ºC) e pureza física). A rastreabilidade foi aplicada na safra 2010/2011 em 15.737 ha de área cultivada com soja, com uma produção de 350.000 scs de 40 kg de sementes de soja. Para a empresa produtora de sementes, a rastreabilidade proporcionou uma maior percepção de qualidade e transparência do processo produtivo, permitindo aos seus clientes o acesso à informações técnicas sobre a origem e qualidade das sementes. Termos para indexação: software online, garantia de origem, controle de qualidade. Introdução A possibilidade de inserir informações detalhadas sobre a origem e as características dos produtos, distribuídos de acordo com lotes homogêneos, nas várias etapas da cadeia produtiva, tornou-se importante instrumento de vantagem comercial, constituindo-se para a empresa, numa condição essencial, para responder às exigências dos consumidores (Lanini, 2003). Segundo Meuwissen et. al (2003), os sistemas de identificação e rastreabilidade podem atender a diferentes propósitos quanto ao monitoramento e controle de produtos e processos. Além de possibilitar a identificação das causas dos problemas e realizar ações de melhoria, também são utilizados visando: a) aumentar a transparência entre os elos da cadeia produtiva; b) reduzir os riscos de responsabilidades jurídicas; c) prover um sistema eficiente de recall de produtos. Embora pouco tenha sido discutido, no Brasil, acerca da necessidade de mecanismos de identificação e rastreabilidade de grãos, tais exigências podem comprometer as exportações brasileiras do complexo soja, para a União Européia, em um cenário próximo. Tal perspectiva baseia-se na Diretiva 2001/18 do Conselho Europeu de 12/03/2001 que prevê regras para identificação, rastreabilidade e rotulagem de produtos e matériasprimas obtidas por meio de organismos geneticamente modificados (OGMs), legitimada por meio da General Food Law européia, em vigor desde 01/01/2005 (Leonelli e Toledo, 2005). A ausência de programa de rastreabilidade impede a devida responsabilidade e a tomada de ações preditivas, preventivas e corretivas, nos casos de contaminação alimentar, perdas produtivas e até mesmo de gestão. Quanto maior o tempo transcorrido entre a ocorrência do problema e a identificação da fonte causadora, maior será a extensão dos danos, tanto do ponto de vista da segurança, quanto financeiro, dentro da cadeia produtiva (Lirani, 2001). As sementes representam o meio de assegurar a sobrevivência de diversas espécies. Para o ser humano, são cultivadas para garantir o consumo mundial, sendo a maioria cereais, predominando o trigo, o milho e o arroz; dentre as 1 Engº Agrº, Mestre e Doutorando em Ciência & Tecnologia de Sementes, Bolsista CNPQ. Universidade Federal de Pelotas/Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (UFPel/FAEM), Pelotas/RS. E-mail: agazolla@gmail.com. 2 Engº Agrº, Mestre em Fisiologia Vegetal, Doutorando em Ciência & Tecnologia de Sementes, Bolsista CAPES, UFPel/FAEM. E-mail: tiago. aumonde@gmail.com. 3 Engº Agrº, Mestre em Agronomia, Doutorando em Ciência & Tecnologia de Sementes, Bolsista CAPES. UFPel/FAEM. E-mail: tiago.pedo@gmail.com. 4 Engº Agrº, Mestrando em Ciência & Tecnologia de Sementes. UFPel/ FAEM. E-mail: paulolevinski@sementesoilema.com.br 5 Técnologo em Análise de Sistemas, Mestrando em Ciência da Computação, UFPel/FAEM. E-mail: frederico12345@gmail.com. 6 Engº Agrº, Ph.D., Prof. Titular, Dept o Fitotecnia, FAEM/UFPel. E-mail: peske@ufpel.tche.br. 7 Engº Agrícola, Dr., Prof. Associado, Dept o Fitotecnia, FAEM/UFPel. E-mail: villela@ufpel.edu.br.
21 fabáceas, a soja é uma das mais cultivadas, sendo fonte de proteínas, óleos e carboidratos utilizados como matéria-prima de diferentes produtos. Para os animais, as sementes são utilizadas, direta e indiretamente, como ração e forrageira, pastagens ou silagens. À medida que a população mundial cresce, a produção de sementes precisa acompanhar a demanda, devendo assentarse sobre uma base sólida, com o uso de técnicas modernas e incorporação de novas áreas de cultivo, bem como o desenvolvimento de potenciais genéticos e fisiológicos das cultivares, necessitando não apenas de corretas práticas culturais, mas de um programa específico de aumento da produtividade agrícola (Peske e Barros, 2006). Na safra 2010/11, a produção brasileira de soja chegou a 75,32 milhões de toneladas, com uma área cultivada de 24,18 milhões de hectares, e uma produtividade média de 3.106 kg/ ha. Por outro lado, as exportações brasileiras de soja em grão, farelo e óleo somaram US$ 18 bilhões em 2010 (Conab, 2011). A estimativa de área cultivada com soja na safra 2011/2012 foi de 24,97 milhões de hectares, que corresponde a um crescimento de 3,3% ou 791,2 mil hectares sobre a área semeada na safra 2010/2011 (Conab, 2012). Dada à importância da produção brasileira de soja, se faz necessário mecanismos que possam auxiliar os produtores a alcançar maiores produtividades, garantindo assim a rastreabilidade e a qualidade do produto final, tendo em vista a crescente exigência dos mercados internacionais, que cada vez mais estão preocupados com a qualidade do produto final. Neste cenário, produzir sementes com garantia de origem e qualidade é fundamental, já que estas representam o elo inicio da cadeia produtiva de grãos. O objetivo deste trabalho foi desenvolver e validar um sistema eficiente e eficaz de rastreabilidade para a produção de sementes de soja, através de um software online, a fim de assegurar a origem, qualidade e segurança dos produtos obtidos. Desenvolvimento O trabalho foi conduzido em parceria com a empresa Checkplant - Sistemas de Rastreabilidade LTDA, localizada no município de Pelotas-RS, que proporcionou o desenvolvimento do sistema, aliado aos testes práticos e validação final junto à empresa Sementes Oilema, localizada no município de Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia. A alternativa contemplou informações referentes ao histórico de produção (fazenda e áreas de produção, localizações geográficas e fotos das áreas de produção e UBS, informações técnicas (tratamento de sementes) e controles de qualidade (germinação, emergência em campo (5 e 10 dias), peso mil sementes, vigor e viabilidade pelo teste de tetrazólio, envelhecimento acelerado (48 h a 41 ºC) e pureza física). A escolha destas informações ocorreu em função da empresa já dispor destes dados em seus controles internos de qualidade, bem como em seus laudos oficiais de análise de qualidade emitidos pelo laboratório. O desenvolvimento do software foi organizado seguindo a seqüência dos monitoramentos do processo de produção no campo até a venda das sementes ao cliente final. As principais etapas da elaboração iniciaram com a escolha da tecnologia, seguida pela elaboração dos módulos de coleta de dados, registros do histórico das áreas de produção e UBS, organização e identificação dos lotes na UBS, sistema de impressão de etiquetas com códigos únicos e website de consulta da rastreabilidade. O sistema de rastreamento desenvolvido possibilitou a função de monitorar e registrar as informações do processo de produção de sementes, formando um banco de dados, que ao final do ciclo, somado aos resultados oficiais de qualidade originaram à rastreabilidade. A alternativa foi aplicada na safra 2010/2011, sendo rastreados 15.737 ha de área cultivada com soja, com uma produção de 350.000 scs de sementes de soja, sendo 45.000 scs com germinação mínima de 95%. O sistema de gerenciamento da rastreabilidade para a produção de sementes de soja foi desenvolvido em plataforma web, para tornar o acesso a informação rápido e seguro, através do emprego de três tecnologias, sendo duas linguagens (HTML e PHP) e um banco de dados (MySQL), mostrandose eficiente para coleta, registro e consulta de informações. No módulo de coleta de dados, foram cadastradas as informações da empresa produtora de sementes que passará a utilizar a solução, além de informações dos seus fornecedores (Tabela 1). Estas informações formaram o banco de dados inicial para rastreabilidade, onde após efetuado o cadastro completo, a empresa passou a gerenciar em ambiente seguro as seguintes informações: a) cadastro de lotes de rastreabilidade; b) histórico das áreas de produção e UBS; c) informações do controle oficial de qualidade; c) origem e tratamento de sementes; d) gerência de comentários feitos por clientes. Na UBS, os lotes foram organizados, separados e identificados de acordo com a data de recebimento, cultivar, fornecedor e área de produção. Após a entrada na recepção da UBS, as sementes receberam um número de identificação do lote, que seguiu durante todo o fluxo do beneficiamento. Toda amostragem para fins de análise de qualidade e posterior cadastro das informações oficiais no sistema de rastreabilidade, ficou diretamente relacionado ao lote da
22 UBS. A determinação do tamanho dos lotes e o processo de amostragem seguiram as recomendações estabelecidas pelas Regras para Análise de Sementes (Brasil, 2009). Tabela 1. Informações da empresa produtora de sementes e seus fornecedores, cadastradas no sistema de rastreabilidade. A identificação da rastreabilidade ocorreu em cada embalagem, com a fixação de uma etiqueta (Figura 2). A consulta das informações pode ser realizada através da leitura do QR-CODE 2D ou pela consulta do código de 12 caracteres contido na etiqueta, seguido pela busca no site indicado em anexo (Figura 2). Empresa Produtora de Sementes Razão social Endereço completo da UBS Latitude e longitude da UBS Fluxo detalhado do beneficiamento na UBS Tratamento de sementes Fotos internas e externas da UBS Responsável técnico pelo beneficiamento Fornecedores Razão social Endereço completo da fazenda Latitude e longitude das áreas de cultivo Denominação das áreas Georeferenciamento das áreas Fotos das áreas de cultivo Responsável técnico pela produção No decorrer do fluxo de beneficiamento, após o ensaque, foram geradas as etiquetas da rastreabilidade, com identificação de todas as embalagens de cada lote. A impressão das etiquetas com os códigos de rastreabilidade foi realizada diretamente na UBS, sem comprometer o fluxo de ensaque, com a utilização de software exclusivo, responsável pela comunicação do sistema online com o sistema de impressão, e deste com as impressoras de código de barras. Os códigos de rastreabilidade são formados por 12 caracteres, composto por letras e números. Esta combinação de letras e números forma um código único e criptografado, não permitindo que o mesmo seja utilizado mais que uma vez ou falsificado, garantindo a segurança e a integridade das informações. A rastreabilidade pode ser considerada uma ferramenta permanente, para aplicação ocasional, que permite a retirada do lote ou lotes de produção não em conformidade, em caso de necessidade (Piqueras et al., 2002). Para permitir o acesso fácil e rápido às informações da rastreabilidade, foi utilizado, na etiqueta da rastreabilidade fixada nas embalagens, código de barras 2D (QR-CODE 2D). Esta tecnologia torna possível consultar as informações da rastreabilidade em celulares. Para isso, é necessária a instalação de um aplicativo para interpretação do código. Após a instalação do aplicativo, é suficiente direcionar a câmera do dispositivo com o aplicativo correspondente para o QR-CODE 2D, para que a leitura seja realizada automaticamente e as informações da rastreabilidade sejam exibidas imediatamente no site de consulta (Figura 1). Figura 1. Dispositivo móvel para consulta dos códigos de rastreabilidade. Figura 2. Etiqueta com QR-CODE 2D, código da rastreabilidade e site para consulta da rastreabilidade. Ao consultar os códigos, o cliente tem acesso as informações relativas ao histórico de produção (fazenda e área de produção, localizações geográficas e fotos das áreas de produção e UBS, informações técnicas (tratamento de sementes) e controles de qualidade (germinação, emergência em campo (5 e 10 dias), peso mil sementes, vigor e viabilidade pelo teste de tetrazólio, envelhecimento acelerado (48 h a 41 ºC) e pureza física) (Figura 3).
23 Figura 3. Resultado da consulta do código de rastreabilidade 0000335bxd00 no site http://sementes.rastreabilidadeonline.com. br/item/0000335bxd00. Após a consulta do código, é gerado um link direto aos resultados da rastreabilidade (http://sementes. rastreabilidadeonline.com.br/item/0000335bxd00) facilitando a incorporação destas informações no decorrer da cadeira produtiva de grãos, bem como nos produtos derivados da sua industrialização. As informações disponibilizadas no processo de rastreabilidade estão de acordo com Pallet et al. (2003), que posiciona a rastreabilidade como uma ferramenta para evidenciar um atributo de qualidade, frente ao mercado consumidor, seguindo a tendência dos consumidores de dar preferência para bons produtos, se estes gerarem confiança. Com a rastreabilidade, ambos os lados da cadeia produtiva são beneficiados, a empresa produtora de sementes, por aumentar a percepção de qualidade de seus produtos e de transparência em seu processo de produção e seus clientes, que terão acesso às informações técnicas sobre a origem e a qualidade das sementes que servem como base para tomada de decisões no planejamento e alocação de recursos para a semeadura. Bender (2003) ressalta a crescente adoção de mecanismos de controle de qualidade, identidade preservada e rastreabilidade por produtores norte americanos de grãos, com destaque para as culturas de soja e milho. Considerações finais A proposta de sistema é adaptável e viável à realidade das empresas produtoras de sementes de soja, conforme verificado com a aplicação na safra 2010/2011, em 15.737 ha de área cultivada com sementes de soja, totalizando uma produção de 350.000 scs de 40 kg. A rastreabilidade (garantia de origem, controle de qualidade, informações técnicas e histórico de produção) poderá ser utilizada como ferramenta de marketing para diferenciação e divulgação de produtos, aumentando a percepção de qualidade e transparência da cadeia produtiva. Os benefícios identificados relacionam-se ao desenvolvimento de uma alternativa que permite disponibilizar via internet, de forma fácil e segura, informações sobre a origem e a qualidade das sementes, servindo como base ao planejamento e alocação de recursos durante a semeadura. Referências BENDER, K. Product Differentiation and identity preservation: implications for market developments in U.S. corn and soybeans. Economic Research Service, USDA. 2003.
24 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Regras para ana lise de sementes. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Brasília: MAPA/ACS, 2009. 395p. Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. Levantamentos de safra: 13 o levantamento de grãos - setembro/2011. Disponível em: http://www. conab.gov.br/olalacms/uploads/arquivos/11_09_19_09_49_47_boletim_ setembro-2011..pdf. Acesso em: 27 de março 2012. Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. Levantamentos de safra: 6 o levantamento de grãos - março/2012. Disponível em: http://www. conab.gov.br/olalacms/uploads/arquivos/12_03_13_11_04_08_boletim_ marco_2012.pdf. Acesso em: 29 de março 2012. LANINI, L. Rintracciabilità delle merci e tecnologia dell informazione, i nuovi servizi della logística. Rivista di Frutticoltura e di Orticoltura, v.65, p.11-12, 2003. http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=300970 LEONELLI, F. C. V.; TOLEDO, J. C. de. Rastreabilidade na cadeia da soja brasileira. Proceeds in V International PENSA Conference on agri-food chain/networks economics and management. Ribeirão Preto, jul. 27-29, 2005. Disponível em CD-rom. MEUWISSEN, M. P. M.; VELTHUIS, A. G. J.; HOGEVEEN, H.; HUIRNE, R. B. M. Traceability and Certification in Meat Supply Chains. Journal of Agribusiness, v.21, n.2, p.167-181, 2003. http://ageconsearch.umn.edu/ handle/14666 PALLET, D.; OLIVEIRA, I. J. de; BRABET, C.; IBA, S. K. Um panorama da rastreabilidade dos produtos agropecua rios do Brasil destinados à exportação: carnes, soja e frutas. Piracicaba: ESALQ-USP, 2003. http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000131&pid=s14137054 200700050000600005&lng=en PESKE, S. T.; BARROS, A. C. S. A. Produção de sementes. In.: PESKE. S. T.; LUCCA FILHO, O. A.; BARROS, A. C. S. A. Sementes: fundamentos científicos e tecnológicos. 2 a ed. Pelotas: Ed. Universitária UFPel, 2006. 470p. PIQUERAS, J. M.; IRANZO, B. O.; AMAT, M. V. Seguridad alimentaria em Anecoop: trazabilidad y naturane. Distribuição y Consumo, España v. 28, 2002. Disponível em: <http://www.mercasa.es/es/publicaciones/html/ index2.html>. Acesso em: 18 de setembro 2011. LIRANI, A. C. Rastreabilidade da Carne Bovina - uma proposta de implementação. Ribeirão Preto - SP. p. 8. Ago. 2001. Disponível em: <http:// www.ancp.org.br/rastreabilidade>. Acesso em: 02 de agosto 2011.