CONCEITO DE CALOR: ANÁLISE DA POSTURA DE UM PROFESSOR AO ATUAR NA ZDP DOS ALUNOS

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Transcrição:

X CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS SEVILLA 5-8 de septiembre de 2017 CONCEITO DE CALOR: ANÁLISE DA POSTURA DE UM PROFESSOR AO ATUAR NA ZDP DOS ALUNOS Alice Assis, Silmar Antonio Travain Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Engenharia, Câmpus de Guaratinguetá RESUMO: Em uma escola da rede estadual de ensino da região do Vale do Paraíba São Paulo Brasil é desenvolvido um projeto cujo objetivo é o de promover a formação continuada do professor de física para viabilizar a melhoria de suas aulas. Para tanto, são elaboradas sequências didáticas pautadas na teoria sócio histórica de Vigotski. Neste artigo, verificamos se a interação social propiciada por esse professor, ao aplicar uma sequência didática que aborda o conceito de calor, viabilizou a articulação entre os conceitos científicos e espontâneos, de modo a facilitar a internalização e a aprendizagem por parte dos alunos. Os resultados mostraram que houve essa articulação, o que pode ter propiciado o desenvolvimento desse conceito. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Física, Calor, ZDP. OBJETIVOS: Analisar a postura de um professor de física em sala de aula, verificando a interação social necessária para promover a articulação entre os conceitos científicos e os conhecimentos prévios dos alunos. MARCO TEÓRICO Em uma escola da rede estadual de ensino da região do Vale do Paraíba São Paulo Brasil, desenvolvemos um projeto com o professor de física dessa escola. Fundamentados na teoria sócio histórica de Vigotski foram discutidas questões associadas ao processo de ensino e de aprendizagem, a fim de leva-lo à reflexão sobre sua prática pedagógica no âmbito da formação continuada. Para Vigotski (1991), a aprendizagem se origina a partir das relações sociais. Na escola, mediado pelos instrumentos e signos, o professor deve atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos alunos com o intuito de facilitar o processo de internalização e promover a aprendizagem e o desenvolvimento. Ou seja, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento (p.61), de modo que, maior aprendizagem implica em maior desenvolvimento. Nesse processo, cabe ao professor propiciar a articulação entre os conceitos científicos e espontâneos, de tal forma que, de um lado, os conceitos espontâneos possam inserir-se em uma visão mais abrangente do real, própria do conceito científico, e, de outro lado, os conceitos científicos tornem-se mais concretos, apoiando-se nos conceitos espontâneos gerados na própria vivência da criança. Criam-se, assim, novas condições para que os alunos compreendam de forma mais ampla a realidade (Martins, 1997, p.120). ISSN (DIGITAL): 2174-6486 2405

Segundo Vigotski (2001), o conceito espontâneo (ou cotidiano) se desenvolve de forma ascendente, enquanto o científico de forma descendente, de tal maneira que ao forçarem lentamente o seu caminho ascendente, os conceitos quotidianos abrem caminho para os conceitos científicos e o seu desenvolvimento descendente. Cria uma série de estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um conceito, que lhe dão corpo e vitalidade. Os conceitos científicos, por seu turno, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança rumo à consciência e à utilização deliberada. (p.93) Em outras palavras, a aprendizagem dos conceitos científicos enriquece e modifica os conceitos espontâneos (Vigotski, 1991). Para facilitar a articulação entre esses conceitos, é necessário que o professor atue na ZDP dos alunos, o que se dá a partir da promoção da interação social em sala de aula. Neste trabalho, verificamos se a interação social propiciada pelo referido professor, ao aplicar uma sequência didática para abordar o conceito de calor, viabilizou a articulação entre os conceitos científicos e espontâneos dos alunos. Com relação a esse conceito, é importante que o professor analise os livros didáticos de forma crítica, uma vez que, segundo Cindra e Teixeira (2004), muitos desses livros utilizam expressões inapropriadas, referindo-se, por exemplo, ao calor de um corpo como se o calor fosse uma propriedade do corpo (p.180). Esses autores destacam ainda que, em muitos desses livros o calor é pensado como um fluido contido nos corpos, que de alguma maneira poderia passar de um corpo para outro. Exemplos desse tipo são dados: é o fluxo de calor cedido ou absorvido, passa calor do primeiro para o segundo, o calor que tem um corpo, a energia térmica que toma ou cede, e assim por diante. Segundo esses autores, essas expressões apresentam uma maior coerência com a teoria do calórico do que com a atual. No início do século XIX, o conceito do calórico, entre diversas outras teorias, foi usado para explicar o princípio que produz calor em termodinâmica, como o calor do Sol, sem considerar à sensação que este proporciona (Gomes, 2012). Ressaltam ainda a compreensão adequada de equilíbrio como um dos aspectos mais importantes para o entendimento dos conceitos de temperatura e calor. Nesse contexto, é importante que o professor esteja atento às expressões utilizadas nesses livros, associadas ao conceito de calor, a fim de que faça as adequações necessárias para não reforçar as concepções espontâneas nos alunos. METODOLOGIA Esta pesquisa se deu a partir de um projeto desenvolvido com o professor de física de uma escola da rede estadual de ensino localizada na região do Vale do Paraíba. O objetivo deste projeto é o de trabalharmos com esse professor a fim de que ele possa melhorar significativamente o conteúdo a ser ministrado em suas aulas. Para tanto, desenvolvemos, em conjunto, algumas sequências didáticas e discutimos os aspectos teóricos metodológicos pautados na teoria sócio histórica de Vigotski para fundamentar a aplicação das atividades a elas associadas. Uma dessas sequências didáticas foi desenvolvida para abordar conceitos relativos à termodinâmica e foi aplicada em cinco encontros. Neste artigo, em particular, foi realizada uma análise qualitativa (Bogdan; Biklen, 1994) de alguns recortes ocorridos no terceiro encontro (100 minutos), em que foi trabalhado o conceito de calor, a fim de verificarmos se, no decorrer da interação social, o professor 2406 ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411

atuou na ZDP dos alunos, promovendo a articulação entre os conceitos científicos e espontâneos, de modo a facilitar a internalização e a aprendizagem por parte dos alunos. RESULTADOS O terceiro encontro teve como objetivo levar os alunos a construírem o conceito de calor, após a discussão dos conceitos de sensação térmica e de equilíbrio térmico, abordados nos encontros anteriores. O professor iniciou o terceiro encontro resgatando o conceito de sensação térmica. Na sequência, questionou os alunos sobre como eles definiriam calor, o que deu origem ao seguinte diálogo: Aluno 1: Quando tá quente. Aluno 2: É algo que aquece. Aluno 3: Quando a temperatura tá alta. Essas respostas mostram que os alunos relacionam calor às sensações térmicas associadas a temperaturas elevadas, ou seja, à ideia de que o calor corresponde à sensação de altas temperaturas. Isso mostra que os alunos não conseguiram compreender que a sensação térmica não é uma forma adequada de se medir a temperatura de um corpo, embora essa ideia tenha sido discutida no encontro anterior e resgatada nos momentos iniciais do presente encontro. Segundo Araújo e Mortimer (2013), a abordagem do conceito calor sugere diferentes interpretações que são provenientes do senso comum, em que o indivíduo expressa de diferentes modos sua concepção acerca do fenômeno observado. Essa ideia é evidenciada na sequência: Prof: Quando a temperatura tá alta. E quando a temperatura tá baixa? Aluno 4: Frio. Prof: Frio. Tá, então para você o que é frio? Aluno 4: Dois graus abaixo de zero. Prof: Dois graus abaixo de zero. E calor? Aluno 4: Ah, uns 50 graus. Em suas respostas, os alunos demonstram que associam calor e frio com valores de temperaturas mais e menos elevados, respectivamente, que do ambiente em que vivem, o que também pode estar relacionado ao conceito de sensação térmica ( sentir calor ou frio ). A sequência a seguir corrobora com essa observação. Prof: Pensando naquelas afirmações que vocês disseram, calor é quando tá quente e etc, como é que vocês definiriam calor então? Aluno 2: Sol. Aluno 3: Temperatura. Aluno 2: Não, é temperatura alta, porque frio é baixa temperatura. Nessa sequência, os alunos continuam buscando argumentos para justificar a definição de calor associada a temperaturas elevadas, citando o Sol para representar um corpo com alta temperatura. Para abordar o conceito de calor como energia em trânsito entre dois corpos em diferentes temperaturas, o professor retomou o conceito de equilíbrio térmico, conforme diálogo a seguir: Prof: Voltando ao equilíbrio térmico, dois corpos, de temperatura mais alta e mais baixa, depois que o equilíbrio térmico é estabelecido, o que acontece com as temperaturas? Alunos: Iguais. ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411 2407

Prof: Prof: O que que é preciso acontecer para que as temperaturas se igualem? Do nada assim, igualou? Alguma coisa aconteceu, não aconteceu? Aquele corpo que tinha maior temperatura, quando houve o equilíbrio térmico, o que aconteceu com a temperatura? Aluno 2: Diminuiu. Prof: Diminuiu. E daquele corpo que tinha menor temperatura? Aluno: Aumentou. Prof: O que será que houve para que aquele corpo de maior temperatura diminuísse e o de menor temperatura aumentasse? De que maneira isso acontece? Aluno 2: Um corpo transferiu calor para o outro corpo. Nesse recorte, o professor levou os alunos a perceberem o processo de transferência de energia em virtude de uma diferença de temperatura. Essa percepção ocorreu a partir dos conceitos espontâneos desenvolvidos naturalmente a partir de suas relações e reflexões cotidianas (Vigotski, 2001, apud Schroeder, 2007). No entanto, é importante ressaltar que o Aluno 2 utilizou uma terminologia inadequada (um corpo transferiu calor para o outro). Na sequência, ao usar como exemplo corpos com diferentes temperaturas para abordar o equilíbrio térmico, o professor reforçou essa forma inapropriada de se referir ao calor. Prof: Mas essa transferência, ela vai acontecer até quando? Digamos que eu tenho um corpo com temperatura de 50 C e um outro corpo a 10 C, vai haver uma transferência de calor, como você falou? Aluno 2: Sim. Aluno 3: Até elas se igualarem. Prof: De onde para onde? Aluno 3: Eu acho que é do mais quente para o mais frio. Nesse recorte, o aluno 3 demonstrou compreender que o fluxo de energia ocorre do corpo de maior temperatura para o de menor temperatura, até o equilíbrio térmico. O professor buscou elementos do cotidiano (temperaturas conhecidas pela sua sensação térmica) dos alunos para leva-los à percepção da transição de energia decorrente de uma diferença de temperatura. Para Cindra e Teixeira (2004), os alunos encontram certa dificuldade para entender o processo de transmissão de calor, pois, nesse processo, o equilíbrio térmico ainda não foi atingido e, quando é atingido, o fluxo de energia (calor) é interrompido. A seguir, o professor direciona o raciocínio dos alunos para mostrar que a temperatura de equilíbrio térmico deve estar entre a menor e maior temperatura utilizada no exemplo em questão. Prof: Quando se igualam continua essa transferência? Aluno 3: Não sei. Prof: Ela vai continuar para sempre? Digamos que uma tava a 50 outra tava a 10. Vocês acham que qual é a temperatura de equilíbrio aí? Aluno 2: 30. Prof: Você acha que poderia ser 20? Prof: Por que não? Aluno 2: Porque a temperatura era de 50 graus e a outra de 10. Prof: ocê acha que tem que ser bem no meio? Aluno 2: Mais ou menos. 2408 ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411

A postura do professor questionando o aluno sobre a sua resposta (30 o C) gerou dúvida em sua estimativa de temperatura, em que julgava que a temperatura final de equilíbrio térmico deveria ser a média aritmética dos valores iniciais de temperatura dos corpos. Para mostrar a influência de outros parâmetros na temperatura final de equilíbrio térmico, o professor mostrou aos estudantes que a massa dos corpos influencia na temperatura final de equilíbrio térmico. Segundo Michelena e Mors (2008), amostras de diferentes substâncias, com mesma massa, precisam de quantidades de energia diferentes para variar a temperatura. Porém, ao usar o termo grandão e pequenininho o professor pode ter levado os alunos a interpretarem volume como sendo a massa de um corpo. Prof: Mas se você tiver por exemplo um corpo que está a 50 C bem grandão e o de 10 C bem pequenininho, você acha que vai ser no meio também? Prof: Um tava a 50 C, outro tava a 10, pode ser menor que 10 o equilíbrio térmico? Prof: Não, pode ser maior que 50? Prof: Também não, tem que estar entre o que? Aluno 2: 10 e 50. Prof: Você falou que vai haver transferência de calor do maior para o menor até o equilíbrio térmico? Aluno 3: É. Prof: Quando ocorrer o equilíbrio térmico, o que acontece com essa transferência? Aluno 3: Cessa. Nesse recorte, o professor utilizou corpos em diferentes temperaturas para levar o aluno à percepção de que o fluxo de energia só existe enquanto houver uma diferença de temperatura. A partir do momento em que se da o equilíbrio térmico, a uma temperatura intermediária, cessa o referido fluxo. É importante observar que, para mostrar que a temperatura final não é necessariamente a média aritmética das temperaturas iniciais dos corpos, o professor usou como exemplo termos associado ao conceito de volume (grandão e pequenininho), ao invés de se referir à quantificação da massa dos corpos em questão, o que pode ter levado os alunos a interpretarem que é o volume que influencia na temperatura final. Por outro lado, ao fazer isso, o professor pode ter facilitado à compreensão dos alunos relativa à quantificação em questão, uma vez que ele articulou os conceitos científicos com os espontâneos, ao usar terminologias associadas ao dia-a-dia dos alunos. Além disso, ele deixou de incluir na discussão a influência do calor específico de cada material na análise do resultado da temperatura final de equilíbrio térmico. Verificamos ainda a utilização da expressão transferência de calor do maior para o menor por parte do professor, o que pode ter reforçado nos alunos a ideia prévia de calor como um fluido contido nos corpos, o que remete à teoria do calórico, ou seja, calor como substância. Para a superação dessa ideia, Doménech at al (2003) destaca a importância da abordagem do calor como um mecanismo de intercâmbio de energia. Após abordar o conceito de temperatura, o professor retomou a discussão acerca do conceito de calor a fim de verificar a compreensão dos alunos, antes de finalizar a aula, o que é destacado no seguinte recorte: Prof: Vamos voltar na definição de vocês, vocês tinham falado que calor é temperatura alta, lembra? Nós acabamos de ver que calor... o que é necessário para ter o calor? Aluno 4: Energia térmica. ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411 2409

Prof: Tá, mas os corpos têm que estar o que? Aluno 3: Em diferentes temperaturas. Prof: Se tiverem diferentes temperaturas o que que vai acontecer? Aluno 2: O que tiver mais alto passa para o mais baixo. Prof: Ou seja, essa transferência de energia é o que a gente chama do que mesmo? Aluno 3: Calor. Nessa sequência, é importante observar que, ao direcionar novamente a discussão para o conceito de calor, o professor usou a expressão: o que é necessário para ter o calor?, o que remete ao conceito de calórico. Em relação às respostas dos alunos, essas sugerem que eles modificaram os seus conceitos espontâneos em decorrência da interação social propiciada pelo professor, o que corrobora com as ideias de Vigotski (2003), ao afirmar que os conceitos científicos são desenvolvidos a partir da articulação desses com os conceitos espontâneos mediante a referida interação. CONCLUSÕES Neste trabalho, ao propiciar que os alunos participassem ativamente da discussão em sala de aula, o professor pode ter contribuído para o processo de construção conceitual por parte dos alunos, levandoos a um amadurecimento dos conceitos espontâneos para um grau mais elevado (Schroeder, 2007). Nessa perspectiva, os resultados mostraram que, ao atuar na ZDP dos alunos, o professor articulou os conceitos espontâneos com o conceito de calor, o que pode ter facilitado o processo de internalização desse conceito. Porém, a utilização de expressões inadequadas associadas ao termo calor pode ter reforçado nos alunos a ideia de calor como um fluido contido nos corpos. No entanto, é importante ressaltar as dificuldades encontradas para a abordagem desse conceito, uma vez que, no senso comum, o calor é interpretado como uma substância, bem como é confundido com temperatura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Araújo, A. O.; Mortimer, E. F. (2013). Calor: Sensação Térmica, Substância ou Energia? IX Congr. Intern. sobre Investig. em Didáctica de Las Ciencias. p. 2579-2583. Bogdan, R.; Biklen, S. (1994). Características da investigação qualitativa. In: Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Edit. Porto. p. 47-51. Cindra, J. L.; Teixeira, O. P. B. (2004). Uma discussão conceitual para o equilíbrio térmico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 21, n. 2, p. 176-193. Doménech, J. L. (2003). La Enseñanza de La Energia: Una Propuesta de Debate para un Replanteamiento Global. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 20, n. 3, p. 285-311. Gomes, L. C. (2012). A Ascenção e queda da teoria do calórico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1030-73. Martins, J. C. (1997). Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desenvolver o mundo. Série Ideias, n.28, São Paulo: FDE, p.111-122. Michelena, J. B.; Mors P. M. (2008). Física térmica: uma abordagem histórica e experimental. Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Física. v. 19, n.5, p. 59. 2410 ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411

Schroeder, E. (2007). Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos: O Processo da Construção Conceitual em Vygotsky. PPGE FURB. v. 2, n. 2, p. 293-318. Vigotski, L. S. (1991). A formação social da mente. Texto proveniente de: Seção Braille da Biblioteca Pública do Paraná. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/vygotsky-aformac3a7c3a3o-social-da-mente.pdf>. Acesso em: 02/04/2016. (2001). Pensamento e linguagem. Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/elibris/vigo.html>. Acesso em: 06/07/2016. (2003). Psicologia e Pedagogia. São Paulo: Centauro, 2 ed, p. 01-17. ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, N.º EXTRAORDINARIO (2017): 2405-2411 2411