Esclerite posterior bilateral simultânea e unilateral recorrente

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Transcrição:

38Relato de Caso 10.5935/0034-7280.20180008 Esclerite posterior bilateral simultânea e unilateral recorrente Simultaneous bilateral and unilateral recurrent posterior scleritis Ana Paula da Silva Maganhoto 1, Sara Correia 1, Letícia Oliveira Squillace 1, Roberto Ivo Pasquarelli Neto 1 Resumo Esclerite posterior é uma doença inflamatória ocular que acomete a esclera e cujo diagnóstico é difícil. A clínica da doença envolve a piora da qualidade visual com dor ocular e achados do segmento posterior, como descolamento de retina seroso, dobras de coroide, edema de disco óptico e espessamento escleral. Deve-se ficar atento aos achados sistêmicos, pois, muitas vezes, está associada a doenças como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doença inflamatória intestinal e doenças infecciosas, como sífilis e tuberculose. Este trabalho objetiva descrever dois casos: uma paciente com quadro de esclerite posterior bilateral simultânea, sem alterações sistêmicas correlacionadas com a doença. A apresentação bilateral é incomum nesta patologia; e outro caso de esclerite anterior e posterior unilateral recorrente. Descritores: Esclerite; Esclera; Segmento posterior do olho; Fundo de olho; Descolamento de retina; Relatos de casos Abstract Posterior scleritis is an ocular inflammatory disease that affects the sclera e whose diagnosis is difficult. The main clinical manifestations are worsening of visual quality, ocular pain and finding in the posterior segment, such as serous retinal detachment, choroidal folds, optic disc edema and sclera thickening. We should award for systemic findings, because it is often accompanied by rheumatoid arthritis, systemic lupus erythematosus, inflammatory bowel disease and infections, such as syphilis and tuberculosis.this paper aims to describe two cases: one patient with simultaneous bilateral posterior scleritis without systemic alterations correlated with the disease. Bilateral presentation is uncommon in this pathology; and another case of recurrent unilateral anterior and posterior scleritis. Keywords: Scleritis; Sclera; Posterior eye segment; Funds oculi; Retinal detachment; Case reports 1 Departamento de Oftalmologia, Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil. Os autores declaram não haver conflito de interesses. Recebido para publicação em 07/12/2016 - Aceito para publicação em 22/10/2017.

Esclerite posterior bilateral simultânea e unilateral recorrente 39 Introdução Esclerite posterior é uma doença inflamatória ocular que acomete a esclera e muitas vezes é subdiagnosticada, (1) o que pode comprometer o resultado visual final dos pacientes. Esta doença pode ocorrer isoladamente ou se apresentar com doenças reumatológicas, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico; doenças infecciosas, como tuberculose e sífilis; e doenças inflamatórias intestinais. (2) É mais encontrada unilateralmente, mas pode ocorrer em ambos os olhos simultaneamente. (3-5) Sua apresentação normalmente ocorre com dor ocular, baixa da acuidade visual, descolamento de retina seroso e edema de disco óptico. (3-6) Seu diagnóstico é difícil de ser realizado, pois nem sempre a apresentação e os achados são clássicos. Atualmente, utilizam-se os achados clínicos associados a achados de exames complementares, principalmente da ultrassonografia ocular. Demais exames podem ser usados para auxiliar o diagnóstico de doenças sistêmicas associadas bem como para exclusão de diagnósticos diferenciais. Nosso objetivo é descrever o caso de uma paciente de 32 anos com quadro de esclerite posterior bilateral simultânea sem associação, até o momento, com doenças sistêmicas; e de uma paciente de 34 anos com esclerite unilateral recorrente, também sem doenças sistêmicas associadas. Os exames laboratoriais revelaram: hemograma normal; sorologias negativas; provas de atividade inflamatória positivas (PCR 13,01 mg/l e VHS 63 mm 1ª hora); anticorpos anti-ena- SM, anti-jo-1, anti-rnp, anti-nucleares SSA (Ro), P-ANCA e C-ANCA negativos; tomografia computadorizada de crânio dentro dos limites da normalidade e de órbitas com espessamento de contorno interno da câmara posterior do globo ocular esquerdo, no quadrante póstero-superior e lateral à esquerda (Figura 1). A infectologia descartou causas infecciosas. O líquor foi normal (límpido, 0,3/mm³ de leucócitos, glicose 60mg/dL, proteína 38 mg/dl, bacterioscopia e cultura negativas, pressão de abertura de 56 mmhg). Ressonância nuclear magnética de crânio encontrava-se dentro da normalidade e de órbitas evidenciou área laminar hiperintensa em T2 com 0,2 cm de espessura em região posterior da câmara vítrea do OE. Relato de Caso 1 Paciente do sexo feminino, 35 anos, negra, deu entrada no serviço de emergência de oftalmologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Santos, Brasil, com queixa de cefaleia e náuseas há um mês e baixa da acuidade visual (AV) em olho esquerdo (OE) há uma semana, com desconforto em região ocular. Sem outros sintomas sistêmicos, dores articulares, alterações dermatológicas e cirurgias oculares prévias. Apresentava hipertensão arterial sistêmica como comorbidade, controlada com losartana 50 mg. Ao exame oftalmológico, apresentava AV em olho direito de 20/30 e em OE de 20/200 na tabela de Snellen. Biomicroscopia, reflexos pupilares direto e consensual e swing light test, movimentação ocular extrínseca e ectoscopia normais em ambos os olhos (AO). A pressão intraocular era 14 mmhg em AO. À fundoscopia, encontramos edema de papila com hiperemia, borramento 360º e elevação de disco óptico, com hemorragias peripapilares e dobras de coroide em região macular em OD; OE com edema de papila 360º com hiperemia e borramento dos bordos, hemorragias peripapilares e descolamento de retina seroso em região inferior e temporal, acometendo mácula parcialmente. A paciente foi internada aos cuidados da oftalmologia para investigação etiológica. Solicitamos exames laboratoriais, radiografia de tórax, parecer da equipe de infectologia (para descartar doenças infectocontagiosas) e neurologia (para coleta de líquor), bem como exames de imagem. Nossas principais hipóteses diagnósticas, no momento inicial, foram de hipertensão maligna (histórico pessoal de hipertensão), hipertensão intracraniana (devido ao edema de papila bilateral), síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (edema de papila bilateral e descolamento de retina seroso) e esclerite posterior (edema de papila, descolamento de retina seroso e desconforto ocular). Figura 1: Tomografia de crânio e órbitas com espessamento da câmara posterior do olho esquerdo, no quadrante póstero-superior e lateral à esquerda. A partir dos primeiros exames, pudemos descartar hipertensão maligna, pois o controle de pressão arterial da paciente variou de 120x80 a 140x90 mmhg durante toda a internação; hipertensão intracraniana, pois tomografia mostrou-se normal e líquor apresentou pressão de abertura dentro da normalidade; e síndrome de Vogt- Koyanagi-Harada, pois, apesar de os achados oculares serem congruentes com a síndrome, não tivemos os achados sistêmicos presentes, como pleocitose no líquor, alterações dermatológicas e neurológicas (cefaleia isoladamente não é considerada suficiente para se encaixar nos critérios de alterações do sistema nervoso central). Dessa forma, ficamos apenas com esclerite posterior bilateral como principal hipótese para o caso. À ultrassonografia, encontramos em OD (Figura 2) espessamento de coroide em porção nasal de parede inferior e em OE descolamento de retina seroso de parede inferior com espessamento de coroide de parede temporal (Figura 3), achados congruentes com o nossa hipótese diagnóstica principal. Não realizamos angiofluoresceinografia devido à indisponibilidade do

40 Maganhoto APS, Correia S, Squillace LO, Pasquarelli Neto RI exame durante o período de acompanhamento. Desconsideramos também a hipótese de doença de Harada (forma ocular isolada), pois esta normalmente se apresenta como uma panuveíte, a qual não foi a manifestação inicial descrita no caso, bem como o espessamento esclerocoroidiano do exame ultrassonográfico ser mais característico de esclerite (localizado e maior que 2 mm) do que de Harada (onde o espessamento normalmente é difuso). Dessa maneira, concluímos o diagnóstico de esclerite posterior bilateral simultânea e iniciamos prontamente o tratamento com pulsoterapia de metilprednilosona 1g/dia por cinco dias, seguida de redução de corticoide gradual via oral. A paciente apresentou redução do descolamento de retina e melhora da acuidade visual final, com 20/20 em OD e 20/40 em OE na alta hospitalar. A paciente segue em acompanhamento ambulatorial e com regressão de corticoide via oral e foi referenciada para acompanhamento reumatológico a fim de investigação de doenças sistêmicas. Figura 3: Ultrassonografia de olho esquerdo, evidenciando descolamento de retina seroso em parede inferior e espessamento de coroide em parede temporal. Figura 2: Ultrassonografia de olho direito, mostrando espessamento de coroide na porção nasal de parede inferior. Relato do Caso 2 A.F.F, feminina, parda, 34 anos, deu entrada no serviço de emergência de oftalmologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Santos com queixa de dor e hiperemia em olho direito (OD) há 8 dias, acompanhado de baixa da acuidade visual (AV). A paciente não apresentava comorbidades ou uso de medicações contínuas. A mesma possuía histórico de episódios oculares semelhantes desde 2007. Havia sido tratada previamente como coroidorretinopatia serosa central em 2007, 2008 e 2013 e em 2014 recebeu o diagnóstico de esclerite anterior e posterior, cujo tratamento foi indometacina 50 mg de 8 em 8 horas, prednisona 20 mg/dia e corticoide tópico. Ao exame oftalmológico, apresentava AV em OD de conta dedos (CD) a um metro e em olho esquerdo (OE) de 20/20 na tabela de Snellen. A biomicroscopia, apresentava hiperemia difusa sem melhora após o teste da fenilefrina em OD; OE sem alterações. Pressão intraocular (PIO) de 10 mmhg em ambos os olhos. A fundoscopia de OD revelou edema difuso de retina em polo posterior, edema de disco óptico, dobras de coróide, descolamento de retina (DR) seroso em polo posterior; OE dentro dos padrões da normalidade. Dentro dos achados oftalmológicos juntamente com o histórico da paciente, inferimos o diagnóstico de esclerite em OD. A paciente foi internada aos cuidados da oftalmologia para exames complementares e início da terapia. Os exames laboratoriais e sorologias encontravam-se dentro dos padrões da normalidade (hemoglobina 13,6 mg/dl, leucócitos 12880 mg/dl, plaquetas 224000 mg/dl, proteína C reativa 2,51, VDRL e HIV 1 e 2 negativos, toxoplasmose IgG positivo e IgM negativo, citomegalovírus IgG positivo e IgM negativo, FAN negativo, fator reumatoide negativo), exceto pela velocidade de hemossedimentação, que apresentou-se acima do valor de referência (40 mm na 1ª hora). A radiografia de tórax não apresentou alterações. Tomografia computadorizada (TC) de crânio não mostrou anormalidades e de órbitas revelou espessamento parietal do globo ocular direito na projeção posterior, com aparente espessamento de coroide e retina e extensão para nervo óptico ipsilateral. A ultrassonografia (US) de OD revelou o clássico sinal do T, que indica fluído na cápsula de

Esclerite posterior bilateral simultânea e unilateral recorrente 41 Figura 4: Ultrassonografia de olho direito, com o sinal do T e descolamento de retina. Tenon e bainha do nervo óptico; e DR seroso inferior (Figura 4). A paciente recebeu pulsoterapia com metilprednisolona 1mg/dia por cinco dias, seguida de regressão com prednisona via oral e indometacina 50mg de 8 em 8 horas. Atualmente segue em acompanhamento ambulatorial em nosso serviço, com AV de 20/35 em OD e 20/20 em OE e fundoscopia com diminuição do brilho macular em OD. Ela foi referenciada para acompanhamento reumatológico a fim de investigar doenças sistêmicas. Discussão Esclerite é uma doença inflamatória escleral e pode ser dividida, segundo a classificação de 1976 de Watson, em cinco tipos: anterior difusa, anterior nodular, anterior necrosante sem inflamação, anterior necrosante com inflamação e posterior. (1,2,5) A esclerite posterior é a mais incomum forma desta doença, encontrada em 2 a 12% dos casos. (1,4,6) A faixa etária média dos pacientes se encontra na quarta década e é mais comum no sexo feminino. (2,3-7) O envolvimento pode ser uni ou bilateral, sendo a forma unilateral mais comum. (3-5) No estudo de Machado et al., (3) 73,9% dos casos o acometimento foi unilateral e 26,1% dos casos foi bilateral simultâneo. Ambos os casos relatados neste trabalho mostram esclerite posterior em mulheres de idade média, o que se correlaciona com os dados da literatura. A paciente do caso 1 apresentava um quadro bilateral simultâneo, o qual não é a apresentação mais usual da doença; já no caso 2, o quadro foi unilateral anterior e posterior. Os sintomas mais frequentes são baixa da acuidade visual (AV), dor periocular/orbitária, cefaleia e dor à movimentação ocular. (1,3-6) Os sinais encontrados ao exame oftalmológico incluem injeção ciliar, uveíte anterior, edema de disco óptico, descolamento de retina seroso, estrias na retina, infiltrados subretinianos, dobras de coroide, proptose, limitação da movimentação extraocular. (1,3-6) O quadro pode ocorrer isoladamente ou estar associado a doenças sistêmicas ou infecciosas, como tuberculose, herpes simples ou zoster, sífilis, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa, granulomatose de Wegener, arterite de células gigantes e doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa e doença de Crohn). (2-4,7) Por isso, há necessidade de realizar exames complementares para confirmação ou exclusão de tais patologias, bem como consultas com especialistas da área. Entre os exames, citamos hemograma, raio X de tórax e FTA-ABS e VDRL como screeninginicial. (5) Demais exames e investigações devem ser solicitados de acordo com o quadro apresentado pelo paciente. As pacientes de nossos casos clínicos apresentavam baixa da AV, edema de disco óptico e descolamento de retina seroso, os quais são achados comumente encontrados nesta doença. Até o momento, não apresentavam outras doenças sistêmicas correlacionadas ao quadro ocular. Porém, foram referenciadas para acompanhamento ambulatorial reumatológico, pois há relatos na literatura de desenvolvimento a posteriori das doenças citadas anteriormente. O diagnóstico da esclerite posterior ainda é um desafio. Unem-se os achados clínicos (dor ocular intensa, descolamento de retina seroso, edema de disco óptico) com exames complementares para que o diagnóstico seja firmado. À ultrassonografia, podemos encontrar o espessamento escleral (clássico, porém não patognomônico, sinal do T, que representa líquido na cápsula de Tenon e na bainha do nervo óptico), (1,2,4) espessamento esclerocoroidiano (maior que 2 mm), (3,4,6) e descolamento de retina seroso. No caso 1, a paciente possui clínica de esclerite, que foi confirmada após realização de ultrassonografia ocular, mostrando espessamento escleral em olho direito e descolamento de retina seroso em olho esquerdo; bem como exclusão de outros diagnósticos diferenciais após normalidade de exames, como tomografia computadorizada de crânio e líquor. Já no caso 2, a paciente já possuía histórico da doença, clínica característica e exame de ultrassonografia com o clássico sinal do T, tornando o diagnóstico mais evidente. O tratamento inclui o uso de antiinflamatórios não esteroidais e corticoides sistêmicos de 60 a 80 mg/dia, com redução gradual da medicação. (1,2) Em alguns casos, é necessária a pulsoterapia com metilprednisolona 1g/dia por três dias. (3) No caso de recorrência da doença com redução da medicação via oral, o uso de drogas imunossupressoras pode ter grande valia, como ciclosporina e azatioprina. (3) A esclerite pode ter complicações severas, como baixa da acuidade visual permanente. (3) O diagnóstico precoce bem como o início da terapia prontamente podem diminuir as sequelas visuais. As pacientes dos casos receberam tratamento com pulsoterapia de metilprednisolona 1g/dia por cinco dias, seguida de redução gradual de corticoide via oral. Ambas apresentaram melhora das alterações oculares, bem como melhora clínica. Atualmente seguem em acompanhamento ambulatorial oftalmológico e reumatológico, sem evidências, até o momento de recidivas ou complicações.

42 Maganhoto APS, Correia S, Squillace LO, Pasquarelli Neto RI Referências 1. Kellar JZ, Taylor, BT. Posterior scleritis with inflammatory retinal detachment. West J Emerg Med. 2015; 16(7):1175-6. 2. Machado DO, Curi ALL, Fernandes RS, Bessa TF, Campos WR, Oréfice F. Esclerite: características clínicas, associação sistêmica, tratamento e evolução de 100 pacientes. Arq BrasOftalmol. 2009; 72(2): 231-5. 3. Machado DO, Curi AL, Bessa TF, Campos WR, Oréfice F. Esclerite posterior: características clínicas, associação sistêmica, tratamento e evolução de 23 pacientes. Arq BrasOftalmol. 2009; 72(3):321-6. 4. Lavric A, Gonzalez-Lopez JJ, Majumder PD, Bansal N, Biswas J, Pavesio C, et al. Posterior scleritis: analysis of epidemiology, clinical factors, and risk of recurrence in a cohort of 114 patients. OculImmunolInflamm. 2016;24(1):6-15. 5. Watson PG, Hayreh SS. Scleritis and episcleritis. Br J Ophthalmol. 1976;60(3):163-91. 6. Biswas J, Mittal S, Ganesh SK, Shetty NS, Gopal L. Posterior scleritis: clinical profile and imaging characteristics. Indian J Ophthalmol. 1998;46(4):195-202. 7. Watson P, Romano A. The impact of new methods of investigation and treatment on the understanding of the pathology of sclera inflammation. Eye (Lond). 2014;28(8):915-30. Autor correspondente: Ana Paula da Silva Maganhoto Dr. Claudio Luis da Costa, 50, Jabaquara - Departamento de Oftalmologia, Hospital Irmandade de SantaCasa de Misericórdia de Santos, Santos, SP, Brasil. Cep:11075-900 Telefone: +55 13 3202-0600 E-mail: anamaganhoto@hotmail.com