Turma e Ano: Turma Regular Master A Matéria / Aula: Direito Civil Aula 23 Professor: Rafael da Mota Mendonça Monitora: Fernanda Manso de Carvalho Silva DIREITO DAS COISAS (continuação) (IV) Direitos Reais em coisa alheia Direito Real em coisa alheia de FRUIÇÃO (cont.): Continuando a tratar dos direitos reais em coisa alheia de fruição, nesta aula serão abordados o uso, o usufruto, e a servidão. O que os diferencia é a intensidade da fruição. Uso Art. 1.412 do CC. Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. 1o Avaliar se ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver. 2o As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico. No uso, há a possibilidade de fruição maior do que a da habitação. O usuário tem acesso aos frutos da coisa, mas apenas aos frutos necessários para a sua subsistência. Tudo o que exceder ao necessário deve ser entregue ao proprietário. De acordo com o 1º, do art. 1.412 pode se observar o contexto (condição social e lugar) em que o direito real de uso é constituído para saber o que é uma necessidade pessoal ou não. No que se refere ao conceito de família de que trata o 2º, este será o mais amplo possível. Objeto: O direito real de uso pode recair sobre bens móveis ou imóveis. Por força do art. 1.413 do CC, utiliza se no uso as formas de extinção do usufruto previstas no art. 1.410 do CC. A principal forma de extinção do usufruto aplicável ao uso é a do art. 1.410, VIII, do CC: o uso pode ser extinto pelo não uso. Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto. OBS1: O direito real de uso pode ser aplicado em favor de pessoa jurídica? Há divergência Corrente 1 (clássica): Não é possível, pois o direito real de uso tem a finalidade específica de garantir o mínimo para a sobrevivência do ser humano (somente a pessoa natural). 1
Corrente 2 (contemporânea): Sim, é possível, até porque através da pessoa jurídica os sócios alcançarão o mínimo para a sua subsistência (de todas as famílias envolvidas naquela pessoa jurídica). OBS2: Formas de constituição do direito real de uso: Pode ser feito por ato entre vivos (respeitados os termos do art. 108 e do art. 1.647, ambos do CC) e por testamento. Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III prestar fiança ou aval; IV fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Quanto aos frutos do bem, nunca o habitante poderá ter acesso a eles. Todos os frutos produzidos pertencem ao proprietário. OBS3: Não confundir direito real de uso (arts. 1412 e 1413 do CC) com a concessão de direito real de uso (CDRU) e com a concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM). CDRU e CUEM são instrumentos de regularização fundiária. CRDU Concessão de Direito Real de Uso Ingressa no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Lei 271/67, arts. 7º e 8º. Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) 1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples têrmo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial. 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sôbre o imóvel e suas rendas. 2
3º Resolve se a concessão antes de seu têrmo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou têrmo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza. 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sôbre coisas alheias, registrando se a transferência. 5º (Vide Medida Provisória nº 335, de 2006) 5o Para efeito de aplicação do disposto no caput deste artigo, deverá ser observada a anuência prévia: (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) I do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, quando se tratar de imóveis que estejam sob sua administração; e (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) II do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência de República, observados os termos do inciso III do 1o do art. 91 da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) Art 8º É permitida a concessão de uso do espaço aéreo sôbre a superfície de terrenos públicos ou particulares, tomada em projeção vertical, nos têrmos e para os fins do artigo anterior e na forma que fôr regulamentada. O que é feito pela CDRU é uma regularização da posse, tanto em área particular quanto em área pública. Hoje a sua principal utilização é regularizar a posse de um particular em área pública. Objeto: O objeto da CDRU é definido em contrato. É bastante amplo, podendo ser só para moradia ou para outra finalidade (ex: comercial ou social). A CDRU é transmissível (vide 4º do art. 7º, acima). A CDRU ficou esquecida por um tempo e o legislador tentou oxigená la no art. 48 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2011) Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis públicos: I terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se aplicando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil; II constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos habitacionais. A CDRU ganha mais relevância com a Lei 11.481/07 (Lei de Regularização Fundiária de Interesse Social em Imóveis da União), inserindo o inciso XII no art. 1.225 do CC (rol de direitos reais) e o inciso IX no art. 1473 do CC (bens que podem ser objeto de hipoteca). O uso a que se refere este dispositivo é a CDRU, e isso está convergindo para os termos do estatuto da cidade (art. 48). 3
Art. 1.225. São direitos reais: XII a concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca: IX o direito real de uso; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) Natureza jurídica da CDRU em área pública: contrato administrativo. A Administração Pública possui discricionariedade em regularizar ou não aquela posse. CUEM Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia A CUEM só é aplicada em área pública. A sua finalidade é específica para moradia: regularizar a ocupação de particular em área pública com finalidade exclusiva de moradia. A CUEM é um ato administrativo vinculado. Caso o particular preencha os requisitos, surgirá para ele um direito subjetivo à regularização de posse. A CUEM deveria estar prevista nos artigos 15 a 20 do Estatuto da Cidade. Entretanto, foi vetada, pois o Executivo à época entendeu que isso iria estimular ocupações em áreas públicas. Editou se posteriormente a MP 2220/2001 para regulamentar a CUEM. Esta MP está em vigor até hoje (em caráter definitivo), pois é anterior à EC 32/01. O art. 1º da MP 2220/01 traz os requisitos da CUEM. Os requisitos são os mesmos da usucapião especial urbana. Ocorre que, se a área ocupada for área pública, a usucapião não será da propriedade, mas apenas do uso (CUEM). Art. 1o Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. A concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) está prevista no art. 183, 1º, da CF/88. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando a para sua moradia ou de sua família, adquirir lhe á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 4
O Poder Executivo estabeleceu uma limitação temporal para a CUEM: para a pessoa ter direito à CUEM, deve ter completado os cinco anos de posse até o dia 30/06/2001. O instituto não pode ser aplicado para novas ocupações. A CUEM também foi inserida no rol de direitos reais (art. 1.225, XI, do CC) e também pode ser objeto de hipoteca (art. 1.473, X, do CC). Isso foi feito pela Lei nº 11.481/2001. Art. 1.225. São direitos reais: XI a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca: VIII o direito de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) A CUEM também é transmissível, mas há uma limitação: transmite se apenas aos herdeiros legítimos que já residiam no imóvel. Vide art. 1º, 3º da MP 2220/01. Art. 1o Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão A CUEM pode ser pleiteada a qualquer tempo. Ela não pode ser negociada por ato inter vivos. O acessio possessiones é admitido na CUEM. Vide art. 2º, 1º da MP 2220/01. Art. 2o Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. 5
Vide art. 5º da MP 2220/02: hipóteses em que o Poder Público pode estabelecer que a CUEM se dê em outro local. Art. 5o É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local na hipótese de ocupação de imóvel: I de uso comum do povo; II destinado a projeto de urbanização; III de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; IV reservado à construção de represas e obras congêneres; ou V situado em via de comunicação. Procedimento para conceder a CUEM: artigo 6º da MP 2220/01 Art. 6o O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. 1o A Administração Pública terá o prazo máximo de doze meses para decidir o pedido, contado da data de seu protocolo. 2o Na hipótese de bem imóvel da União ou dos Estados, o interessado deverá instruir o requerimento de concessão de uso especial para fins de moradia com certidão expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a sua destinação para moradia do ocupante ou de sua família. 3o Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença. 4o O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis. Deverá ser feito um requerimento administrativo junto à Secretaria de Patrimônio/Habitação. Se em doze meses o Poder Público ao der resposta, é possível ajuizar ação para requerer a concessão judicial da CUEM. A CUEM é um instituto que privilegia a função social do bem público. Usufruto Art. 1.390 do CC. Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades. 6
O usufruto pode recair em bem móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo. Ex: usufruto de bem incorpóreo: usufruto de direito. Direito de superfície e direito de crédito (art. 1395 do CC). Art. 1.395. Quando o usufruto recai em títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas. Benefício: o usufrutuário de um direito de crédito pode cobrar aquela dívida. O bem objeto de usufruto deve ser infungível (não pode ser substituído por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade) e inconsumível (aquele cujo uso não gera destruição imediata). Atenção: No caso do usufruto de bens fungíveis, aplica se as regras do mútuo. É chamado de usufruto irregular. Principais características: Sempre temporário (pode até ser vitalício, mas é sempre temporário). Personalíssimo (tem uma exceção a essa característica, que é o direito de acrescer art. 1946 do CC) Art. 1.946. Legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte da que faltar acresce aos co legatários. Ex: Autor da herança deixa um legado a Filho 1, Filho 2 e Filho 3 em testamento. Se um dos usufrutuários morrer (ex: F1), o usufruto deixado em legado não é extinto. A parte de F1 (1/3) vai para os demais (acresce aos demais). Formas de constituição do usufruto: Usufruto legal Ex: art. 1.689 do CC administração e usufruto que o representante tem dos bens do incapaz Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I são usufrutuários dos bens dos filhos; II têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. Usufruto judicial Usufruto que é constituído por decisão judicial (ex: art. 716 do CPC/73: em uma execução, o credor pode ficar como usufrutuário do bem do devedor). Art. 716. O juiz pode conceder ao exequente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito 7
Usufruto convencional Dá se por celebração de negócio jurídico (art. 1391 do CC). Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir se á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis. Usufruto indígena (ou especial) Art. 231 da CR/88 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. A União é a nua proprietária e o índio é o usufrutuário. As terras são registradas em favor dos índios. Cuidado: Quanto aos quilombos, não se trata de usufruto. Há título de propriedade registrada no RGI (pode ser CDRU ou CUEM) e não pode ser vendida (art. 68 do ADCT). Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir lhes os títulos respectivos. 8