Por uma historiografia da pintura de paisagem no Brasil (1816-1890).



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Transcrição:

Por uma historiografia da pintura de paisagem no Brasil (1816-1890). Helder Oliveira 11 Esta comunicação visa uma proposta para a historiografia da pintura de paisagem no Brasil no período da Academia Imperial de Belas Artes. Os estudos sobre a pintura de paisagem no país são, em sua maioria, pontuais, ou seja, abordam questões muito precisas sobre o assunto ou, estão inseridos em algum estudo mais abrangente sobre a história da arte no Brasil. Ao mesmo tempo, verificam-se, geralmente, abordagens divididas em duas linhas: a) que tratam dos pintores-viajantes e, b) tratam dos pintores formados na Academia. Através deste texto proponho um estudo que intercale essas duas abordagens, ou seja, não crie diferenciações entre pintores-viajantes e pintores acadêmicos, mas sim como uma cultura visual que acaba por determinar as características da pintura de paisagem nas últimas décadas do século XIX. A presente comunicação tem por objetivo trazer um breve panorama da historiografia da pintura de paisagem no Brasil, que trate do período que abrange desde a chegada da Missão Francesa no país até a transformação da Academia Imperial de Belas Artes em Escola Nacional de Belas Artes. Ao mesmo tempo, que incluirá os chamados artistas viajantes, já que estes tiveram uma grande presença em terras brasileiras, no decorrer do século XIX. Este texto se justifica pela necessidade de entender como a pintura de paisagem e, conseqüentemente, a pintura de marinha motivo de minhas pesquisas foi sendo tratada, principalmente, ao longo do século XX, pela historiografia da arte brasileira. E, também, devido a uma percepção inicialmente, derivada do meu estudo sobre o pintor Giovanni Castagneto de que pintores viajantes e acadêmicos eram, na sua grande maioria, colocados em estudos separados gerando assim, duas linhas paralelas sobre a pintura de paisagem: uma que trata somente dos artistas que estavam ligados a Academia e, outra que trata somente dos artistas ligados as expedições científicas ou que produziram álbuns de lembranças ou guias de viagem. Durante o século XIX, as fontes principais para estudar a pintura de paisagem e a própria história da arte produzida no Brasil, são os escritos produzidos 1

pela Academia 2 e pelos críticos 3 nos periódicos da época. E, nesse último conjunto, dois autores, que tiveram obras publicadas no período, costumam ser os mais citados, Félix Ferreira 4 e, principalmente, Gonzaga-Duque. Em sua A Arte Brasileira (1995, 1ª edição em 1888), o autor constrói uma história da paisagem, que inclui todos os pintores do gênero presentes no Rio de Janeiro do período, com exceção dos pintores participantes de expedições científicas. O crítico se guia pela produção legitimada pelas exposições da Academia, já que, praticamente, todos os pintores por ele citados participaram das mesmas. O autor acabou por se tornar referência básica para todo e qualquer estudo sobre o século XIX, como veremos ao analisar a historiografia escrita no século XX, provavelmente, por ter publicado uma das poucas obras sistematizadas sobre a produção artística do oitocentos. Outra grande referência para os estudos de arte no século XIX é Laudelino Freire, que na primeira década do século XX, publica Um século de pintura: apontamentos para a história da pintura no Brasil de 1816-1916 (1916). Como em Gonzaga-Duque, o autor se guia pelas exposições gerais para traçar os seus apontamentos para a pintura produzida no Brasil, transcrevendo inclusive trechos de algumas premiações e respectivos premiados. O autor confecciona textos que possuem um tom bastante biográfico reforçado pela maneira como os artistas aparecem: uma seqüência de nomes que se apresentam destacados da estrutura do texto. A pintura de paisagem, nesta obra, aparece vinculada às biografias dos artistas. Inicia-se, assim, um método de escrever a nossa história artística que se repetirá, em muitos casos, até os anos 80, embora, no decorrer desse tempo, algumas modificações, de valor positivo, foram implementadas. Nos anos de 1930 e 40, temos várias publicações que dissertam sobre a atividade artística brasileira. Aníbal Mattos, Francisco Acquarone, Teodoro Braga, Carlos Rubens e José Maria dos Reis Júnior são alguns dos autores que podem exemplificar esse empenho. Aníbal Mattos contribui com seu olhar sobre a arte colonial no Brasil em História da Arte Brasileira (1937), Francisco Acquarone cria uma história para contar a História da Arte no Brasil (1939) e inclui um capitulo sobre a pintura de 2 Por exemplo, o material produzido por Félix-Émile Taunay e Manuel Araújo Porto-Alegre, quando diretores da Academia e importantíssimo para se avaliar certas questões ligadas à pintura de paisagem. 3 A crítica de arte produzida no período trazia a grande qualidade seus autores, Gonzaga-Duque, Ângelo Agostini, Oscar Guanabarino, Artur de Azevedo, entre outros nomes, não menos importantes. 2

paisagem: Os Dois Pólos da Paisagem Brasileira (p.209), no qual trata dos pintores Antonio Parreiras e João Baptista da Costa. Teodoro Braga faz, segundo as suas próprias palavras, em sua obra, Artistas Pintores no Brasil (1942), uma relação de todos os que foram e são ARTISTAS PINTORES no Brasil (p.19). Carlos Rubens, em sua Pequena História das Artes Plásticas no Brasil de 1941, coloca as dificuldades de se fazer uma história das artes plásticas, devido ao fato desse material se apresentar ainda, quase tudo esparso e obscuro e, afinal de contas, ignorado (p. 11). Talvez, seja esse o motivo para produzir um trabalho análogo ao de Gonzaga-Duque, inclusive, articulando os artistas em grupos muito similares ao organizado por este autor. Em História da Pintura no Brasil (1944), de José Maria dos Reis Júnior, o autor parece trazer um tom crítico negativo com relação à Academia. Esse tom crítico presente já em Gonzaga-Duque, também, vai se tornar discurso recorrente na historiografia da arte brasileira: o papel castrador da imaginação inventiva do artista, bloqueando, assim, o surgimento contemporaneamente a Europa de movimentos renovadores da arte no Brasil. No que concerne à pintura de paisagem, Rubens, dedica-lhe dois capítulos de sua obra: Discípulos de Grimm e Baptista da Costa e Antonio Parreiras. Importante destacar, também, que ao final de seus escritos o autor organiza textos sobre as produções regionais, assim, as artes em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Paraná, por exemplo, são descritas em capítulos à parte e, destacando seus principais nomes. Notamos que, tanto em Carlos Rubens quanto, em José Maria dos Reis Júnior existe uma certa continuidade em relação ao método que mistura biografia com o contexto histórico-artístico da Academia e que as exposições gerais são utilizadas como guias para elencar os artistas, inclusive os estrangeiros ou viajantes. Embora no caso de Reis Júnior, um panorama histórico se faz presente antes de entrar na questão artística, propriamente dita. Como referência dos anos 50, para a pintura de paisagem, citaremos a exposição realizada, em 1953, na II Bienal Internacional de São Paulo intitulada A Paisagem Brasileira até 1900. A exposição e o texto do catálogo são de autoria de Rodrigo Mello Franco de Andrade, que tinha como mote a representação da paisagem do Brasil. Percebe-se que os artistas presentes na exposição independem de serem ou não considerados viajantes e acadêmicos e, que Andrade teve uma especial 4 Belas Artes: Estudos e Apreciações. Rio de Janeiro: Baldomero Carqueja Fuentes Editor, 1885, ed. Digital aos cuidados de Carlos Roberto Maciel Levy, Artedata, 1998. 3

sensibilidade ao acrescentar alguns pintores que não são reconhecidamente paisagistas, mas que fizeram obras de paisagem cujo valor merece destaque na história deste gênero no Brasil, como o caso de Almeida Júnior e Aurélio de Figueiredo. A partir dos anos 60, 70 e principalmente nos anos 80, há uma produção muito grande de escritos sobre a história da arte, desde dicionários e biografias de artistas até novas tentativas de se escrever uma história da arte no Brasil ou da pintura do século XIX. Nos dicionários, podemos citar, por exemplo, o Dicionário das Artes Plásticas no Brasil (1969), de Roberto Pontual, o Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos (1980), organizado por Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala e o Dicionário Crítico de Pintura no Brasil (1988) de José Roberto Teixeira Leite, que apresenta, inclusive, um verbete que trata da pintura de paisagens e outro que trata da pintura de marinhas, descrevendo nestes, as características principais e destacados pintores de cada gênero. Nas biografias, destacamos as referentes aos pintores paisagistas, como Giovanni Castagneto, Antonio Parreiras 5, João Baptista da Costa 6 e Nicolau Facchinetti 7, além do Grupo Grimm 8. Como uma nova tentativa de escrever sobre a arte no Brasil, citamos História Geral da Arte no Brasil (1983), organizado por Walter Zanini e História da Pintura Brasileira no Século XIX (1983) de Quirino Campofiorito. A primeira obra possui o texto sobre o século XIX (Século XIX. Transição e Início do Século XX) escrito por Mario Barata. Neste, o autor destaca um tópico exclusivo sobre a pintura de paisagem intitulado Pintura de paisagem e arte dos jardins: a presença dos itinerantes (p. 413). Notamos neste texto que os pintores viajantes (ou itinerantes como indica o autor) podem ser encarados de duas maneiras: (1) os que contribuíram para a cultura visual da paisagem no Brasil, e (2) os que produziram álbuns de viagem sobre o Brasil. De certa maneira, ambos contribuem para o universo da história da paisagem brasileira, mas de forma bastante diversa. Segundo esse autor, o segundo grupo deve ser visto com cuidado, já que suas contribuições são mais caras ao universo europeu do que propriamente ao universo brasileiro. O autor 5 Giovanni Battista Castagneto: o Pintor do Mar (1851-1900). Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1982 e Antônio Parreiras: Pintor de Paisagem, Gênero e História. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1981. Ambos de Carlos Roberto Maciel Levy. 6 João Baptista da Costa 1865-1926. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1984, de autoria de Francisco Nagib. 7 Nicolau Antonio Facchinetti 1824-1900. Rio de Janeiro: Editora Record, 1982, de autoria de Donato Mello Júnior. 8 O Grupo Grimm: Paisagismo Brasileiro no Século XIX. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1980, de autoria de Roberto Carlos Maciel Levy. 4

acrescenta que apenas os pintores itinerantes que contribuíram para a pintura de paisagem e os pintores formados na Academia devem figurar em uma história da paisagem no Brasil, ficando os produtores de álbuns iconográficos à parte dessa manifestação da história da arte no país. A segunda obra, História da Pintura Brasileira no Século XIX (1983) de Campofiorito, retoma as idéias do autor Gonzaga- Duque, e acaba por trazer um resultado que se assemelha muito ao do crítico do século XIX, como por exemplo, se guiar pelas exposições gerais da Academia. Embora Campofiorito determine estágios diferentes para o desenvolvimento de nossa arte. No que se refere a pintura de paisagem, devemos destacar dois pontos colocados pelo autor: A) os pintores que hoje são vinculados a idéia de viajantes, nos são apresentados divididos nos seguintes tópicos: Viajantes estrangeiros independentes da Missão que engloba artistas diretamente ligados a expedições científicas, como Thomas Ender e Rugendas e, Afluência de artistas europeus que traz artistas ligados a Academia, como Henri Vinet e Buvelot. B) no volume 4 de sua obra (A proteção do Imperador e os Pintores do Segundo Reinado 1850-1890), o autor dedica um tópico exclusivo para a pintura de paisagem. Este recebeu o nome de A ruptura dos temas convencionais e a evolução do paisagismo, nele os autores listados são Émile Rouéde, Johann Georg Grimm, Thomas Georg Driendl, Domingo Garcia y Vázquez, Hipólito Boaventura Caron, Joaquim José da França Júnior, Giovanni Castagneto e Estevão Roberto Silva. Notamos que a paisagem aqui é dada como elemento diferenciador de produção pictórica, anunciando os valores da modernidade. Modernidade esta, que também já era anunciada por Gonzaga-Duque em A Arte Brasileira. Ainda, nos anos 80, devemos destacar o texto de Alexandre Eulálio publicado no catálogo da exposição Tradição e Ruptura: Síntese de Arte e Cultura Brasileiras, realizada na Fundação Bienal em 1984, intitulado O Século XIX. Neste texto é importante ressaltar, segundo o autor, o impacto causado pelas técnicas de reprodução mecânica da imagem litografia e fotografia e sua influência para a produção de paisagem no Brasil; a contribuição dos pintores viajantes para a construção pictórica da paisagem, já que para este autor eles iniciam a pintura de paisagem no Brasil; a busca de uma identidade coletiva presente na Academia sob a direção de Félix- Émile Taunay e Manuel Araújo Porto Alegre; a ruptura do ensino artístico através da pintura ao ar livre liderada por Georg Grimm, entre outras. Observamos aqui, que a visão do autor é ampla não se detento apenas em alguns aspectos da nossa história 5

artística. Eulálio traz uma nova possibilidade de olhar o século XIX, incluindo a pintura de paisagem, que a diferencia das muitas tentativas feitas anteriormente. Dentre os escritos produzidos durante os anos 90, destacamos uma obra que discorre somente sobre a produção dos artistas viajantes. O Brasil dos Viajantes (1994) de Ana Maria de Moraes Belluzzo apresenta em seu terceiro volume, intitulado A Construção da Paisagem, um importante panorama de questões relacionadas especificamente à pintura de paisagem, como o pitoresco, o sublime, o panorama etc. Percebemos que, nesta obra, artistas viajantes passa a ser uma abordagem bastante abrangente, pois abarca desde os artistas que vieram documentar o Brasil em expedições científicas caso de Thomas Ender até artistas que migraram para terras brasileiras, portanto, por aqui ficaram e realizaram a sua produção pictórica, caso exemplar de Félix Émile Taunay, que é incluído na presente acepção de artista viajante. A presente definição é apresentada pela autora com duas frentes de compreensão sobre as intenções dos artistas viajantes: (1) É formado por artistas e cientistas expedições científicas que tem como objetivo a transformação da natureza em arte, portanto, um forte caráter de documentação científica (arte como instrumento da ciência); (2) É formado por artistas, profissionais e amadores interessados em fruir esteticamente a natureza e transformá-la artisticamente. A natureza como inspiração de composições pitorescas. Desta maneira, a amplitude da idéia de um artista viajante fica tão abrangente que praticamente vira sinônimo de artista estrangeiro. No catálogo, percebemos que a definição de artista viajante incluiria, todo e qualquer artista estrangeiro que se deslocou para o Brasil e se preocupou em representar nossas paisagens. Notamos que mesmo que a autora crie uma definição importante de compreensão do artista viajante, os artistas citados pela mesma acabam por demonstrar a fragilidade de se alargar muito a abordagem sobre os viajantes. Um outro autor que, também, se refere à produção de pintores viajantes é Carlos Martins. No texto de apresentação de Revelando um Acervo (2000), o autor cita a respeito da coleção brasiliana da Fundação Rank-Packard: De maneira geral, 6

associa-se a brasiliana principalmente aos artistas-viajantes (p.01). E, complementa com uma definição de artista viajante que destaca o caráter da produção iconográfica realizada pelos mesmos. Dessa maneira, Martins dá continuidade a um método que aborda as produções iconográficas da paisagem brasileira como fonte de estudos. A pesquisa sobre as produções iconográficas da paisagem teve seus primeiros passos dados por Gilberto Ferrez, autor citado por Martins, nos anos 50 e que se mantém ainda hoje, como principal estudioso da produção iconográfica da paisagem brasileira. Para finalizar essas análises sobre algumas obras da história da arte no Brasil, cujo foco é a pintura de paisagem, citaremos dois catálogos publicados por ocasião da exposição Mostra do Redescobrimento realizada em 2000 que, certamente, nos proporcionou uma nova reflexão sobre a produção artística nacional que estava reunida nos pavilhões expositivos do Parque do Ibirapuera. O catálogo da Mostra do Redescobrimento: O Olhar Distante (2000), apresenta uma seleção de artistas realizada por Pedro Corrêa do Lago. Esta foi organizada em blocos que trazem um artista principal associados a outros nomes para criar uma unidade característica da produção paisagística desses pintores. Assim, tanto artistas vinculados a Academia quanto, artistas viajantes pertencentes ou não, a expedições científicas, estão presentes em um mesmo bloco. A proposta da exposição diz mais sobre como um estrangeiro olhou para o Brasil do que propriamente uma produção pictórica realizada no Brasil, já que a exposição também apresenta obras de artistas do século XVII e mesmo, século XX. Notamos, assim, que essa seleção de artistas, possibilita uma visão mais ampla das relações pictóricas existentes entre os artistas de um mesmo grupo. Já, no catálogo A Arte do Século XIX (2000), Luciano Migliaccio, traz em seu texto, referências dos autores, Gonzaga-Duque e principalmente, Alexandre Eulálio a quem Migliaccio agradece, ao final do catálogo. Assim, percebemos, no que se refere à paisagem, que estão presentes no texto, questões ligadas à criação e divulgação de uma identidade nacional incluindo o panorama e a pintura documental dos viajantes, a presença dos pintores estrangeiros nas exposições gerais, os novos meios de reprodução de imagem, como a fotografia e a litografia e as escolas regionais de paisagens, entre tantas outras. Notamos, assim, que na Mostra do Redescobrimento, os catálogos das exposições O Olhar Distante e Arte do Século XIX se completam, ampliando a possibilidade de se repensar as problemáticas existentes para a pintura de paisagem no Brasil. 7

Destarte, se quisermos escrever essa história, devemos primeiramente, partir de uma análise de toda a produção pictórica realizada no período, para assim, trazermos para a ampliação do debate, as questões relacionadas à produção iconográfica da paisagem, a paisagem como identidade nacional, as estéticas do pitoresco e do sublime, as técnicas de reprodução de imagem, as produções regionais, as técnicas de pintura e suas experimentações, entre outras, em conjunto com o contexto histórico-social do período. E, abandonando, por exemplo, as definições de artistas viajantes e acadêmicos, que foram, brevemente, tratadas neste texto como uma tentativa de reunir alguns nomes que, de alguma maneira trataram da pintura de paisagem e que devido ao pouco espaço dessas linhas, não puderam ser alargados e mesmo, avaliados com maior profundidade. Referências Bibliográficas ACQUARONE, Francisco. História da Arte no Brasil. Rio de Janeiro: Oscar Mano & Cia., 1939. ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. A Paisagem Brasileira até 1900. In II Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1953 (catálogo de exposição). BARATA, Mário. Pintura de paisagem e arte dos jardins: a presença dos itinerantes. In ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983 (volume 1). BELUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos Viajantes: Volume III. A Construção da Paisagem. São Paulo/Salvador: Metalivros/Odebrecht, 1994. BRAGA, Theodoro. Artistas Pintores no Brasil. São Paulo: São Paulo Editora Limitada, 1942. CAMPOFIORITO, Quirino. A História da Pintura Brasileira no século XIX: volume 02. A Missão Artística Francesa e seus Discípulos: 1816-1840. Rio de janeiro: Edições Pinakotheke: 1983. CAMPOFIORITO, Quirino. A História da Pintura Brasileira no século XIX: volume 03. A Pintura Posterior à Missão Francesa: 1835-1870. Rio de janeiro: Edições Pinakotheke: 1983. CAMPOFIORITO, Quirino. A História da Pintura Brasileira no século XIX: volume 04. A Proteção do Imperador e os Pintores do Segundo Reinado: 1850-1890. Rio de janeiro: Edições Pinakotheke: 1983. CAMPOFIORITO, Quirino. A História da Pintura Brasileira no século XIX: volume 05. A República e a Decadência da Disciplina Neoclássica: 1890-1918. Rio de janeiro: Edições Pinakotheke: 1983. CAVALCANTI, C.; AYALA, W. (coord.). Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos. Rio de Janeiro/ Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1973 1980 (4 Volumes). DUQUE-ESTRADA, Gonzaga. A Arte Brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. 8

EULÁLIO, Alexandre. O século XIX. In Tradição e Ruptura: Síntese de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Fundação Bienal Internacional de São Paulo, 1984 (catálogo de exposição). FREIRE, Laudelino. Um Século de Pintura: Apontamentos para a História da Pintura no Brasil de 1816-1916. Rio de Janeiro: Typographia Röhe, 1916. LAGO, Pedro Corrêa do; GALARD, Jean. Olhar Distante. In Mostra do Redescobrimento: O Olhar Distante. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo/Associação Brasil 500 anos de Artes Visuais, 2000. MARTINS, Carlos. Revelando um Acervo: Coleção Brasiliana, Fundação Rank- Packard / Fundação Estudar. São Paulo: Bei Comunicação, 2000. MATOS, Aníbal. História da Arte Brasileira. Belo Horizonte: Editora Apollo, 1936. MIGLIACCIO, Luciano. O Século XIX. In Mostra do Redescobrimento: A Arte do Século XIX. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo/Associação Brasil 500 anos de Artes Visuais, 2000. PONTUAL, Roberto. Dicionário das Artes Plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da Pintura no Brasil. São Paulo: Editora Leia, 1944. RUBENS, Carlos. Pequena História das Artes Plásticas no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. TEIXEIRA LEITE, José Roberto (org.). Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: ArtLivre, 1988. 1 Mestrando em História da Arte, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas UNICAMP (Bolsista CNPq). 9