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Transcrição:

Autoria: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Sociedade Brasileira de Pediatria Elaboração Final: 31 de janeiro de 2011 Participantes: Ferreira S, Ribeiro JD, Sias SMA, Camargos PAM, Lotufo JPB, Sant Anna CC, Mocelin HT, Souza ELS, Dias ALPA, Lundgren F, Vieira SE As Diretrizes Clínicas na Saúde Suplementar, iniciativa conjunta Associação Médica Brasileira e Agência Nacional de Saúde Suplementar, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. 1

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA: Para elaboração dessa diretriz foi consultada a base de dados primária MEDLINE. Foram utilizados os descritores: pneumonia, diagnosis (subheading), signs and symptoms, hospitalization, mortality, risk factors, oximetry, fever e dyspnea. GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA: A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência. B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência. C: Relatos de casos (estudos não controlados). D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. OBJETIVO: Analisar a evidência clínica que apóia o diagnóstico da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e sua classificação de acordo com a gravidade. CONFLITO DE INTERESSE: Nenhum conflito de interesse declarado. 2 Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade

INTRODUÇÃO A pneumonia continua a ser uma das principais causas de morte em crianças em todo o mundo, contando com cerca de 2 milhões de óbitos ao ano 1 (D). Como estratégia para a redução da mortalidade por pneumonia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu o diagnóstico clínico baseado nas queixas de tosse e dispneia e apoiado em outros sinais, como tiragens e dificuldade para se alimentar, para classificar a gravidade. O principal objetivo é estabelecer parâmetros sensíveis para a introdução de antibioticoterapia e encaminhamento para hospitalização, quando necessários. Essa estratégia da OMS obteve redução de até 35% a 40% da mortalidade por pneumonia na infância. O treinamento para o atendimento hospitalar também foi implantado segundo orientações da OMS e reduziu o uso de antibióticos de 59,6% para 22,9% (p<0,0001) e a mortalidade por infecção respiratória aguda de 9,9% para 4,9% (p<0,0001) 2 (A) 3 (B). O diagnóstico e a classificação da gravidade da pneumonia na criança por meio de critérios clínicos são importantes, e sua especificidade pode ser aumentada, permitindo a redução do uso de antibioticoterapia. É importante para o profissional de saúde ter o conhecimento das ferramentas que permitem o aperfeiçoamento e a adequação dos instrumentos diagnósticos para cada situação clínica. DIAGNÓSTICO CLÍNICO 1. É POSSÍVEL DIFERENCIAR PNEUMONIAS DE INFECÇÕES DE APA- RELHO RESPIRATÓRIO SUPERIOR POR MEIO DA HISTÓRIA E EXAME FÍSICO, COM SEGURANÇA? A maioria das crianças tem de quatro a seis infecções respiratórias agudas por ano. Dessas, apenas 2% a 3% evoluem para pneumonia 4 (B). A tosse é um dos sintomas mais encontrados nas doenças respiratórias, não sendo específica da pneumonia adquirida na comunidade (PAC), no entanto, em crianças com tosse, a taquipneia é o sinal mais sensível para o diagnóstico de pneumonia. Os valores Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade 3

considerados para taquipneia variam de acordo com a idade; até os dois meses, frequência respiratória (FR) < 60 rpm, de 2 meses a 12 meses, FR > 50 rpm e acima de 12 meses, FR = 40 rpm 5 (A). Estudo de coorte com 510 crianças de dois meses a quatro anos demonstrou que, nos pacientes com mais de um ano a FR 50 rpm e, nos menores de um ano, o batimento nasal, permitiu identificar em crianças com infecção respiratória aguda as que tinham evidência radiológica de pneumonia 5 (A). Revisão sistemática encontrou sensibilidade da taquipneia para o diagnóstico de pneumonia radiologicamente comprovada entre 72% e 94% e a especificidade entre 38% e 99% 6 (A). A sensibilidade diagnóstica da taquipneia pode ser aumentada. Entre crianças menores de dois anos atendidas com febre e/ou tosse e coriza, a sensibilidade da FR > 60 rpm para diagnóstico de pneumonia comprovada radiologicamente foi de 85%. A associação de batimento de asas de nariz acrescentou 6% de sensibilidade, sem perda de especificidade. A associação de quatro ou mais sinais inespecíficos (dificuldade de alimentação, aparência de doença, temperatura acima de 38 graus Celsius e distensão abdominal) à FR > 60 rpm aumentou em 7% a sensibilidade, porém com perda de 22% de especificidade 7 (B). A presença de taquipneia em crianças com história de febre e/ou tosse é sugestiva de pneumonia. Em crianças menores de um ano, a adição de batimentos de asas de nariz aumenta a chance de infecção de vias aéreas inferiores 5,6 (A). 2. A PRESENÇA DE FEBRE E SIBILÂNCIA PODE COMPROMETER A AVALIAÇÃO DA TAQUIPNEIA PARA O DIAGNÓSTICO DE PAC? A presença de sibilância e febre pode comprometer a avaliação da frequência respiratória. Em 125 crianças com tosse e taquipneia atendidas em serviço de emergência, 24 (19,2%) apresentavam pneumonia comprovada radiologicamente. Após uso de broncodilatadores, apenas 32% das crianças sem pneumonia persistiram com taquipneia, enquanto 58% das crianças com pneumonia continuavam taquipneicas. Neste estudo, a broncodilatação diminuiria em 68% o diagnóstico inadequado da pneumonia em decorrência de taquipneia em crianças com sibilância e história prévia de chiado (p=0,01). Este estudo demonstra que a taquipneia pode ou não estar associada a pneumonia em crianças chiadoras 8 (B). História de outros episódios de desconforto respiratório chama a atenção para doença com hiperreatividade brônquica 9 (A). A história de febre é frequente em crianças com pneumonia. Em coorte de crianças com idade entre 6 e 59 meses atendidas em serviço de emergência, 70% tinham história de febre e 50% apresentavam-se febris durante a consulta. Após o uso de antitérmico nas crianças febris, 92% continuaram taquipneicas. Neste estudo, após o uso de broncodilatadores para crianças com sibilância, a taquipneia persistiu em 87,5% daquelas com diagnóstico radiológico de pneumonia e em 30% das crianças sem imagem de pneumonia (p<0,001) 10 (B). O diagnóstico de PAC pode ser feito clinicamente na criança com tosse e ta- 4 Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade

quipneia 6 (A) 7 (B). Recomenda-se que a criança esteja afebril e sem quadro de sibilância, no momento do exame físico, para a avaliação da taquipneia 9 (A) 10 (B). 3. A AUSCULTA PULMONAR É SENSÍVEL PARA DIAGNÓSTICO DE PNEUMONIA? A ausculta pulmonar pode ser prejudicada pelo choro e pela agitação, principalmente em lactentes, e deve ser realizada após a inspeção torácica. A análise da ausculta respiratória foi avaliada em revisão sistemática. A ausculta de creptações (estertores) esteve associada à presença de pneumonia com razão de verossimilhança (RV) que variou de 1,78 a 15. A ausência de creptações, no entanto, não exclui pneumonia 11 (B). A presença de creptações contribuiu para o diagnóstico de pneumonia. A ausculta respiratória pode ser difícil em crianças e a ausência de creptações não deve excluir o diagnóstico de PAC 11 (B). 4. A DOR ABDOMINAL É UM SINTOMA ASSOCIADO À PAC NA INFÂNCIA? A dor abdominal pode estar presente em crianças com pneumonia; em 119 pacientes com pneumonia, a prevalência deste sintoma foi de 34%. Os pacientes com dor abdominal apresentaram taxa significante de aumento de linfonodos abdominais (< 10 mm); p=0,01. Também em relação a controles saudáveis, a presença de linfadenopatia e dor abdominal foi associada aos casos de pneumonia (OR: 1,47 IC: 3-44). Estudo ultrassonográfico realizado após um mês demonstrou que 65% dos pacientes com linfadenopatia inicial não apresentavam mais aumento de linfonodos e, nos demais, as alterações apresentavam melhora 12 (B). Entre 1.731 crianças que procuraram serviço de emergência por dor abdominal, 51 (3%) apresentavam causas extra-abdominais, e destas, 15 apresentavam pneumonia (0,9% do total, 29% das causas extra-abdominais) 13 (C). A dor abdominal pode estar presente em pacientes com pneumonia 12 (B). 5. É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DA PAC EM PACIENTES COM FEBRE, PORÉM SEM SINAIS CLÍNICOS DE PNEUMONIA? Dentre 2.128 pacientes com idade até 10 anos que procuraram serviço de emergência com febre, 1.084 apresentavam diagnóstico radiológico de pneumonia, sendo que destes 5,3% não exibiam sinais clínicos desta afecção (pneumonia oculta). A presença e a duração de tosse por período superior a dez dias, nestas crianças, tiveram associação com a pneumonia: RV de 1,24 (95% IC = 1,15-1,33) e 2,25 (95% IC = 1,21-4,20), respectivamente. A ausência de tosse diminuiu a chance do diagnóstico de pneumonia (RV = 0,19 95% IC = 0,05-0,75). A duração da febre também aumentou a chance de pneumonia (RV + para mais de três dias e mais de cinco dias, respectivamente: 1,62; 95% IC = 1,13-2,31 e 2,24; 95% IC = 1,35-3,71) 14 (B). A pneumonia na criança febril sem taquidispneia ou tiragens não é frequente. A presença e o maior tempo de duração da febre Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade 5

(> 3-5 dias) e da tosse (>10 dias) aumentam a chance do diagnóstico 14 (B). AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE DA PAC 6. A PRESENÇA DE TIRAGENS É SENSÍVEL PARA AVALIAR A GRAVIDADE DA PNEUMONIA? A FR demonstra relação estreita com a gravidade da PAC e com hipoxemia 5 (A). A presença de retração intercostal (tiragem) é um sinal de gravidade da doença e seu achado é indicativo de internamento. É mais observado em crianças pequenas de até dois anos de idade. É importante ressaltar que a tiragem deve ser evidente, ou seja, não haver dúvida que esteja presente e mantida (nãointermitente), para que seja associada à gravidade 7 (B). A presença de um estridor expiratório contínuo, decorrente do fechamento das cordas vocais com intuito de elevar a pressão expiratória final, é um sinal de gravidade 5 (A). A presença de tiragens (OR: 8,35 IC: 1,04-66,82), idade menor que 11 (6,37 IC: 2,18-18,59), gemido (OR: 4,53 (1,96-10,45), alterações do estado geral de moderado a grave (OR: 3,23 IC: 1,17-8,94) aumentaram o risco de morte 15 (B). Na análise de coorte de crianças brasileiras, taquipneia, tiragens e sonolência foram associados à necessidade de hospitalização (OR: 1,8 [1,4-2,4], OR: 1,7 [1,4-2,2] e OR: 1,8 [1,4-2,4], respectivamente) 16 (B). A avaliação da gravidade da pneumonia em crianças deve ser feita considerando achados clínicos. A presença de tiragens é sinal de pneumonia grave. Também são sinais de gravidade: gemido, alteração do estado geral de moderado a grave e sonolência 15,16 (B). 7. A IDADE DO LACTENTE É FATOR DE RISCO PARA PNEUMONIA GRAVE? Os lactentes com menos de dois meses representam um grupo especial de pacientes, nos quais é maior o risco de infecção respiratória por agentes gram negativos, estreptococos betahemolíticos e S. aureus, que estão associados à evolução mais grave. A pneumonia é sempre classificada como grave e a criança deve ser hospitalizada 17 (C). A pneumonia na criança com idade menor de dois meses deve ser sempre considerada grave 17 (C). 8. OS SINAIS CLÍNICOS SÃO TÃO SENSÍVEIS E ESPECÍFICOS QUANTO A OXIMETRIA DE PULSO PARA AVALIAR A PRESENÇA DE HIPOXEMIA NA PAC? A hipoxemia é um importante preditor de gravidade e mortalidade em crianças com pneumonia. Em revisão sistemática de estudos de coorte, o risco relativo de morte em crianças menores de cinco anos com pneumonia e hipoxemia variou de 1,4 a 4,6 18 (B). Os sinais clínicos não são tão eficientes para avaliação da hipoxemia quanto a oximetria de pulso. A presença de tiragens tem sensibilidade de 69% e especificidade 83% para saturação de oxigênio (SpO 2 ) < 92%, enquanto sinais mais específicos, como cianose, não apresentam boa sensibilidade, 84% a 100% e 9% a 42%, respectivamente. 6 Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade

Por esta especificidade, a cianose é um importante sinal de gravidade na PAC 6 (A) 19 (B). Ao nível do mar, a hipoxemia é definida por níveis de saturação de O 2 abaixo de 90% 20 (A). Sempre que possível é recomendada, além da avaliação clínica, a aferição da SpO 2 pela oximetria de pulso. Deve ser considerada hipoxêmica a criança com saturação de O 2 abaixo de 90% ao nível do mar. A presença de um sinal mais específico de hipoxemia, como cianose, dificuldade de ingestão oral e movimentos involuntários da cabeça, caracteriza a pneumonia muito grave 6 (A) 19 (B). 9. ALÉM DOS ACHADOS CLÍNICOS E IDADE, QUE OUTROS PARÂMETROS SÃO ASSOCIADOS À GRAVIDADE DA PAC? A pneumonia complicada com derrame pleural, pneumotórax e pneumatoceles, bem como as pneumonias extensas, devem ser consideradas graves e receber terapêutica intra-hospitalar. As pneumonias complicadas cursam com evolução mais arrastada. O tempo de hospitalização é maior nas pneumonias pneumocócicas com complicações (13,2 + 11,3 dias vs. 5,3 + 2,7 dias, p<0,0001), assim como o tempo necessário para resolução do quadro febril (9,2 + 7 vs. 2,3 + 1,8 dias, p<0,001). As pneumonias com imagens radiológicas de consolidações extensas também se associam a esses desfechos (p<0,001) 21,22 (B). A presença de complicações, como derrame pleural, pneumatoceles e pneumonias extensas, deve caracterizar a pneumonia como grave 21,22 (B). 10. AS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS SÃO FATORES DE RISCO PARA MAIOR GRAVIDADE DA PAC NA INFÂNCIA? As condições socioeconômicas e o grau de educação materna associam-se a pior evolução da PAC. Estudo de 3431 casos de pneumonia em crianças brasileiras, comparando os desfechos entre diferentes condições socioeconômicas, demonstrou que piores condições socioeconômicas foram associadas a maior gravidade da pneumonia 16 (B). A desnutrição também é importante fator de risco para doença grave em crianças com PAC. Em crianças menores de cinco anos, hospitalizadas com PAC, a presença de desnutrição aumentou o risco de morte (OR: 2,74, IC: 0,96-7,78) 22 (B). Na coorte de crianças brasileiras com pneumonia, desnutrição (OR: 2,0 [1,4-2,7]) e comorbidades crônicas (OR: 1,7 [1,4-2,2]), foram fatores de risco para hospitalização e mortalidade (OR: 3,1 [1,2-7,7] e OR: 4,3 [1,6-11,0], respectivamente) 16 (B). Condições socioeconômicas desfavoráveis e despreparo dos cuidadores devem ser considerados fatores de risco para pneumonia grave. A desnutrição se associa a quadros mais graves 16 (B). Pneumonia Adquirida na Comunidade na Infância: Diagnóstico Clínico e Classificação de Gravidade 7

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