Depressão Materna e sua Repercussão na Relação Inicial Mãe- Bebê 1. Mother depression and the repercussions on Early Baby-mother Relationship



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Depressão Materna e sua Repercussão na Relação Inicial Mãe- Bebê 1 Mother depression and the repercussions on Early Baby-mother Relationship Geovana Ferreira Teixeira 2 Mas não é isso o que importa. Ela não quer devolver ao passado sua poesia; quer lhe devolver seu corpo perdido. Porque, se a frágil estrutura de suas lembranças desabar como uma tenda mal montada, tudo o que restará a Tamina será o presente, esse ponto invisível, esse nada que avança lentamente em direção à morte (Kundera, 1981, p 86). Resumo: Considerando que as relações com os primeiros cuidadores servem como modelo para as demais relações e são a base fundante do psiquismo do bebê, as conseqüências da depressão materna podem estender-se para além da infância. Este trabalho revisa alguns estudos relevantes sobre a interação mãe-bebê em situação depressão materna e as conseqüências emocionais no bebê e no seu desenvolvimento futuro. Summary: Considering that the relations with the first persons to take care of the baby serve as model for the too much relations, and are the base of the psychic of the baby, the consequences of the depression maternal can be extended for beyond infancy. This work revises some excellent studies on the emotional interaction mother-baby in the situation of maternal depression and its consequences to the baby and his future development. Descritores: Maternidade, paternidade, amor, ambivalência, simbiose e vínculo. Keywords: Maternity, paternity, love, ambivalence, symbiosis and attachment. 1 Trabalho realizado na Formação de Especialista em Teoria Psicanalítica e Psicoterapias da Infância e da Adolescência CIPT - Porto Alegre, 2006. 2 Psicóloga, Membro Efetivo do CIPT. Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 300

[...] Eu sou o anjo necessário da Terra. Porque, nos meus olhos, você vê a Terra novamente. Wallace Stevens A voz é aquilo por meio do que o bebê é simbolizado no Outro, porquanto ele é representado, falado, vocalizado em relação ao outro. Pela voz de outros homens, o recémnascido deixa de ser apenas um corpo, e passa a ser um ser inserido no simbólico (Szejer, 1999, p43). O primeiro ano após o nascimento de um filho representa um período propício para a ocorrência de sintomas de depressão entre as mulheres. O papel exercido pela depressão materna na interação mãebebê tem sido objeto de estudo de inúmeras pesquisas nos últimos anos, devido a evidências de que o estado depressivo da mãe pode repercutir de forma negativa no estabelecimento das primeiras interações com o bebê, como também no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança (Motta e colaboradores, 2005). Investiga-se a depressão materna após esse período inicial, tendo em vista que algumas mulheres permanecem com os sintomas por um período prolongado, enquanto outras começam a se sentir deprimidas mais tardiamente no primeiro ano após o parto (Schwengber e Piccinini, 2004). A tarefa de observação de bebês permite que fiquemos mais atentos aos comportamentos da criança nos seus primeiros meses de vida, e é possível perceber a diferença entre bebês cujas mães tem (ou tiveram) depressão pós-parto, em comparação a mães não deprimidas: Bebês de mães deprimidas apresentam mais freqüentemente alterações comportamentais, tais como a evitação do olhar, a apatia e adquirem a linguagem mais tardiamente. Este estudo objetiva revisar a literatura sobre a interação mãebebê em situação de depressão materna, buscando examinar suas implicações para o desenvolvimento da criança. Os autores revisados revelam que a depressão afeta não somente a mãe, mas também o bebê e até mesmo o pai, em vista da influência deste quadro no contexto familiar. Ainda, sugerem que a presença do pai e a ausência de conflitos conjugais são fatores que podem amenizar os efeitos da depressão materna e suas conseqüências para o bebê. Utilizaremos os critérios do DSM-IV, que define depressão pós-parto como um episódio de depressão maior que ocorre dentro das quatro primeiras semanas após o parto. Já a depressão que acomete mães após este período, especialmente no primeiro ano do bebê, será denominada depressão materna. Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 301

Depressão materna e a interação mãe-bebê O puerpério, assim como outras fases do ciclo vital, é um período propenso a crises devido às mudanças físicas e psicológicas que o acompanham. Segundo Stern (1997 apud Frizzo & Piccinini), a nova mãe precisa mudar o centro de sua identidade de filha para mãe. Tal reorganização seria importante para ela alterar seus investimentos emocionais, sua distribuição de tempo, energia e suas atividades. O mesmo autor traz o conceito "constelação da maternidade" como a nova e única organização psíquica que surge com o nascimento do bebê. Já para Winnicott (1978), neste período a mulher entra num estado especial, denominado de preocupação materna primária, em que ocorre um estado de sensibilidade aumentada, cujo objetivo é propiciar à mulher a preocupação com seu bebê. Mas, em algumas mulheres, a preocupação materna primária não acontece, muitas vezes devido ao estado emocional depressivo que impede a mãe de cuidar e de se vincular ao seu bebê recém-nascido. A depressão pós-parto costuma aparecer depois que a mãe volta para casa, embora, em alguns casos, tudo estivesse bem na maternidade. Observa-se com mais freqüência em mulheres já conhecidas por sua fragilidade psíquica, mas pode se declarar por ocasião de um primeiro parto, ou constituir como que uma recaída num segundo nascimento (Szejer, 1999). Neste momento acontece uma mudança brutal da imago materna. Para Green (1988, p253) A mãe tinha sido enterrada viva, mas seu próprio caixão havia desaparecido. Uma relação vital que sofre uma forte interrupção, um emperramento que bloqueia uma relação rica e feliz que se dava com a mãe. A criança sentiu-se amada, com todos os imprevistos, inclusive da mais ideal das relações. Pode haver registros que mostram um bebê alegre e cheio de potencialidades inserido em sua família, enquanto registros posteriores mostram a perda dessa primeira felicidade. Aqui, o desastre limita-se a um núcleo frio que posteriormente será superado, mas que deixa uma marca indelével nos investimentos eróticos dos sujeitos em questão (Green, 1988, p 248). A melancolia da maternidade, um tipo de depressão pós-parto mais grave, parece ser um estado mais reativo do que um estado de depressão propriamente dita, e pode ser concomitante a mudanças Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 302

neurofisiológicas normais no puerpério. Este quadro pode atingir de 70 a 90% das puérperas. Já a psicose puerperal caracteriza-se por ser uma desordem psiquiátrica rara e grave, que normalmente exige internação (Frizzo e Piccinini, 2005). Para Szejer (1999) a depressão melancólica, psicose puerperal e psicose do desmame são casos extremos que podem estar relacionados com um drama da mãe: Sua história e seu passado de sofrimento estão em questão, muito mais que o presente do recémchegado. Contudo, podem predispor à criança a entrar ela mesma na psicose. Quanto à depressão foco do presente estudo - ela ocorre em cerca de 10% das puérperas e pode levar de seis semanas a três ou quatro meses para se manifestar. Sua etiologia parece ser multideterminada, podendo ter influências genéticas, de estressores psicológicos, do contexto cultural e de mudanças fisiológicas no seu desenvolvimento e severidade. Alguns autores têm sugerido que, por vezes, os sintomas da depressão materna podem surgir em algum outro momento do primeiro ano de vida do bebê, e não necessariamente nas primeiras semanas após o seu nascimento, embora ainda fortemente associados à maternidade (Frizzo & Piccinini, 2005). Para Green (1998) É a mãe morta e, portanto, ao contrário do que se poderia crer, uma mãe que permanece viva, mas que está, por assim dizer, morta psiquicamente aos olhos da pequena criança de quem ela cuida (p. 239). Quanto à cronicidade, a depressão pode se estender por um período de seis meses a um ano. Em geral, a duração dos episódios de depressão pós-parto é de alguns meses e não difere, em relação ao tempo de duração, de episódios depressivos que não tiveram início no pós-parto. Caracteristicamente, a depressão materna ao longo do primeiro ano de vida do bebê compreende alterações no apetite e sono, dificuldade de dormir, especialmente após amamentar o bebê, crises de choro, desatenção, problemas de concentração, falta de energia e de interesse em atividades que antes eram consideradas agradáveis. Também podem ocorrer idéias de suicídio e sentimentos excessivos de culpa. Os sintomas tendem a ter uma duração razoável de tempo e podem prejudicar as atividades normais da mulher (Frizzo e Piccinini, 2005). O conflito conjugal também pode predispor à mãe à depressão, pois a relação conjugal tende a ser o relacionamento extra-bebê mais importante para a mãe no puerpério. A falta de suporte social é outro fator que tem sido relatado na literatura como fator de risco para a depressão materna ao longo do desenvolvimento do primeiro ano do bebê. Bowlby (1989 apud Frizzo & Piccinini, 2005) sugere que o apoio Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 303

de uma outra mulher, e mesmo do marido ou companheiro, no período peri e pós-natal, pode dar grande suporte emocional ou fornecer uma base segura para a mãe recente, tão necessária em momentos de estresse. No entanto, o fator que mais parece influenciar o desenvolvimento da depressão materna ao longo do primeiro ano do bebê é a história pessoal e familiar de transtornos do humor. Sentimentos negativos da futura mãe em relação ao casamento e à gravidez no período pré-natal apareceram fortemente correlacionados com depressão materna aos quatro meses de idade do bebê. O humor da mãe pode ser influenciado também pelo desenvolvimento comportamental do bebê, pois a irritabilidade neonatal e o pobre funcionamento motor do bebê foram significativamente preditivos de depressão materna (Frizzo e Piccinini, 2005). Alguns fatores parecem mais importantes para a depressão materna, como o ajustamento psicológico antes e durante a gravidez. Mulheres que vivenciaram muito estresse na gestação e no parto e mulheres que não podem contar com apoio social, especialmente do cônjuge, têm grandes chances de desenvolver depressão. Além disso, a relação da mãe com sua figura materna de identificação também deve ser considerado um importante fator que pode influenciar a qualidade das experiências emocionais durante o puerpério (Frizzo e Piccinini, 2005). Existem fatores biológicos associados à depressão que acomete mães ao longo do primeiro ano do bebê, mas a literatura ainda é bastante inconsistente quanto às variáveis envolvidas e tende a destacar mais a contribuição dos fatores psicológicos. Alguns fatores de risco podem predispor à depressão nesse período, como eventos adversos na vida, tais como desemprego materno e paterno, abandono por parte do pai da criança, grandes dificuldades financeiras e nascimento prematuro do bebê, ou quando esse bebê não corresponde, de alguma forma, às expectativas de seus pais (por exemplo, bebês com alguma síndrome ou deficiência orgânica). As causas da depressão materna, ao longo do primeiro ano de vida do bebê, são multifacetadas. Neste sentido, um único fator não deve causar este transtorno, mas a combinação de diversos fatores adversos aumenta a vulnerabilidade à depressão. Quanto ao bebê, a literatura indica que a depressão materna pode afetá-lo de diferentes maneiras. Os bebês tendem a ser particularmente vulneráveis ao impacto da depressão materna, porque dependem muito da qualidade dos cuidados e da responsividade emocional da mãe. Além disso, é no puerpério que se inicia mais concretamente o relacionamento mãe-bebê, e por isso esse período parece ter um significado psicológico fundamental para ambos. A falta de responsividade materna nos primeiros meses de vida parece provocar uma mudança no desenvolvimento no bebê, pois tem sido relacionada com baixo Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 304

interesse em pessoas e objetos ao final do seu primeiro ano de vida. Tal mudança pode ter implicações importantes para a criança, mesmo quando há remissão da patologia materna. Para Green (1988), essa situação é experimentada pelo bebê como Uma experiência de desfalecimento psíquico, que seria para a psique o que o desmaio é para o corpo físico (p253). O momento do luto súbito da mãe, onde seu investimento para com seu filho é brutalmente interrompido, faz com que o bebê vivencie essa situação como uma catástrofe. Primeiro, porque sem nenhum aviso prévio o amor foi repentinamente perdido. O trauma narcisista que esta mudança representa não precisa ser longamente demonstrado. É preciso, no entanto, sublinhar que ele constitui uma desilusão antecipada e que provoca, além da perda de amor, uma perda de sentido, pois o bebê não dispõe de nenhuma explicação para entender o que aconteceu (Green, 1988). Há, de parte do bebê, uma identificação primária com a mãe morta e a transformação da identificação positiva em identificação negativa, ou seja, uma identificação com o buraco deixado pelo desinvestimento e não com o objeto. É com este vazio que, periodicamente, desde que um novo objeto seja escolhido para ocupá-lo, se enche e subitamente se manifesta pela alucinação afetiva da mãe morta (Green, 1988, p253). Pelo fato do bebê se considerar como centro do universo materno, ele interpreta esta decepção como a conseqüência de suas pulsões para com o objeto. Isso será grave, sobretudo se o complexo da mãe morta sobrevêm no momento em que a criança descobriu a existência do terceiro, o pai, e que este novo investimento será entendido por ele como a causa do desinvestimento materno. De qualquer forma, há nestes casos triangulação precoce e defeituosa. Para o autor, É ao investimento do pai pela mãe que é atribuída a retração do amor materno ou, então, esta retração vai provocar um investimento particularmente intenso e prematuro do pai como salvador do conflito que se desenrola entre a criança e a mãe (Green, 1988, p248). Por outro lado, podem acontecer situações onde o pai não responde à aflição da criança, e ele passa a ser um sujeito preso entre uma mãe morta e um pai inacessível, seja porque este está sobretudo Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 305

preocupado pelo estado da mãe sem socorrer o filho, seja porque deixa o par mãe-criança sair sozinho dessa situação (Green, 1988). Para Stern (1997 apud Frizzo & Piccinini, 2005), apesar das influências patogênicas para o bebê estarem ligadas a fatores sociais, econômicos e culturais, elas só têm impacto para o bebê quando passam pela interação entre ele e sua mãe. Quando está deprimida, a mãe rompe o contato visual com o bebê e não tenta retomá-lo, torna-se menos responsiva e sua animação e tonicidade desaparecem. De acordo com esse autor, a depressão materna pode ser considerada um macroevento, e como tal, provavelmente não tem significado para o bebê. No entanto, o bebê experiencia a depressão materna em micro-eventos, que constituem um nível descritivo dos eventos. Os micro-eventos são as manifestações mais palpáveis e possuidoras de sentido para o bebê. Por exemplo, quando o bebê sorri, a resposta da mãe a este sorriso é considerada um micro-evento. À medida que o bebê vai se familiarizando com tais eventos, desliga-se gradualmente de sua mãe, experienciando uma "microdepressão". Esta microdepressão do bebê caracteriza-se pelo desaparecimento de sua animação, uma deflação de sua postura, uma diminuição do afeto positivo e da expressão facial. Mas para Stern (1997 apud Frizzo & Piccinini, 2005), há um desejo de estar com sua mãe, que pode levar o bebê a tentar estar com ela por meio da identificação e imitação, se ele não obtiver êxito em fazer com que sua mãe volte à vida de outras formas. Ou seja, a microdepressão do bebê não é apenas resultado da falta de responsividade materna, mas também do processo imitativo e identificatório que o bebê utilizou na tentativa de estabelecer contato com sua mãe. Para Green (1988), esta identificação em espelho é quase obrigatória, depois que reações de complementaridade (alegria artificial, agitação, etc.) fracassaram. Esta simetria reativa é a única maneira de restabelecer uma reunião com a mãe talvez, segundo o modo de simpatia. De fato, não há reparação verdadeira, mas mimetismo, cuja finalidade, não podendo mais ter o objeto, é continuar a possuí-lo tornando se não como ele, mas ele mesmo (Green, 1988, p249). Esta posição que levaria à criança a se deixar morrer, obriga-a a encontrar um responsável pelo abatimento da mãe, ainda que fosse um bode expiatório. É o pai que é designado para isto. Decorre-se daí uma triangulação precoce, já que se encontram presentes a criança, a mãe e o objeto desconhecido do luto da mãe. O objeto desconhecido do luto e o pai condensam-se para a criança, criando um Édipo precoce (Green, 1988). A depressão faz com que a mãe não responda adequadamente Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 306

ao seu bebê, frustrando suas expectativas. Mas como as mães não são deprimidas o tempo inteiro, nos momentos em que elas são capazes de interagir normalmente com seus bebês, criam neles uma expectativa, e no momento em que elas se retraem novamente em função de sua patologia, o bebê fica de novo numa situação de depressão e desesperança. Para os autores, a repetição freqüente desse padrão pode ser a explicação para a evitação do olhar do bebê e sua incapacidade ou falta de vontade em ter outros episódios de interação com outras pessoas (Frizzo e Piccinini, 2005). Além disso, mães deprimidas podem desenvolver dois estilos diferentes na interação com sua criança. Um primeiro seria intrusivo, ou seja, elas estimulariam excessivamente seus bebês, enquanto o segundo seria apático - com pouca estimulação. De qualquer forma, os dois estilos forneceriam estimulações inadequadas. A criança tanto pode desenvolver um estilo de interação deprimido, com baixo padrão de atividade e apatia, como pode apresentar um comportamento hiperativo, com irritação e grandes níveis de atividade, ambos na tentativa de se defender da estimulação inadequada de sua mãe (Frizzo e Piccinini, 2005). Considerações finais A depressão materna não somente tem repercussões na interação mãe-bebê, como também para o pai, ou para quem exerce essa função. O pai pode exercer um papel protetor para o desenvolvimento infantil nesta situação. Essa interação positiva pai-bebê pode amenizar ou compensar parcialmente uma interação mãe-bebê negativa ou insuficientemente boa. Ele pode se oferecer para o bebê como um modelo positivo, sensível e responsivo às necessidades do seu filho quando sua esposa não está conseguindo fazê-lo, o que irá contribuir para que ele exerça uma melhor função paterna. Esse contato com o pai, ou outro adulto não deprimido e familiar à criança, possibilita que o impacto da depressão materna seja minimizado. E esse papel protetor do pai, bem como a rede familiar e social, contribuem para que mães deprimidas possam exercer sua maternagem adequadamente. Assim experimentam a possibilidade de sair, progressivamente, desse quadro e possam ser mães suficientemente boas. Considerando que a depressão materna é multifacetada, acreditamos que as intervenções dos profissionais de saúde possa darse no sentido da prevenção em maternidades e no acompanhamento sistemático de mães no pré e pós-parto. O pré-natal pode ser considerado como uma ótima oportunidade para que a mãe tenha maiores chances de que suas fantasias, expectativas, frustrações, Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 307

dúvidas e angústias sejam acolhidas. Sendo acompanhadas e escutadas por um profissional da área da saúde mental, para que estes conteúdos possam ter um sentido na relação estabelecida entre a mãe e o seu bebê, já que esta é singular. No período pré-parto, é importante que a mãe possa participar de grupos de gestantes, onde ela poderá ter um espaço para falar sobre sua gestação, sobre o bebê imaginário e as questões que envolvem a mudança de casal para família. E após o parto, também é importante que os pais e seu bebê possam participar de grupos pais-bebê para auxiliar na adaptação da chegada do bebê real e aos novos papéis: materno e paterno. Isso possibilitará que a mãe possa, nos primeiros contatos com seu bebê, reconhecer que ele é sensível a sua presença, pois reconhece sua voz dentre outras, seu cheiro, o sabor de seu leite... É fundamental que ela possa se comunicar com seu bebê, pois suas palavras fazem nexo para ele. Enfim, para que a mãe possa comunicar todos os significantes necessários para que seu bebê se construa enquanto ser separado. Nos casos onde a depressão materna se instala, é importante que o terapeuta possa intervir para que essa história entre a mãe e seu bebê seja minimamente explicada e significada para, então, começar a desfazer-se os mal-entendidos desse vínculo patogênico. Ou seja, auxiliar essa dupla para que um possa olhar para o outro e, então, fazer com que o bebê possa sair do lugar de cuidador da mãe e a mãe do lugar de mãe má. Referências bibliográficas ALVAREZ, Anne. Companhia Viva: psicoterapia psicanalítica com crianças autistas, borderlines, carentes e maltratadas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. FRIZZO, Giana B. & PICCININI, César A. Interação mãe-bebê em contexto de depressão materna: aspectos teóricos e empíricos. Psicologia: Estudos, vol. 10, n 1. 2005. Acesso em 12/08/2006. GREEN, André. Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Escuta, 1988. SZEJER, Miriam. Palavras para nascer: a escuta psicanalítica na maternidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. WINNICOTT, Donald W. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php 308

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