REFLEXÕES SOBRE A RETIRADA DOS PLANOS DE EDUCAÇÃO DAS EXPRESSÕES DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL

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Transcrição:

REFLEXÕES SOBRE A RETIRADA DOS PLANOS DE EDUCAÇÃO DAS EXPRESSÕES DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL Francisco Vinicius Ferreira Gomes (1); Tâmara Delles Ferreira Pinto de Albuquerque (2); Leonam Amitaf Ferreira Pinto de Albuquerque (3) Universidade Estadual da Paraíba, viniciusfergomes@hotmail.com; Universidade Estadual da Paraíba, thamara_dellys@hotmail.com; Universidade Estadual da Paraíba, leonamamitaf@hotmail.com. RESUMO: O reconhecimento da diversidade humana e o combate aos vários modos de hierarquização e exclusão de indivíduos, sobretudo, por questões de gênero e orientação sexual, constitui um grande desafio às Políticas Públicas de Educação no Brasil. Neste debate, recentemente assistimos a exclusão das expressões de gênero e sexualidade no atual Plano Nacional de Educação e nos Planos Estaduais e Municipais de Educação, de alguns estados e cidades brasileiras, movidos pela influência de grupos políticos religiosos. Desse modo, propomos, neste trabalho, a reflexão sobre as consequências da eliminação das orientações presentes nas diretrizes educacionais que enfocam a valorização e o respeito à diversidade sexual, como meio de superação das desigualdades de gênero e da exclusão de pessoas LGBT no contexto escolar. O método utilizado é de cunho qualitativo e consiste em pesquisa bibliográfica. Todo o material pesquisado foi submetido a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura. Posteriormente foi realizada uma leitura atenta e sistemática que se faz acompanhar de anotações e fichamentos. Ao final do trabalho, discutimos sobre o ocultamento destes temas e a consequente deslegitimação das questões que envolvem a diversidade de identidade de gênero e orientação sexual. Cabe ressaltar que tais ações contribuem para que indivíduos que compõem minorias sejam desrespeitados, excluídos do espaço escolar, sofram agressões físicas e sejam, até mesmo, vítimas de homicídio. Sob esses aspectos, a escola deve ser um espaço de formação de cidadania e de respeito aos direitos humanos, assim como as políticas educacionais devem ser pensadas e construídas com o intuito de valorizar a diversidade humana e combater todas as formas de preconceito e discriminação que permeiam o espaço social e escolar. Palavras-chave: orientação sexual, políticas educacionais, gênero.

INTRODUÇÃO A educação, por intermédio da escola, é compreendida como fator essencial para garantir inclusão, promover igualdade de oportunidades e enfrentar todo e qualquer tipo de preconceito, discriminação e violência. Essas questões envolvem preconceitos imbricados na temática de gênero, identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual, e demandam a adoção de políticas públicas educacionais sem negligenciar suas especificidades (BRASIL, 2007) Para Silva (1996), a escola é um espaço privilegiado na promoção da cultura de reconhecimento da pluralidade das identidades e dos comportamentos relativos a diferenças. Destarte, torna-se imprescindível discutir a educação escolar a partir de uma perspectiva crítica e problematizadora, que questione as relações de poder, as hierarquias sociais opressivas e processos de exclusão, que as concepções curriculares e as rotinas escolares tendem a preservar. Da mesma maneira, enquanto ambiente construtor de conhecimentos e de desenvolvimento do espírito crítico, onde se formam sujeitos, corpos e identidades, a escola pode torna-se uma referência para o reconhecimento, respeito, acolhimento, diálogo e convívio com a diversidade, quando se abre espaço na rotina, no currículo, e nas práticas educacionais, para reflexão e combate quanto qualquer processo de exclusão (BRASIL, 2007). A discussão entre sexualidade e educação, é um tema que remonta aos primórdios da instituição escolar brasileira. Muitos projetos e iniciativas de educação sexual pontuaram a história da educação no Brasil e o encontro com a perspectiva de gênero sempre foi problemática (CÉSAR, 2009). No entanto, a compreensão das relações de gênero pela escola permanece velada, uma vez que as políticas públicas não as mencionam especificamente. Esta problemática volta à tona nos últimos meses, com a eliminação das orientações, nas diretrizes educacionais, para a valorização e respeito à diversidade sexual e para a superação das desigualdades de gênero do Plano Nacional de Educação e, consequentemente, de alguns Planos Municipais e Estaduais de Educação. Durante a tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), no Congresso Nacional, a questão de gênero causou polêmica e foi retirada do texto. O trecho suprimido dizia que as escolas deveriam promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual. A expectativa era que os planos estaduais e municipais avançassem no tema, no entanto isto não avançou. Em

cidades como São Paulo, Curitiba, Recife, as expressões foram retiradas. Dos treze estados onde já foi aprovado, oito eliminaram trechos que faziam referência à discussão de gênero, como Pernambuco, Espírito Santo, Paraná e o Distrito Federal. Sob esses aspectos, neste trabalho, procuramos refletir acerca dos possíveis efeitos que essa medida poderá acarretar para a escola e seus agentes da educação. Pois já é bastante sabido e discutido que no ambiente escolar, que essas formas de discriminação e desvalorização produzem sofrimentos e comprometem o aproveitamento de muitos sujeitos. MÉTODO O método de pesquisa deste estudo tem caráter qualitativo, tendo sido empregada o pesquisa bibliográfica e abrangido a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, artigos, teses e dissertações. Todo o material pesquisado foi submetido a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura. Posteriormente foi realizada uma leitura atenta e sistemática que se faz acompanhar de anotações e fichamentos. Foi também realizada uma pesquisa em agências de notícias, a fim de averiguar a movimentação em torno da votação e aprovação dos Planos Municipais e Estaduais de Educação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os estudos de Bourdieu revelam uma escola que transmite concepções, valores e clivagens sociais, a partir da reprodução de padrões sociais, e fabrica sujeitos (seus corpos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação. Darse conta de que o campo da educação se constituiu historicamente como um espaço disciplinador, normalizador e excludente (BRASIL, 2009). Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente subordinados a um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do outro, apontando como sendo o estranho, inferior, pecador, doente, pervertido, criminoso ou contagioso, todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade e pelos arsenais

multifatoriais a ela ligados centrados no adulto, do gênero masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente normal (BRASIL, 2009). Para Louro (1997), os sujeitos que, escapam da norma e promovem uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade são tomados como minoria na escola e são colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma educação que se pretenda para a maioria. A escola configura-se, então, como um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, e exclusão, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia, negação, auto-culpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado Entre diversos estudos sobre preconceito e discriminação em estabelecimentos educacionais, a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (2009), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas/Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em uma amostra nacional de 18,5 mil estudantes, pais e mães, diretores (as), professores (as) e funcionários (as), revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%) e orientação sexual (26,1%). Entretanto, a compreensão das relações de gênero pela escola permanece velada, uma vez que as políticas públicas educacionais não as mencionam e, quando o fazem, não exploram em todos os temas e itens curriculares os antagonismos de gênero presentes na organização do ensino e no cotidiano escolar. Nas políticas educacionais brasileiras é possível notar que somente os Paramentos Curriculares Nacionais deram legalidade ao tema da sexualidade. Neste documento o mesmo é abordado por meio do tema transversal orientação sexual, porquanto tanto na Lei de Diretrizes e Bases quanto no primeiro Plano Nacional de Educação (2001-2010) este permaneceu é oculto, não sendo tratado de maneira tão abrangente e explícita e direta (LEÃO; RIBEIRO, 2012). Desse modo, outro documento educacional da década de noventa, no caso, o Plano Nacional de Educação (PNE) representou um recuo no que se refere a inserção das temáticas da sexualidade e das relações de gênero nas políticas educacionais, ao contrário do que ocorre com os PCN (LEÃO, 2012). Vianna e Unbehaum (2004) analisaram o primeiro PNE e explicam que de modo geral não há menção a gênero em seus objetivos gerais. Para as autoras, uma das falhas deste Plano é que no tópico de educação infantil não abrange as relações de gênero, embora esta fase seja

fundamental para a socialização das crianças, período distinto em que as distinções de sexo e gênero devem ser trabalhadas. No cenário nacional, grupos de seguimentos religiosos e/ou ligados aos setores mais conservadores da sociedade, criaram um termo pejorativo chamado Ideologia de Gênero. Sobre o assunto houve verdadeira comoção nacional e uma ampla disseminação e deturpação do conteúdo destas propostas, tendo sido apresentado a população os perigos desta no currículo escolar. A retirada foi resultado da pressão das bancadas religiosas, que alegaram que trazer o tema à tona deturparia os conceitos de homem e mulher, destruindo o modelo tradicional de família. Além disso, argumentaram que a discussão do assunto seria dever dos pais e não da escola. Estas movimentações ocasionaram a retirada. Este processo também ocasionou seu o ocultamento, e, nos planos estaduais e municipais. No segundo Plano Nacional de Educação, percebe-se, novamente, absoluta omissão e lacuna de explicitação a estas questões nas vinte estratégias e ações propostas para a Educação brasileira para a década 2014-2024. De forma genérica, consta apenas no Artigo 2º referente às diretrizes do PNE, o Inciso III que afirma: superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação. Consequentemente, na maioria dos Planos Estaduais e Municipais de Educação as questões de gênero e sexualidade foram excluídas, mediante embates políticos e religiosos caracterizados como ideologia de gênero. Ultrapassar os limites do tratamento dado pela legislação, sua ocultação, implica ressaltar os pequenos avanços dos últimos documentos propostos, como é o caso dos PCN, mas também significa questionar ainda mais a presença de estereótipos de gênero e refletir sobre o modo velado, ambíguo e, às vezes, reducionista que os significados de gênero assumem nos planos educacionais (VIANNA; UNBEHAUM, 2004). Neste sentido, estes atos representam um retrocesso em relação à abordagem do assunto, pois convém registrar aqui que os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados e editados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1997, já previam os assim chamados temas transversais ou temas da vida cidadã, dentre os quais constavam Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Ocorre novamente um silenciamento, como também um ato de omissão do Estado, e que pode vir a ser um atenuante e reforçador de processos de exclusão sofridos por qualquer indivíduo quem integra a comunidade escolar que expressar sua orientação sexual e identidade gênero, que não se enquadrarem em padrões heteronormativos e heterosexista.

O não reconhecimento por parte das políticas educacionais, bem como a sua legitimação, possivelmente corroboram para a manutenção de dados que atentam para a dignidade e o bem-estar destas pessoas. A pesquisa Perfil dos Professores Brasileiros, realizada pela Unesco, entre abril e maio de 2002, em todas as unidades da federação brasileira, na qual foram entrevistados 5 mil professores da rede pública e privada, revelou, entre outras coisas, que para 59,7% deles é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2% deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais (UNESCO, 2004). Uma pesquisa, realizada pelo mesmo organismo em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal, forneceu certa compreensão do alcance da homofobia no espaço escolar (nos níveis fundamental e médio). Constatou-se, por exemplo, que o percentual de professores/as que declaram não saber como abordar os temas relativos à homossexualidade em sala de aula vai de 30,5% em Belém a 47,9% em Vitória. Neste estudo, 12% acreditam ser a homossexualidade uma doença. Cerca de 33,5% dos estudantes de sexo masculino de Belém, mais de 42% no Rio de Janeiro, em Recife, São Paulo, Goiânia, Porto Alegre e Fortaleza e mais de 44% em Maceió e Vitória, afirmaram que não gostariam de ter colegas de classe homossexuais. Dos pais de estudantes de sexo masculino entrevistados, 17,4% no Distrito Federal, entre 35% e 39% em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, 47,9% em Belém, e entre 59 a 60% em Fortaleza e Recife que não gostariam que homossexuais fossem colegas de seus filhos: violentas (ABRAMOVAY et al, 2004). Rigorosa e minuciosamente examinada a partir dos instrumentos fornecidos pelas ciências sociais e humanas, a homofobia (compreendidas também a lesbofobia, a transfobia e a bifobia) evidencia-se como um grave problema social cujo enfrentamento não pode ser mais adiado. O espaço escolar aparece aqui como uma poderosa instância de reprodução das lógicas homofóbicas. Ali, a homofobia é consentida e ensinada, produzindo efeitos devastadores na formação de todas as pessoas. Conforme Brasil (2009), a discriminação compromete a inclusão educacional e a qualidade do ensino. Incide na relação docente estudante. Produz desinteresse pela escola, dificulta a aprendizagem e conduz à evasão e ao abandono escolar. Afeta a definição das carreiras profissionais e dificulta a inserção no mercado de trabalho A homofobia na escola exerce um efeito de privação de direitos sobre cada um desses jovens. Por exemplo: afeta-lhes o bem-estar subjetivo; incide no padrão das relações sociais entre estudantes e destes com profissionais da educação (HUMAN WATCH, 2001); interfere

nas expectativas quanto ao sucesso e ao rendimento escolar; produz intimidação, insegurança, estigmatização, segregação e isolamento; estimula a simulação para ocultar a diferença (CAETANO, 2005); gera desinteresse pela escola; produz distorção idade-série, abandono e evasão; prejudica a inserção no mercado de trabalho; enseja uma visibilidade distorcida; gera vulnerabilidade física e psicologicamente; tumultua o processo de configuração e expressão identitária; afeta a construção da autoestima; influencia a vida socioafetiva; dificulta a integração das famílias homoparentais e de pais e mães transgêneros na comunidade escolar e estigmatiza seus filhos/as (BRASIL, 2009). Inegavelmente, os casos mais evidentes têm sido os vividos por travestis e transexuais, que têm, na maioria dos casos, suas possibilidades de inserção social seriamente comprometidas por verem-se privadas do acolhimento afetivo em face às suas experiências de expulsões e abandonos por parte de seus familiares e amigos (PERES, 2004). A essas experiências costumam se somar outras formas de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos e instituições. Com suas bases emocionais fragilizadas, elas e eles, na escola, têm que encontrar forças para lidar com o estigma e a discriminação sistemática e ostensiva por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares (BRASIL, 2009). As experiências de chacota e humilhação, as diversas formas de opressão e os processos de exclusão, segregação e guetização a que estão expostas travestis e transexuais constituem um quadro de sinergia de vulnerabilidades (PARKER, 2000) que as arrasta como uma rede de exclusão que vai se fortalecendo, na ausência de ações de enfrentamento ao estigma e ao preconceito, assim como de políticas públicas que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à profissionalização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança (PERES, 2004). Nas escolas, não raro, enfrentam obstáculos para se matricularem, participarem das atividades pedagógicas, terem suas identidades minimamente respeitadas, fazerem uso das estruturas das escolas (os banheiros, por exemplo) e conseguirem preservar sua integridade física. Conforme Dinis (2011), o pressuposto da heterossexualidade encontra-se explicitamente exposto nas aulas de Ciência que abordam a sexualidade apenas pelo viés reprodutivo, pelos livros de literatura que abordam apenas o amor romântico heterossexual, e também pelo modelo da família nuclear que é constantemente reproduzido nos livros didáticos. Cria-se um cenário de exclusão, que apela para que o tema da diversidade sexual e de gênero seja incluído no currículo de formação de novas professoras e professores para que

possam futuramente desenvolver estratégias de resistência ao currículo heteronormativo, sexista, misógino. O ocultamento destes temas, e consequentemente a deslegitimarão das questões que envolvem a diversidade de identidade de gênero e orientação sexual, continua-se dando combustível para indivíduos sejam desrespeitados, sofram agressões físicas. Por outro lado, a escola só vai discutir se a sociedade se conscientizar de que esse é um tema importante (DINIS, 2011). Quando o próprio Estado brasileiro, por meio dos gestores educacionais omitem-se a comtemplar nas diretrizes para as políticas públicas, consequentemente estão negligenciando a uma violência exercida contra estudantes ou algum membro da equipe escola que seja gay, lésbica, bissexual, travesti ou transexual. A escola deve ser também um espaço de formação de cidadania e de respeito aos direitos humanos, assim as (os) toda a comunidade escolar, sobre pressupostos garantidos e legitimidades pelas políticas educacionais, devem ser encorajados a assumir sua responsabilidade no combate a todas as formas de preconceitos e discriminação que permeiam o espaço escolar. A escola deve ser portanto um espaço de formação de cidadania e de respeito aos direitos humanos, assim as políticas educacionais devem pensadas e construídas sobre princípios que também valorizem a diversidade humana e combata a todas as formas de preconceitos e discriminação que permeiam o espaço escolar. Ao final ponderamos que o ocultamento destes temas, e consequentemente a deslegitimarão das questões que envolvem a diversidade de identidade de gênero e orientação sexual, possivelmente continuam a dar combustível para que indivíduos sejam desrespeitados, sofram agressões físicas, sejam assassinados e excluídos da escola. CONCLUSÃO A retirada das expressões de orientação sexual e gênero do Plano Nacional de Educação e posteriormente de alguns Planos Estaduais e Municipais representam um retrocesso em relação à abordagem do assunto, pois convém registrar aqui que os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados e editados pelo MEC em 1997, já previam os assim chamados temas transversais ou temas da vida cidadã, dentre os quais constavam Pluralidade Cultural e Orientação Sexual.

Ocorre novamente um silenciamento, como também um ato de omissão do Estado, e que pode vir a ser um atenuante e reforçador de processos de exclusão sofridos por qualquer indivíduo quem integra a comunidade escolar que expressar sua orientação sexual e identidade gênero, não reconhecidas pelas políticas educacionais. Ao final, ressaltamos que a escola deve ser um espaço de formação de cidadania e de respeito aos direitos humanos. Esta deve ser solidificada também, sobre pressupostos, garantidos e legítimos pelas políticas educacionais, que combata qualquer forma de preconceito e discriminação que permeiam o espaço escolar e que propicie a valorização da diversidade humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Miriam. CASTRO, Mary Garcia. SILVA, Lorena Bernadete. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004. BRASIL. Homofobia nas escolas: um problema de todos. In:. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas, Rogério Diniz Junqueira (Org.). Brasília: MEC, p. 13-52, 2009. BRASIL. SECAD CADERNOS. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC). Brasília, 2007. CAETANO, Márcio. Gestos do silêncio: para esconder a diferença. Dissertação [Mestrado em Educação]. Universidade Federal Fluminense, 2005. CÉSAR, Maria R. de Assis. Gênero, sexualidade e educação: notas para uma Epistemologia. Educar, Paraná, v. 1, n. 35, p. 37-51, 2009. DINIS, Nilson Fernandes. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência. Educar em Revista, Paraná, v. 1, n. 39, p. 39-50, abr. 2011.

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