Marco Antônio Oliveira Lima 1 Secretaria Estadual de Educação Catalão, Goiás, Brasil

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Transcrição:

CULTURA E DIVERSIDADE: A PRODUÇÃO DA DESIGUALDADE NA ATUAL SOCIEDADE Marco Antônio Oliveira Lima 1 Secretaria Estadual de Educação Catalão, Goiás, Brasil marcobasquetebol@gmail.com Marlus Silva dos Santos 2 Universidade Estadual de Goiás Anápolis, Goiás, Brasil marlustmpr@hotmail.com Resumo: No presente artigo procuramos desenvolver uma discussão que reflita sobre A Diversidade e a Produção da Desigualdade no atual contexto. Sobretudo o presente trabalho foi desenvolvendo seu caminhar metodológico (teórico-conceitual e bibliográfico) rumo ao encontro de possíveis nexos que a nosso ver podem unir o etnocentrismo à produção da desigualdade social. Com este entendimento optamos por fazer uma discussão teórica que resgatou o processo histórico de formação do conceito de cultura; passando pelo surgimento do etnocentrismo, bem como pelos seus desdobramentos em nossa sociedade, dentre eles a desigualdade social, que impede os indivíduos de diferentes culturas a terem acesso aos seus direitos. Por fim, nos posicionamos diante do desafio urgente em estabelecermos debates e diálogos, tendo em vista o surgimento de reflexões que nos levem a contemplar outro projeto de sociedade, pautado na democracia, no respeito às múltiplas culturas e às individualidades. Palavras chave: Cultura; Diversidade; Democracia. 1 Marco Antônio Oliveira Lima, graduado em Educação Física, pelo Campus Catalão/UFG; Especialista em Gênero e Diversidade na Escola/GDE pelo Campus Catalão/UFG e professor da Educação Básica/Rede Pública Estadual de Ensino. 2 Marlus Silva dos Santos, Graduado em Historia e Mestrando em Territórios e Expressões do Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás/UEG.

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 438 1) Introdução. No passado, as navegações do século XIX permitiram o contato dos europeus com demais povos. Neste contexto, os estudiosos entendiam que a (...) cultura servia tanto para diferenciar populações humanas entre si quanto para distinguir o humano de outras formas de animais. Bem como (...) era uma palavra usada para expressar a totalidade das características e condições de vida de um povo (...) (SANTOS, 2009, p. 29). Entretanto, o referido conceito de cultura estava envolto por uma aura evolucionista, que fazia questão de distinguir os povos através de uma escala evolutiva, onde os europeus ocupavam o posto mais alto e desenvolvido do processo de humanização. Propagar a compreensão de cultura sob este prisma era importante para exercer poder e domínio sobre povos de outros continentes como índios, africanos, aborígenes, dentre outros. Santos (2009, p. 31) elucida nossa afirmação dizendo que: (...) a moderna preocupação com cultura nasceu associada tanto a necessidades do conhecimento quanto às realidades da dominação política (p. 31). Ao estudarmos a cultura de um povo, é necessário observar o contexto social em que a mesma está inserida, para ampliarmos nossa compreensão a seu respeito. Atitudes assim exigem do observador certo cuidado ao olhar o fenômeno para que julgamentos sustentados no paradigma etnocêntrico, como aquele praticado por europeus no passado, que afirma de forma preconceituosa que as diferentes culturas encontram-se em estágios diferentes do processo evolutivo, possam ser evitados. De acordo com Santos (2009, p. 12): Cada cultura é o resultado de uma história particular, e isso inclui também suas relações com outras culturas (...). Assim, falar, (...) nas etapas humanas da selvageria, barbárie e civilização pode ajudar a entender o aparecimento da sociedade burguesa na Europa, mas não é suficiente para dar conta de culturas que por longo tempo se desenvolveram fora do âmbito dessa civilização. E ainda, segundo o mesmo autor: As concepções de evolução linear foram atacadas com a idéia de que cada cultura tem sua própria verdade e que a classificação dessas culturas em escalas hierarquizadas era impossível, dada a multiplicidade de critérios culturais (p.14). Mas, na dinâmica social dos dias atuais, ainda é possível encontrar sujeitos e grupos sociais que compreendem a cultura a partir do etnocentrismo. E o que é pior, através de atos

439 LIMA, M. A. O./ Cultura E Diversidade: A Produção Da Desigualdade... / p. 437-448 de racismo, violência, preconceito, estereótipos e bullying, geram em nosso contexto social uma onda de barbárie, impedindo que indivíduos de culturas diferentes tenham acesso pleno aos seus direitos civis. O que leva ao surgimento de desigualdades sociais e em demais escalas geram problemas de múltiplos matizes, como depressão, baixa autoestima, incontáveis síndromes. Fato que a nosso ver prejudica o exercício da democracia. Então, cremos ser necessário repensar sobre A Diversidade e a Produção da Desigualdade, através de uma discussão teórico-conceitual e bibliográfica (MINAYO, 2004); capaz de estabelecer reflexões posteriores que nos levem a contemplar futuras possibilidades rumo a outro projeto de sociedade. 2) Diversidade desigualdade e sociedade: Gênese da cultura. Falar em diversidade e a produção de desigualdades na atual sociedade exige de nós certa coerência intelectual uma vez que tal discussão não pode ser compreendida distante do conceito de cultura. Nesta perspectiva, nosso objetivo inicial, será propor reflexões preliminares rumo à compreensão do conceito de cultura. A cultura, assim como toda e qualquer coisa que o homem criou/cria, teve uma gênese. Há inúmeras teorias que procuram desvendar tal questão. Laraia (2001) cita que estudiosos da paleontologia, atribuem que o surgimento da cultura está atrelado ao estilo de vida adotado por primatas, dentre os antepassados do homem. Os primatas viviam de forma arborícola, para andar utilizavam o bipedismo, possuíam posição anatômica ereta e constante uso das mãos. Tais características foram decisivas no desenvolvimento do cérebro, da inteligência e da cultura. Há também pesquisadores que defendem que a criação da cultura é fruto do desenvolvimento/implementação de uma forma de vida orientada por condutas de ordem social, moral e simbólica. Passando assim, da animalidade para a humanidade. Kroeber, citado por Laraia (2001), diz que a gênese da cultura pode ser entendida como um salto quantitativo dos primatas. Nessa perspectiva, houve um momento histórico em que uma parte dos membros desta espécie passou por uma alteração orgânica que os permitiu aprender, expressar e ensinar.

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 440 Contudo, Geertz discordando do salto qualitativo compreende que "(...) a maior parte do crescimento cortical humano foi posterior e não anterior ao início da cultura" (apud LARAIA, 2001, p. 39). Então, as dimensões biológicas e culturais, presentes no homem, foram formadas ao mesmo tempo. 2.1) Nas trilhas da cultura. Ha tempos que o mundo desperta a curiosidade humana. Curiosidade esta que o homem tentou/tenta explicar a partir do mito, da religião ou da ciência. Nesta jornada rumo ao conhecimento, os europeus realizaram, entre os séculos XVI e XIX aproximadamente, navegações com objetivos que vão desde: a) a descoberta de novas terras, colônias, que serviram para sustentar os privilégios da coroa (metrópole); b) interesses econômicos, descoberta de novas rotas comerciais e busca de mão de obra escrava; e c) a implementação de colônias de povoamento, para fugir de conflitos sociais, políticos e religiosos. As referidas navegações permitiram aos europeus o contato com diferentes povos, sobretudo na América, Ásia, África e Oceania. A partir destes contatos, inúmeros foram os estudos realizados e as teorias elaboradas, dentre elas o determinismo biológico e o determinismo geográfico, para identificar as diferenças entre os europeus (dentre eles os ingleses), africanos, índios e aborígenes. O método de comparação era baseado no modo de vida do observador, em detrimento do modelo de vida do observado (SANTOS, 2009). Porém as: (...) diferenças existentes entre os homens, portanto, não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza (...). Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura (LARAIA, 2001, p. 17). Neste contexto, a compreensão de cultura foi utilizada para justificar o racismo, o preconceito, o domínio e a exploração de povos que não eram europeus. Povos que de acordo com os exploradores eram selvagens, bárbaros, atrasados e sub-humanos. Isto nos levou a identificar que a cultura estava influenciada pelo etnocentrismo.

441 LIMA, M. A. O./ Cultura E Diversidade: A Produção Da Desigualdade... / p. 437-448 2.2) A procura de um conceito. No passado, inúmeras foram às tentativas dos intelectuais em criar um conceito que fosse capaz de denominar a capacidade do homem de produzir, acumular e re-significar o conhecimento; transmiti-lo através da linguagem oral ou corporal; criar arte, através de uma experiência sensível com a realidade; plantar e colher o próprio alimento e domesticar os animais. Para John Locke (1632-1704) a mente humana era capaz de adquirir conhecimento de forma ilimitada. Jacques Turgot (1727-1781) afirmava que o homem consegue acumular e transmitir o conhecimento aos demais membros de sua espécie. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) acreditava que a educação possuía importância singular no processo de passagem do animalesco ao humano. Alfred Kroeber (1876-1960) privilegiava a cultura em detrimento do biológico. Para ele, o animal tornou-se humano devido à cultura (LARAIA, 2001). Entretanto, Edward Tylor (1832-1917), ao utilizar o termo culture para designar todas as formas de (...) conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (apud LARAIA, 2001, p. 18), foi o primeiro sujeito que conseguiu agregar em um único conceito a capacidade humana em criar um saber de ordem material, espiritual ou artística, culture/cultura. Aproximando-se do significado que atribuímos à cultura nos dias de hoje. Ao elaborar seu conceito de cultura Tylor partiu da teoria da evolução de Darwin, corrente de pensamento muito influente, na Inglaterra, do século XIX. Deste modo, Tylor desenvolveu sua teoria acreditando que a cultura era natural, inata, integrante à biologia humana. Laraia (2001, p. 22) ao mencionar Tylor em sua obra, afirma que ele entendia a diversidade, uma das múltiplas expressões da cultura, como o (...) resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Diante do exposto, a função da Antropologia seria determinar uma escala evolutiva e civilizatória para compreender o estágio específico de evolução sócio cultural em que cada povo se encontrava. Seu ponto de referência era o modo de vida europeu. Entretanto, Franz Boas (1858-1949), em contexto posterior, reagindo contra a influência evolucionista atribuiu à história, importante contribuição no desafio de compreender a cultura e suas inúmeras manifestações em cada contexto.

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 442 Então, ao invés de ser um elemento natural, biológico e pré-determinado, a cultura é um fenômeno social, criado pelo homem, que expressa à capacidade do mesmo em captar, vivenciar, transmitir, transformar, reelaborar e re-significar a natureza. Seja a sua própria, enquanto membro de uma espécie, ou aquela exterior a si, materializada no meio ambiente em que habita corporalmente, em conjunto com os demais seres vivos (LARAIA, 2001). É por isto que concordamos e fazemos uso do pensamento de Santos (2009, p. 35), quando afirma que cultura é (...) todas as maneiras de existência humana, manifestas nos corpos dos sujeitos, nos grupos sociais, no bairro, na cidade, no país, no continente, no mundo. 2.3) Novas abordagens sobre cultura. Sabemos que a história não é estanque, ao contrário é dinâmica. O mesmo acontece com a realidade social, bem como com as tentativas de explicá-la. Assim, teorias vão caindo em desuso, quando não são reformuladas, revistas e atualizadas. Ao mesmo tempo em que outras vão surgindo. Laraia (2001) lança mão do esquema teórico formulado por Roger Keesing para apresentar as novas abordagens antropológicas que buscam a reformulação do conceito de cultura. A partir do referido esquema, podemos identificar que há pelo menos duas correntes teóricas, são elas: a) Cultura como sistema adaptativo: que entende o homem enquanto um ser capaz de adaptar-se aos diversos contextos sociais, às inúmeras situações cotidianas e aos diferentes estímulos encontrados na dinâmica da vida, através da cultura. Para esta teoria, a cultura resulta da articulação de esquemas biológicos presentes na natureza interna de um animal, neste caso o homem, que conseguiu evoluir do irracional para o racional, em um processo lento, complexo e de milhões de anos, até chegar ao atual estágio evolutivo, e que está em movimento. Este ser foi capaz de sobreviver à luta por alimento e abrigo, de dominar o fogo e demais instrumentos necessários à transformação do meio natural/social e à disputa pelo poder. Dentre os principais intelectuais desta linha de pensamento podemos destacar Leslie White, Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport e Vayda. b) Teorias idealistas de cultura: subdivide-se em três abordagens que podem ser denominadas da seguinte forma:

443 LIMA, M. A. O./ Cultura E Diversidade: A Produção Da Desigualdade... / p. 437-448 1) Cultura como sistema cognitivo: esta teoria considera que a cultura está no interior do homem, dentro de sua cabeça. Neste lugar privado, a cultura interage com os processos cognitivos rumo à elaboração de determinado conhecimento que permita ao humano socializar-se com a realidade. A linguagem e suas inúmeras faces podem servir como exemplo da presente teoria. Dentre os seus estudiosos encontramos Goodenough. 2) Cultura como sistemas estruturais: para esta corrente teórica a cultura (expressa na arte, na linguagem, dentre outros) configura-se em um sistema simbólico criado pela mente humana. Claude Lévi-Strauss apresenta-se como um dos intelectuais de destaque para esta linha de estudo. 3) Cultura como sistemas simbólicos: dentre os autores destacamos Clifford Geertz que refuta a padronização do humano. Para ele não temos um modelo de homem ideal, e sim com base na variedade da cultura (código de símbolos), múltiplas formas de ser homem, humano. Deste modo, a cultura apresenta-se como (...) um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instruções (...) para orientar o comportamento. Geertz também acrescenta que (...) todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só!" (GEERTZ apud LARAIA, 2001, p. 42). 3) O humano sob influência da cultura. Após termos conceituado a cultura, a partir da exposição das idéias dos vários autores que se apoderaram/apoderam da mesma como objeto de estudo, passaremos agora a apresentar como a cultura influencia a vida dos seres humanos em seus diferentes contextos. 3.1) Cultura e fisiologia humana. Vivemos em um mundo que transpira cultura. E esta diversidade influencia a maneira como cada povo irá relacionar-se com a realidade. Mesmo a fisiologia humana, vinculada ao funcionamento do organismo sofre inferências da cultura. Vejamos o riso, todos (...) os homens riem, mas o fazem de maneira diferente por motivos diversos (LARAIA, 2001, p. 47). Em outro caso retratado por Laraia (2001) também podemos identificar a influência da cultura sobre a biologia humana. Esta experiência ocorreu em determinada tribo indígena

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 444 onde um dos índios foi até outro índio, considerado curador e/ou mago, à procura de cura para os males que afligiam sua saúde corporal. Durante a sessão de libertação dos males, o curador desenvolvia uma espécie de ritual, fumando charutos, assoprando a fumaça no doente, tentando fazer o mal transferir-se do corpo do doente para o seu. Destacamos também, os casos de gravidez em que as tribos indígenas compreendiam que o homem não participava do processo de concepção do bebê. Este era fruto da relação entre a mulher, futura mãe, e as forças espirituais que rondavam a aldeia. Mas, após o parto, à medida que a criança crescia, desenvolvia-se e se assemelhava ao marido da mãe, os sábios da tribo diziam que isto era o resultado da convivência entre a mãe, o filho e o pai. Para Marcel Mauss (1872-1950), ainda que os homens façam parte de uma mesma espécie, tais sujeitos utilizam seus corpos de maneiras diferentes. A isso ele denomina de técnica corporal. Então, se "(...) uma criança senta-se à mesa com os cotovelos junto ao corpo e permanece com as mãos nos joelhos, quando não está comendo, ela é inglesa. E continua, um (...) jovem francês (...) abre os cotovelos em leque e apóia-os sobre a mesa" (apud LARAIA, 2001, p. 48). 4) De volta ao início. Nesta etapa, cremos ser o momento ideal para retomarmos o tema que gerou o presente trabalho, A Diversidade e a Produção da Desigualdade, com o objetivo de refletirmos sobre as possíveis relações que se estabelecem entre tal tema e o etnocentrismo, responsável por atitudes de estereótipo e preconceito em nossa sociedade. 4.1) Desigualdade social e etnocentrismo. A partir das discussões feitas até o momento, é possível perceber que o homem observa o mundo através de uma ótica cultural, relacionando-se com o mesmo, seja no campo social ou biológico, por um viés que também é cultural. Todavia, é preciso refletir sobre tal questão para não adotarmos uma postura extrema, onde cada povo, grupo ou tribo passe a considerar que a sua cultura é a correta, e que a dos demais indivíduos está errada. Quando o referido extremismo acontece, denominamos de etnocentrismo.

445 LIMA, M. A. O./ Cultura E Diversidade: A Produção Da Desigualdade... / p. 437-448 Segundo o dicionário Aurélio o etnocentrismo pode ser entendido como uma (...) tendência a considerar as normas e valores da própria sociedade (...) como os modelos de avaliação dos costumes dos demais povos (HOLANDA FERREIRA, 2004, p. 324). Para Laraia (2001, p. 50-51) o etnocentrismo: (...) é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. (...) Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais. A nosso ver se o etnocentrismo for o paradigma pelo qual mediamos o debate com as demais culturas, a referida atitude poderá levar a atos de estereótipo e preconceito, que por sua vez produzem conflitos tais como o racismo, a violência e a desigualdade social. Isto fica mais bem evidenciado a partir da seguinte ilustração ficcional: quando um jovem negro que tenta uma vaga no mercado de trabalho é impedido de concorrer a tal vaga, por que o proprietário da empresa julga que devido à cor da pele (aspectos biológicos), e pelos traços culturais (dimensões sociais) que apresenta, o referido rapaz é incapaz de executar o serviço referente à vaga que concorre, mesmo tendo cursos específicos e sendo capacitado. Nesta perspectiva, o etnocentrismo produz a desigualdade social por que o jovem negro foi impedido de ter acesso pleno aos seus direitos, dentre eles o direito ao emprego. Uma vez que na ótica do empresário pode estar implícito que apenas jovens brancos são capacitados intelectualmente e culturalmente para executar o trabalho. E ainda, pelo fato do jovem ser negro, isto significará - mecanicamente - que o mesmo é mau caráter, drogado, assaltante, violento, sem modos e costumes, fato que, na leitura do empresário, poderá afastar os clientes da empresa. Assim, o etnocentrismo que ocasiona a desigualdade social, não permite ao jovem negro realizar-se profissionalmente no mundo do trabalho. Se de um lado temos o etnocentrismo, do outro podemos identificar uma espécie de total apatia dos integrantes de determinado grupo social em relação à própria cultura. Isto poderá ocorrer pelo fato de que (...) numa dada situação de crise os membros de uma cultura abandonam a crença (...) em seus valores e (...) perdem a motivação que os mantém unidos e vivos (...) (LARAIA, 2001, p. 52).

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 446 Ao analisarmos a história de formação da sociedade brasileira, podemos encontrar vários casos de apatia. Foi assim com os negros africanos, pois ao serem retirados de sua terra e forçados ao trabalho escravo, em outro contexto que não o seu, neste caso o Brasil, sofreram de banzo, traduzido como saudade, nostalgia de sua terra, povo, costumes. O banzo levou à morte de muitos negros. Diante do que foi apresentado, cremos que nem o etnocentrismo e muito menos a apatia, que em algumas situações pode ser causada pelo etnocentrismo; mas o atual momento histórico, marcado por fenômenos contemporâneos e complexos como a globalização, veiculação da informação via internet, cooperação científica entre pesquisadores de diferentes países, preservação do meio ambiente, e outros, exige do humano uma posição crítica e um diálogo coerente com a diversidade, tendo em vista a proposição de reflexões rumo à democracia. 5) Considerações Finais. Uma vez que nos fundamentarmos em um diálogo crítico com a diversidade poderemos compreender que a cultura, independente de onde ela aconteça, tem a sua lógica própria, pois é dinâmica, está em movimento e em processo de transformação. E que este movimento pode ocorrer por motivos internos ou externos ao grupo (contato com outras culturas). Sendo assim, Santos (2009, p. 07) contribui com nossa discussão afirmando que são (...) complexas as realidades dos agrupamentos humanos e as características que os unem e diferenciam, (...) e a cultura as expressa (SANTOS, 2009, p. 07). E Laraia (2001, p. 60), citando Lévi-Strauss, diz que (...) ao invés de um contínuo magia, religião e ciência, temos de fato sistemas simultâneos e não-sucessivos na história da humanidade. E ainda: (...) cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir (LARAIA, 2001, p. 70).

447 LIMA, M. A. O./ Cultura E Diversidade: A Produção Da Desigualdade... / p. 437-448 Então, para compreendermos a cultura, dos índios, negros, ciganos, latinos, camponeses ou de qualquer outro grupo, é preciso que façamos uma leitura mais ampla, levando em consideração o movimento da história que originou tal cultura e o contexto social em que a mesma está inserida: É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas (SANTOS, 2009, p. 08). Só assim, pautados na diversidade, e compreendendo que a cultura é dinâmica, e se difere de um contexto para o outro, cremos ser possível romper com o ciclo vicioso denominado etnocentrismo. Ciclo que também expressa estereótipos e preconceitos, gerando por sua vez desigualdades sociais quando impede aos diferentes indivíduos presentes na sociedade de ter acesso pleno aos seus direitos e a possibilidade de cumprir com seus deveres; sejam por motivos estéticos, econômicos e de classe social; por questões físicas; por fatores relativos à raça, etnia e nacionalidade; por motivos sexistas; ou por pertencer a algum credo religioso. Para nós, ter acesso aos direitos e a possibilidade de cumprir com os deveres, representa uma das condições necessárias ao exercício da cidadania, importante passo para a implementação de reflexões críticas, que nos concedam condições éticas, intelectuais e sensíveis rumo à efetivação de debates e diálogos que se desdobrem em projetos e ações que contemplem a necessidade do respeito à liberdade e individualidade, da compreensão crítica da diversidade cultural, da construção da democracia e justiça social. 6) Referências Bibliográficas. HOLANDA FERREIRA, A. B. de. Mini Aurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. LARAIA, R. de B. Cultura: Um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

Anais do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá Goiás / Agosto/2013 448 MINAYO, M. C. de S. Ciência, técnica e arte: O desafio da pesquisa social. In., (Org), et al. Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 13. ed. Petrópoles RJ: Vozes, 2004. SANTOS, J. L. dos. O que é cultura. Reimpressão. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2009.