Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

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AMBIGUIDADE NA SALA DE AULA: PRA QUE TE QUERO? Francisca Aurea Rodrigues Almeida (UERR) francisca_aurea2011@hotmail.com Myrth Charssiany Oliveira de Araújo (UERR) myrthcharssiany@hotmail.com Valdercley Santos da Silva (UERR) valdercley_@hotmail.com RESUMO O presente trabalho aborda o tema ambiguidade, que é gerada por fenômenos como a polissemia e a homonímia, e tem como objetivo identificar o nível de conhecimento dos alunos do ensino médio sobre este tema, visando à discussão sobre a importância da ampliação da abordagem de questões semânticas no ensino da língua na educação básica, considerando a implicação desse tema na compreensão textual. A pesquisa foi feita com os alunos da rede estadual de ensino, na cidade de Boa Vista, por meio de um teste de múltipla escolha, aplicado aos alunos de 2º e 3º anos do ensino médio, versando sobre o conteúdo ambiguidade, e uma entrevista com a professora, visando ao diagnóstico do ensino deste tema. O resultado da pesquisa revelou que a maioria dos alunos apresenta certos conhecimentos linguísticos voltados à ambiguidade, no entanto, percebe-se que ainda há a necessidade de intensificar o trabalho com este tema pela sua implicação direta com a compreensão leitora dos alunos. Palavras-chave: Ambiguidade. Semântica. Significado. 1. Introdução O presente artigo situa-se na área de conhecimento que estuda o sentido das palavras, a semântica, e delimita-se especificamente no campo da semântica formal e semântica lexical. Visa abordar o tema ambiguidade, já que ele é considerado como um dos processos que causa a indeterminação de sentidos nos enunciados. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é identificar o nível de conhecimento dos alunos de ensino médio sobre a ambiguidade, visando à discussão sobre a importância da ampliação de questões semânticas, especialmente da ambiguidade, no ensino da língua portuguesa, considerando a implicação desse tema na compreensão textual dos alunos. Visando à obtenção de informações sobre a competência linguística dos alunos, elaborou-se uma atividade com o objetivo de verificar o nível de conhecimento dos alunos sobre a ambiguidade. Para apresentar os resultados desta pesquisa, o presente trabalho foi subdivido em três Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 539

tópicos. No primeiro, há o destaque para a semântica, área que aborda os estudos da ambiguidade; no segundo, apresentam-se diferenças entre as compreensões do termo ambiguidade; e no terceiro, a abordagem é sobre o ensino da ambiguidade na sala de aula. 2. Semântica: o escopo dos estudos sobre a ambiguidade A definição de semântica como área da linguística que estuda o significado das línguas naturais é bastante consensual. De forma resumida, pode-se dizer que a semântica é o estudo do significado linguístico (ou da significação), e que essa definição não é problema, a questão polêmica é o significado do significado, diz a literatura vigente. Segundo Oliveira (2008), a perspectiva teórica que os linguistas e filósofos possuem acerca do objeto de estudo da semântica é heterogênea e, por isso, não há consenso do que seja significado. Em consequência desse pensamento, pode-se encontrar semântica textual, semântica cognitiva, lexical, argumentativa, discursiva etc. Todas elas estudam o significado, cada uma a seu modo. Tamanha variedade mostra que o estudo do significado pode ser considerado sob vários ângulos, como no caso da semântica formal e a semântica lexical, que, dentre outros aspectos, investiga a ambiguidade no léxico e na sentença. A semântica formal é, assim, uma ciência empírica, com caráter preditivo. O objeto de estudos da semântica é, então, explicitar a capacidade que os falantes de uma língua têm, independentemente de eles irem ou não à escola, de atribuir significados ao que eles dizem e ao que lhes é dito (CHIERCHIA, 2003). Fiorin (2008) explica que a semântica formal estabelece as línguas humanas como a propriedade central para referenciar algo. Por essa razão, a semântica formal baseia-se no estudo da relação que existe entre as expressões linguísticas e o mundo. Para esse autor, dentre as várias possibilidades de investigação do significado, a semântica formal se apoia no fato de que, se conhecemos as expressões e as condições que se encontram na sentença, saberemos se o enunciado é verdadeiro ou não. Ainda para Fiorin (2008), há outra semântica que estuda o significado das palavras na sentença, que é a semântica lexical. Esta tem por objetivo estudar as propriedades do significado das palavras que são definidas umas em relação às outras, na própria estruturação do sistema lexical, estabelecendo diversos tipos de relações entre si: a sinonímia, a an- 540 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

tonímia, a hiperonímia/hiponímia, a homonímia, a paronomásia e a polissemia. Esta última consiste na multiplicidade de significados de uma palavra ou de qualquer outro signo linguístico, podendo ser considerada como um recurso de economia linguística. 3. Os estudos sobre ambiguidade A definição mais comum de ambiguidade é um fenômeno semântico que aparece quando uma simples palavra ou um grupo de palavras é associado a mais de um significado (FIORIN, 2008). No entanto, pode-se encontrar outros conceitos de ambiguidade como, por exemplo, o de Matoso Câmara Jr. (1968, p. 40) que trata da ambiguidade como uma Circunstância de uma comunicação linguística se prestar a mais de uma interpretação, que pode ser vista como consequência da homonímia, polissemia e da deficiência dos padrões sintáticos. Já para Greimas (1979, p. 19), a ambiguidade ocorre quando leituras ou interpretações se apresentam simultaneamente dentro da propriedade dos enunciados. Segundo Fiorin (2008), a ambiguidade pode originar-se do fato da frase ter uma estrutura sintática suscetível de várias interpretações, ou seja, o que gera a ambiguidade são as diferentes possibilidades de reorganizar as sentenças, possibilitando a ocorrência de diferentes estruturas sintáticas na mesma sentença. Ainda para Fiorin, o significado de uma sentença não é determinado apenas pelo significado de suas palavras, mas também por sua estrutura gramatical, pela relação entre as palavras, denominada por ele de ambiguidade sentencial, isto é, quando uma sentença puder admitir diferentes possibilidades de combinações sintáticas. Assim, uma sentença vai ser ambígua quando puder ter mais de uma estrutura sintática. Deste modo, Fiorin afirma que há ambiguidade lexical quando certas palavras apresentarem múltipla significação para o mesmo item lexical, e a ambiguidade sintática quando uma mesma estrutura for suscetível de várias interpretações. Para Dubois (1973, p. 45), a ambiguidade é a propriedade de certas frases realizadas apresentarem vários sentidos. Para ele, há dois tipos de ambiguidade: a lexical e a sintática. A ambiguidade lexical ocorre quando certos morfemas léxicos têm vários sentidos, já a ambiguidade sintática ocorre quando a mesma estrutura de superfície sai de duas (ou Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 541

mais de duas) estruturas profundas diferentes. Assim, a ambiguidade pode advir do fato de que a frase tenha uma estrutura sintática suscetível de várias interpretações. Nota-se que na maioria das definições de ambiguidade, a principal característica é que o enunciado construído possui mais de um sentido. O termo ambíguo sofre variação conforme o nível empregado no contexto, podendo ser ambiguidade nos níveis lexical e sintático. Assim, a ambiguidade lexical aparece quando certas palavras apresentarem múltipla significação num dado contexto, ou seja, quando existir a possibilidade de mais de uma interpretação de significado para uma mesma palavra. Ullmann (1964), ao considerar os aspectos linguísticos que provocam tal fenômeno, aponta a ambiguidade lexical como a mais importante, e afirma que a mesma se caracteriza quando, num mesmo contexto, existirem dois ou mais sentidos para uma mesma palavra. Essa multiplicidade de sentidos pode ser dada por duas formas diferentes: a homonímia e a polissemia. Na homonímia temos uma relação semântica que estabelece o mesmo termo com sentidos incompatíveis. É o caso de manga, no exemplo abaixo. Não se sabe se trata-se de uma parte da roupa ou de uma fruta. Exemplo: A menina deixou cair a manga. Já na polissemia, os diferentes sentidos não se excluem e não são incompatíveis, é a propriedade que uma mesma palavra tem de apresentar vários significados. No exemplo abaixo tem-se o termo escola, porém, não temos a certeza de estar se referindo ao prédio, à instituição ou às pessoas que fazem parte desta instituição. Exemplo: Gosto daquela escola! A ambiguidade sintática ocorre quando a estrutura de uma frase é suscetível de várias interpretações, ou seja, há duplo sentido, não em relação ao significado das palavras, mas em relação às funções dos termos. Exemplos: (a) Eu escutei a notícia sobre o roubo no hospital; (b) A instrutora de dança francesa. O exemplo (a) revela que o termo grifado pode ser o lugar onde o assalto ocorreu ou o local em que a notícia foi ouvida; no exemplo (b), o adjetivo pode funcionar como o tipo de dança ou como a nacionalidade 542 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

da instrutora. Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos De outro ponto de vista, Ferrarezi (2008), trabalhando com uma semântica que denomina de contextos e cenários, define a ambiguidade como a possibilidade de atribuir mais de um sentido a uma mesma sentença em um mesmo contexto e cenário. Propõe que a possibilidade de dupla interpretação pelo locutor é gerada em razão de certas peculiaridades do cenário e do contexto enunciativos. Afirma que a ambiguidade é uma falha comunicativa, um equívoco, uma vez que muitas vezes pode ser gerada propositadamente. Ainda segundo Ferrarezi, a ambiguidade do texto pode ser causada por vários fatores, tais como: pela polissemia de uma palavra no contexto, por anáforas ou catáforas de múltipla interpretação e pela possibilidade de múltipla interpretação estrutural. Encontra-se a ambiguidade em muitos textos poéticos, publicitários, humorísticos, em músicas, em charges, e em programas humorísticos. Mas ela é muito mais problemática quando ocorre nos textos escritos do que em textos falados. 4. O ensino da semântica nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio O ensino da ambiguidade em sala de aula está voltado para ampliação do conhecimento linguístico dos discentes, visando sempre à aprendizagem da língua materna, com vistas à ampliação da competência comunicativa dos alunos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais abordam a perspectiva de desenvolvimento das competências e habilidades dos alunos, dizendo que. O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino. (BRASIL, 1998, p. 22) Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 543

Com relação ao ensino de língua portuguesa e as atividades de significação pautadas na semântica, vale destacar dois dos objetivos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: [...] utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações construídas em várias áreas do conhecimento [...] aumentando e aprofundando seus esquemas cognitivos pela ampliação do léxico e de suas respectivas redes semânticas; analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos [...] inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto [...] (BRASIL, 1997, p. 32-33) No primeiro objetivo, trata-se, explicitamente, da questão das variedades das palavras e da multiplicidade de sentidos que pertencem à área da semântica. No segundo objetivo, onde se lê [...] inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto [...], tem-se, claramente, uma questão semântica, pois trabalhar com inferências é trabalhar com a compreensão dos implícitos, em vários níveis, desde o mais lógico, como o acarretamento, passando pela inferência linguística, como a pressuposição, ambiguidade, até a inferência de nível contextual, como a implicatura. Abordar tais conceitos faz-se necessário no decorrer do processo de leitura, pois eles não se encontram presentes, necessariamente, no livro didático. 5. O ensino da ambiguidade em sala de aula O objetivo desta seção é apresentar os resultados obtidos na pesquisa realizada em uma escola estadual, situada no município de Boa Vista, estado de Roraima. Iniciou-se a pesquisa a partir de uma entrevista com a professora de língua portuguesa, com a finalidade de conhecer que tipos de recursos utiliza para ampliar o conhecimento linguístico dos alunos em sala de aula. Após esta entrevista utilizou-se uma atividade que foi aplicada a 57 alunos de 2º e 3º anos do ensino médio. A professora afirma que existem várias maneiras de desenvolver o conhecimento linguístico do aluno em sala de aula. Para ela, o professor de língua portuguesa pode trabalhar a variação dos significados das palavras, utilizando-se da ambiguidade em vários contextos e conteúdos, tais como nas variações linguísticas, nas figuras de linguagem, nas interpretações de texto e na produção textual. Destaca ainda que, a série final do ensino médio requer uma prática maior, já que muitos prestarão vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que exige conhecimento linguístico contextualizado através de compreensão de charges, 544 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

textos e frases com palavras ambíguas. As atividades aplicadas aconteceram para que se pudesse verificar o nível de conhecimento linguístico dos alunos em relação à ambiguidade, considerando que são alunos de séries finais e devem estar preparados para prestarem vestibulares, confirmando o que foi dito pela professora na entrevista. Foi apresentada uma atividade contendo 02 (duas) charges, um texto retirado do jornal A Gazeta e uma questão com frases, que exigia que os alunos identificassem os termos ambíguos no contexto. Charge 01 Pedimos para que os alunos marcassem a alternativa cujo sentido na charge se constrói a partir da ambiguidade de um determinado termo. As alternativas eram: (A) fora, (B) agora; (C) sistema; (D) protestar. O resultado foi que 21% dos alunos marcaram a alterativa (A); 5% dos alunos marcaram alternativa (B); 37% marcaram a alternativa (C) e 37% marcaram a alternativa (D). Notou-se que houve um equívoco de 37% dos alunos ao marcarem a alternativa D como a palavra que causa ambiguidade lexical na charge. O termo ambíguo é a palavra sistema, nesse caso, a charge gera dupla interpretação em torno da palavra sistema que, no contexto, pode ser interpretada como sistema político e sistema tecnológico. Charge 02 Na charge 02 pedimos aos alunos que marcassem a alternativa que apresenta uma palavra com duplo sentido. As alternativas eram: (A) Elaboro; (B) Aplico; (C) Administro; (D) Executo. Os resultados foram: 11% dos alunos marcaram a alternativa (A); 12% marcaram a alternativa (B); 5% marcaram a alternativa (C) e que 72% marcaram a alternativa (D). Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 545

Fonte: <http://ideiaspraticasparasaladeaula.blogspot.com.br/2013/05/atividadesambiguidade.html>. Acesso: 29-05-2014 É perceptível que, nesta charge, os alunos não tiveram dificuldade para compreender que a palavra executo gera ambiguidade no contexto. Verificou-se que a imagem contribuiu na compreensão da ambiguidade lexical no contexto da charge. Texto 03 FAMÍLIA DÁ ADEUS A JOVEM ATROPELADO DURANTE ENTERRO Indignação. Esse era o sentimento de familiares e amigos do professor e músico Gustavo German Kern, 23 anos. Vítima fatal do acidente de carro ocorrido na última sexta-feira em Jardim Camburi, o jovem foi enterrado ontem à tarde no Cemitério de Maruípe. Fonte: Jornal A Gazeta, de 21 de agosto de 2005 Na interpretação desse texto pediu-se aos alunos que lessem com atenção e identificassem qual era o problema de linguagem na manchete. Apresentamos as seguintes opções de respostas: (A) INCORRETA. Emprego de vírgula. As vírgulas estão corretas; (B) CORRETA. Ambiguidade. Gera dupla interpretação, visto que é possível entender que o jovem foi atropelado durante o enterro ou que o adeus foi durante o enterro; (C) INCORRETA. Cacofonia. Não há problemas de cacofonia; (D) INCORRETA. Ordem inversa da frase. A frase está na ordem direta. Nesta questão, 12% dos alunos marcaram como alternativa correta a opção (A), 72% marcaram a alternativa (B), 5% dos alunos marcaram a alternativa (C), 11% marcaram a alternativa (D). 546 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

Notou-se que a maioria dos alunos, o equivalente a 72%, conseguiu identificar a ambiguidade sintática no texto quando contextualizado e que 28% não conseguiu perceber essa ambiguidade e optou por outras respostas. Texto 04 Não há ambiguidade na frase: (a) Estivemos na escola da cidade que foi destruída pelo incêndio. (b) Câmara torna crime porte ilegal de armas. (c) Vi o acidente do barco. (d) O policial prendeu o ladrão em sua casa. Pediu-se aos alunos que identificassem a frase que não há ambiguidade, cujas alternativas eram: (A) Estivemos na escola da cidade que foi destruída pelo incêndio; (B) Câmara torna crime porte ilegal de armas; (C) Vi o acidente do barco; (D) O policial prendeu o ladrão em sua casa. Essa questão exigiu um pouco de atenção dos alunos, para que pudessem identificar o termo ambíguo. Os resultados obtidos foram: 14% dos alunos marcaram a alternativa (A), 32% marcaram a alternativa (B), 37% marcaram a alternativa (C) e 18% marcaram a alternativa (D). Notou-se que apenas 32% dos alunos acertou a alternativa que não havia ambiguidade, ou seja, a alternativa (B). Mas um número considerável dos alunos, 68 % não acertou a questão. Ao fim da análise é possível notar que muitos alunos ainda têm certa dificuldade para identificar o termo ambíguo, tanto em charge, quanto em frases. Nas charges é empregado na maioria das vezes um item lexical que causa o duplo sentido no contexto, e na ambiguidade sintática a posição dos elementos sintáticos, quando se ligam no contexto causam, no enunciado, o duplo sentido. A percepção deste tipo de recurso exige atenção do aluno e, por isso, merece ser constantemente trabalhado pelo professor na sala de aula. Neste sentido, Ferrarezi (2008, p. 180) ressalta que A ambigüidade e suas formas de aparecimento nas sentenças devem ser bem compreedidas, principalmente para que possam ser evitadas pelos alunos na hora em que escrevem os próprios textos (...). Essa perspectiva dá-se devido ambiguidade poder realizar várias interpretações que não dependem somente do enunciado, mas também das diversas situações que apresentam o duplo sentido, por isso, Ferrarezi Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 547

deixa claro que (...) senteças potencialmente ambíguas podem resultar em interpretações indesejadas daquilo que eles escreveram, ressalta ainda que (...) para melhor identificação dos termos ambíguos, é bom que os alunos assistam a programas humorísticos e explore-os através de teatros, pois são programas ricos em informações, propositalmente, ambíguas. (FERRAREZI, 2008, p. 180). 6. Considerações finais O estudo da semântica revela a importância de conhecer a língua materna, esse conhecimento que facilita a boa leitura e a busca de informações, contribuindo para uma melhor interpretação do texto. Partindo desse pressuposto, procurou-se trabalhar dois níveis de ambiguidades que implicam na construção do sentido do texto. Apresentou-se uma análise da ocorrência de dois níveis de ambiguidades em sala de aula: a ambiguidade lexical e a sintática. E após a realização e análise dessas atividades, chegou-se à conclusão de que uma porcentagem significativa de alunos conseguiu identificar a ambiguidade a partir de um contexto visual e/ou lexical, tornando esta pesquisa de resultados positivos, pois ela revelou que a maioria dos alunos apresentam certos conhecimentos linguísticos voltados para as ambiguidades lexical e sintática. No entanto, percebeu-se que ainda há a necessidade de intensificar o trabalho com este tema pela implicação direta dele com a compreensão leitora dos alunos, razão essa que deve levar o professor de língua portuguesa a explorar mais conteúdos de natureza semântica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000.. Parâmetros curriculares nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. CÂMARA Jr., J. M. Problemas de linguística descritiva. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. CHIERCHIA, Gennaro. Semântica. Trad.: Luis Arthur Pagaggi, Lígia 548 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

Negri, Rodolfo Ilari. Campinas: Unicamp; Londrina: Eduel, 2003. DUBOIS, Jean. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1973. FERRAREZI JUNIOR, Celso. Semântica para educação básica. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2008. FIORIN, José Luiz. Introdução à linguística, II. Princípios de análise. 4. ed. 2ª reimpr. São Paulo: Contexto, 2009. GREIMAS, Algirdas Julien. Dicionário de semiótica. São Paulo, 1979. ULLMANN, S. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Trad.: J. A. Osório Mateus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964. Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 549