Boletim Econômico Edição nº 63 março de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico



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Transcrição:

Boletim Econômico Edição nº 63 março de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico A concentração bancária no Brasil é uma ameaça à justiça econômica e social 1

Quais as ameaças geradas por instituições financeiras que se tornam "grandes demais para quebrar"? Já estamos passando do quinto ano da grande crise financeira internacional do novo milênio e os bancos "grandes demais para quebrar" se tornaram ainda maiores. Foram vários os casos de fusões forçadas, estatizações, aquisições de instituições insolventes tudo sob a anuência, para não dizer a exigência, dos Bancos Centrais dos países envolvidos. No dia 4 de novembro de 2011, o Financial Stability Board órgão internacional que monitora e faz recomendações sobre o sistema financeiro global publicou um relatório enumerando 29 instituições de importância global. Nenhum banco brasileiro entrou na lista. Em termos de ativos, nossos bancos não estão nem entre os cinqüenta primeiros em nível global. Isso, no entanto, não significa que não tenhamos nossos próprios "grandes demais para quebrar". Temos, sim. Mais ainda: nosso sistema bancário está perigosamente seguindo a mesma tendência internacional. Os bancos brasileiros se tornaram ainda maiores nos últimos quatro anos. Qualquer que seja a métrica utilizada para a análise, a inevitável conclusão é a de que o sistema bancário brasileiro está se tornando mais concentrado (ver gráfico 1); e, como uma indústria, sua fatia no PIB brasileiro vem crescendo rapidamente. 2

Gráfico 1: Participação nos ativos e depósitos bancários totais Fonte: BACEN A tendência da concentração bancária desde a implantação do real A introdução do real, em julho de 1994, e a conseqüente estabilização da inflação foram os principais motores da consolidação bancária ocorrida no final da década de 1990 e início da de 2000. Após várias privatizações, fusões, aquisições e liquidações de bancos públicos estaduais e federais, o número de bancos em operação no Brasil declinou de 248 para 133 em 2007 (esta cifra leva em conta bancos comerciais, de investimento e outros, com a exceção de cooperativas de crédito). Até o presente momento, este número segue inalterado. Embora a quantidade de instituições financeiras possa indicar o quanto o sistema bancário foi reduzido a alguns poucos grandes bancos, é necessário também analisar o percentual de ativos e depósitos controlados pelos principais bancos (gráfico 1, que não inclui o BNDES). A tendência é clara: um pequeno número de bancos passou a concentrar um valor crescente de ativos e depósitos durante os últimos 17 anos. A fusão do Itaú com o Unibanco em 2008 à época, o segundo e o sexto maiores bancos, respectivamente provocou um salto significativo no gráfico, elevando o percentual de ativos dos cinco maiores bancos para quase 80%. 3

Entre as cinco maiores instituições temos o Banco do Brasil (BB), o Itaú- Unibanco, o Bradesco, a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Santander. O primeiro e o quarto são bancos públicos. Estas gigantescas instituições financeiras ainda moldam uma considerável fatia da economia brasileira atualmente. Por controlarem uma enorme fatia de ativos dentre eles, empréstimos para empresas e pessoas e depósitos, estes bancos certamente podem ser definidos como "bancos domésticos sistemicamente importantes" de acordo com o termo técnico criado pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, um mero eufemismo para "grandes demais para quebrar". O crescimento no tamanho do setor bancário como um todo é claramente visualizado pela proporção do total de ativos em relação ao PIB do país, como mostrado no gráfico 2. Se os bancos brasileiros já eram grandes e concentrados no passado recente, eles certamente estão maiores hoje, e bem mais concentrados. À medida que a economia brasileira vai se tornando cada vez mais alavancada, com o crédito aumentando em relação ao PIB assim como o endividamento das famílias, o lado esquerdo dos balancetes dos bancos cresce a um ritmo mais acelerado do que o do restante da economia. E essa tendência de concentração do setor bancário não é um fenômeno restrito ao Brasil; com efeito, internacionalmente, esta é a regra e não a exceção. Parece haver uma tendência de aumento contínuo no tamanho do setor bancário, levando a uma maior concentração nas mãos de poucas instituições. Embora economias de escala naturalmente exerçam uma função nestas tendências de consolidação, o moderno sistema bancário usufrui algumas características peculiares que o torna distinto de todas as outras indústrias da economia, características essas que são essenciais para consolidar esta tendência de concentração. 4

Gráfico 2: Ativos dos bancos e PIB (%) Fonte: BACEN Por que os bancos crescem? Alguns especialistas argumentam que a principal atividade dos bancos é saber gerenciar a maturação de seu portfólio, isto é, saber como tomar empréstimos de curto prazo e fazer empréstimos de longo prazo. A verdade é que o termo mais preciso para isso seria "maturação descompassada", que é o que ocorre quando o passivo dos bancos vence antes da maturação de seus ativos. Tecnicamente, qualquer empresa pode praticar a maturação descompassada, seja ela uma siderúrgica ou uma mercearia. Mas o empreendedor tem de ter a certeza de que seu passivo não vencerá antas da maturação de seus investimentos. Uma restrição de liquidez pode se transformar em um problema de solvência caso os ativos tenham de ser rapidamente vendidos (o que tende a fazer com seus preços caiam) ou caso os passivos não possam ser rolados. No entanto, as práticas do atual sistema bancário são caracterizadas não somente pela maturação descompassada, mas pela excessiva maturação descompassada. Como isso é possível? Por meio de um gracioso privilégio concedido aos bancos conhecido como reservas fracionárias. A maturação descompassada é uma especulação de risco. E a prática de reservas fracionárias é uma maturação descompassada em ampla escala. 5

Confiando na experiência dos banqueiros de que nem todos os correntistas demandarão a restituição em espécie de seus depósitos, os bancos, por meio das reservas fracionárias, fazem com que um depósito inicial seja utilizado para criar múltiplos empréstimos, empréstimos esses que utilizam dinheiro (no caso, meros dígitos eletrônicos) criado por meio de uma simples entrada contábil. Em suma, a prática de reservas fracionárias permite que os bancos criem passivos de curto prazo (os depósitos de seus correntistas) ao mesmo tempo em que mantêm apenas uma pequena fração de ativos líquidos de curto prazo (dinheiro em caixa, também chamado de 'reservas'), sendo que o restante de seus ativos (a vasta maioria) está na forma de investimentos de longo prazo (empréstimos). Mas quanto os bancos geralmente mantêm em suas reservas? Nos tempos atuais, determinar tal quantidade é uma tarefa de responsabilidade dos Bancos Centrais. É o Banco Central quem determina o nível de reserva que os bancos sob sua jurisdição devem manter. Quanto maior este requerimento de reserva (popularmente conhecido como "compulsório", menor a capacidade de o sistema bancário expandir o crédito. No entanto, esta não é a única restrição à capacidade dos bancos de expandirem o crédito por meio da criação de novos empréstimos. Quando o Banco A concede um novo empréstimo, o tomador do empréstimo utiliza este dinheiro recém-criado para, por exemplo, pagar seu fornecedor. Se este fornecedor possuir uma conta no Banco B, assim que ele depositar o pagamento em seu banco, o Banco B irá requerer a transferência de fundos do Banco A. Ato contínuo, o Banco A verá o nível de suas reservas diminuírem, o que irá restringir sua capacidade de criar novos empréstimos. 6

Logo, quanto maior a clientela de um banco, maior será a probabilidade de que os depósitos que ele criar na forma de empréstimos. Essa manobra não diminuirá suas reservas. Colocando de outra forma, quanto maior o banco,menor a probabilidade de ele perder reservas em decorrência de pedidos de transferência de outros bancos. Chamemos de "k" a probabilidade de um tomador de empréstimo fazer pagamentos para outros clientes que possuem conta em seu mesmo banco. Sob um sistema bancário de reservas fracionárias, c e k possuem efeitos opostos sobre a capacidade de expansão do crédito: quanto maior o compulsório c, menor a capacidade dos bancos de criarem novos empréstimos; por outro lado, quanto maior o k maior será a capacidade expandir o crédito. Nos principais países desenvolvidos, os Bancos Centrais estipularam o compulsório ("c") em níveis perto de 0%. Não havendo mais espaço para reduzir o c, a única maneira restante de aumentar a capacidade de criar novos empréstimos e depósitos é aumentando o k, isto é, a concentração dos bancos. E como é no Brasil? Historicamente, o Banco Central sempre estipulou compulsórios altos para os depósitos em conta-corrente. Atualmente, a taxa do compulsório para estes depósitos é de mais de 40%, ao passo que, para os depósitos em poupança e a prazo, o compulsório é de 20%. A prática de reservas fracionárias por parte dos bancos possui dois interessantes efeitos econômicos: de um lado, estimula os bancos a se fundirem, a se tornarem mais concentrados e, conseqüentemente, a se agigantarem; de outro, por meio da maciça expansão do crédito, permite que os bancos aumentem seus ativos, passando a representar uma fatia crescente do PIB, pelo menos até que haja uma crise bancária completa. 7

Comparação com o resto do mundo A Islândia é um exemplo característico que ilustra o último parágrafo. Em 2007, os três maiores bancos islandeses detinham praticamente 80% do total dos ativos bancários do país. E em termos de porcentagem do PIB, todos os ativos bancários totalizavam mais de 1.300% ou seja, eram 13 vezes o valor do PIB do país. Qualquer que seja o critério escolhido, esta cifra não é nada pequena. Os bancos islandeses cresciam ininterruptamente até finalmente um colapso espetacular sacudir o país nórdico. Em 2011, os ativos bancários em relação ao PIB caíram para "meros" 521%, menos da metade do que eram quatro anos antes. Ainda assim, um número enorme quando comparado às outras nações desenvolvidas. Não obstante, uma contração impressionante. No Brasil, tal cifra é de 124%. 8

Gráfico 3: Ativos bancários em relação ao PIB (%) Fonte: Banco Mundial, BIS, Bancos Centrais e Voga 9