Comerciantes de escravos em Campinas década de 1870.



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Transcrição:

Comerciantes de escravos em Campinas década de 1870. Rafael da Cunha Scheffer Doutorando em Historia Social da Cultura na Unicamp, bolsista Fapesp. Na segunda metade do século XIX, com a proibição efetiva do trafico africano de escravos e a contínua procura por mão de obra, o comércio de cativos entre as regiões brasileiras expandiu-se grandemente. No Sudeste, a cidade paulista de Campinas destacou-se como um grande mercado de escravos das mais diversas províncias. O peso deste comercio na região pode ser visto na presença de 74% de escravos de outras províncias entre os cativos negociados em Campinas na década de 1870. 1 Procurando entender como se davam essas transferências interregionais e as negociações locais de escravos, o presente artigo procura explorar a figura dos comerciantes de cativos nessa cidade. Identificados pelas constantes transações com escravos ao longo do tempo, na maioria das vezes através de procurações, buscamos estabelecer um perfil desses negociantes, sua atuação nesse mercado e em outras atividades econômicas. Em pesquisa anterior, focada em Desterro, capital da província de Santa Catarina, conseguimos observar que a maior parte dos envolvidos no comércio de escravos desenvolvia outras funções, comerciais, fabris ou mesmo políticas na sociedade local, sendo que o volume das transferências dificilmente poderia exigir exclusividade do negociante. 2 Através da análise da origem dos escravos por eles negociados podemos explorar suas ligações com outros mercados regionais e provinciais, e mesmo a possibilidade de alguns desses comerciantes não serem residentes em Campinas, executando viagens de negócios para esta cidade. Sob esse aspecto, em pelo menos um caso, o de Manoel Antonio Victorino de Menezes, temos a confirmação de residência fora da região de Campinas. O mesmo era morador de Desterro, capital catarinense e considerado o maior negociante de escravos da região. Em casos como esse a própria periodicidade do comparecimento desses comerciantes na praça de Campinas pode nos 1 Livros de registros de impostos, números 49, 51, 52, 53, 54 e 57. Fundo: Coletoria de Rendas de Campinas. Centro de Memória da Unicamp (CMU). 2 Capitulo 3 Comerciantes de escravos em Desterro. In: SCHEFFER, Rafael da Cunha. Tráfico interprovincial e comerciantes de escravos em Desterro, 1849-1888. Dissertação em História apresentado a Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2006.

fornecer pistas sobre o funcionamento deste mercado, de sua regularidade e mesmo das formas de transporte utilizadas, inferidas possivelmente pelo tempo das viagens. Para tais fins utilizo como fontes os jornais locais com seus diversos anúncios de negócios e de comercialização de escravos e o registro do imposto de meia siza sobre a transferência de cativos. Os registros cartoriais, que poderiam complementar essa análise ainda não foram fichados na presente fase da pesquisa, mas serão alvo de investigação nos próximos meses. Tratada em grande parte como outra forma de propriedade, a aquisição de escravos estava sujeita a cobrança de impostos tanto quanto outras transferências de propriedade. A siza era um imposto sobre 10% do valor do bem transferido, sendo assim, em meados do século XIX, a meia siza representava uma taxação de 5% do valor do escravo paga nas coletorias de impostos no ato da transferência de posse sobre o mesmo. Em pesquisa anterior, nos livros de cartório de Desterro na década de 1870, pude observar que naquele momento essa cobrança fazia parte do reconhecimento da mudança de propriedade, tanto que é geralmente citada nos livros de nota de cartório, sendo, aparentemente, uma etapa anterior do processo de transferência. Para essa comunicação, procurei explorar os livros da Coletoria de Rendas de Campinas da década de 1870, apontada como sendo o ápice das negociações de escravos no mercado nacional. 3 Assim, meu foco eram os livros de registros de impostos dos períodos fiscais que englobavam os anos de 1870 à 1880. 4 Do período selecionado foram encontrados somente seis livros que cobrem o período de julho de 1872 à junho de 1876, e de julho de 1877 à junho de 1879. Entretanto essa amostragem já nos permite um bom campo de analise, visto que esses livros cobrem a compra de 5.678 cativos ao longo do período, descontando as vendas de partes de escravos e trocas entre senhores. Descontei as transações parciais por entender que geralmente representavam a constituição de sociedades, posses compartilhadas ou de herdeiros, não representando necessariamente uma mudança de proprietário ou situação dos cativos. Descartei as trocas devido a dificuldade de classificar sua natureza: trocas de escravos entre senhores não representam mudança na região ou mesmo no animo dos proprietários com relação a escravidão, e a troca por outros bens como imóveis 3 GRAHAM, Richard. Nos tumbeiros mais uma vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil. Afro-Ásia, 27 (2002), p. 129. 4 Os anos fiscais iam de julho a junho, assim, meu foco seriam os livros iniciando com o ano de 1869-1870 e finalizando com 1879-1880. Entretanto, nesse período foram encontrados apenas 6 livros: Livro 49 (1872-73), Livro 51 (1873-74), Livro 52 (1874-75), Livro 53 (1875-76), Livro 54 (1877-78) e Livro 57 (1878-79). Fundo: Coletoria de Rendas de Campinas (CRC). Centro de Memória da Unicamp (CMU)

aparentemente é apenas uma redução do caminho da transformação do escravos em capital e reinvestimento deste em um imóvel. De toda forma, o número de trocas envolvendo escravos foi extremamente reduzido ao longo do período. Na década de 1870 a formula da cobrança e registro dessa taxação já havia sido modificada pela assembléia provincial, perdendo a referencia ao valor do cativo e passando a ter um valor fixo, de 30 mil réis por escravo até 1876 ou 1877 quando passa a ser cobrada uma taxa de 40 mil réis. Observamos também um aumento da padronização dos livros e dados sobre as transações, especialmente se levarmos em conta os livros da década de 1850. Em todos os livros analisados temos a coleta e apresentação organizada da data, nome de comprador e vendedor do cativo, apontando a ocorrência do uso de procurações, da arrematação em praça publica ou da herança de algum individuo e a atuação em nome de proprietários menores de idade. Sobre os cativos negociados, temos dados sobre seus nomes, origens (local de nascimento, sendo geralmente apontada a província), idade, e mais informações esparsas (que vão se tornando mais presentes ao longo da década) sobre cor, estado civil e profissão dos escravos transferidos. Apesar da gama de informações presente nessa fonte, existe uma série de limitações que devem ser levadas em conta para nossos interesses. O maior problema para a identificação dos negociantes por essa fonte é que ela não nos indica os locais de residência de compradores e vendedores, o que nos ajudaria observar a intermediação e os locais em que são buscados os cativos. A origem apontada dos escravos é somente uma solução precária para esse problema, visto que não indica o local do qual o ele foi comprado, e sim o de seu nascimento. Dessa forma, um cativo cuja origem apontada foi o Rio de Janeiro, por exemplo, pode ter vindo deste local em negociação anterior e estar sendo negociado entre dois senhores residentes em Campinas. Esse dado permite assim uma interpretação errônea das transações, confundindo vendas locais e interprovinciais de cativos. De toda forma, a informação de origem confirma a atração exercida pelos melhores preços do mercado de escravos do Sudeste, com 74% dos cativos negociados em Campinas tendo nascido em outras províncias segundo esses livros. Além disso, esses dados nos ajudam parcialmente a entender de que locais os negociantes buscavam escravos, como será visto mais adiante. Nos anos analisados, temos uma expansão dos negócios com escravos, partindo de 310 transferências no ano 1872-73 para 934 no seguinte, chegando a 1233 cativos

negociados em 1874-75, número que se estabiliza nos anos seguintes em uma média entre mil e mil e cem escravos. Para a identificação dos comerciantes relacionados com o mercado de escravos utilizei dois métodos diferentes. O primeiro, direto, é o da coleta de anúncios nos jornais locais, em que um individuo se coloca como vendedor ou comprador de cativos, e não apenas quando surgem anúncios de venda de determinado cativo ou procura de escravos para certas tarefas, caso em que se constituem vendas entre particulares, geralmente sem a intermediação de negociantes. Os jornais também são fundamentais em um segundo momento, ao apresentarem a possibilidade de encontrarmos esses negociantes já identificados anunciando outras atividades ou envolvidos em outras notícias. O segundo método utilizado consiste na análise da meia siza e observação de repetida participação nesse mercado, geralmente através de procurações para a venda de cativos de terceiros e da negociação de quatro ou mais escravos. Escolho esse número pois o universo de analise se ampliaria demasiadamente caso fossem selecionados negócios com três ou menos escravos, o que passa a incluir um numero muito maior de proprietários e intermediários de vendas especificas, fugindo de nosso objetivo de identificar comerciantes. A utilização de procurações é outro indicio importante, uma vez que grande parte dos comerciantes procurava burlar os impostos de transferência obtendo procurações que lhes dessem o poder de negociar os escravos, e somente pagando as taxas de transferência na venda para o proprietário definitivo. 5 Assim, o procedimento que utilizei consiste na identificação de pessoas envolvidas na transferência de cativos através de procurações, sendo verificada a repetição de sua atuação no mercado, o que descaracterizaria uma venda dos próprios cativos ou a intermediação de um negócio específico. Das mais de cinco mil transações de cativos realizadas, aproximadamente a metade delas se deu através de procurações, uma média mantida em todos os anos analisados. Selecionando as pessoas que intermediaram como procuradores a venda de mais de quatro escravos, que realizaram essa operação mais de uma vez e em diferentes anos, estabeleci uma lista de 23 nomes que acredito estarem ligados ao comércio de escravos em Campinas na década de 1870. Sozinhos ou através de parcerias, esses nomes intermediaram a venda de 2221 cativos. É possível que tenhamos alguns erros de registro, que dão como próprios escravos que estavam nas mãos de intermediários, 5 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Cia das Letras, 1990, p 43-44.

contudo não podemos reconhecer esses equívocos sem antes termos acessos a outras fontes, o que foge a capacidade dessa comunicação. São os seguintes os indivíduos envolvidos nessas transações ao longo da década de 1870, tendo ao lado o número de escravos negociados por cada um deles: Angelino Soveral 18 Antonio Joaquim Soares Franco 65 Antonio Jose Ladeira Lobo 93 Antonio Bueno de Araujo Leite 22 Antonio de Araujo Almeida 110 Antonio Jose de Mello 18 Candido Justiniano da Silveira 17 Eduardo da Costa Passos 98 João Mourthe 756 Joaquim de Barros Penteado & Cia 59 Jose Justino Gomes de Azevedo 143 Justino Gomes de Azevedo 24 João Carlos Hungria 81 Jose Gabriel da Silva Lima 10 Lino Placido Soares 35 Manoel Antonio Victorino de Menezes 107 Manoel Jorge Graça 90 Manoel Francisco Mendes 45 Manoel Thomaz Fragoso 47 Miguel Jose Filgueiras 62 Paulino Ayres do Amaral 37 Rodolpho Jose de Freitas Guimarães 27 Thomaz Gonçalves Gomide Sobrinho 212 Fonte: Livros de registros de impostos da Coletoria de Rendas de Campinas, livros número 49, 51, 52, 53, 54 e 57. Centro de Memória da Unicamp Devido às limitações de espaço e tempo dessa comunicação, irei me concentrar nos comerciantes de maior número de cativos, procurando analisar através de suas posições e ações um modo de operação que poderia ser comum a muitos outros negociantes menores. Manoel Antonio Victorino de Menezes, personagem em pesquisa anterior, pode nos ser bastante útil ao apresentar uma linha geral de ação nesse mercado 6. Natural da província do Rio de Janeiro, Victorino mudou-se para Desterro (atual Florianópolis) no final da década de 1860 logo anunciando nos jornais locais que comprava escravos na região para revendê-los no Sudeste. Nos registros de Campinas, seu nome aparece nos registros em cinco anos diferentes, estando ligado a transferência de 107 cativos. Observando a origem dos escravos por ele negociados conseguimos entender a maneira como ele realizava seus negócios. Confirmando o que já sabíamos sobre ele, a 6 SCHEFFER, R.. Op. Cit., Capítulo 4 Victorino de Menezes.

quase totalidade dos cativos vendidos por Victorino é natural de Santa Catarina, com raras exceções surgindo com a presença de cativos oriundos do Rio Grande do Sul (3 pessoas) e um africano, provavelmente frutos de compra na própria capital catarinense. Essa restrição de origem me leva a creditar que Victorino não comprava escravos em outras localidades a caminho de Campinas, vindo com os grupos de cativos já completados. Quanto aos escravos negociados, geralmente as vendas realizadas por Menezes se referiam a grupos de 4 a 7 escravos, em alguns casos ainda somadas mais algumas vendas individuais e em outros raros momentos a negociação de grupos maiores. Com isso, o grupo de escravos que eram trazidos para serem negociados geralmente flutuavam entre 5 a 10 cativos, que eram negociados em um espaço de três a quatro dias em Campinas. A freqüência da atuação de Manoel Antonio Victorino de Menezes trás algumas questões interessantes. A principio, suas seqüências de venda em poucos dias com grandes intervalos de tempo entre novas seqüências nos indicam viagens de venda realizadas em diversas épocas do ano. Através delas, Victorino foi ampliando sua participação no mercado de cativos de Campinas, até negociar 53 cativos num mesmo ano, em 1874-75. Contudo, a partir desse ano a referencia a seu nome começa a declinar nessa fonte, vindo mesmo a não ser citado no ano de 1878-79. Acredito entretanto que esse declínio pode não representar sua saída desse negocio, e sim uma mudança de estratégia, com a desenvolvimento de uma rede de parceiros comerciais. Um de seus parceiros comerciais mais freqüentes em fins da década de 1870 foi Manuel Jorge Graça. Em diversas das procurações para venda de escravos que Victorino realizou em Desterro vemos o nome de Manoel Jorge Graça já sendo adiantado, com poderes para negociar os cativos. 7 Essa questão, inclusive, pode ajudar a explicar o declínio do nome de Victorino nas transações registradas nos dois últimos anos analisados. Transferindo poderes a Jorge Graça o nome de Victorino desaparece desse registro, apesar de continuar envolvido, como observamos pela continuidade de sua atividade na capital catarinense. O registro das atividades de Graça nos mostra ainda que apesar dessa parceria ele não se limitava a essa fonte de escravos. Em diversos registros vemos ele negociando cativos oriundos de províncias do Nordeste ou do Rio de Janeiro. Sem uma 7 SCHEFFER, R.C.. Op. Cit., p. 136.

analisa dessas procurações, contudo, não sabemos se Jorge Graça negociava cativos de outras fontes através de acordos com comerciantes locais ou de contatos no Rio de Janeiro e São Paulo. Residente em Campinas, o nome de Graça aparece em diversos momentos nos registros, sem apresentar uma periodização padronizada, que nos diga algo sobre viagens ou períodos de venda. Negocia predominantemente pequenos grupos, de até quatro escravos, geralmente realizando vendas individuais. Além dessa atividade, o nome de Graça aparece em um processo em que ele tenta despejar o inquilino de um de seus imóveis no centro de Campinas 8, mostrando uma outra fonte de renda e investimentos desses individuo, compartilhada também por muitos de seus contemporâneos. 9 Manoel Thomaz Fragoso, responsável por 47 transferências de cativos entre 1877 e 1879 parece ter sido outro exemplo de comerciante que realizava viagens de negócio para Campinas. O padrão de suas vendas obedecia esquema semelhante ao de Victorino de Menezes, com uma seqüência de vendas em dois ou três dias seguida por uma ausência de semanas, quebrada por nova seqüência de vendas quase diárias. Negociava geralmente de um a sete escravos, somente em um momento organizado uma transação maior. A origem dos cativos negociados por ele também reforça essa idéia de viagens de venda, sendo que quase todos os escravos eram naturais da província do Rio Grande do Sul. João Carlos Hungria foi outro negociante que tinha a maior parte dos escravos negociados advindo da mesma província de origem, novamente o Rio Grande do Sul. Interessante é o fato desse paralelo não se resumir a isso, pois o período em que ele e Manoel Thomaz Fragoso surgem no mercado também foi o mesmo, com suas atuações se estendendo de 1877 a 1879. Negociou sempre grupos de 1 a 7 cativos, sendo de três escravos o grupo predominantemente negociado por ele. Contrastando com negociantes predominantemente ligados a uma fonte, o comerciante com maior numero de escravos negociado estava ligado a grupos de origens variadas. João Mourthe esteve envolvido em negociações durante todos os anos 8 Ação sumaria de despejo. 1º Oficio. Caixa 295, processo 4894. Fundo: Tribunal de Justiça de Campinas. Centro de Memória da Unicamp (CMU). 9 A aplicação de rendimentos comerciais na compra de imóveis e exploração de alugueis, vista por João Fragoso e Maria Fernanda Martins pode ser entendida como uma tendência forte em todo o país. FRAGOSO, João; MARTINS, Maria Fernanda. Grandes negociantes e elite política nas últimas décadas da escravidão 1850-1880. In: FLORENTINO, Manolo; MACHADO, Cacilda. Ensaios sobre a escravidão. (I). Belo Horizonte: UFMG, 2003, p. 144.

registrados, sendo o único a manter uma média elevada de vendas durante todo o período, passando dos 16 do primeiro ano para uma média de mais de 100 cativos negociados anualmente. Os cativos negociados por Mourthe vieram predominantemente do Nordeste brasileiro, sendo naturais de diversas províncias dessa região. O Maranhão foi a principal fonte dos escravos negociados por ele, sendo a origem de 303 cativos, seguido da Bahia com 97, e Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro com aproximadamente 55 cada um. Novamente o Rio Grande do Sul se fez presente no final da década, sendo esse o período em que se acentuou a vinda dos 36 escravos dessa região registrados por esse negociante. Essa variedade de origens leva-nos a pensar nos esquemas de distribuição e atração de cativos que estavam em ação. Podemos levantar algumas questões sobre a participação de Mourthe nessa cadeia de comercio: teria ele contato com os negociantes no Norte e Nordeste brasileiro? Ou suas compras se dariam predominantemente em um mercado intermediário, talvez o Rio de Janeiro, e de lá ele ou seu contato enviariam os cativos para o interior paulista. A falta de maiores informações sobre o município de origem dos escravos (especialmente sobre o município de ultima residência) nos impede de entender de quais regiões específicas vinham esses cativos, o que poderia ajudar a elucidar essas redes. O caso do Rio de Janeiro, por exemplo, é emblemático, pois não sabemos se esses cativos vinham da capital e regiões próximas ou mesmo do Vale do Paraíba, o que poderia indicar diferentes formas de transferência desses. Sendo residente em Campinas, João Mourthe é presença constante nos livros de registro, não sendo possível observar períodos significativos de maior ou menor atividade. E mesmo sendo o comerciante com o maior numero de escravos vendidos, seus negócios envolviam na maioria das vezes grupos de 5 cativos, onde se concentrou o maior número de transferências escravas e a mais freqüente transação realizada. Chegou contudo a realizar transferências de mais de 20 cativos, porém em raras ocasiões. Outro dos maiores negociantes de cativos da região de Campinas na década de 1870 foi Thomaz Gonçalves Gomide Sobrinho, que anunciava no inicio de 1876 a venda de excelentes escravos, entre eles carpinteiros, alfaiates e roceiros. 10 Como no caso de João Mourthe, as origens dos escravos negociados por Gomide são variadas, 10 Constitucional, 5/1/1876, n. 174. Microfilme MR 0180. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL).

ainda que concentradas no Nordeste, mas apresentam importante número de cativos do Sudeste e do Sul. A Bahia é o local de origem de 52 dos 202 escravos negociados por ele, mas o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são importantes fontes de braços, com 28 e 16 cativos, respectivamente. Em casos isolados, Gomide negociou 22, 16 e 15 cativos em uma única transação, mas suas transações foram preponderantemente de 1 a 3 escravos. A Bahia apareceu como o ponto de origem preponderante no caso de dois outros negociantes. A quase totalidade dos cativos negociados por Antonio Jose Ladeira Lobo e Jose Justino Gomes de Azevedo tinham como local de origem essa província. Nos dois casos a maior parte das negociações envolveu de um a cinco escravos. Apesar da forte identificação com determinada fonte de escravos, não pudemos observar os mesmos padrões de viagens de vendas que aparecerem no caso de outros comerciantes. Não foram verificadas vendas em dias consecutivos, sendo que geralmente elas ocorrem espalhadas ao longo do mês, com dias ou semanas de intervalo, mas sem um padrão de organização que nos indique fortemente as estadias para a venda de cativos. Dessa forma, sem a analise de procurações e das notas de cartório, não temos como inferir se esses dois negociantes são residentes de Campinas ou realizam seguidas viagens para a região, com espaço de poucas semanas, o que nos indicaria a utilização do transporte marítimo e dos trens para o transporte dos escravos. Contudo, como as vendas realizadas são preponderantemente de pequenos grupos, fico inclinado a entender que eles seriam moradores dessa cidade paulista. O caso de Antonio de Araújo Almeida parece ser representativo de um negociante de Campinas que realiza essas transações. A origem de seus cativos esta concentrada no Nordeste, especialmente em Pernambuco, província da qual são naturais 55 dos 110 escravos cuja venda ele representa. Bahia, Ceara e Paraíba são outras províncias de origem relevantes. Contudo, o padrão de suas vendas no tempo se mostra inviável pra sustentar viagens de negocio. Suas vendas são geralmente de indivíduos isolados, espalhadas ao longo das semanas, com vários dias de intervalo entre os negócios. Assim, acredito que seriam improváveis viagens para a venda de indivíduos isolados. Mais provável é a atuação desse negociante como um intermediário local, alguém que procura escravos na região, província ou mesmo em outros centros do Sudeste, mas não necessariamente numa escala que exige atenção exclusiva. O mesmo padrão de vendas foi observado em relação a Manoel Francisco Mendes. Realizando a venda de grupos de 1 a 5 escravos, espalhados ao longo dos

meses, a maior parte dos cativos por ele negociados eram naturais da Bahia. Mas nesse caso temos a confirmação de sua residência em Campinas, onde anuncia que compra e vende escravos, realizando a intermediação de vendas por módica porcentagem, podendo ser procurado na rua do Pórtico, esquina da rua Lusitana, n. 69. 11 Por fim, o negociante Eduardo da Costa Passos, com 98 cativos negociados, parece representar um viajante. Negociando escravos naturais de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro principalmente, boa parte de suas vendas foram realizadas em grupos grandes de cativos, com vendas de 15 e 16 indivíduos. Fazendo cerca de uma venda por mês em meados de 1878, esse comerciante poderia estar realizando apenas viagens de negocio para a região, sem ser necessariamente residente em Campinas. Em alguns momentos, a leitura dos jornais nos apontou pessoas negociando escravos, mas seus nomes quase não apareceram nos registros de meia siza, sendo assim, é bastante provável que o número de comerciantes e de cativos envolvidos em operações desses indivíduos esteja subestimado na presente comunicação. Nesse momento da pesquisa, contudo, trabalhar com números menores e melhor confirmados me pareceu mais produtivo, proporcionando uma base mais sólida para a análise. Cabe ressaltar que ocorreram também anúncios que não identificavam os vendedores, dando apenas um endereço para contato. E nesse caso repetiram-se anúncios de escravos sendo vendidos em hotéis da cidade, o que reforça a idéia de que suas transferências então sendo realizadas por comerciantes em viagem. 12 Em nenhum momento encontrei citação dessas pessoas envolvidas com outros negócios, anunciando estabelecimentos comerciais ou industriais. Os próprios anúncios ligados a atividade de compra e venda de escravos apareceram em poucos momentos nos periódicos locais, apesar dos anúncios de proprietários interessados em negociações individuais serem constantes. O estudo de outras fontes, como inventários e outros processos envolvendo esses negociantes se faz necessário para que tenhamos uma noção do real alcance dessa atividade em suas opções econômicas, geralmente marcadas por uma diversidade de aplicações em imóveis, lavoura ou mesmo em finanças. 13 O que nos fica claro com essa analise foi o peso que esses negociantes tinham nas transações de escravos na região, sendo responsáveis por grande parte dessas. Além 11 Gazeta de Campinas, 19/11/1876, n. 614. Microfilme MR 181. AEL. 12 Como ocorre em agosto de 1875, por exemplo, quando foi anunciado que no Hotel União do Largo de Santa Cruz, existem bons escravos a venda. Gazeta de Campinas, 1/8/1875, n. 578. MR 317. AEL. 13 Como observado em comerciantes de escravos de Desterro e em negociantes da corte. SCHEFFER, R.C., Op. Cit., Capitulo 3, e FRAGOSO, J. Op. Cit..

disso, conseguimos vislumbrar algumas diferenças na forma como esses indivíduos exerciam esse negócio, com negociantes locais convivendo (ou até mesmo se aliando) com comerciantes de outras regiões do país que faziam viagens de negócio para a região, vendendo lotes de escravos em poucos dias de permanência nessa cidade paulista. As redes de comércio que alimentavam a expansão da propriedade escrava em Campinas também apresentavam grande diversidade, englobando áreas do Nordeste, Norte e Sul brasileiro, através de contatos diretos e indiretos, com a viagem dos comerciantes ou a compra em outras cidades no Sudeste (com destaque para o Rio de Janeiro). Outra questão que chama a atenção é que, mesmo com a venda de grandes grupos de escravos, a maior parte dos negócios, mesmo dos interprovinciais, pareceu ter se dado através da transferência de grupos de um a cinco escravos.