REFORMA PSIQUIATRICA: UM PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO



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Transcrição:

REFORMA PSIQUIATRICA: UM PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO MARTINES, Ricardo Luiz de Paula Discente do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde FASU/ACEG GARÇA/SP BRASIL e-mail: martines15@itelefonica.com.br SILVA, Alrenilda Aparecida da Discente do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde FASU/ACEG GARÇA/SP BRASIL e-mail: alrenildapsicologia@hotmail.com RESUMO Esse presente artigo tem como objetivo fazer uma breve revisão da história da Reforma Psiquiátrica no Brasil, enfocando que essa reforma foi uma mudança democratizante em seus processos e resultados. A partir dessas mudanças novos desafios foram traçados como a institucionalização e a re-institucionalização nesse novo processo. Palavras-Chave: Reforma psiquiátrica, mudança institucional; democratização. ABSTRACT This article has as objective to do an abbreviation revision of the history of the Psychiatric Reform in Brazil, focusing that that reform was a change democratizante in their processes and results. Starting from those changes new challenges they were drawn as the institucionalização and the reverse-institucionalização in that new process. Key-Words: He/she reforms psychiatric, institutional change; democracy. 1. INTRODUÇÃO A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens; incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado de serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes,

valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais, que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (GERSCHAMAM, 1995). A Reforma Psiquiátrica tem evocado, do ponto de vista teórico, a discussão acerca da desinstituicionalização. No entanto, o desafio que se coloca, atualmente, é o da institucionalização ou re-institucionalização, que é, intrinsecamente, problemática. O termo desinstitucionalização, em cena desde a década de cinqüenta do século XX, tem diversas conotações. Pode remeterse à perspectiva da abolição de todas as instituições de controle social, em fórmulas radicais professadas em formatos radicais da antipsiquiatria, como pode significar, ainda, processos de racionalização de recursos financeiros e administrativos conduzidos por gestores públicos; ou seja, a desinstitucionalização significou a desconstrução de modelos e valores; a construção da psiquiatria democrática e a transformação das relações de poder nas esferas privadas e públicas, efetivada por iniciativa de psiquiatras (GOULART, 1993). A desinstitucionalização coloca em evidência, a nosso ver, a articulação entre as práticas institucionais e as não-institucionais, ou as ações coletivas que devem ser esclarecidas, mas sem perder à vista de que e a quem se pode atribuir o empreendimento de autoconstrução ou reinvenção societária. Entendemos que os processos de mudança mobilizam esforços de participação, por longos períodos de tempo, não sendo, simplesmente, tributário ou resultante de tensões ou contradições estruturais e conjunturais, genericamente, entendidas como forças instituintes (VASCONCELOS, 2000). 2. DESENVOLVIMENTO As instituições psiquiátricas e o sistema normativo e assistencial da área de saúde mental sofreram reformas, que podem ser chamadas de humanizadoras, desde o fim da II Guerra Mundial, em diversos países, especialmente na Europa e na América do Norte (MOREIRA, 1983).

Em sua generalidade, a reforma institucional, à qual nos referimos, se expressa, igualmente, em mudanças discursivas. A opção por referir-se aos doentes mentais, como pessoas com problemas mentais ou como portadores de transtornos mentais segundo consta na Legislação em saúde mental brasileira sancionada em 2000, já expressa uma atitude crítica diante a terminologia médico-psiquiátrica. Sinaliza um esforço de distinção entre o sujeito e seu mal-estar e a sua patologização. Assim, se procura por uma espécie de preservação do sujeito, diante do preconceito inerente ao enlouquecimento e sua institucionalização, na forma de tradução em uma ocorrência médica ou psiquiátrica. Sabemos que, com o nascimento das instituições psiquiátricas, onde, antes, havia loucos e alienados, surgem numa tipologia complexa, psicopatas, psicóticos, esquizofrênicos, paranóicos, neuróticos, histéricos, entre outros. São figuras de linguagem que brotam do discurso psiquiátrico, do empenho científico de classificação, e compreensão e que se convertem não apenas em instrumentos técnicos, mas produzem efeitos culturais e políticos (GOULART, 1993). O preceito de desinstitucionalização, portanto, não deve ser confundido apenas com ato de fechamento do hospital psiquiátrico; ou seja, desinstitucionalização não significa (ou, pelo menos, não deve significar), simplesmente, desospitalização. A negação da instituição não é a negação da doença mental, nem a negação da psiquiatria, tampouco o simples fechamento do hospital psiquiátrico, mas uma coisa muito mais complexa, que diz respeito fundamentalmente à negação do mandato que as instituições da sociedade delegam à psiquiatria para isolar, exorcizar, negar e anular os sujeitos à margem da normalidade sócia (AMARANTE, 1995, p. 44). Ao partir dessa concepção, a reforma psiquiátrica traz para a sociedade a necessidade de refletir sobre o que, historicamente, produziu e entendeu

como atenção em saúde mental, e sobre suas próprias concepções acerca da chamada loucura e doença mental. E, ainda, evidencia a responsabilidade dessa mesma sociedade criar meios efetivos de atenção, não mais pautados na segregação; bem como, a necessidade de se propiciar outras formas de sociabilidade àqueles que demandam atenção específica nessa área (MOREIRA, 1983). O processo de reforma psiquiátrica inicia-se como um movimento contestador da perspectiva medicalizante da doença mental, envolvendo propostas alternativas em relação aos manicômios. O chamado movimento antipsiquiátrico percorreu vários países, com o intuito de dissolver a barreira entre assistentes e assistidos; abolir a reclusão e repressão imposta ao paciente, e promover a liberdade com responsabilidade dos pacientes. Tais propósitos incluíam, ainda, a prática de discussão em grupo, envolvendo uma postura, essencialmente, interdisciplinar (GERSCHAMAN, 1995). Basaglia (1985), em sua crítica aos pressupostos que sustentavam a instituição manicomial, demonstrou que o problema da doença mental está inserido no interior de uma temática política. A ênfase prática de sua proposta envolvia, basicamente, a diminuição de leitos nos hospitais psiquiátricos e o desenvolvimento de uma rede de serviços psiquiátricos na comunidade, composta por equipes interdisciplinares, capazes de responder às demandas dos pacientes e de seus familiares. Tal perspectiva foi desenvolvida em oposição ao reducionismo positivista, que percebia o fenômeno da doença mental como um fenômeno que se manifesta, meramente, no nível biológico, em prejuízo das noções de ser, de existência e de integridade dos seres humanos. No Brasil, a criação do Sistema Único de Saúde, em sintonia com a constituição de 1988, preconiza a universalização do acesso aos serviços de saúde, a integralidade da atenção, a eqüidade e a hierarquização dos serviços, em um contexto descentralizado e municipalizado. Com mecanismos de descentralização e co-gestão em sua organização, o SUS contemplou, em suas diretrizes, os princípios da reforma psiquiátrica, incluindo o processo de

desospitalização e a garantia dos direitos de cidadania dos doentes mentais (GERSCHAMAN, 1995). Vasconcelos (2000) afirma que, assim como o SUS, a Reforma Psiquiátrica, no Brasil, consistiu em um processo que incluiu movimentos sociais e políticos, que desconstruíram tanto os conceitos de saúde em geral, como os de práticas em Psiquiatria, em particular. O Projeto de Lei Paulo Delgado propõe, nesse sentido, a extinção progressiva do modelo psiquiátrico clássico, inclusive de hospitais especializados, com sua substituição por outras modalidades assistenciais. Com o fenômeno da desospitalização, surgem novos serviços, denominados de Centro de Apoio Psico Social e Hospitais-Dia. Tais serviços são caracterizados como estruturas intermediárias entre a internação integral e a vida comunitária; são impulsionados pelos projetos de Reforma Psiquiátrica, que vêm sendo implementados em grande parte dos Estados brasileiros (GOULART, 1993). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através de uma análise sucinta da matéria trazida no presente artigo, podemos concluir que as instituições para tratamento de pessoas com problemas mentais são extremamente necessárias, principalmente, para atender aqueles pacientes com patologias crônicas (oligrofênicos), sem condições mínimas de ressocialização. Mas, necessário se faz que se adote uma política progressiva, não de desinstitucionalização propriamente dita, com o término das instituições psiquiátricas; mas, sim, de desospitalização daqueles pacientes que, após um período de internação, apresentam condições de seguir o caminho de um tratamento ambulatorial, junto com seus familiares, como já esta ocorrendo timidamente, em nosso país, através dos serviços denominados Centro de Atendimento Psico Social e Hospital Dia. Entendemos, porém, que a desospitalização do paciente, quando sua patologia permite, é saudável e necessária para o sua melhor qualidade de

vida; mas, deverá ir além da figura do paciente, concomitantemente, com um trabalho junto às pessoas que irão recebê-lo; normalmente seus familiares, para que essa acolhida aconteça em harmonia e de forma humana, sob pena de tornar-se completamente ineficaz. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. BASAGLIA, F. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 1985. GERSCHAMAN, S. A democracia inconclusa: um estudo da reforma Sanitária Brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. GOULART, M. S. B. Equipe de Saúde Mental: a torre de babel da saúde pública. Cadernos de Psicologia. Belo Horizonte. v.1, n.2, dez., 1993. MOREIRA, D. Psiquiatria: controle e repressão social. Petrópolis/Belo Horizonte: Vozes/Fundação João Pinheiro, 1983. VASCONCELOS, E. M. Saúde mental e serviço social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2000.