ALFABETIZAÇÃO DE ESTUDANTES SURDOS: UMA ANÁLISE DE ATIVIDADES DO ENSINO REGULAR INTRODUÇÃO Raquel de Oliveira Nascimento Susana Gakyia Caliatto Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS). E-mail: raquel.libras@hotmail.com Esta pesquisa pretende contribuir com a investigação científica na área da Educação Especial e na educação inclusiva, especificamente junto ao público de estudantes surdos, a partir da verificação das atividades pedagógicas que são oferecidas para alfabetização destes sujeitos. Existe uma carência de estudos e pesquisas nessa área, já que muitos são os trabalhos no campo da alfabetização de crianças ouvintes, mas poucas são as produções sobre alfabetização de crianças surdas (FERNANDES, 2006). É instigante saber que muitos surdos estão ou já passaram pela escolarização e não tiveram um ensino adequado (QUADROS, 1997). Pesquisas têm demonstrado que os procedimentos de ensino para alfabetização de surdos não são eficazes porque não considerarem as diferentes características deste público (QUADROS, 1997; CAPOVILA; CAPOVILA, 2002; FERNANDES, 2006). Contudo, verifica-se a busca de avanços no sentido de uma maior compreensão dos diversos aspectos dos problemas de alfabetização de surdos como uma implicação da escola inclusiva (PEREIRA, 2009). É preciso resgatar o que há de útil e produtivo nas atividades propostas no ensino da escrita de Língua Portuguesa, ou seja, na alfabetização de estudantes surdos, para que as práticas pedagógicas realmente auxiliem o aprendizado destes. Nesse contexto a presente pesquisa objetivou analisar atividades de alfabetização de estudantes surdos da rede regular de ensino em sala comum. Esse trabalho é parte de um projeto de pesquisa que está em desenvolvimento pela primeira autora em programa de mestrado em educação.
METODOLOGIA O trabalho proposto é de cunho qualitativo e de análise documental que constitui uma técnica importante para desvelar aspectos novos de um tema ou problema (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). A pesquisa utilizou a coleta e análise de atividades de escrita oferecidas para alfabetização de surdos que frequentam os anos iniciais do Ensino Fundamental regular de escolas públicas do sul de Minas Gerais. O material coletado para análise foram atividades pedagógicas impressas de 2º ano frequentado por aluno com surdez. As atividades foram solicitadas às professoras que atendiam alunos surdos, sendo que a pesquisadora requisitou as atividades utilizadas para a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita ou alfabetização e não houve nenhuma instrução diretiva, ficando a professora livre para ceder atividades. Outros materiais escritos também foram solicitados às escolas, como os livros didáticos utilizados por alunos surdos, que continham atividades escritas. Procedimento de análise dos dados Foram criadas categorias de análise que buscaram verificar nas atividades a existência de elementos que atendam as características de aprendizagem de alunos surdos. A fundamentação teórica para a criação das categorias tem base nos estudos de Capovilla e Capovilla (2002) Capovilla e Raphael (2005) e Fernandes (2004; 2006) que apontam que o estudante surdo estabelece interações sociais por meio de uma língua não-alfabética, ou seja, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), mas apropria-se de língua alfabética escrita, ou seja, a Língua Portuguesa (L2) para interação significativa com o meio social. Conforme as categorias, para apropriação da escrita alfabética, segundo a literatura, o aluno surdo necessita de atividades que contemplem: a apresentação de figuras do sinal em LIBRAS no texto escrito, ilustração comparando a palavra escrita em português com a expressão falada em LIBRAS; comparação de escritas de palavras, principalmente quando há letras visualmente semelhantes; uso de unidades de significado mais amplas que só uma palavra isolada; exibição de imagens e ilustrações; contextualização visual do texto por meio de imagens ou links que estimulam a
elaboração de hipóteses sobre as possíveis mensagens propiciando a relação com experiências vividas; leituras significativas ou funcionais ou que se prestam ao uso real; apresentação de recursos para a ativação de estratégias de leitura ou de reconhecimento de unidades de sentido da língua nos aspectos discursivos, sintáticos, semânticos e lexicais; evidenciação de aspectos paratextuais ou de elementos da composição que situam o gênero e suporte do texto; recursos para relacionar a palavra, a escrita ou texto a um conceito; textos que articulam linguagem verbal e não-verbal na constituição de sentidos; dispositivos que levem a percepção das diferenças estruturais funcionais entre a LIBRAS e Língua Portuguesa e a antecipação do léxico por meio de vocabulário para consultar ou possibilidade de uso do dicionário. RESULTADOS E DISCUSSÕES Figura 1. Atividade de nomeação de figuras: ligar a imagem do animal ao sinal correspondente em LIBRAS e a escrita. Análise: a atividade atende parcialmente às características de aprendizagem de crianças com surdez. Aparentemente a atividade pretende verificar se o aluno é capaz de reconhecer os sinais de LIBRAS correspondentes ao vocábulo e ilustrações de animais.
Não dá pistas para sua aprendizagem, caso a criança desconheça o sinal ou a escrita. Além disso, as palavras não estão inseridas dentro de um contexto. Verifica-se na literatura que as atividades que apresentam palavras isoladas não oferecem condições de realização de leituras significativas ou funcionais que se prestem ao uso real. Nesse sentido a atividade dificulta a aprendizagem da escrita pelos alunos surdos por não fornecer recursos para relacionar a palavra escrita a conceitos e à constituição de sentidos. Figura 2. Atividade de escrita de frases a partir de substantivos propostos: o batom, a cadeira, a cama e o relógio. Análise: a atividade não atende às características de aprendizagem das crianças com surdez. Nela não há recursos visuais de LIBRAS que garantem meios de comunicação sobre a própria atividade e nem contribui para ampliação de conceitos e significados. A pouca contextualização dessa tarefa, que não parte de um texto, impossibilita o uso de
significados e estruturas linguísticas mais amplas. Isso pode ser notado na construção das frases da criança. Além disso, a atividade não estimula a elaboração de hipóteses sobre a escrita correta de mensagens e nem a percepção das diferenças estruturais e funcionais entre a LIBRAS e Língua Portuguesa falada ou escrita. O fracasso em escrita por alunos surdos não tem sido explicado por estratégias destinadas ao aprendizado da língua, mas são geralmente justificadas como inerentes à condição da deficiência auditiva (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2002; PEREIRA, 2009). A utilização da LIBRAS é necessária para o desenvolvimento de atividades e de conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até a superior (QUADROS, 1997). CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo verificou-se, por amostras de atividades, que não se tem apresentado bons recursos para aprendizagem da escrita por alunos surdos. Essa constatação se dá por argumentos levantados na literatura da área. De acordo com Capovilla e Capovilla (2002) é a partir do uso de materiais didáticos em Língua Portuguesa, aliados ao recurso da LIBRAS, que o alunado surdo será capaz de adquirir o conhecimento de mundo e o desenvolvimento de um amplo léxico semântico. Quadros e Schmiedt (2006) descrevem que, já que o surdo aprende o mundo de maneira visual, é na exploração de recursos que passam pelo sentido da visão que consolida o aprendizado em todos os estágios da vida escolar do surdo. Pereira (2009) completa que, por meio de metodologias de ensino tradicionais, não é oportunizado aos surdos o acesso a práticas linguísticas significativas, ou seja, estratégias de natureza cognitiva, textual e sociointeracional. Tendo em vista as considerações apresentadas, acredita-se que são necessários estudos na área de alfabetização de surdos para aquisição da Língua Portuguesa escrita, para a elaboração de métodos e atividades que atendam às necessidades didáticas e pedagógicas de alunos surdos, já divulgados em base teórica. Entretanto, esses estudos não devem ser perspectiva exclusiva da pesquisa científica, uma vez que o poder público é o responsável por garantir a acessibilidade para todos os alunos com necessidades especiais que estão presentes em salas regulares de ensino. É
imprescindível a elaboração de propostas e a execução de projetos considerando as especificidades das pessoas surdas ao conhecimento escolar. REFERÊNCIAS CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. Educação da criança surda: o bilinguismo e o desafio da descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jul.-Dez. v.8, n.2, p.127-156, 2002. CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileiras: o mundo do surdo. Volume 4. Sa o Paulo, SP, Brasil: Edusp: Imprensa Oficial, 2005. FERNANDES, S. Educação bilíngue para surdos: trilhando caminhos para a prática pedagógica. Curitiba, 2004. FERNANDES, S. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www8.pr.gov.br/portals/portal/institucional /dee/praticas_letramentos.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2014. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU, 1986. PEREIRA, M. C. C. Leitura, Escrita e Surdez. Secretaria da Educação: Governo do Estado de São Paulo. 2ª ed. 2009. QUADROS, R. M.. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas. 1997. QUADROS, R. M.; SCHMIEDT, M. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.