Universidade de São Paulo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia



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Transcrição:

Universidade de São Paulo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia Escola Politécnica Faculdade de Economia e Administração Instituto de Eletrotécnica e Energia Instituto de Física A COGERAÇÃO DE ENERGIA NO SEGMENTO DE PAPEL E CELULOSE: CONTRIBUIÇÃO À MATRIZ ENERGÉTICA DO BRASIL Sílvia Maria Stortini González Velázquez Dissertação apresentada no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Energia. São Paulo 2000 Universidade de São Paulo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia

Escola Politécnica Faculdade de Economia e Administração Instituto de Eletrotécnica e Energia Instituto de Física A COGERAÇÃO DE ENERGIA NO SEGMENTO DE PAPEL E CELULOSE: CONTRIBUIÇÃO À MATRIZ ENERGÉTICA DO BRASIL Sílvia Maria Stortini González Velázquez ORIENTADORA: Prof a Dr a Suani Teixeira Coelho Dissertação apresentada no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Energia. São Paulo 2000

À minha mãe, meu espelho, a quem devo tudo o que sou.

Agradecimentos À amiga Prof a Dr a Suani Teixeira Coelho, exemplo de caráter, responsabilidade e competência, por tudo que sempre fez por mim, inclusive ter me iniciado na carreira profissional. Ao Prof. Dr. Murilo Tadeu Werneck Fagá, pela orientação acadêmica nos primeiros momentos deste estudo. À Klabin Fabricadora de Papel e Celulose - Unidade de Negócio Paraná, pela autorização para o estudo aqui incluído e, em particular, ao competente Sr. Marcelo Gasparin pelo apoio e prontidão em atender as solicitações, imprescindíveis à realização deste trabalho. À amiga Prof a Dr a Lucia Bógus, pela leitura criteriosa dos originais e incentivo contínuo. Por último, mas não menos importante, ao meu marido Ramón, pela paciência, coragem, companheirismo, ânimo e amor.

ÍNDICE Lista de Tabelas Lista de Figuras Resumo ABSTRACT INTRODUÇÃO... 1 1. A Situação do Setor Elétrico... 6 1.1. Introdução... 6 1.2. A Cogeração no Brasil... 12 2. PROCESSO DE FABRICAÇÃO DE PAPEL E CELULOSE... 21 2.1. Processo de Fabricação da Pasta Celulósica... 21 2.1.1. Recuperação dos Produtos Químicos... 22 2.2. Processo de Fabricação de Papel... 26 3. O SEGMENTO DE PAPEL E CELULOSE... 28 3.1. Situação Atual do Segmento... 28 3.2. Levantamento de Dados de um Grupo de Empresas Selecionadas... 39 4. ANÁLISE TÉCNICA DO PROCESSO DE COGERAÇÃO... 42 4.1. Definição de Cogeração... 42 4.2. Tecnologias de Cogeração para o Segmento de Papel e Celulose... 44 4.2.1. Tecnologias em Uso no Segmento de Papel e Celulose... 46 4.2.2. Tecnologias Comercialmente Disponíveis... 48 4.2.2.1. Ciclo CEST - Condensing Extration Turbine... 48 4.2.2.2. Caldeira de Leito Fluidizado... 50 4.2.2.3. Turbinas a Gás... 52 4.2.2.4. Ciclo Combinado com Turbina a Gás... 55 4.2.3. Tecnologias em Desenvolvimento... 57 4.2.3.1. Turbinas a Gás com Injeção de Vapor... 57 Gaseificação de 4.2.3.2. Biomassa... 59 4.3. Avaliação Técnica do Grupo de Empresas Selecionadas... 62 4.3.1. Introdução - Potencial Termodinâmico de cada Tecnologia... 62 4.3.2. Avaliação do Potencial de Cogeração do Grupo de Empresas Selecionadas... 64 5. ANÁLISE DE VIABILIDADE ECONÔMICA DOS PROCESSOS DE COGERAÇÃO... 68 5.1. Análise Econômica da Cogeração para o Grupo de Empresas Selecionadas... 69 5.1.1. Custos de Instalação... 70 5.1.2. Custos de Combustível e O&M... 70 5.1.3. Custos de Geração... 70

6. ASPECTOS AMBIENTAIS NA COGERAÇÃO PARA O SEGMENTO DE PAPEL E CELULOSE... 74 6.1. A Definição de Impacto Ambiental... 74 6.2. A Definição de Externalidade... 75 6.3. Impactos Ambientais Causados pela Produção de Eletricidade... 77 6.3.1. Usinas Hidrelétricas... 78 6.3.2. Usinas Termelétricas... 79 6.3.3. Usinas Nucleares... 83 6.4. Impactos Ambientais da Cogeração no Segmento de Papel e Celulose... 84 6.4.1. Biomassa (Resíduos e Lixívia)... 86 6.4.2. Gás Natural... 89 6.4.3. Vantagens na Substituição de Combustíveis Fósseis por Biomassa/Gás Natural... 91 6.4.3.1. Cálculo das Emissões Atuais de Poluentes para o Grupo de Indústrias Selecionadas... 91 6.5. Emissões de Carbono... 94 6.6. Avaliação Ambiental do Grupo de Empresas Selecionadas 98 6.6.1. Avaliação das Emissões de Carbono para o Grupo de Empresas Selecionadas - Oportunidades do Protocolo de Quioto... 99 7. ESTUDO DE CASO: KLABIN - FABRICADORA DE PAPEL E CELULOSE S.A. - UNIDADE DE NEGÓCIO PARANÁ... 103 7.1. HISTÓRICO DO GRUPO KLABIN... 103 7.2. KLABIN Fabricadora de Papel e Celulose S.A. - Unidade de Negócio Paraná... 104 7.3. Necessidades de Vapor e Energia Elétrica do Processo de Fabricação de Celulose e Papel... 105 7.4. Descrição da Área de Vapor e Energia - AVEN... 108 7.4.1. Desmineralização.... 108 7.4.2. Geração de Vapor... 109 7.4.3. Energia Elétrica... 109 7.4.4. A Unidade de Cogeração... 110 7.5. Introdução de Tecnologias mais Eficientes no Processo de Cogeração... 112 7.5.1. Câmara de Combustão... 114 8. OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO DE COGERAÇÃO DA KLABIN. 116 8.1. Introdução... 116 8.2. 1 a Configuração: Instalação de Uma Central Térmica a partir da Biomassa Disponível na Própria Indústria... 117 8.2.1. Fluxograma da Instalação... 117 8.2.2. Dados Técnicos Gerais... 118 8.2.3. Análise Termodinâmica... 118 8.3. 2 a Configuração: Utilização de um Ciclo Combinado com Turbina a Gás, Queimando Gás Natural... 120 8.3.1. Fluxograma da Instalação... 120

8.3.2. Dados Técnicos Gerais... 121 8.3.3. Análise Termodinâmica... 121 8.4. 3 a Configuração: Implantação de um Ciclo Combinado com Turbina a Gás... 122 8.4.1. Fluxograma da Instalação... 122 8.4.2. Dados Técnicos Gerais... 123 8.4.3. Análise Termodinâmica... 123 8.5. Análise de Viabilidade Econômica das Configurações Propostas para a KLABIN... 124 9. INSERÇÃO NA MATRIZ ENERGÉTICA... 127 9.1. Experiências Internacionais... 128 9.2. A Legislação Brasileira Relativa à Auto-Produção de Energia Elétrica... 130 9.3. Fatores Condicionantes ao Desenvolvimento da Cogeração. 132 9.3.1. Riscos... 132 9.3.2. Os Interesses Diferenciados... 133 10. CONCLUSÕES... 137 ANEXOS... 141 BIBLIOGRAFIA... 182

LISTA DE TABELAS Tabela 3.1. Consumo de Eletricidade no Segmento de Papel e Celulose, por Categoria (MWh)... 31 Tabela 3.2. Evolução no Consumo Total de Energia do Segmento de Papel e Celulose... 32 Tabela 3.3. Consumo de Combustíveis para Fins Térmicos, no Segmento de Papel e Celulose, por Categoria (teoc)... 37 Tabela 3.4. Consumo de Combustíveis, para fins Térmicos, no Segmento de Papel e Celulose (teoc)... 38 Tabela 3.5. Perfil Energético do Grupo de Empresas Selecionadas Comparado com o Segmento de Papel e Celulose... 40 Tabela 4.1. Potencial de Cogeração para o Grupo de Empresas Selecionadas (231.265 t/mês de celulose e 181.435 t/mês de papel... 66 Tabela 5.1. Custos de Geração de Eletricidade nas Indústrias Integradas de Papel e Celulose em Ciclo Combinado com Gás Natural... 72 Tabela 6.1. Valores das Emissões Específicas para Combustíveis Utilizados... 92 Tabela 6.2. Emissões de Poluentes para o Grupo de Indústrias Selecionadas, a partir dos Combustíveis Utilizados... 93 Tabela 6.3. Consumo de Fósseis e Emissões de Carbono no Segmento de Papel e Celulose (1995)... 99 Tabela 6.4. Emissões de Carbono Evitadas e Abatimento nas Emissões com as Novas Configurações... 101 Tabela 6.5. Créditos de Carbono Correspondentes ao Abatimento das Emissões (Configuração - TG/C.C.)... 101 Tabela 7.1. Consumo de Vapor e Energia Elétrica em cada Etapa do Processo de Fabricação de Celulose e Papel... 108 Tabela 8.1. Custos de Geração de Eletricidade (US$/MWh) na Klabin - 1 a Configuração... 125 Tabela 8.2 Custos de Geração de Eletricidade (US$/MWh) na Klabin - 2 a Configuração... 125

LISTA DE FIGURAS Figura 2.1. Processo de Fabricação da Pasta Celulósica... 25 Figura 2.2. Processo de Fabricação de Papel... 27 Figura 3.1. Porcentagem do Consumo Total de Energia por Categoria... 32 Figura 3.2. Porcentagem do Consumo Total de Energia do Segmento... 33 Figura 3.3. Matriz Energética do Segmento em 1996... 36 Figura 4.1. Sistema de Cogeração Tipo Topping... 44 Figura 4.2. Sistema de Cogeração Tipo Bottoming... 45 Figura 4.3. Turbina a Vapor de Contra-Pressão... 47 Figura 4.4. CEST - Condensing Extraction Steam Turbine Cycle... 49 Figura 4.5. Leito Fluidizado - Princípios... 52 Figura 4.6. Turbina a Gás... 53 Figura 4.7. Ciclo Simples de Turbina a Gás com Regenerador... 55 Figura 4.8. Ciclo Combinado com Turbina a Gás... 56 Figura 4.9. Ciclo de Turbina a Gás com Injeção de Vapor... 58 Figura 4.10. Ciclo Combinado com Injeção de Vapor/Gaseificação de Biomassa... 60 Figura 7.1. Distribuição de Vapor e Energia Térmica: KLABIN - Divisão Paraná... 106 Figura 7.2. Distribuição de Energia Elétrica: KLABIN - Divisão Paraná... 107 Figura 8.1. Fluxograma da Instalação - 1 a Configuração... 117 Figura 8.2. Fluxograma da Instalação - 2 a Configuração... 120 Figura 8.3. Fluxograma da Instalação - 3 a Configuração... 122

RESUMO O segmento de papel e celulose, juntamente com o de açúcar e álcool, está entre os maiores consumidores de biomassa e de energia do setor industrial, apresentando perfis energéticos adequados aos processos mais eficientes de cogeração. As indústrias de celulose, bem como as integradas (papel e celulose), geram grande parte da energia consumida a partir da lixívia produzida no próprio processo e de biomassa em geral. No entanto, as indústrias de papel apresentam reduzida capacidade de auto-geração. Neste contexto, o presente trabalho analisa um grupo de indústrias, correspondendo a aproximadamente 45% da produção do segmento, avaliando a situação atual dos sistemas de cogeração e o potencial de geração de eletricidade com a introdução de tecnologias mais eficientes e com menor impacto ambiental. Foram considerados combustíveis com menores emissões de poluentes, como a biomassa e/ou gás natural. Entretanto, apesar das vantagens ambientais, há dificuldades econômicas, pois o custo da energia gerada não é competitivo com as tarifas oferecidas pelas concessionárias. Por outro lado, há as perspectivas do Protocolo de Quioto, que aponta para os Clean Development Mechanisms, que poderão ser efetivados com os países desenvolvidos que necessitam reduzir suas emissões de carbono. Desta forma, a auto-suficiência energética desse segmento industrial - e mesmo a geração de excedentes para venda - pode ser uma oportunidade importante para investimento de capital estrangeiro, em vista do balanço de carbono quase nulo referente à geração de energia (a partir de biomassa, de forma sustentável). Através dos resultados obtidos nas análises nesta pesquisa apresentadas, sendo considerados alguns intervalos de valores previstos para as taxas de carbono, foram avaliadas as possibilidades de investimentos externos para diferentes cenários. Os resultados obtidos são, então, discutidos, visando a viabilidade econômica do empreendimento. O estudo de caso realizado na indústria Klabin Fabricadora de Papel e Celulose - Unidade de Negócio Paraná, possibilitou avaliar diferentes opções de geração de eletricidade, para atingir a autosuficiência. Os fatores apresentados, associados à crise atual do setor elétrico brasileiro, à falta de garantia na oferta de energia e aos riscos de interrupção no fornecimento, representam a justificativa deste trabalho.

ABSTRACT The pulp and paper segment as well as sugar and alcohol, is among the largest biomass and energy consumers in the industrial sector, presenting energy profiles that fit to the most efficient co-generation processes. The pulp industries, as well as the integrated ones (pulp and paper), generate great part of the energy consumed starting from the black-liquor produced in the process and the biomass in general. However, the paper industries present reduced solemnity-generation capacity. In this context, the present study analyzes a group of companies, corresponding to approximately 45% of the total production of the segment, evaluating the current situation of the co-generation systems and the potential of electricity generation with the introduction of more efficient technologies and less environmental impact. Fuels with less pollution emissions were considered, like biomass and/or natural gas. However, in spite of the environmental advantages, there are economic restrictions, since the cost of the generated energy is not competitive with the tariffs offered by the concessionaires. On the other hand, there are the perspectives of the Protocol of Quioto, which points out for the Clean Development Mechanisms, that can be reinforced by the developed countries that need to reduce carbon emissions. This way, the energy self-sufficiency of this industrial segment - and even the surplus generation for sale - can be an important opportunity for foreign capital investments, in view of the almost neutral carbon balance (balanced carbon equation), regarding to the energy generation (starting from the biomass, in a sustainable way). Based on the results obtained in the analysis presented in this study, considering some intervals of values foreseen for the carbon rates, we analyzed external investment possibilities for different scenarios. The obtained results are then, discussed, seeking for the feasibility of the enterprise. A case study was conducted at Klabin Fabricadora de Papel e Celulose - Paraná Business Unity, which allowed the analysis of different options for reaching self-sufficiency in electricity generation. The identified issues and aspects, associated to the current crisis of the Brazilian electric sector, the lack of confidence in the energy supply, besides the supply interruption risks, represent the main reasons of this study.

1 INTRODUÇÃO O segmento de papel e celulose está incluído entre os mais eletrointensivos do setor industrial. As indústrias de celulose (que utilizam o processo Kraft de fabricação da celulose), bem como as integradas (papel e celulose) geram grande parte da energia consumida (50 a 60%), a partir da lixívia produzida no próprio processo e de biomassa em geral (resíduos de madeira). No entanto as indústrias de papel produzem apenas 10% da eletricidade necessária ao processo, sendo o restante comprado das concessionárias, principalmente, pelo fato de não terem disponibilidade de combustível produzido nas próprias empresas (COELHO e IENO, 1993). Este trabalho objetiva a análise técnica e econômica da cogeração para que o segmento de papel e celulose atinja a auto-suficiência em geração de eletricidade, colaborando na oferta de energia através de um planejamento integrado do setor elétrico. Em particular é realizado um estudo de caso da indústria Klabin, situada em Telêmaco Borba, no Paraná, para análise da situação atual do sistema de cogeração existente, avaliando, também, o potencial de geração de eletricidade com a introdução de tecnologias mais eficientes. As possibilidades de auto-suficiência do segmento são analisadas, em particular com o uso de turbinas a gás, queimando gás natural, adaptadas ao sistema de geração existente. O rendimento obtido para este processo é expressivamente maior que o atual, permitindo mesmo a geração de excedentes que poderiam ser vendidos à concessionária. A avaliação econômica dos custos de geração indica a faixa de valores para os quais esta nova tecnologia será viável economicamente. As indústrias de celulose e as integradas utilizam como combustível nas caldeiras, para a geração de vapor, subprodutos (resíduos de madeira e lixívia), além de lenha e óleo. Este vapor além de ser necessário no processo

2 de fabricação do papel e da celulose, é também usado para produção de energia elétrica, através da cogeração (FONSECA, 1992, BONOMI, 1985). Com a utilização da biomassa (subprodutos) e do gás natural surge uma possibilidade promissora para o segmento, em vista das vantagens econômicas e ambientais. Havendo excedente de eletricidade gerado, este pode ser vendido às concessionárias, ou a terceiros, contribuindo para suprir as necessidades da demanda. Em vista da crítica situação do setor elétrico (COELHO e ZYLBERSZTAJN, 1998), a introdução de novas tecnologias corresponde, portanto, a importante melhoria, permitindo maior participação do setor privado na geração de eletricidade (CURY et al., 1997, SCHELEDER, 1997) e colaborando para a solução de alguns problemas que serão postos em questão, neste trabalho. Na década de 90 o setor atravessa uma fase de reestruturação profunda, envolvendo não somente modificações na sua legislação, mas também iniciando um processo de privatização, dentro da nova política definida pelo Governo Federal. Esse processo foi introduzido, principalmente, em face da crise financeira iniciada na década de 70 e agravada ao longo do tempo, em conseqüência das tarifas mantidas em patamares reduzidos (entre outros motivos) como tentativa de combate à inflação de governos anteriores (COELHO, 1999, p. 1). Esta crise impossibilita os investimentos necessários para garantir a oferta de energia, o que aliás é apontado como um dos motivos para a privatização do setor. Por outro lado, o consumo de energia, principalmente no setor residencial, vem apresentando um crescimento significativo desde 1994, com a implantação do Plano Real de estabilização econômica, que possibilitou a ampliação dos hábitos de consumo da população. Em conseqüência deste fato, desde 1996 a própria Eletrobrás vem acenando com a possibilidade de se concretizarem as previsões de falta de energia mencionadas nos seus mais recentes Planos Decenais de Expansão (Eletrobrás 1995,1996).

3 Os riscos de déficit apresentados são cada vez mais elevados, pois o aumento do consumo de energia elétrica associado a um período de poucas chuvas, tende a piorar a situação do abastecimento de energia elétrica, devido às características essencialmente hidráulicas da capacidade instalada no país. O Plano Decenal da Eletrobrás 1997-2006 (Eletrobrás, 1996) prevê que a capacidade hidráulica instalada não terá condições de suprir as previsões de consumo. Está prevista, portanto, a curto prazo, a construção de termelétricas, mas dependendo da participação de capital privado, em virtude das dificuldades do setor. Há, ainda, a preocupação com o aumento do preço do gás natural proveniente da Bolívia, devido à recente elevação do dólar. Inclusive, em fevereiro de 2000, inúmeros incentivos foram definidos pelo MME - Ministério de Minas e Energia - para tentar viabilizar as UTE s - Usinas Termelétricas - a gás natural, incentivos estes que sempre foram recusados aos cogeradores com biomassa, como será analisado neste trabalho. Nesse cenário, a auto-suficiência de cogeradores (mesmo que não ocorra a venda de excedentes de eletricidade, como por exemplo aqueles produzidos pelas indústrias de papel e celulose), seria uma opção interessante para contribuir na oferta de energia, evitando (ou postergando) a construção de novas unidades de geração. Estudos anteriores (COELHO, 1992) mostram essa viabilidade para o segmento de álcool e açúcar. Apesar das muitas vantagens da geração descentralizada e da cogeração (SCHELEDER, 1997, WALTER, 1994, COELHO, 1992) nota-se que persistem dificuldades para sua implantação. Existe dentro do setor elétrico uma super-valorização do potencial hidrelétrico, mesmo com as restrições existentes ao aumento do parque hidrelétrico e com os impactos ambientais provocados pelas usinas hidrelétricas (detalhadamente discutidas em MOREIRA e POOLE, 1991). E, recentemente, as grandes térmicas a gás natural são objeto da mesma super-valorização.

4 Nas concessionárias, a compra de excedentes de auto-produtores, ainda é vista com reservas, mesmo após a privatização, pois se apóiam no questionamento da qualidade do serviço prestado pelo auto-produtor (ou cogerador), com exigências que muitas vezes não são cumpridas pela própria empresa (WALTER, 1994). Estudos sobre cogeração em diversos segmentos industriais (COELHO et al., 1996 e 1992, WALTER, 1994) realizaram análises técnicas e econômicas da cogeração a partir de biomassa, bem como verificaram seus aspectos ambientais e sociais. Em estudos posteriores (COELHO e ZYLBERSZTAJN, 1996) observou-se que apesar das vantagens para os setores envolvidos e dos benefícios ambientais aportados, esta opção para produção de eletricidade ainda encontra barreiras, principalmente não tecnológicas, impedindo sua implementação em larga escala. Verificou-se que, além de outros motivos, a legislação e a regulamentação ainda são inadequadas, além de existirem dificuldades de negociações entre as partes (COELHO, 1999). Deve-se considerar, também, as perspectivas do Protocolo de Quioto, estabelecendo as possibilidades de desenvolvimento dos Clean Development Mechanisms, em parceria com os países desenvolvidos que necessitam reduzir suas emissões de carbono. Desta forma, a auto-suficiência energética deste segmento industrial (ou mesmo a geração de excedentes para a venda) pode ser uma oportunidade importante para investimentos de capital estrangeiro, através deste mecanismo, em vista do balanço de carbono quase nulo referente à sua geração de energia, pelo fato de que a mesma é efetuada a partir de biomassa, e de forma sustentável. Além das vantagens da geração descentralizada, há também os aspectos positivos da geração de excedentes, entre elas a dinamização do setor de bens de capital e aumento da demanda de serviços especializados, aumento na arrecadação de impostos, aumento e/ou estabilização de empregos na zona rural (WALTER, 1994).

5 Pelo exposto, a implementação da cogeração no segmento de papel e celulose aparece como uma possibilidade de produzir benefícios para os setores envolvidos, bem como para a sociedade como um todo. Esta é a colaboração que o presente estudo pretende oferecer, visando contribuir para que o planejamento energético do país inclua, efetivamente, mais opções de oferta de energia.

6 1. A SITUAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO 1.1. Introdução Ao longo da década de 1990, o setor elétrico foi profundamente reestruturado, estando praticamente concluído o novo Modelo Institucional para o setor. Esta transformação inclui não apenas modificações na sua legislação, mas também o processo de privatização em curso, no âmbito da política definida pelo Governo Federal. Essas mudanças institucionais visam reduzir o papel do Estado e abrir espaço para a participação do capital privado. Desde os anos 70 a crise do setor elétrico foi se agravando em conseqüência das tarifas mantidas em patamares reduzidos (entre outros motivos), como tentativa política de combate à inflação de governos anteriores. Nestas condições, inviabilizaram-se os investimentos necessários para garantir a oferta de energia, de forma que, segundo a Eletrobrás, nos últimos anos, os investimentos têm sido em média de R$ 4 bilhões anuais, sendo que a necessidade é de R$ 6 bilhões (Eletrobrás, 1996). O Plano Real possibilitou a ampliação dos hábitos de consumo da população, que só no 1 º semestre de 1996 comprou 1,8 milhões de geladeiras, 4 milhões de televisores, 2,5 milhões de ferros de passar e milhares de outros produtos elétricos. Segundo HUKAI 1, esses equipamentos representaram um consumo adicional de 3.100 GWh, o equivalente à metade da energia produzida pelas hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, as duas maiores da Companhia Energética de São Paulo (CESP). De 1994 para 1995, o consumo de energia elétrica no setor residencial do Estado de São Paulo aumentou em 11,8% (BEN, 1996), de 1995 para 1996, em 8,6%, contra previsões iniciais de 2,6% (Eletrobrás, 1995, 1996). De 1996 para 1997 o aumento foi de 5,9% (BESP, 1998) e de 1997 para 1998, de 4,8% 1 HUKAI, R. IEE/USP. Comunicação Pessoal. São Paulo. 1996.

7 (BESP, 1999). O crescimento do consumo de eletricidade per capita, em 1996, foi em torno de 4% a.a. neste período (10% a.a. no setor residencial). O consumo foi de 90.000 GWh, atingindo um número de 10 milhões de consumidores, com uma potência instalada de 11.738 MW, sendo 95,6% correspondente à hidreletricidade (CESP/ELETROPAULO). A classe residencial foi responsável por cerca de 27% do consumo de eletricidade no país e para 1997 as perspectivas eram de um aumento de aproximadamente 6%, segundo a Eletrobrás. O crescimento do consumo de eletricidade entre 1992 e 1997 foi de mais de 16%. Desde 1996 há uma grande preocupação com o déficit de energia, pois o país que estava no auge do consumo de bens eletro-eletrônicos manteve o crescimento do consumo de eletricidade. As indústrias necessitam de maior quantidade de energia para atender o crescimento da demanda e o país depende do comportamento das chuvas para equilibrar o nível dos reservatórios. Durante o ano de 1996 foram veiculadas notícias sobre algumas medidas preventivas, que seriam tomadas em dois anos. Pela CESP/GCOI 2 foi anunciado o cancelamento de todos os contratos de fornecimento de energia temporária com desconto para a indústria, que são firmados quando existe energia excedente. A Eletrobrás 3, então, na época, anunciou: (a) a tentativa de retomar a operação da Usina Nuclear de Angra I (mesmo com as restrições ambientais, más condições das estradas para evacuação da cidade em caso de acidente, etc.); (b) a antecipação do horário de verão para a primeira semana de outubro e (c) a motivação dos consumidores para remanejar determinados processos de produção para horários noturnos, quando a oferta de energia é maior (criação de novos valores tarifários para o período noturno). Outras medidas foram sendo anunciadas, como: 2 ARCE, M. - Jornal O Estado de São Paulo - 1996. 3 SAMPAIO NETO, F. - Jornal O Estado de São Paulo - 1996.

8 (a) acionamento de todas as centrais termelétricas a óleo e carvão da região Sul e Sudeste, para gerar 900 MW adicionais ao sistema, evitando sobrecarga e risco de blecaute nos horários de pico; (b) a negociação do gás natural da Bolívia; (c) a ampliação de Itaipu; (d) a importação de energia da Argentina; (e) a conclusão das obras da Usina Nuclear Angra II e (f) a construção de pequenas e médias usinas pela iniciativa privada. Com todos esses problemas, além de anos seguidos de investimentos abaixo do nível ideal e consumo maior que o previsto, o Brasil estava correndo o sério risco de ter um colapso no abastecimento de energia nos próximos anos. Uma das medidas anunciadas, posta em prática nessa época, para evitar sobrecarga e risco de blecaute nos horários de pico, foi o acionamento de todas as centrais termelétricas a óleo e carvão das regiões sul e sudeste, adicionando, realmente, os 900 MW ao sistema. Esse aumento do consumo de energia e o período de poucas chuvas agravaram a situação do abastecimento de energia elétrica dos meses seguintes. Sem tempo para iniciar alguma obra, o Brasil ficou na dependência do comportamento das chuvas. Além do consumo maior do que o previsto e da estiagem, os investimentos do setor estavam abaixo do nível ideal. Embora as previsões de déficit não tenham se concretizado ao longo do tempo, em 1999, o Ministério de Minas e Energia criou uma Comissão Especial para definir Diretrizes Políticas para Implementação da Cogeração no país, comissão esta que, quando este estudo estava em fase final, trabalhava na elaboração do documento em questão. Na verdade, o governo contava com o sucesso da privatização dessa área, onde a velocidade dos investimentos estava estimada entre US$ 5 e 6

9 bilhões por ano (entre 1995 e 1997 a média ficou em R$ 4 bilhões por ano), com ampliação da capacidade explorada de 2,5 mil a 3 mil MW (entre 93 e 94 a média ficou em 1,1 MW). O Plano Decenal de Expansão 1997-2006 previa para o período 1997/2001 a necessidade de investimentos da ordem de R$ 39 bilhões, sendo 49% para a geração, aí incluídos os investimentos previstos do setor privado, cuja participação deveria ser de 50% dos investimentos necessários (CARRARO, 1997), o que até 1999 não ocorreu. A elevação da taxa de câmbio aumentando o preço do gás natural e dos equipamentos importados para as novas Usinas Termelétricas foi considerada um dos motivos. Entretanto, especialistas consideram que o governo só vai atrair novos investimentos quando regulamentar a privatização com regras claras. Além do investimento para elevar a produção, uma outra obrigação do governo é racionalizar o uso da energia (GOLDEMBERG, 1996) 4. Aliás, deve-se pensar seriamente que os investimentos previstos pelas grandes empresas estrangeiras vão exigir mais da infra-estrutura nacional, principalmente na área de energia. Hoje, os riscos de déficit estão cada vez mais elevados. Segundo CARRARO, 1997 o risco de déficit para 1997 se reduziu de 8% para 5%, devido às chuvas, mas ainda assim houve interrupções no fornecimento na região. De acordo com a Eletrobrás, o Sistema Interligado S/SE/CO, para o triênio 1998/2000, apresenta riscos anuais de déficit de energia que superam o critério de planejamento de 5%, atingindo o patamar de 15% em 1998 (Eletrobrás, 1996, p. 68), a menos que ocorra uma hidrografia favorável (como acabou acontecendo em 1996 e 1997), devido às características essencialmente hidráulicas da capacidade instalada no país. 4 Jornal - O Estado de São Paulo - 04/08/1996.

10 O próprio planejamento da Eletrobrás prevê que a capacidade hidráulica instalada e a instalar, com todos os aproveitamentos possíveis, não terá condições de suprir as previsões de consumo, havendo a necessidade de construção de termelétricas a curto prazo (Eletrobrás, 1996). A Eletrobrás reconhece também que as restrições que limitam os investimentos no setor elétrico têm postergado obras de transmissão, com sérios reflexos no comportamento do sistema: aumento de perdas, deterioração dos níveis de confiabilidade e até mesmo a situação extrema de não atendimento a determinadas cargas (Eletrobrás, 1996). Para a região S/SE/CO, a demanda máxima prevista para 1997 era de 38.667 MW, contra uma capacidade de 47.833 MW; no entanto, em junho do mesmo ano, a demanda da região atingiu o patamar de 41.700 MW, o que corresponde a um limite bastante crítico, segundo os especialistas do setor. O Estado de São Paulo, importador de aproximadamente 36% de seu consumo de energia elétrica (Furnas e Itaipu), atravessa uma situação particularmente difícil para garantir a oferta, sendo obrigado a ativar toda a sua capacidade instalada, principalmente durante o período seco: como já foi visto anteriormente, o consumo do Estado vem crescendo, e dos 98.000 GWh por ano consumidos em 1998 (BEN, 1999), apenas 4.780 GWh (4,9%) corresponde a auto-produção (BESP, 1999); valor este que reflete a reduzida quantidade de energia gerada em cogeração no Estado (COELHO, 1999). Em fevereiro de 2000 o Ministério de Minas e Energia anuncia a futura instalação de 17.000 MW no país em usinas termelétricas a gás natural, considerando a crítica situação de risco de déficit, segundo o Ministério. Entretanto, sabe-se que há dificuldade na oferta de gás natural, pois o gás natural da Bolívia não será suficiente para estas térmicas e há necessidade de construção de gasodutos. Além disso há a dificuldade no fornecimento da turbina a gás, uma vez que os fabricantes existentes no mercado interno (ABB,

11 G.E., Siemens) estão com a produção comprometida para os próximos dois anos, conforme informações recebidas. Nesse contexto, a auto-suficiência de cogeradores (mesmo que não ocorra a venda de excedentes de eletricidade, como por exemplo aqueles produzidos pelas indústrias de papel e celulose), seria uma opção interessante para contribuir na oferta de energia, principalmente no período seco e nos horários de pico, evitando (ou postergando) a construção de novas unidades de geração, como discutido adiante. A Lei 9074, do Produtor Independente, foi assinada em 1996 mas apenas em 1999 foram definidas as tarifas de pedágio 5 (wheeling), fator imprescindível para a viabilização do Produtor Independente de Energia, por permitir a comercialização da energia gerada junto a terceiros. Entretanto, há incentivos especiais somente para as PCH s - Pequenas Centrais Hidrelétricas. Além deste fato há a dificuldade relativa à falta de consenso entre as partes com relação ao preço de venda do excedente de eletricidade gerado à concessionária, sem garantia de contratos de vendas que poderiam viabilizar o investimento. São veiculadas regularmente campanhas publicitárias, visando a redução do consumo de eletricidade (PROCEL - Programa de Conservação de Energia Elétrica) junto ao setor residencial; porém, o setor industrial, apresenta um enorme potencial, merecedor de atenções especiais. Desde 1996, em função das ameaças de déficit, dos riscos de interrupção do fornecimento e até da perspectiva de elevação das tarifas, como começa a ser hoje sinalizado, algumas empresas passaram a considerar a possibilidade de investir em auto-geração, tendo como maior preocupação as 5 Pedágio é o termo empregado na designação do transporte de energia através da rede de um sistema elétrico. A energia não fica à disposição do sistema e sim das partes envolvidas - o produtor e o consumidor - que pagam uma taxa pelo uso da rede. O wheeling pode existir entre concessionárias, entre o produtor e uma concessionária, entre o produtor e qualquer consumidor e entre um centro produtor e outro consumidor de uma mesma empresa.

12 sérias dificuldades que enfrentariam na produção e na qualidade de seus produtos. 1.2. A Cogeração no Brasil A cogeração é um método de conservação de energia em que, energia mecânica (eletricidade) e calor útil (vapor) são produzidos a partir de um único combustível. É importante esclarecer a diferença entre auto-produtor, que é todo aquele que produz energia (térmica, hidráulica, etc.) e cogerador, que é aquele que também produz energia, porém, com a característica técnica de produzir vapor e eletricidade. A cogeração surgiu na esteira dos choques do petróleo que provocaram a elevação dos custos de geração termelétrica, predominante nos países industrializados, e teve notável impulso naqueles países com a introdução de novas tecnologias, ao mesmo tempo em que se expandia a oferta de gás natural. Entretanto entre os possíveis cogeradores e o mercado interpunham-se as concessionárias monopolistas e verticalizadas, com o direito de exclusividade na geração, transmissão e distribuição de eletricidade em sua área de concessão, as quais nestas condições eram as únicas compradoras de energia elétrica. Em face dos benefícios decorrentes da maior eficiência energética e do menor consumo de combustíveis, os governos de muitos países estabeleceram regras que tornaram obrigatória a compra ou a livre negociação desta geração, o que correspondia a introduzir um certo nível de competição na margem de um mercado monopolista.

13 Os trabalhos desenvolvidos pela Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia, apoiada por consultores internacionais, recomendam que se estabeleçam condições que encorajem investimentos econômicos numa perspectiva nacional, devendo a compra da energia de cogeração refletir custos de oportunidade adequados. No Brasil, isto implica que a geração térmica seja complementar à hidráulica, devendo ter seu custo reduzido quando houver abundância de energia secundária. Entre os principais obstáculos à cogeração no Brasil, do ponto de vista das concessionárias (SCHELEDER, 1997), existem os seguintes argumentos das concessionárias: a) a cogeração agravaria a já delicada condição de muitas concessionárias, algumas delas com super-investimentos e com dificuldades para repassar a energia própria aos consumidores (o que não ocorre em 1999 com as dificuldades na oferta); b) o projeto de cogeração pode se tornar anti-econômico pois, algumas instalações de cogeração não podem garantir uma operação contínua, estando sujeitas a paradas por quebra ou manutenção. Sendo assim, os cogeradores não podem dispensar o fornecimento de energia junto à concessionária local, dando a ela a possibilidade de estabelecer, para estes fornecimentos ocasionais, preços muito elevados. Na verdade, esta dificuldade pode ser contornada com políticas adequadas (COELHO, 1999); c) a energia elétrica excedente dos cogeradores, na maioria dos casos, desperta pouco interesse por parte das concessionárias, por representar pequenos blocos de energia, de forma que as mesmas preferem equacionar seu suprimento por meio de alguns poucos contratos de maior porte. Entretanto, vários estudos (COELHO, 1999, WALTER, 1994), analisam as vantagens deste processo, como sua maior eficiência, menor consumo de combustível e portanto menor emissão de poluentes, além das vantagens da geração descentralizada.

14 Em geral, a cogeração ainda não progrediu significativamente no país, limitando-se à auto-produção de energia elétrica e produção de vapor de processo em algumas unidades industriais nas áreas de petróleo e petroquímica, papel e celulose, siderurgia, produção de açúcar e álcool, sem venda de excedentes significativos às concessionárias. No setor sucroalcooleiro, a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), no Estado de São Paulo, adotava uma política de contratos experimentais de aquisição de energia excedente, porém a preços não compensadores para a expansão da cogeração naquele segmento. Após a privatização parece não haver maior interesse por parte da concessionária. Um estudo detalhado desta situação encontra-se em COELHO, 1999. É necessário lembrar que o setor elétrico, por falta de investimentos, opera hoje mais próximo ao limite de sua capacidade, sendo necessário agregar geração ao sistema nos próximos anos, independente do combustível ser petróleo ou gás natural ou mesmo biomassa. Contudo, é importante lembrar que (...) o país dispõe de opções nacionais (e ambientalmente adequadas) do ponto de vista energético, que poderiam ser utilizadas de forma mais coordenada e eficiente, em particular na situação que atravessamos. 6 Estima-se haver um expressivo potencial de produção de energia elétrica por processos de cogeração, em especial nas regiões industrializadas, no segmento de papel e celulose, no sucro-alcooleiro, e também no setor terciário (de comércio e serviços), como por exemplo, hospitais, aeroportos, hotéis, shopping centers e outros (BELLINI, 1998), superando a capacidade das termelétricas convencionais indicadas no Plano Decenal de Expansão. Sob o ponto de vista do sistema elétrico nacional como um todo SCHELEDER, 1997 analisa que a viabilização de investimentos em cogeração assume um caráter prioritário, pelas seguintes razões: 6 COELHO, S.T., 1999 - CENBIO Notícias - n o 5, p. 2

15 a) a medida em que a geração se realiza com maior eficiência energética, a produção de energia elétrica ocorre a custos economicamente favoráveis; b) são dispensados os vultosos investimentos na transmissão e aliviados os sistemas de distribuição existentes, pois a produção se dá próxima aos centros de carga; c) pelo fato dos investimentos necessários serem privados, a cogeração se torna interessante para a atual fase de transição, diante da limitada capacidade de investimento das concessionárias e à mobilização ainda insuficiente de novos investidores; d) com a chegada do gás natural à região sul/sudeste, em 1998/1999, abre-se uma ampla perspectiva para a cogeração, com reflexos positivos no desenvolvimento de companhias distribuidoras de gás e na formação de um mercado voltado ao uso eficiente daquele combustível; e) aumento da confiabilidade da transmissão e distribuição pela produção descentralizada de energia, tendendo a reduzir a incidência de falhas no sistema interligado e f) do lado do consumidor/cogerador, aumenta substancialmente a garantia de disponibilidade de energia, livrando-o das eventuais falhas e interrupções do sistema elétrico externo. O conjunto desses fatores mostra a vantagem de se incentivar e promover o processo de cogeração no âmbito nacional. Para tanto é fundamental a iniciativa das indústrias e dos empreendedores que, identificando a possibilidade de uma instalação, viabilizem seu projeto. As concessionárias (SCHELEDER, 1997), entretanto, questionam essas vantagens, sob diversos argumentos e pelas seguintes preocupações: a) eventual necessidade de abrir mão de suprimentos a preços menores ou de geração própria; b) possibilidade de excedentes nos contratos de suprimento vigentes; c) obrigação de arcar com os prejuízos de conexões que não gerem um faturamento que as justifique;

16 d) incidências de custos adicionais de serviços de operação e de transação decorrentes deste tipo de conexão e intercâmbio, em múltiplos suprimentos de menor porte e e) sentimento de perda de consumidores e de receita. COELHO, 1999 (p.75) discute esses fatores e explica o desinteresse em programas de conservação de energia por parte de muitas concessionárias; (...) é freqüente nas (concessionárias) (...) o receio de perder os seus maiores clientes (...). Esta perda não representa apenas uma perda econômica (...) mas também a perda de poder político (...). Os últimos planos indicativos da expansão do setor elétrico brasileiro, elaborados sob a coordenação da Eletrobrás e com a participação de todas as empresas concessionárias do país, embora não contemplem a cogeração e/ou auto-produção como esperado, representam em termos conceituais, um importante avanço sobre os ciclos de planejamento anteriores (SCHELEDER, 1997). Em primeiro lugar, reconhecem a possibilidade de maiores índices de risco na garantia de suprimento de energia em curto prazo, como decorrência da redução dos níveis de investimento do setor estatal nos últimos dez anos e da necessidade, ainda não totalmente preenchida, de novos instrumentos legais e regulatórios capazes de atrair recursos financeiros de outras fontes, no momento em que o Brasil inicia um novo ciclo de crescimento econômico. Essa constatação sinaliza oportunidades para os agentes empresariais interessados na expansão do setor. Em segundo lugar, admitem a importância dos programas de conservação de energia, consubstanciados no PROCEL, como uma das medidas mitigadoras dos índices de déficit no período analisado. Finalmente, determinam que, no próximo decênio, será necessário promover uma maior participação da geração termelétrica na expansão,

17 considerando essa oportunidade como complementação dos aproveitamentos hidrelétricos previstos. Além de contribuir para a garantia do suprimento de energia elétrica, a solução térmica pode ser integrada com as demais políticas voltadas para o crescimento econômico e para o desenvolvimento social do Brasil. Dentro desse conceito, a instalação de usinas termelétricas de grande porte, previstas nos planos de expansão, deve ser comparada com as oportunidades de cogeração industrial e comercial, principalmente nas regiões mais desenvolvidas e industrializadas do país, oferecendo maiores oportunidades de negócios e empregos. Além da cogeração ser mais eficiente do que a geração convencional, em termos energéticos, podendo atingir níveis superiores a 80%, eliminando o desperdício e reduzindo o consumo e a importação dos combustíveis necessários, existem os vários aspectos positivos da geração descentralizada, conforme analisado por WALTER, 1994. A cogeração constitui uma alternativa adequada por representar soluções locais, dispersas e de menor porte. As unidades de cogeração instaladas junto às indústrias, centros comerciais, hotéis, aeroportos, hospitais e outras concentrações de consumo de eletricidade e energia térmica, permitem o atendimento dessas importantes parcelas do mercado sem a necessidade de elevados investimentos adicionais em transmissão e distribuição, liberando a energia já disponível para outros usuários de menor consumo. Com isso se privilegia a maior eficiência na produção e no uso de energia e a integração da política de desenvolvimento energético com as demais políticas nacionais. As informações disponíveis sobre a auto-produção, de uma forma geral, e sobre a cogeração, em particular, não permitem uma caracterização exata do papel dessas tecnologias na geração elétrica, no Brasil. Os dados do Balanço Energético Nacional indicam, no entanto, uma forte redução da auto-produção, notadamente entre 1970 e 1986 (WALTER, 1994). A partir daí apresentou uma pequena elevação e estima-se que a auto-produção contribua, em 1998, com

18 aproximadamente 6,7% da geração elétrica total (BEN, 1999). Em função da precariedade dos dados, a participação da cogeração é ainda mais difícil de ser identificada. O GCPS - Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos, da Eletrobrás, realizou um estudo - Estimativa do Potencial de Cogeração no Brasil - em 1999, objetivando atender uma diretriz governamental (do Ministério de Minas e Energia), onde informa a potência instalada de cogeradores e identifica os potenciais de cogeração, com ênfase nos projetos passíveis de inclusão nos Planos Decenais de Expansão, mediante consultas às concessionárias, entidades de classe, empresas e literatura especializada. Mais adiante serão analisados os resultados obtidos para o segmento de papel e celulose. A ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica - criada em substituição ao DNAEE pela Lei 9427 (1996) 7, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, a transmissão e a distribuição de energia elétrica, vem trabalhando na regulamentação de processos ligados à cogeração, como a qualificação do cogerador, e à demanda suplementar de reserva (ambos colocados em consulta pública em setembro de 1999) em conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal. Em 2000 (Resolução 21/2000) foi definida a qualificação do cogerador. Uma outra dificuldade para a implementação de projetos de cogeração se refere ao gás natural, que era considerado uma opção privilegiada para a cogeração e a produção descentralizada de eletricidade. Porém, passou a ser visto sob uma nova óptica: 90% dos projetos de cogeração de eletricidade na Grã-Bretanha, 75% nos EUA e 60% no Japão se baseiam no gás natural. Sua utilização em sistemas de turbina a gás, de evolução tecnológica recente, permite atingir elevada eficiência térmica e reduzidos custos de investimento 7 Em paralelo, foi criada a CSPE - Comissão de Serviços Públicos de Energia, com o papel de órgão regulador e fiscalizador para atuar sobre os serviços de energia elétrica e distribuição de gás canalizado, no Estado de São Paulo.

19 (SCHELEDER, 1997). Era esperado, inclusive, que com o gás da Bolívia, ocorresse um deslocamento no tipo de combustível consumido para geração de energia, substituindo, principalmente, o óleo combustível. Porém, a partir de janeiro de 1999, em vista da elevação dos preços do gás natural (cotado em dólares), em conseqüência da elevação da taxa de câmbio, há sinalização da inviabilidade da geração termelétrica a partir desse combustível, o que é agravado pelo fato de que também os equipamentos são importados. Em 1999 foi noticiado que investidores adiaram qualquer decisão de investimentos em geração de energia a partir do gás natural da Bolívia, pois o câmbio atual inviabiliza a geração termelétrica a partir de gás natural, estimada em R$ 60/MWh. Na época em que o gás da Bolívia estava cotado entre 2-3 US$/MMBTU, ao câmbio da época (com o real valorizado em US$ 1,24), este valor já era considerado elevado por muitos especialistas, para viabilizar investimentos em Usinas Termelétricas com esse combustível. Diante do atual patamar das taxas de câmbio, quase o dobro do que era anteriormente, existe a possibilidade de se manter o gás natural num preço equivalente a 70% do preço do óleo combustível, estimulando a competitividade do gás 8. Depois disso, foi estabelecido preço especial para o gás natural (1,94-2,26-2,55 US$/MMBTU), visando viabilizar as UTE s. Uma indicação do papel reservado à cogeração nos próximos anos pode ser obtida a partir da análise do Plano 2015, documento de referência do planejamento de longo prazo do setor elétrico brasileiro. Neste documento é reconhecida a importante contribuição dessa tecnologia para a expansão do sistema elétrico em vários países. Para o caso brasileiro, no entanto, o texto se limita à recomendação de seu estudo e a avaliação de seus impactos sobre o 8 COELHO, S.T., 1999 - CENBIO Notícias - n o 5, p.2

20 sistema elétrico e energético nacional (WALTER, 1994). Em COELHO, 1999 é apresentada uma discussão, em particular, a respeito da questão da reduzida participação da cogeração e das energias renováveis no planejamento. Em 1999 esperava-se que ocorressem mudanças, com a instalação da Comissão Especial para definir as Diretrizes Políticas para Implementação da Cogeração, no Ministério de Minas e Energia. Entretanto, como será visto, a ênfase acabou por ser dada às térmicas a gás natural (17.000 MW previstos em fevereiro de 2000), apresentado como combustível limpo, sem maiores atenções à biomassa, a despeito do potencial.

21 2. PROCESSO DE FABRICAÇÃO DE PAPEL E CELULOSE 9 A título de informação básica será realizada uma apresentação geral do processo de fabricação de celulose (incluindo a recuperação de produtos químicos) e do processo Kraft de fabricação de papel. Existem outros processos de produção de celulose, como por exemplo o processo termomecânico, não incluídos aqui, porque fogem ao contexto. 2.1. Processo de Fabricação da Pasta Celulósica A madeira, matéria-prima utilizada na fabricação da celulose, é cortada após atingir certa idade e diâmetro das toras. O transporte desde a floresta é feito por meio de caminhões e são descarregadas através de agarradeiras móveis que retiram as toras dos caminhões para serem colocadas nas mesas transportadoras e enviadas aos tambores descascadores, que retiram e separam as cascas. As toras descascadas passam pelos picadores onde são reduzidas a pequenos fragmentos chamados cavacos, que passam pelas peneiras vibratórias, onde se separam as lascas e os finos, antes de entrarem nos digestores. O processo de cozimento é o chamado Kraft ou sulfato (o mais utilizado), que consiste em tratar os cavacos com lixívia branca (que é uma mistura de soda cáustica e sulfeto de sódio), a certa temperatura, pressão e tempo. O cozimento é interrompido quando se atinge a dissolução do maior grau possível de material não celulósico, composto principalmente de lignina e extrativos, preservando, porém, a qualidade e o rendimento da celulose. 9 Este item se baseia em material recebido por ocasião de visita à Cia. Suzano de Papel e Celulose, em 1996.