1 INTRODUÇÃO. Por João Teixeira Pires* 1 Dados baseados nas informações do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2003.



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Transcrição:

Projeto de Fortalecimento de Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente: Um projeto de pesquisa-ação focado no exercício da cidadania em alianças estratégicas intersetoriais para atuação social, envolvendo instituições relacionadas à consolidação dos direitos das crianças e adolescentes, através dos princípios da democracia participativa Por João Teixeira Pires* 1 INTRODUÇÃO O presente artigo explora os desafios presentes na consolidação do funcionamento de instituições, idealizadas na Constituição Federal do Brasil de 1988, responsáveis pela formulação de políticas públicas para crianças e adolescentes. Essas instituições constituem-se nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDCA - os quais procuram operar baseados nos princípios de democracia participativa, possuindo um mesmo número de pessoas da área governamental e da sociedade civil organizada em suas composições. A identificação destes desafios foi feita a partir da realização das etapas previstas na fase inicial de um projeto social que visa o fortalecimento nos sistemas de gestão estratégica de três CMDCAs localizados junto a 3 municípios brasileiros localizados na região sudeste do Brasil aqui denominados A (cerca de 200.000 habitantes), B (cerca de 500.000 habitantes) e C (cerca de 1.000.000 habitantes) 1. Essa fase inicial envolveu desde a elaboração de um pré-projeto, mobilização de atores sociais, diagnóstico social dos municípios até a formulação de um plano de ação aplicável aos respectivos CMDCAs (ver anexo 1 para visualização do fluxo de atividades previstas no projeto). Todas essas etapas iniciais foram conduzidas segundo a metodologia da pesquisa-ação, a qual significa um tipo de pesquisa social, de base empírica, que é feita em estreita associação com a ação ou com a resolução de um problema e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de uma forma cooperativa (Thiollent, 2000). O modelo conceitual através da qual serão tecidas as análises e conclusões do presente artigo consiste nas possíveis relações entre as dificuldades e desafios de consolidação dos CMDCAs dos municípios A, B e C e a influência conjunta dos seguintes fatores: a) histórico da criação dos CMDCAs no Brasil; b) a inserção desses Conselhos dentro do regime político da democracia participativa vigente no país e c) os princípios básicos que regem o funcionamento de alianças estratégicas intersetoriais para atuação social, visto que as etapas iniciais mencionadas do projeto social foram realizadas através de uma aliança entre a prefeitura dos municípios, empresas privadas locais as quais concediam gestores voluntários para capacitação dos conselheiros dos CMDCAs e acompanhamento dos trabalhos e parceiros ligados a universidade Centro de Empreendedorismo e 1 Dados baseados nas informações do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2003. 1

Administração do Terceiro Setor CEATS - e Associação dos Ex-alunos de MBA-USP. 2 O artigo está estruturado de modo a, inicialmente, apresentar o projeto social de fortalecimento da gestão de CMDCAs. Na seqüência, será feito um resgate dos principais aspectos teóricos relacionados aos fatores identificados no modelo conceitual. Em seguida, serão apresentados os resultados obtidos durante implementação das fases iniciais do projeto social proposto nos três municípios objetos deste estudo. Ao final, serão tecidas as conclusões e comentários finais a respeito da temática proposta. 2 O PROJETO DE FORTALECIMENTO DOS CMDCAs O Projeto de Fortalecimento da Gestão dos CMDCAs teve como foco principal a capacitação e o fortalecimento de Conselhos Municipais, em especial os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), para aperfeiçoarem sua gestão estratégica. O trabalho adotou a metodologia básica fundamentada nas alianças estratégicas intersetoriais (Austin, 2001; Fischer, 2002), as quais pressupõem que os esforços e recursos de organizações complexas de diversas origens podem ser integrados em ações sociais, potencializando sua capacidade de geração de resultados positivos e com impacto transformador. Os principais objetivos do Projeto foram: Desenvolver um modelo de aliança intersetorial para o fortalecimento da gestão de Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente CMDCA, contando com a participação dos setores público, sociedade civil e terceiro setor. Fortalecer a relação entre a sociedade civil organizada e os conselhos municipais por meio de workshops informativos da realidade social do município, da elaboração, divulgação e monitoramento de um Plano de Ação Estratégico referente ao período de gestão e pela capacitação dos membros do conselho com os melhores conteúdos de gestão Tendências do Terceiro Setor; Planejamento Estratégico; Avaliação e Monitoramento de Programas e Projetos Sociais e Doutrina do Terceiro Setor; Mobilizar e capacitar empresários e executivos voluntários para atuarem como instrutores e consultores, tanto no curso de gestão como na elaboração, monitoramento e avaliação do plano de ação. As empresas privadas que participaram do projeto foram Petrobrás, Banco Real, Instituto Camargo Correa, Instituto C&A, Fundação Orsa, SACIE e Instituto Embraer. 2 O CEATS é um centro de estudos vinculados à Fundação Instituto de Administração. Esta Fundação por sua vez está diretamente vinculada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. A Associação dos Ex-alunos de MBA-USP é uma organização sem fins lucrativos e congrega ex-alunos dos cursos MBA-USP promovidos pela Fundação Instituto de Administração. 2

3 MODELO CONCEITUAL 3.1 - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CRIAÇÃO DOS CMDCAs NO BRASIL O Brasil passa por um processo de transição, na qual o rearranjo das funções do Estado, a consolidação da economia de mercado e o aperfeiçoamento das instituições democráticas podem propiciar o surgimento de arranjos inovadores entre três setores Estado, empresas privadas e organizações do Terceiro Setor. Adicionalmente a este contexto mais amplo, destacam-se outros pontos essenciais: o crescimento da importância do terceiro setor; o empreendedorismo social despontando como uma das formas mais eficazes para ampliar e fortalecer a participação em sociedades marcadas pela desigualdade social de distribuição de renda e de oportunidades de ascensão social; a ética e a responsabilidade social corporativa assumindo posição de destaque nas estratégias empresariais. No que se refere ao contexto da esfera pública, a Constituição Federal de 1988 reconheceu o Município como ente autônomo da federação, mas não independente. Municipalizar é permitir, por força da descentralização político-administrativa, que determinadas decisões políticas e determinados serviços públicos sejam encaminhados e resolvidos no âmbito do Município, sem excluir a participação e cooperação de outros entes da Federação (União e Estados) e da sociedade civil organizada. Embora caiba ao Município a responsabilidade pela criação e manutenção de um Sistema Municipal de Atendimento, essa responsabilidade não pode ser entendida como exclusiva da Prefeitura e da Câmara Municipal. É obrigação municipal Poder Público e Comunidade definir e executar uma Política Municipal de Proteção Integral para as Crianças e Adolescentes. Numa sociedade democrática, esse compromisso pode ser assumido por toda a sociedade. O Conselho Municipal de Direito da Criança e Adolescente CMDCA é o órgão mais importante para a eficaz formulação de políticas sociais públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Criado pela Lei nº 8069 em 1990 - o Estatuto da Criança e do Adolescente o CMDCA deve se constituir como parte obrigatória do Poder Executivo Municipal, sendo, sobretudo, uma instância de participação do cidadão na formulação da política de atendimento e do controle de suas ações. O aprimoramento das instituições democráticas, juntamente com o desenvolvimento sustentável, requerem não apenas setores vigorosos mas também a capacidade de combinar competências para a colaboração em prol do benefício comum, construindo um ambiente no qual evolui a participação da cidadania organizada na formulação de políticas públicas, na agilização do atendimento às crianças e adolescentes e no controle das ações públicas em todos os níveis. Parece ser fundamental, no processo de desenvolvimento destes tipos de espaços públicos de discussão e 3

proposição, a adoção de práticas democráticas e conciliadoras de interesses, em prol de uma causa comum de ordem social. Nesse sentido, pode-se destacar a reflexão de Bresser-Pereira & Grau (1999), segundo a qual o espaço público é a fonte das funções de crítica e controle que a sociedade exerce sobre a coisa pública. Está plasmado, em primeira instância, nos parlamentos, nos partidos políticos e na imprensa, através dos quais se configura a vontade a opinião política. Mas, nos umbrais do século XXI, adquire máxima importância a ampliação do espaço público, tanto porque tais instituições atualmente se revelam insuficientes para o exercício da cidadania, como porque, na medida em que a esfera pública transcende cada vez mais os limites do Estado, se requerem modalidades de controle social que também se exerçam sobre a sociedade e, em particular, sobre as organizações públicas não estatais. 3.2 REGIME POLÍTICO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA A democracia vem passando por uma crise no final do século XX, na medida em que seus propalados efeitos distributivos, oriundos de um processo de participação ativa da sociedade, vêm mostrando sinais de relativo fracasso, notadamente nas nações da América Latina e África. Essa situação decorre, principalmente, da conjuntura econômica e fiscal a qual as essas nações vem sendo submetidas. Na realidade, os Estados Nacionais que adotam sistemas políticos democráticos se encontram pressionados a se utilizar de políticas macroeconômicas que, ao conciliarem um forte ajuste fiscal com significativos níveis de taxas de juros, comprimem a atividade econômica, dificultando o caminho rumo ao pleno e abrangente desenvolvimento sócioambiental. Três fatores principais concorrem para a quase inevitabilidade de se adotar tais políticas macroeconômicas, independentemente do sistema político escolhido: a) Necessidade de financiamento externo. A grande maioria das nações da América Latina e África necessita de financiamentos externos para investimentos internos. Isto leva a uma dependência da entrada de capitais internacionais, a qual influencia decisivamente a política cambial adotada e, como conseqüência, introduz maior vulnerabilidade na condução da política econômica; b) Orçamentos públicos deficitários. Tratam-se dos orçamentos governamentais que foram sendo constituídos ao longo da história nessas nações que as tornaram altamente vulneráveis ao desencadeamento de processos inflacionários, limitando a inserção social das camadas das populações desprovidas das melhores condições de vida. c) A globalização econômica e financeira e fenômenos correlatos como o desenvolvimento das tecnologias de informação e a desregulamentação dos mercados. Esses fenômenos rompem as 4

barreiras impostas pelos Estados Nacionais expondo-os a uma interação mais intensa com outros Estados e organizações multilaterais e sociais. Essas políticas econômicas cunhadas como neoliberais e ajustadas a interesses mais voltados a investidores internos e externos, vem condenando as nações a ostentar níveis indesejáveis de exclusão social, exacerbando as desigualdades sociais. Assim, como conseqüência, instalam-se debilidades estruturais no sistema político de democracia participativa, motivadas pela queda da participação da população nas eleições e por uma verdadeira crise de representação. Segundo Santos (2002), dentro do modelo hegemônico de democracia representativa liberal, houve uma supervalorização dos mecanismos de representação em detrimento do desenvolvimento de espaços públicos de discussão e proposição de políticas públicas como os Conselhos de participação popular previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988. Nesse contexto de crise da democracia representativa surgem algumas vertentes que Santos (2002) denominou de concepções não-hegemônicas da democracia, as quais identificam a democracia como uma forma de exercício coletivo do poder político. Nesse sentido, Mota (2004), ao refletir sobre a possibilidade de se ampliar o processo participativo na democracia, observa que no caso brasileiro e latino-americano, a luta pela redemocratização durante os anos 80 ajudou a construir movimentos sociais que partem da sociedade civil e reivindicam mais espaço de participação entre a sociedade civil e o Estado. O autor ainda conclui que o desafio dos estados democráticos do hemisfério sul é o de reconstruir a democracia amparados num movimento de forte representação popular, com forte diversidade étnica e cultural e com criatividade, a ponto de incorporar novas concepções de gênero, de raça e de etnia nas novas propostas de políticas públicas locais e descentralizadas. Dentro da visão acima proposta, os conselhos de participação popular desempenham papel fundamental no processo de consolidação de um regime de democracia participativa que possa enfrentar os desafios contemporâneos em relação ao equilíbrio entre o crescimento econômico e remoção das desigualdades sociais. 3.3 ALIANÇAS INTERSETORIAIS PARA ATUAÇÃO SOCIAL Ao estudar alianças estratégicas intersetoriais com a participação de empresas privadas, Austin (2001) propôs um processo de criação e desenvolvimento de alianças que engloba cinco elementos fundamentais: 1) Entender o estágio de cooperação estratégica Segundo o autor, tratase de uma fase de categorização de suas cooperações, do entendimento de que forma essas cooperações podem evoluir ao longo do tempo e da análise das mudanças resultantes na natureza, nos requisitos e na importância de suas relações de cooperação. O esquema proposto para essa análise foi denominado pelo autor de Continuum da Colaboração e está divido em três estágios: filantrópico, transacional e integrativo. 5

Estágio filantrópico a natureza do relacionamento entre a organização comercial e a organização sem fins lucrativos é principalmente de doador e donatário. Estágio transacional as organizações realizam suas trocas de recursos por meio de atividades específicas, tais como marketing ligado à causa, patrocínio de eventos, licenciamento e acordos de serviço remunerado. O fluxo de valor passa a ter mais um caráter de mão dupla que os parceiros buscam e identificam conscientemente. Muitas dessas cooperações caracterizam o relacionamento inicial dos participantes, não tendo sido precedidas de um estágio filantrópico. Estágio integrativo as missões, o pessoal e as atividades dos parceiros começaram a experimentar uma ação mais coletiva e uma integração organizacional. Para a criação de valor conjunto, a cultura de uma organização passa a ser afetada pela cultura da outra, processos e procedimentos são instituídos para gerir a crescente complexidade do relacionamento. A aliança torna-se então institucionalizada na percepção das organizações parceiras. 2) Fazer a conexão. Nesta fase estaria, principalmente, o envolvimento dos líderes das organizações que conduzem a aliança, a ligação emocional estabelecida com a mesma. Trata-se do campo do relacionamento, do estabelecimento da confiança continuada e progressivamente. 3) Assegurar a compatibilidade estratégica. Há a necessidade de, continuamente, avaliar a inter-relação entre as missões das organizações envolvidas na aliança, correlacionando necessidades e capacidades e verificando valores coincidentes. Na medida em que a compatibilidade estratégica se efetiva, ocorre a contínua evolução da aliança para atos cooperativos seqüenciais. 4) Gerar valor. Deve haver uma constante avaliação do valor potencial e real gerado a partir das atividades da cooperação, tanto para o público-alvo quanto para os próprios parceiros. Somente a continuada geração de valor possibilitaria uma aliança consistente e duradoura. 5) Administrar o relacionamento. Deve haver, na medida em que amadurece a cooperação estratégica, uma preocupação com a organização da aliança, ou seja, com sua institucionalização. Neste sentido, torna-se fundamental a evolução da confiança na relação e da capacidade de comunicação, tanto interna quanto externa. Aspectos como o comprometimento dos aliados e o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem também são ressaltados nesta última fase do processo. Assim, no âmbito do projeto social estudado, uma aliança constituída por atores dos três setores empresa privada, órgão público municipal e universidade requer o estabelecimento de laços de comprometimento e confiança que são construídos ao longo do tempo e envolvem a contínua necessidade de conciliação e negociação de interesses, ainda que o foco seja único e consensado por todos os envolvidos o público da criança e do adolescente. 6

3.4 CONSELHOS LIGADOS A POLÍTICAS SOCIAIS Utilizaremos como definição de conselhos de participação popular no escopo deste trabalho a utilizada por Mota (2004): são conselhos organizados de forma descentralizada, em estados e municípios, que auxiliam na gestão de políticas públicas. Caracterizam-se como espaços políticos de ampliação da representação dos diferentes segmentos da sociedade nas políticas públicas. Estes conselhos são organizados a partir de dispositivos legais, tendo em cada área saúde, educação, assistência social - uma regulamentação própria. Ainda segundo Mota (2004),...estes conselhos são deliberativos, cabendo aos seus membros a tomada de decisões em assuntos de sua competência, e ao órgão do executivo local realizar as ações deliberadas no conselho. Quanto à natureza de representação, a indicação para participação se dá para representantes de determinadas organizações da sociedade civil, podendo ser uma categoria profissional, sindical, usuários, etc (Mota, 2004). No que se refere aos Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE referentes ao ano de 2001, é possível identificar o estágio em que se encontram os estados e municípios brasileiros no que se refere à criação dos mesmos: - 52% dos municípios brasileiros (2.851) declaram haver implantado o sistema de garantia de direitos a infância e adolescência por meio do Conselho Municipal; - No Brasil, 25% dos municípios (1.383) não tem conselhos criados, o que significa uma ausência do sistema de garantia de direitos e um descumprimento da Lei nº 8069/90. A região nordeste do Brasil tem a menor freqüência de conselhos implantados; - O Conselho Municipal está presente em 72% dos municípios (3.949); - Os estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro são os que possuem as mais altas freqüências de conselhos implantados; - Os estados do Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco e Tocantins são os mais precários na implantação de conselhos. Apesar de não haverem ainda estudos completos sobre a eficácia e eficiência do funcionamento dos CMDCA, já são constatados alguns problemas no seu funcionamento. - Há uma sobreposição no caráter deliberativo do CMDCA em relação ao poder executivo municipal; da mesma forma que há também com relação ao caráter de formulação de políticas públicas em relação a Câmara Municipal; - Não existem critérios claros para a escolha dos conselheiros, sendo esta uma situação que varia para cada município; - Não existe uma homogeneização de conhecimento do sistema jurídico relativo a criança e ao adolescente por parte dos conselheiros, acarretando uma não implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente; 7

- Não é ação comum dos conselhos realizarem um diagnóstico de necessidades e prioridades do município, no que se refere à situação da criança e do adolescente, de maneira a nortear as ações do CMDCA; neste caso a defesa de interesses pessoais ou classistas se torna constante; - A troca de membros do conselho conforme o estatuto, muitas vezes acarreta a descontinuidade das ações; da mesma maneira a sucessão de prefeitos que podem definir novas diretrizes de ação das políticas públicas para o município. Muitos Conselhos de Direitos ainda não se deram conta de que os princípios, os direitos e as estruturas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não passam de louváveis intenções sem o suporte orçamentário. Não percebem que traçar políticas e orientações sem uma expressão financeira torna-se uma ação sem eficácia, uma obra de ficção. Neste ponto, o atual distanciamento das organizações do segundo setor em relação à gestão dos conselhos tem como resultado o desconhecimento da importância dos Conselhos e o não investimento por parte das empresas em seus aprimoramentos. 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS Até o final do ano de 2003, verificou-se um avanço satisfatório na evolução das etapas previstas do projeto no município A. Nos casos dos municípios B e C, foram identificados alguns fatores que atrasaram a evolução dos seus respectivos planos. Observou-se que, nos municípios onde não foi possível dar seqüência nas atividades previstas (B e C) houve influência de aspectos políticos na continuidade dos trabalhos previstos. Enquanto que em B, a divulgação imediata e pouco cuidadosa de resultados do diagnóstico social do município conflitava com os planos da prefeitura local para a sucessão governamental, no município C, o momento político era de afirmação do CMDCA local, cuja presidência era exercida por um representante da sociedade civil organizada. A gestão dessa presidência exacerbou conflitos entre interesses da sociedade civil representada no CMDCA local e os integrantes da esfera pública municipal. Cabe ressaltar também, que nas três experiências, houve uma necessidade de intensa e permanente negociação entre os parceiros envolvidos no projeto social, tendo-se obtido resultados mais consistentes em termos de apoio dos aliados no projeto do município A e menos consistentes nos municípios B e C. Já as dificuldades metodológicas inerentes às fases de diagnóstico social e capacitação dos conselheiros foram comuns aos três municípios não representando, porém, fator significativo no atraso dos trabalhos nos municípios B e C. Além desses resultados, destaca-se a solicitação, por parte dos conselheiros do CMDCA do município A, de um programa de capacitação em gestão por equipes, o qual resultou na seguinte avaliação por parte da equipe que ministrou o treinamento: 8

O grupo saiu incomodado e irá procurar extrair idéias do plano abstrato e para o plano concreto. Também percebemos que falta a presença de um líder incisivo" que consiga motivar, organizar e alinhar as propostas. Observamos que existe muita afetividade e muita informalidade na equipe. Todavia, a extrapolação desta afetividade está prejudicando o desempenho e a produtividade dos trabalhos em grupo. Nas atividades de grupo que foram realizadas, faltou o foco. O grupo se perde do foco o tempo todo, o que deve ser o reflexo daquilo que acontece no CMDCA. Em decorrência desta dificuldade, há uma tendência dos participantes, de forma individual, em diminuir o seu comprometimento pessoal em relação ao grupo. Os participantes são politizados, inteligentes e conscientes, porém, reclamam a falta de um mediador o tempo todo. Constatou-se, assim, a necessidade de se investir em treinamento do grupo de conselheiros do CMDCA do município A nos seguintes temas: Dinâmica grupal e relacionamento inter-pessoal Desenvolvimento de lideranças Papéis grupais Condução eficaz de reuniões e controle do tempo Assertividade Identificação e monitoramento dos processos grupais 4 PRINCIPAIS CONCLUSÕES O modelo conceitual proposto pelo presente trabalho revelou a importância dos Conselhos Municipais de participação popular, em especial os Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente, na formulação políticas públicas e na real e efetiva implementação de um regime político de democracia participativa no Brasil. Fenômenos como a municipalização, a emergência e aprimoramento de organizações do Terceiro Setor e de Conselhos Municipais têm o potencial de atuar sinergicamente como meios para a ampliação do processo participativo da sociedade, como forma de equacionamento das desigualdades sociais ainda presentes no país. No sentido de se efetivar tal potencial sinérgico, as alianças intersetoriais para atuação social parecem surgir como uma forma apropriada de condução de tais processos participativos, evoluindo-se continuadamente de alianças mais filantrópicas para estágios mais integrativos. A evolução das alianças intersetoriais estabelecidas nos municípios A, B e C com o intuito de fortalecimento da gestão de seus respectivos Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente evidenciou a influência dos interesses políticos no adequado funcionamento dessas organizações. Essa constatação não traz em si alguma novidade e está de acordo com o senso comum vigente no que diz respeito ao funcionamento de esferas públicas de atuação social. No entanto, ao avaliar mais profundamente as experiências de construção das alianças intersetoriais dos três municípios, constata-se a importância e 9

relevância da administração contínua do relacionamento e estabelecimento de laços de confiança entre os aliados como forma de garantir a formação de uma rede duradoura e consistente para uma atuação social mais efetiva. Para evidenciar tal afirmação, pode-se citar a demanda dos próprios conselheiros do CMDCA do município A no que se refere à necessidade de aprimoramento em gestão por equipes. Em última análise, tal demanda atua no sentido de criar laços cada vez mais estreitos em comprometimento e confiança entre seus membros. O estudo nos mostra ainda que existem enormes riscos de incompatibilidades estratégicas durante a idealização e funcionamento de alianças com órgãos públicos, notadamente àqueles relacionados a fatores que possam influenciar as relações de poder na esfera pública. Nesse sentido, os CMDCAs tornam-se uma arena de conflito de interesses, na qual habilidades de negociação e concentração em uma causa social tornam-se fatores importantes aos seus desenvolvimentos como instâncias do exercício da democracia participativa. * Pesquisador do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS), programa da Fundação Instituto de Administração (FIA), tem MBA em Recursos Humanos pela FIA/FEA/USP e é mestrando em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo. 5 BIBLIOGRAFIA AUSTIN, J. Parcerias, Fundamentos e Benefícios para o terceiro setor. São Paulo - Editora Futura 2001. BRESSER-PEREIRA, L.C. & GRAU, N.C. O público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. MOTA, C.R. As novas formas de participação social nas políticas públicas: os conselhos gestores de políticas sociais. Rio de Janeiro: site http://www.ltds.ufrj.br/gis/mota - 2004. SANTOS, B.S. & AVRITZER, L. Para ampliar o cânone democrático. In Santos, Boaventura de Souza (org.) Democratizar a Democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 2002. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. Cortez Editora, São Paulo, 2000. 10

ANEXO 1 Fases do projeto de fortalecimento da gestão dos Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente em três municípios da região sudeste Brasil Elaboração do préprojeto Apresentação para CMDCA, prefeitura e lideranças empresariais locais e aprovação para implantação. Modelagem dos processos de pesquisa e planejamento participativo Busca de financiadores institucionais Realização do diagnóstico social do município Mobilização de empresários e executivos para atuarem como instrutores e consultores voluntários Capacitação dos instrutores e consultores Planejamento Participativo Workshops analíticos Cursos de capacitação Elaboração do Planejamento Estratégico Seleção, aprovação e monitoramento de projetos Divulgação dos resultados Divulgação do Plano Estratégico para a sociedade civil Workshops, Fóruns, Seminários, Capacitação Monitoramento e avaliação dos resultados obtidos Mobilização para crescimento do Fundo Municipal Monitoramento das movimentações financeiras do FMDCA e prestação de contas 11