Toxoplasmose congênita: desafios de uma doença negligenciada Dra. Jaqueline Dario Capobiango Universidade Estadual de Londrina
2018 = 110 anos de história
Nos EUA a toxoplasmose é considerada uma das cinco infecções parasitárias negligenciadas um grupo de doenças parasitárias que tem sido alvo das ações em saúde em outros países, pela sua elevada incidência, mesmo que de forma assintomática
e no Brasil?
Considerações sobre a toxoplasmose congênita no Brasil Não é conhecido (de forma exata) o número de gestantes susceptíveis Diferentes fatores de rsico para cada população Condições precárias de habitação e saneamento (ingestão de água e alimentos contaminados por falta de higiene) Maior ocorrência de toxoplasmose em municípios com população menor, menor renda média e maior taxa de emprego. Maior incidência de casos em populações com maior vulnerabilidade social e econômica Vaz et al (2011) Carellos et al (2014)
Doença negligenciada porque há dificuldades? Faltam dados nacionais para definir a problemática Dificuldade diagnóstica da gestante Dificuldade de adesão aos protocolos de tratamento Dificuldade diagnóstica da criança Muitas perdas de seguimento de crianças Dificuldade de implementar vigilância e prevenção
Qual é a dimensão do problema?
Casos de toxoplasmose congênita para cada 10.000 neonatos submetidos à triagem neonatal (setembro/1995 a julho/2009) 800.164 amostras testadas Screening papel de filtro Prevalência: 1/1.613 (6/10.000) de 1/5.447 a 1/495 (2/10.000 até 20/10.000) Neto et al (2010)
Diagnóstico da toxoplasmose na gestante 52-95% das gestantes são assintomáticas Kravetz et al (2005) Dunn et al (2009) Rastreamento sorológico - IgM anti T. gondii: Infecção aguda IgM residual Falso positivo Reativação com IgM negativo Jones et al (2003) Carellos et al (2008) Remington et al (2011)
Dificuldades de interpretação sorológica materna: Não realização de pré-natal Início tardio do pré-natal Coleta de apenas uma amostra da sorologia para toxoplasmose Não realização simultânea de teste de avidez Falta de anotação no cartão de pré-natal
Tratamento da gestante Objetivos: Reduzir a incidência de transmissão congênita Tratamento do feto Reduzir as sequelas do feto Foulon et al (1994) Hohfeld et al (1989) Montoya et al (2010) Remington et al (2011)
Tratamento precoce e correto da gestante Tratamento dentro de 4-8 semanas da soroconversão: Menor incidência de doença sintomática na criança Redução de calcificações cerebrais, convulsão, déficit auditivo, encefalopatia Redução de lesão ocular nos primeiros meses de vida e no decorrer dos anos Redução de óbitos Gras et al (2005) Kieffer et al (2008) Cortina-Borja et al (2010) Hotop et al (2012)
Diagnóstico da toxoplasmose congênita Estudos brasileiros realizados entre 1990 e 2010 mostraram que as manifestações clínicas iniciais estavam presentes em 56-100% das crianças, muitas delas sem tratamento durante o pré-natal. Coriorretinite: 67-80%, Calcificações Cerebrais: 11-100%, Hidrocefalia: 6,3-21%, Microcefalia : 5,3%. Melamed et al (2001) Bahia-Oliveira et al (2001) Sáfadi et al (2003) Carvalheiro et al (2005) Lago et al (2007) Lago et al (2009) Melamed et al (2009) Vasconcelos-Santos et al (2009) AAP (2012) Remington & Klein (2011)
As manifestações clínicas de crianças com toxoplasmose congênita no 1º. mês de vida in Londrina - UEL, 2000-2010 Assintomáticos 34.5% Sintomáticos 65.5 % Hepatoesplenomegalia 44.8 % Icterícia 13.8 % Esplenomegalia 10.3 % Hepatomegalia 6.9 % Microcefalia 6.9 % Febre 3.4 % Macrocefalia 3.4 % Adenomegalia 0.0 % Capobiango et al. Braz J Inf Dis. 2014,18(4).
Manifestações oculares de crianças com toxoplasmose congênita em Londrina UEL, 2000 a 2010 Sem manifestações 25.8 % oculares Coriorretinite 58.1 % 32.3 % Estrabismo Microftalmia 19.4 % Vitreíte 16.2 % Uveíte 9.7 % 9.7 % Catarata Nistagmo 9.7 % Alterações oculares: 74,2 % Capobiango et al. Braz J Inf Dis. 2014,18(4).
E as crianças assintomáticas? Podem também ter sequelas: visuais, auditiva, motoras, de aprendizagem, endocrinológicas, psiquiátricas... Mcleod et al (2009) Remington et al (2011)
Diagnóstico da criança assintomática? A criança que não tem alterações: Exame físico Exame oftalmológico Exames de imagem do SNC Exames inespecíficos(lcr, Hemograma, ALT) Remington et al (2011)
Diagnóstico da toxoplasmose congênita Detecção da IgM 50 a 75% dos casos Infecção congênita: IgM ou IgA anti T. gondii Elevação dos títulos de IgG em amostras seriadas Persistência dos títulos de IgG após 12 meses de vida Crianças sintomáticas, com mãe IgM ou IgG reagente PCR positivo em líquido amniótico e/ou em sangue da criança Lebech et al (1999) Lago et al (2007) Remington et al (2011) Lebech et al (1996) Remington et al (2011) Brasil et al (2013) AAP (2012)
Fatores que reduzem a positividade da IgM em crianças : Tratamento da mãe durante a gravidez (com pirimetamina e sulfadiazina) = afeta a cinética e a produção de IgG e IgM pelo feto A infecção aguda que ocorreu na primeira metade da gravidez = IgM já tornou-se não reagente ao nascimento Tratamento da criança = afeta a produção de IgM e IgG, portanto a cinética de anticorpos Sensini, A. Clinic Microb Infect, 2006, 12: 504-512
CASOS EM AVALIAÇÃO Criança assintomática com a diminuição da IgG e IgM não reativa CASO DESCARTADO Criança assintomática com duas amostras não reativas de IgG * (com 2 meses de intervalo) e IgM não reagente. e há pelo menos 6 meses sem tratamento * MITSUKA-BREGANÓ, R.; LOPES-MORI, F.R.; NAVARRO, I.T. 2010. BRASIL.Atenção à Saúde do RN Guia para os Profissionais de Saúde, 2013.
Novos métodos sorológicos Crianças com toxoplasmose congênita e teste convencional (IgM) não reagente foram diagnosticadas precocemente na vida com Western Blot (WB) positivo Remington et al (2004) Dupont et al (2003) Pinon et al (2001) Remington et al (1985)
Western blot WB positivo na criança: Anticorpos que reconhecem pelo menos uma banda diferente da materna ou com maior intensidade em comparação com a banda correspondente materna Machado et al (2010) Rilling et al (2003) Gross et al (2000) Chumpitazi et al (1995) Remington et al (1985)
Western blot IgG WB vs IgM anti-t. gondii (n = 47, 15 crianças infectadas): 6 crianças: WB + e IgM - 3 crianças : WB - e IgM + 3 crianças : ambos negativos 3 crianças : ambos positivos Capobiango JD - Thesis (2014)
Sensibilidade da IgM anti-t. gondii e do Western Blot para a detecção de IgG anti-t gondii, sozinha e em combinação Teste Sensibilidade IgM T. gondii + 40,0% WB + 60,0% IgM T. gondii ou WB + 76,0% Capobiango JD Thesis (2014)
Diagnóstico da toxoplasmose congênita Para aumentar a sensibilidade do diagnóstico em crianças com TC assintomática: completa avaliação clínica, laboratorial e de imagem; associação de vários métodos sorológicos durante o seguimento, como a sorologia convencional (IgG, IgM e IgA) e o Western blot (IgG e IgM).
Tratamento da criança Objetivos: Reduzir as sequelas na criança Reduzir novas lesões oculares Jones et al. (2003) McLeod et al (2006) McLeod et al (2009) Phan et al (2008)
Chicago Coorte prospectiva 38 Crianças com diagnóstico tardio, sem oportunidade de tratamento 72% desenvolveram pelo menos uma NOVA lesão ocular 52% destas com idade 10 anos
Chicago Coorte prospectiva 1.032 crianças tratadas no primeiro ano de vida 10,5% com NOVAS lesões oculares no seguimento (n= 108) 41% destas com idade 10 anos Importância do seguimento a longo prazo
Estudo retrospectivo Janeiro/2000 a dezembro/2010 236 pacientes: suspeita de toxoplasmose congênita 31 pacientes: confirmado toxoplasmose congênita 27 (87,0%) gestantes: sem tratamento específico
Sequelas
Estudo descritivo e prospectivo Agosto de 2013 a agosto de 2014 Caso suspeito: Gestantes com IgM anti-t. gondii reagente e/ou crianças de mães com IgM anti-t. gondii reagente Ficha específica para registro das notificações Hierarquia de fluxo de notificação 64 casos suspeitos de toxoplasmose adquirida na gestação foram notificados 98,4% realizou atendimento pré natal (42% diagnóstico no 1º trimestre)
Número de atendimentos por suspeita de TC e casos 250 200 150 100 50 0 confirmados de TC, ambulatório HU/UEL 206 159 149 140 127 95 62 80 75 34 2 2 4 2 4 7 3 12 8 2 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 * até 31/05/2018
Atendimentos por suspeita de TC e casos confirmados de TC, ambulatório HU/UEL A partir de 2015 até maio/2018: Somente 3 gestantes não trataram 70% início do tratamento no 3º trimestre Ainda há atraso para início do tratamento Muitas crianças perderam seguimento = 29/92 (31,5%) Lesão ocular = 3/25 (12%) Lesões SNC = 1/25 ( 4%) Coinfecção (CMV, Sífilis, Zika, HIV) = 7/92 (7,6%)
Notificação obrigatória de Toxoplasmose Gestacional e Toxoplasmose Congênita
Implementar vigilância e prevenção! As políticas devem visar o desenvolvimento humano e socioeconômico como meio de reduzir a prevalência da toxoplasmose. Para isto, basta uma administração eficiente com uso adequado dos recursos. Carellos et al (2014)
Ainda temos muito a aprender... Obrigada! jaquedc@uel.br