1 BREVE ANÁLISE DO TELETRABALHO José Marcos Moreno Morelo Filho Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estagiário da Equipe Trabalhista do Felsberg Advogados Associados RESUMO: O objetivo deste artigo é estudar o teletrabalho, analisando sua consequência em decorrência da lei 12.551/2011, traçando um panorama com a evolução do direito laboral. ABSTRACT: The goal of this paper is to study teleworking, analyzing its consequence as a result of the law 12.551/2011, drawing a panorama with developments in labor law. As mudanças ocorridas na sociedade, em virtude do notável avanço da ciência e tecnologia, constitui um desafio ao direito, principalmente se relacionado ao campo social do direito laboral, que se renova constantemente diante deste câmbio de perspectiva da sociedade pós-moderna. Desta forma, inicialmente se faz necessário definir e situar este home pósmoderno responsável por tantas mudanças e avanços no campo laboral. A pós-modernidade, pelo que explicita José Luis Sanfelice¹, está ligada ao surgimento de uma sociedade pós-industrial, na qual o conhecimento é a principal força econômica de produção. Ela é, portanto, um fenômeno, dentre outras coisas, que expressa uma cultura de globalização e de ideologia neoliberal. O modelo pós-moderno de produção e consumo gerou a sociedade de massa, na qual esta concentrado o próprio trabalhador, alienado não só em razão de fomentar o produto com a venda da energia de trabalho, como, ainda, por adquiri-lo com o plus da mais valia sem consciência de ser o autor da obra elaborada.² É a alienação da cadeia de trabalho, cujo empregado sequer tem noção, na escala industrial, do produtofim que advém de sua labuta. Em decorrência disso, temos a sociedade da informação, também ínsita da pós-modernidade. Sua principal característica é o fim da limitação geográfica, outrora
2 imposta pela distância, tempo ou volume para transmissão da informação. É a ausência de barreiras alcançada pela internet e mobilidade telefônica³. O homem pós-moderno está exatamente inter-relacionado neste contexto social e cultural, cuja principal característica é a globalização e avanços tecnológicos responsáveis pela criação e surgimento de diversos fenômenos do âmbito trabalhista, na qual está abarcado o teletrabalho. Em decorrência disso, surgem leis e entendimentos jurisprudenciais que regulam e normatizam essas mudanças. Neste diapasão, tem-se a lei n 12.551/2011, que alterou o artigo 6 da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentando o parágrafo único, reconhecendo o trabalho à distância. O teletrabalho é uma modalidade de trabalho à distância típica dos tempos pós-modernos. 4 Com rápido avanço da tecnologia, destarte anteriormente mencionado, o labor fora do estabelecimento do empregador, mantendo contato por meio de recursos eletrônicos, passou a ser constante. Para Amauri Mascaro Nascimento, o trabalho à distância, na seara do teletrabalho, é aquele que não é realizado no estabelecimento, mas fora dele, com a utilização de meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo. 5 Da mesma forma, pelo que se extrai do texto jurídico do professor Gustavo Gauthier, en la OIT, en uma de las primeras definiciones de teletrabajo, ya se ponía el acento en dos aspectos básicos del concepto distancia y tecnologia -, al describir el fenómeno como una forma de trabajo donde la prestación se localizaba em forma remota de las oficinas centrales, produciendo una separación entre el trabajador y el resto de los trabajadores de la empresa, mediante las nuevas tecnologias que facilitan la comunicación. 6 Nesta toada, cabe explorar as peculiaridades desta modalidade, e sua recepção no direito trabalhista pátrio. Ou seja, mesmo que o trabalho seja realizado preponderantemente fora do estabelecimento do empregador, como ocorre no teletrabalho, se presentes as exigências dos artigos 2 e 3 da CLT, que ditam os requisitos do vínculo laboral, tem-se a existência da relação de emprego 7.
3 Neste entendimento, havendo controle e direção quanto à maneira do referido labor, ainda que por meio de instrumentos eletrônicos e de telecomunicações, deve ser reconhecida a presença da subordinação jurídica, caracterizadora da vinculação laboral, que gera reflexos na doutrina e jurisprudência trabalhista. Nesta acepção, da análise de casos concretos, a jurisprudência de nossos tribunais tem equiparado o teletrabalhador à figura do trabalhador a domicílio, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. HOME OFFICE: ENQUADRAMENTO E EFEITOS JURÍDICOS. OUTROS TEMAS: SUBSTITUIÇÃO. ACÚMULO DE FUNÇÕES. HORAS EXTRAS. ADICIONAL NOTURNO. HORAS DE SOBREAVISO. FÉRIAS INTERROMPIDAS. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O teletrabalho e o trabalho em domicílio (home office) tornaram-se frequentes nas últimas décadas em face da invenção, aperfeiçoamento e generalização de novos meios comunicacionais, ao lado do advento de novas fórmulas organizacionais e gerenciais de empresas e instituições. Isso não elimina, porém, necessariamente, a presença de subordinação na correspondente relação socioeconômica e jurídica entre o trabalhador e seu tomador de serviços, desde que ultrapassado o conceito tradicional desse elemento integrante da relação empregatícia em favor de sua dimensão objetiva ou, até mesmo, em favor do conceito de subordinação estrutural. Dentro deste novo, moderno e atualizado enfoque da subordinação, os trabalhadores em domicílio, mesmo enquadrando-se no parâmetro do home office, podem, sim, ser tidos como subordinados e, desse modo, efetivos empregados. Não obstante, não se pode negar que, de maneira geral, em princípio, tais trabalhadores enquadram-se no tipo jurídico excetivo do art. 62 da CLT, realizando o parâmetro das jornadas não controladas de que fala a ordem jurídica trabalhista (art. 62, I, CLT). Por outro lado, a possibilidade de indenização
4 empresarial pelos gastos pessoais e residenciais efetivados pelo empregado no exercício de suas funções empregatícias no interior de seu home office supõe a precisa comprovação da existência de despesas adicionais realizadas em estrito benefício do cumprimento do contrato, não sendo bastante, em princípio, regra geral, a evidência de certa mistura, concorrência, concomitância e paralelismo entre atos, circunstâncias e despesas, uma vez que tais peculiaridades são inerentes e inevitáveis ao labor em domicílio e ao teletrabalho. Finalmente, havendo pagamento pelo empregador ao obreiro de valores realmente dirigidos a subsidiar despesas com telefonemas, gastos com informática e similares, no contexto efetivo do home office, não têm tais pagamentos natureza salarial, mas meramente instrumental e indenizatória. Na mesma linha, o fornecimento pelo empregador, plenamente ou de modo parcial, de equipamentos para a consecução do home office obreiro (telefones, microcomputadores e seus implementos, etc.) não caracteriza, regra geral, em princípio, salário in natura, em face de seus preponderantes objetivos e sentido instrumentais. Agravo de instrumento desprovido. (TST, 6ª T., AIRR 62141-19.2003.5.10.0011. Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, Dj 16.04.2010). Não obstante, enquanto o trabalho em domicílio é mais constante em atividades manuais, o teletrabalho é normalmente realizado em atividades que exigem certo conhecimento especializado, como auditoria, gestão de recursos, tradução, jornalismo, digitação. 8 Assim, o artigo 83 da CLT, além de assegurar ao empregado em domicílio o salário-mínimo, define tal modalidade sendo aquela: executada na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere. No âmbito internacional, pelos termos do artigo 1 da Convenção 177 de 1996, da Organização Internacional do Trabalho, trabalho em domicílio significa o trabalho que uma pessoa, designada como trabalhador em domicílio, realiza: em seu
5 domicílio ou em outro local que escolher, mas distinto do local de trabalho do empregador; em troca de remuneração; com o fim de laborar um produto ou prestar um serviço, conforme especificações do empregador. Contudo, tal Convenção ainda não fora ratificada pelo Brasil. 9 Neste cenário, grandes discussões surgem acerca do controle de jornada deste trabalhador, principalmente, porque, pode implicar em pagamento de horas extraordinárias, pelo que assegura nossa Constituição Federal, em casos de extrapolação da oitava hora diária (ou distinta disso, caso disponha diversa, alguma Convenção Coletiva ou sentença normativa) inciso XVI do art. 7º da Constituição Federal. Nos casos de teletrabalho, a sujeição a uma jornada extraordinária tende a um regime de horas extraordinárias similar ao de um trabalhador interno; ou seja, o excesso de trabalho do teletrabalhador em domicílio deve ser considerado como horas extras nos acordos e convenções coletivas; excesso que será contestado através do programa de controle do tempo de trabalho, como também por meio do cartão exigido pelo ordenamento jurídico. 10 Do ponto de vista prático, como ocorre na configuração do trabalho a domicílio, também será difícil a constatação da jornada suplementar no teletrabalho. A dificuldade esta no fato do empregado não estar vinculado fisicamente ao empregador ou um preposto dele. O trabalho realizado pelo teletrabalhador é externo, logo, de acordo com o artigo 62, inciso I da CLT, não há que se falar em pagamento de horas extras, pela ausência do controle de jornada. Contudo, a apuração de existência ou não de horas suplementares, será constatada em função do caso concreto analisando-se a carga diária de trabalho e metas que deveriam ser cumpridas pelo obreiro. Somente em face das peculiaridades de cada situação é que se pode dizer se o teletrabalhador possui ou não controle indireto sobre sua prestação diária dos serviços, e jornada. 11 Para Gustavo Felipe Barbosa Garcia, o poder de controle do empregador, assim, pode ser exercido por meio de recursos de telefonia e da informática, em especial com a utilização da internet. Considerando a existência de maior flexibilização do horário
6 laborado, surgem dificuldades quanto á demonstração do direito á remuneração das horas-extras. 12 Não obstante, para Gauthier, el control del trabajo a distancia gracias al desarrollo de los programas informáticos, puede llegar a ser constante y minuncioso, incluso mucho más estrecho que el clássico control presencial de um superior. 13 Las possibilidades de control a distancia de la actividad del teletrabajador que ofrecen las nuevas tecnologias pueden llegar a ser ilimitadamente invasivas de las esferas más íntimas del trabajador y también de la vida de las personas quecom él conviven cuando el teletrabajo se presta em el domicilio. 14 Nesta esteira, corroborando com Javier Thibault Aranda no parágrafo anterior, os instrumentos tecnológicos cada vez mais possibilitam que o poder de direção seja exercido pelo empregador, ainda que a distância, devendo-se atentar para que não sejam feridos direitos fundamentais de personalidade e intimidade do empregado. Ivan da Costa Alemão, em sua obra sobre a Subordinação Simbólica, analisa este fato: no teletrabalho a privacidade do empregado é exposta mais profundamente. Se na empresa a privacidade do empregado pode ser atingida, por exemplo, num momento em que é revistado, no sistema do teletrabalho o empregador acaba por penetrar, de certa forma, na vida do empregado em sua própria casa. 15 Pelo breve exposto, significativo mencionar que apesar da mudança ao artigo 6 da Consolidação das Leis do trabalho, trazida pela Lei n 12.551 de 15 de dezembro de 2011, que incluiu o teletrabalho, reconhecendo esta modalidade no direito pátrio, este não foi ainda devidamente regulamentado. Ao que parece os Tribunais admitem o teletrabalho como espécie de trabalho a distância, sendo aquele, contudo, um labor executado por recursos tecnológicos. De qualquer modo, não há, ainda, uma regulação legal quanto às peculiaridades do teletrabalho, devendo a priori ser aplicadas as normas e princípios gerais ao direito do trabalho, com a análise concreta para averiguação da extrapolação da jornada de trabalho, e pagamento ou não do adicional de horas extras.
7 Inclusive, quanto a este controle tecnológico da jornada, o respeito à privacidade do trabalhador deve ser observado para que não implique e reflita em outras questões na esfera laboral, como por exemplo a implicação de danos morais ao obreiro. NOTAS E REFERÊNCIAS: ¹ SANFELICE, José Luis Pós-Modernidade, Globalização e educação, capítulo um Conferência proferida no VII Congresso de Educação, promovido pela Universidade do Contestafo (UnC) SC, 18/10/2000. ² BAUDRILLARD, J.- A sociedade de Consumo. Rio de janeiro, Elfos Editora; Lisboa, Ed. 70. ³ FOUCAULT, Michel. História da loucura. 2. ed., São Paulo: Perspectiva, 1989 4 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2011 5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24 ed. São Paulo, 2009, Saraiva. 6 GAUTHIER, Gustavo. Perspectiva Laboral del Teletrabajo. Artigo jurídico da Revista Magister de Direito do Trabalho, n 45, edição nov/dez de 2011, Coordenada pelo professor Nelson Mannrich. 7 CAVALCANTE, Jouberto de Quadros pessoa. O Fenômeno do Teletrabalho: uma abordagem jurídica trabalhista. Artigo jurídico da Revista Magister de Direito do Trabalho, n 46, edição jan/fev de 2012, Coordenada pelo professor Nelson Mannrich. 8 BARROS, Alice monteiro. Curso de Direito do Trabalho, 2 ed. São Paulo, Ltr, 2006. 9 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 26 ed. São Paulo, Atlas, 2010. 10 FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 13ª ed. Editora Saraiva, São Paulo SP, 2005 11 vide referência n 7 12 vide referência n 4 13 vide referência n 6 14 THIBAULT ARANDA, Javier. El Teletrabajo en España. Ministério de Asuntos Sociales, 2001. 15 ALEMÃO, Ivan da Costa; BARROSO, Marcia Regina C. A subordinação Simbólica: mecanismos de dominação no mundo do trabalho. Artigo da revista Decisório Trabalhista, fascículo 172, jun/2011.