BOLSA VERDE: AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS A PROPRIEDADES RURAIS LOCALIZADAS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO XOPOTÓ MG Marcelo Oliveira Santos; Laércio Antônio Gonçalves Jacovine; Mariana Barbosa Vilar, Ana Carolina Campanha de Oliveira. RESUMO Concomitantemente com o desenvolvimento da agricultura, pecuária, indústria e exploração de recursos naturais, surge a necessidade de estabelecer incentivos técnicos e econômicos que possam motivar produtores rurais a preservar áreas importantes para manutenção dos serviços ambientais. Em Minas Gerais, a Lei Estadual nº 17.727 de 2008 foi aprovada, criando o benefício Bolsa Verde. Este instrumento possibilita, através de uma remuneração anual, o reconhecimento dos serviços ambientais prestados pelos produtores rurais. Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar preliminarmente o pagamento por serviços ambientais a propriedades rurais dos municípios de Alto Rio Doce, Brás Pires, Cipotânea e Desterro do Melo, localizados na bacia hidrográfica do rio Xopotó, MG. Os critérios definidos pelo Comitê Executivo do Programa foram analisados qualitativamente, para posterior avaliação do enquadramento de 36 produtores rurais no escopo do programa e verificação da possibilidade de recebimento do benefício por parte desses. Verificou-se que o Bolsa Verde é uma oportunidade para os pequenos produtores rurais de Minas Gerais, embora sejam necessárias inúmeras adequações nas propriedades para amplo enquadramento nos critérios estabelecidos pelo Comitê Executivo. Para o recebimento do benefício, os agricultores terão que aprimorar o manejo de suas propriedades para garantir a prestação dos serviços ambientais em quantidade e qualidade, aumentando assim a suas pontuações frente aos critérios estabelecidos, possibilitando o recebimento do Bolsa Verde. Palavras-chave: Bolsa Verde; Pagamento por Serviços Ambientais; Rio Xopotó. INTRODUÇÃO As necessidades humanas crescem a cada década e, com isso, aumentam as necessidades de desenvolvimento da agricultura, pecuária, indústria e exploração de recursos naturais. Na atualidade, os pequenos e médios produtores rurais são responsabilizados quase que unicamente pela degradação do meio ambiente e não só deixam de receber os devidos méritos pela conservação e proteção dos recursos naturais, mas são penalizados pela legislação que não os reconhece como verdadeiros prestadores de serviços ambientais. O Princípio do Poluidor-Pagador (PPP) define que o poluidor deverá arcar com os custos das medidas para redução da poluição, assegurando que o meio ambiente se encontre em estado aceitável. Como complemento desse princípio, há também o do Conservador- Recebedor, onde define que o conservador deve receber algum incentivo ou até mesmo remuneração para manter sua atividade conservacionista (VILAR, 2009). Sendo assim, observa-se a necessidade de estabelecer incentivos técnicos e econômicos que possam motivar produtores rurais a manter conservadas áreas importantes para manutenção dos serviços ambientais, como as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), previstas no Código Florestal Brasileiro (VILAR, 2009). Atualmente, já é possível encontrar diversas iniciativas no Brasil e no mundo em que os produtores rurais são beneficiados pela conservação da cobertura vegetal nativa em suas propriedades. Em Minas Gerais, a Lei Estadual nº 17.727 de 2008 foi aprovada e regulamentada pelo Decreto Estadual 45.113 de 2009, criando o benefício Bolsa Verde, um instrumento que possibilita, através de uma remuneração anual, o reconhecimento dos agricultores pelos serviços ambientais prestados.
Diante das várias iniciativas de pagamentos por serviços ambientais a nível estadual e municipal é necessário realizar estudos para verificar a sua eficácia e o potencial dos produtores receberem os benefícios, contribuindo assim para a preservação e conservação dos recursos naturais. Assim, o presente trabalho teve como objetivo geral avaliar preliminarmente o pagamento por serviços ambientais a propriedades rurais dos municípios de Alto Rio Doce, Brás Pires, Cipotânea e Desterro do Melo, localizados na bacia hidrográfica do rio Xopotó, MG, através do Bolsa Verde. Além disso, pretendeu-se descrever os principais pontos da Lei Estadual 17.727 e do Decreto Estadual 45.113; analisar qualitativamente os critérios estabelecidos pelo Comitê Executivo do Programa Bolsa Verde para recebimento do benefício; e avaliar quantitativamente as propriedades rurais visitadas durante o Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da bacia do Rio Xopotó, a fim de verificar a possibilidade dessas concorrerem ao benefício. METODOLOGIA O presente trabalho consiste em uma análise qualitativa e quantitativa dos critérios elaborados pelo Comitê Executivo para o recebimento do benefício Bolsa Verde, publicados através da Portaria IEF nº 106 de 2010 e pelo Manual de Princípios, Critérios e Procedimentos para Implantação da Lei nº 17.727. A análise foi feita com base nos dados obtidos no Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental executado em 40 propriedades nos municípios Alto Rio Doce, Brás Pires, Cipotânea e Desterro do Melo, localizados na bacia hidrográfica do Rio Xopotó-MG, durante o mês de Julho de 2008. O Diagnóstico corresponde à parte do projeto Agente Ambiental - Produtor Rural prestador de Serviços Ambientais, desenvolvido pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Instituto Xopotó, cujo objetivo é fomentar a sustentabilidade das propriedades rurais, orientando as atividades produtivas, de forma a contribuir para a melhoria de renda do produtor, sem comprometer os recursos naturais nelas presentes. As informações fornecidas pelo diagnóstico foram analisadas juntamente com a proposta da Lei Nº 17.727/2008. Através da análise dos dados coletados e da interpretação dos textos da referida lei, do decreto Nº 45.113 e dos critérios estabelecidos pelo Comitê Executivo, verificou-se quantas propriedades estavam aptas a receber o benefício e quais foram os pontos de adequabilidade necessários para aquelas possivelmente não aptas. Conforme estabelecido na lei, o benefício será concedido aos proprietários rurais de acordo com a pontuação obtida após análise dos critérios estabelecidos pelo Comitê Executivo do Programa, que variam de acordo com a modalidade, podendo ser a de manutenção da cobertura vegetal, que terá prioridade para o recebimento, ou a modalidade de recuperação da cobertura vegetal. Terão prioridade de atendimento as propostas encaminhadas por proprietários e posseiros que se enquadrem nas seguintes categorias: agricultores familiares; produtores rurais cuja propriedade ou posse tenha área de até quatro módulos fiscais; produtores rurais cujas propriedades estejam localizadas em Unidades de Conservação de categorias de manejo sujeitas à desapropriação e em situação de pendência na regularização fundiária; poderão, também, serem beneficiados os proprietários de áreas urbanas que preservem áreas necessárias à proteção das formações ciliares, à recarga de aquíferos, à proteção da biodiversidade e ecossistemas especialmente sensíveis. Dessa forma, seguem os critérios definidos pelo Comitê Executivo para o recebimento do benefício Bolsa Verde, publicados através da Portaria IEF nº 106 de 16 de junho de 2010 e pelo Manual de Princípios, Critérios e Procedimentos para Implantação da Lei nº 17.727 de 13 de agosto de 2008, Minas Gerais, com suas respectivas pontuações para posterior análise (Tabela 1).
TABELA 1 Critérios de análise definidos pelo Comitê Executivo do Programa Bolsa Verde para a Modalidade de Manutenção da Cobertura Vegetal (IEF, 2010). Primeiro critério: individual ou coletivo 1.a - Demanda individual 01 Demanda coletiva de propriedades ou posses, geograficamente próximas, observados os critérios de micro bacias, conforme pontuação abaixo: 1.b - De 02 até 10 propriedades ou posses 03 1.c - De 11 até 20 propriedades ou posses 06 1.d - De 21 até 30 propriedades ou posses 08 1.e - Acima de 31 propriedades ou posses 10 Segundo critério: somatório individual de pontos 2.a - A propriedade ou posse possui área com cobertura vegetal nativa acima do limite mínimo 06 estabelecido para Reserva Legal, excetuando-se as áreas de APP 2.b - A propriedade ou posse possui área com cobertura vegetal nativa que atenda o limite mínimo 04 de Reserva Legal, excetuando-se as áreas de APP 2.c - A propriedade que possui Reserva Legal averbada ou posse que possui Termo de Compromisso 03 de Reserva Legal no cartório de Títulos e Documentos 2.d - A propriedade ou posse que possui as Áreas de Preservação Permanentes conservadas 05 2.e - Propriedades ou posses nas quais a soma de áreas de cobertura vegetal de Reservas Legais com 03 as áreas de Preservação Permanente seja superior a 50% da área total do imóvel 2.f - Propriedades ou posses nas quais não há uso de agrotóxico 01 2.g - Propriedades nas quais se utiliza controles biológicos ou agroecológicos 03 2.h - Propriedades nas quais se utiliza sistemas de produção agroecológicas ou sistemas de produção 03 integrada 2.i - Propriedades ou posses que utilizam práticas de conservação do solo e da água e da fauna 02 2.j - Propriedades ou posses inseridas em áreas de contribuição direta para o abastecimento público 06 de água 2.l - Propriedades ou posses objeto de aplicação de financiamento na linha de conservação ambiental 03 ou agroecológica, a exemplo do PRONAF/ECO 2.m - A propriedade está vinculada a projetos públicos de inclusão social no campo, devidamente 03 comprovadas pela instituição pública responsável pelo projeto 2.n - Propriedades ou posses que participam de projetos associativos de produção 05 2.o - Propriedades ou posses pertencentes a Povos Tradicionais 03 2.p - Propriedades ou posses vinculadas a políticas públicas destinadas à juventude rural 04 2.q - Propriedades ou posses vinculadas a projetos de reassentamento ou assentamento rural 03 2.r - Propriedade ou posse localizada no entorno de Unidades de Conservação de categorias de 06 manejo sujeitas à desapropriação e em situação de pendência na regularização fundiária 2.s - Propriedade ou posse localizada no interior de Áreas de Proteção Ambiental APA 03 2.t - Propriedades ou posses particulares, situadas em áreas definidas pelo seu Plano Diretor ou 05 aprovadas por lei municipal como zonas urbanas e de expansão urbana, que possuam área de cobertura vegetal nativa de dimensão superior a um hectare e que abranjam nascentes. Não se aplica às áreas destinadas à implantação de equipamento comunitário, conforme estabelecido pela Lei Federal 9785, de 1999 2.u - Propriedades ou posses de particulares, situadas em áreas definidas pelo Plano Diretor ou 03 aprovadas por lei municipal como zonas urbanas e de expansão urbana, que possuam área de cobertura vegetal nativa de dimensão superior a um hectare. Não se aplica às áreas destinadas à implantação de equipamento comunitário, conforme estabelecido pela Lei Federal 9785, de 1999 Para aprovação pelo comitê julgador, o somatório total da proposta enviada deve obter o mínimo de 60% da pontuação do maior projeto apresentado. Caso a proposta não seja aprovada para a modalidade de manutenção da cobertura vegetal existente, essa poderá ser encaixada na modalidade de recuperação, cujas propostas serão analisadas a partir de 2011 para elegibilidade e posterior recebimento do benefício. Dessa forma, o presente trabalho analisará a possibilidade de recebimento do benefício pelos produtores rurais apenas na primeira modalidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Dos 40 produtores visitados, 4 produtores foram excluídos das análises pois suas propriedades apresentam uma extensão territorial maior do que 4 módulos fiscais, não se enquadrando, portanto, nas prioridades de recebimento do benefício estabelecidas pelo Comitê Executivo. Assim, as análises abrangeram 36 propriedades e os resultados encontramse na Tabela 2. TABELA 2 Pontuação total obtida pelo grupo 1, composto por todos os 36 produtores rurais dos 4 municípios visitado. Produtores Pontuação Produtores Pontuação Produtores Pontuação Produtores Pontuação 1 (ARD) 1 06 10 (ARD) 11 9 (BP) 10 9 (CIP) 10 2 (ARD) 10 1 (BP) 2 05 1 (CIP) 3 05 1 (DM) 4 05 3 (ARD) 10 2 (BP) 08 2 (CIP) 08 2 (DM) 05 4 (ARD) 10 3 (BP) 13 3 (CIP) 08 3 (DM) 08 5 (ARD) 10 4 (BP) 08 4 (CIP) 10 4 (DM) 08 6 (ARD) 10 5 (BP) 05 5 (CIP) 10 5 (DM) 10 7 (ARD) 11 6 (BP) 05 6 (CIP) 05 6 (DM) 05 8 (ARD) 11 7 (BP) 10 7 (CIP) 10 7 (DM) 06 9 (ARD) 11 8 (BP) 13 8 (CIP) 10 8 (DM) 05 Critério 1 10 Critério 2 (Média aritmética do grupo) 8,47 Total 18,47 1,2,3 e 4 correspondem à Alto Rio Doce, Brás Pires, Cipotânea e Desterro do Melo, respectivamente. Diante dos resultados obtidos, considerou-se a pontuação obtida muito baixa. Assim, ressalva-se a possibilidade de reprovação da proposta. Talvez seja mais vantajoso elaborar propostas com foco na modalidade de recuperação, pois o tempo para adequação das propriedades será maior, visto que os benefícios para tal modalidade serão liberados apenas em 2011, havendo a possibilidade de melhorar as condições locais para obter uma pontuação ainda maior. Durante a análise do enquadramento dos produtores rurais residentes nos municípios trabalhados dentro dos critérios estabelecidos para o acesso ao benefício do Bolsa Verde, observou-se diversas inconveniências que culminaram na decisão desta análise qualitativa. Logo nos critérios 2.a e 2.b, nota-se a dificuldade de aplicação do Bolsa Verde nas propriedades rurais, visto que trata-se de uma região onde uma parte considerável dos terrenos é classificada como APP. Por isso, muitos produtores consideram inviável a alocação da Reserva Legal, o que destinaria apenas uma pequena parcela da propriedade para a prática agropecuária e para cultivos de subsistência e comercialização. Portanto, propriedades que apresentam limites com cobertura vegetal superior aos referidos 20% são praticamente inexistentes. O critério 2.d foi considerado inconsistente, haja vista a indeterminação dos indicadores para classificação deste estado de conservação. Além disso, existe grande dificuldade em encontrar APPs totalmente conservadas e considerou-se ainda a subjetividade desse conceito, pois o critério de conservação pode ser diferente para distintos avaliadores. Em relação aos critérios 2.i e 2.n, considerou-se injusta a diferença de pontuação. Considerando que o objetivo do benefício é a concessão de uma premiação a produtores rurais que prestam serviços ambientais à humanidade, a utilização de práticas de conservação de solo, água e fauna deve ser considerada mais relevante do que a simples participação dos agricultores em projetos associativos de produção, revelando-se uma contradição por parte da pontuação destinada aos referidos critérios.
CONCLUSÕES O benefício do Bolsa Verde tratado no presente trabalho é uma real oportunidade para os pequenos produtores rurais de Minas Gerais. No entanto, são necessárias inúmeras adequações aos critérios estabelecidos pelo Comitê Executivo do Programa. A realidade das famílias rurais, bem como suas demandas e limitações, devem ser consideradas para adequação destes critérios, viabilizando a aplicação do benefício aos reais prestadores de serviços ambientais. A elaboração de propostas para inclusão das propriedades rurais analisadas na modalidade de manutenção da cobertura vegetal nativa será de difícil execução. Tal situação é verificada pela análise da pontuação encontrada, mostrando a possível inviabilidade da inserção destas propriedades na primeira modalidade. Para que os produtores possam receber o benefício Bolsa Verde são necessárias inúmeras adequações, como averbação da área de reserva legal, adesão dos produtores a projetos associativos de produção, adoção de práticas de controle biológico e sistemas de produção agroecológicos, proteção e conservação das Áreas de Preservação Permanente, entre outras. A execução dessas atividades irá aumentar a pontuação dos produtores frente aos critérios estabelecidos, possibilitando o recebimento do benefício. AGRADECIMENTOS À Universidade Federal de Viçosa; ao professor Laércio Antônio Gonçalves Jacovine, pela orientação e oportunidade deste trabalho; à Mariana Barbosa Vilar; ao Instituto Xopotó; aos produtores rurais que participaram do projeto Agente Ambiental; ao Instituto Estadual de Florestas IEF e à Associação das Siderúrgicas para Fomento Florestal ASIFLOR e ao CNPq. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INSTITUTO XOPOTÓ. SOUZA, A. L.; JACOVINE, L. A. G. OLIVEIRA, A. C. C.; Vilar, M. B. Relatório: Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental de propriedades rurais dos municípios da bacia do Rio Xopotó, MG. Viçosa, MG, 2008. MINAS GERAIS. Decreto Nº 45.113, de 5 de junho de 2009. Estabelece normas para a concessão de incentivo financeiro a proprietários e posseiros rurais, sob a denominação de Bolsa Verde, de que trata a Lei no 17.727, de 13 de agosto de 2008. Belo Horizonte, MG: Governo do Estado. MINAS GERAIS. Lei Nº 17.727, de 14 de agosto de 2008. Dispõe sobre a concessão de incentivo financeiro a proprietários e posseiros rurais, sob a denominação de Bolsa Verde, para os fins que especifica, e altera as Leis nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e 14.309, de 19 de junho de 2002, que dispõe sobre as políticas florestais e de proteção da biodiversidade no Estado. Belo Horizonte, MG: Governo do Estado. MINAS GERAIS. Portaria IEF Nº 106, de 16 de junho de 2010. Abre o prazo para recebimento de propostas no âmbito do Programa Bolsa Verde e dá outra providencias. Belo Horizonte, MG: Instituto Estadual de Florestas. VILAR, M. B. Valoração Econômica de Serviços Ambientais em propriedades rurais. 2009. 171 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal). Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, MG. 2009.